Revista Brasileira de Educação do Campo
The Brazilian Scientific Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-4863.2018v3n1p126
Rev. Bras. Educ. Camp.
Tocantinópolis
p. 126-152
jan./abr.
2018
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O Curso Técnico em Cooperativismo realizado pelo
PRONERA: uma análise baseada na Abordagem das
Capacitações
Conceição Coutinho Melo
1
, Paulo Dabdab Waquil
2
1
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA. Coordenação Geral de Educação do Campo e
Cidadania - DDE. SBN Quadra 1 Bloco D. Ed. Palácio do Desenvolvimento. Brasília - DF. Brasil.
ceicao4@yahoo.com.br
2
Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS.
RESUMO. Este artigo apresenta resultados de uma pesquisa
sobre o Curso Técnico em Cooperativismo (TAC), que surge na
década de 90 como demanda do MST em formar técnicos para
atuar nas cooperativas dos assentamentos rurais de Reforma
Agrária. Atualmente o curso é realizado através do Programa
Nacional de Educação na Reforma Agrária PRONERA, sob o
paradigma da Educação do Campo. A Educação do Campo é
aqui compreendida como um dos alicerces para o
desenvolvimento rural, sob um prisma multidimensional. Diante
disso, buscou-se um desafiador diálogo entre Economia e
Educação do Campo, contribuindo na discussão sobre um
campo empírico ainda o explorado sob a égide da Abordagem
das Capacitações. Esta abordagem, desenvolvida pelo indiano
Amartya Sen, discute o desenvolvimento como expansão das
capacitações das pessoas para viver a vida que almejam, onde a
renda monetária não é o primordial para o bem-estar, mas outras
variáveis (educação, saúde, liberdade política, etc.). Pretendeu-
se investigar se o curso TAC contribui para a expansão das
capacitações de seus egressos e para o desenvolvimento dos
assentamentos rurais. Todos os entrevistados continuaram seus
estudos e atuaram, depois de formados, em entidades ligadas aos
assentamentos. O processo formativo do TAC tem contribuído
na expansão da liberdade dos egressos.
Palavras-chave: Educação do Campo, PRONERA, Abordagem
das Capacitações.
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The Technical Course in Cooperatives by PRONERA: an
analysis based on the People’s Capabilities Approach
ABSTRACT. This paper presents results from a research about
the Cooperatives Thechnical Course (TAC), originated in the
90’s after a need of the MST for forming technical staff for
working in cooperatives located in rural settlements as part of
the Land Reform. Nowadays, the course is taught through the
National Program of Education within the Land Reform
(PRONERA), under the paradigm of Rural Education. Rural
Education is understood as one of the motivations for the rural
development, from a multidimensional viewpoint. Therefore, a
challenging dialogue between Economy and Rural Education
emerged, and contributed to a field little explored under the
aegis of the People’s Capabilities Approach. In such approach,
developed by the Indian Amartya Sen, development is seen as
people’s capabilities expansion for living the lives they yearn,
where monetary income is not essential for the well-being, but
other variables (education, health, political liberty, etc.). The
goal in this research was to investigate if the TAC contributes to
the expansion of capabilities of its graduates and to the
development of rural settlements. All the people interviewed
graduated, and after that, worked in entities related to rural
settlements. The TAC has contributed to the graduates’ liberty
expansion.
Keywords: Rural Education, PRONERA, People’s Capabilities
Approach.
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El Curso Técnico en Cooperativismo realizado de
PRONERA: un análisis basado en el Abordaje de
Capacidades
RESUMEN. Este artículo presenta resultados de una
investigación sobre el Curso Técnico en Cooperativismo (TAC),
surgido en los años 90 como demanda del MST de formar
técnicos para cooperativas de asentamientos rurales de la
Reforma Agraria. Actualmente, el curso es realizado a través del
Programa Nacional de Educación en la Reforma Agraria
(PRONERA), bajo el paradigma de Educación Rural. La
Educación Rural es comprendida aquí como uno de los
alicientes para el desarrollo rural, con enfoque
multidimensional. Por tanto, se buscó un diálogo desafiante
entre Economía y Educación Rural, contribuyendo a la discusión
sobre un campo empírico todavía no explorado bajo la guía del
Abordaje de Capacidades. Este abordaje, desarrollado por el
hindú Amartya Sen, discute el desarrollo como expansión de las
capacidades de las personas para vivir la vida que anhelan, no
siendo primordial el ingreso monetario para el bienestar, sino
otras variables (educación, salud, libertad política, etc.). Se
pretendió investigar si el curso TAC contribuye a la expansión
de las capacidades de sus graduados y al desarrollo de
asentamientos rurales. Todos los entrevistados continuaron sus
estudios y actuaron, al graduarse, en entidades ligadas a
asentamientos. El TAC ha contribuido a la expansión de la
libertad de los egresados.
Palabras clave: Educación Rural, PRONERA, Abordaje de
Capacidades.
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Introdução
O objetivo principal desta pesquisa
foi investigar se o curso Técnico em
Cooperativismo (TAC), realizado através
do Programa Nacional de Educação na
Reforma Agrária (PRONERA), interfere
na realização de funcionamentos e
expansão das capacitações de seus
egressos.
Para alcançar este objetivo foram
delineados três objetivos específicos: a)
caracterizar o perfil e a trajetória dos
egressos antes e depois de formados no
TAC; b) identificar se o TAC pode ser
considerado um instrumento de expansão
das capacidades dos egressos; e c)
conhecer a análise coletiva que se faz sobre
o resultado do curso TAC, como
instrumento de expansão de capacidades
dos egressos, para o desenvolvimento dos
assentamentos, sob o ponto de vista dos
representantes da Cooperativa Central dos
Assentamentos do RS (COCEARGS).
Conhecer qualitativamente os
resultados deste curso técnico, utilizando-
se de dados quantitativos e de uma
abordagem teórica ainda não utilizada para
este campo empírico, tornou-se um desafio
que se pretendeu alcançar a partir do
seguinte problema de pesquisa: o curso
Técnico em Cooperativismo (TAC)
realizado pelo PRONERA no Rio Grande
do Sul tem contribuído para a expansão das
capacitações dos egressos?
Existem muitas vertentes teóricas
que se baseiam na geração de renda como
variável imprescindível ao
desenvolvimento. Estas abordagens não
dariam conta, portanto, da complexidade
do assunto tratado neste trabalho.
Resolveu-se, pois, lançar mão de uma
abordagem multidimensional na qual o
desenvolvimento fosse analisado para além
da geração de renda, incluindo o debate
acerca da justiça social e que o paradigma
da Educação do Campo pudesse ser
considerado parte integrante do
desenvolvimento rural.
Dessa forma, a perspectiva que mais
se adequou a este trabalho foi a
Abordagem das Capacitações - ou
Abordagem das Capacidades, a depender
da tradução. Portanto, no referencial
teórico utilizado, lançou-se mão de um
audacioso diálogo entre esta Abordagem e
os paradigmas da Educação do Campo.
Foi realizado um trabalho de campo
em nível nacional, visto que o curso
analisado recepciona estudantes de todo o
país, de forma que houvesse em cada
região, pelo menos uma entrevista, na
tentativa de apreender parte da diversidade
brasileira, cujos dados, posteriormente,
demonstraram as diferentes realidades
encontradas, as quais interferem
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diretamente na expansão das capacitações
dos egressos.
Esta pesquisa, também pôde
proporcionar às entidades executoras do
curso TAC um banco de dados digital de
todos os egressos, com informações a
respeito do perfil de cada um - origem,
sexo, idade - como também 30 mapas e 54
gráficos dos ingressantes,
desistentes/reprovados e dos próprios
egressos. Para além da discussão
acadêmica que esta pesquisa proporcionou,
essa contribuição para as entidades foi um
importante resultado, para os
pesquisadores de modo geral que
porventura se interessem pela temática,
cujas informações a partir desse trabalho,
já encontrarão sistematizadas.
O curso TAC, para além do que se
pretendia investigar, apresentou variáveis
que ultrapassam os resultados esperados de
um curso técnico. Além da capacitação
profissional, a maior parte dos egressos
entrevistados relatou que teve uma
formação humana que contribui até os dias
atuais na sua vida, como também nas
dinâmicas dos assentamentos rurais de
Reforma Agrária.
Abordagem das Capacitações e
Educação do Campo: um diálogo
possível
Abordagem das Capacitações
A Abordagem das Capacitações foi
desenvolvida por Amartya Kumar Sen a
partir de um diálogo, em muitos aspectos,
com a filósofa Marta Nussbaum. Amartya
Sen é filósofo e economista indiano cujas
contribuições teóricas serviram de base
para a criação do Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH). Em
1998, ganhou o Nobel de Economia, por
suas contribuições à economia do bem-
estar. Seus trabalhos versam,
prioritariamente, sobre desenvolvimento,
desigualdade e justiça.
Apesar de inúmeros trabalhos
publicados, ainda é um desafio à tentativa
de operacionalização da Abordagem das
Capacitações. Alguns trabalhos realizados
por pesquisadores da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (UFRGS) sobre
desenvolvimento rural têm sido
referenciais importantes de
operacionalização da abordagem seniana,
dentre os quais destacam-se no referencial
teórico deste trabalho Kuhn (2004) e
Mattos (2006), os quais contribuem
significativamente para auxiliar na
interpretação das ideias de Amartya Sen.
Crítico da abordagem utilitarista, Sen
(2010) propõe uma nova forma de
considerar os elementos constituintes da
análise do bem-estar. O autor afirma que a
renda passa a ser um meio de realizações, e
não o fim em si do desenvolvimento. Por
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esta razão, o Produto Nacional Bruto
(PNB) de um país, ou até mesmo o Produto
Interno Bruto (PIB) per capita, não reflete
a realidade de desenvolvimento do mesmo.
Isto porque outras questões podem ser
mais relevantes que a renda per capita, em
uma análise avaliatória de
desenvolvimento humano. Ele sugere, pois,
que outras variáveis devam ser ponderadas
na base informacional, como, por exemplo,
idade, estado de saúde, escolaridade, clima
social, etc. (Sen, 2010).
Para Sen (2010), a parte central do
processo de desenvolvimento é a superação
de privações de liberdades, que não
significa apenas tornar a vida mais rica,
mas tornar as pessoas seres sociais mais
completos, interagindo e influenciando o
mundo, exercendo sua condição de agente.
Para os indivíduos exercerem esta
condição, as privações de liberdade
deverão ser eliminadas, e somente dessa
forma os indivíduos teriam escolhas e
oportunidades.
Algumas abordagens identificam o
desenvolvimento como o crescimento do
PNB; PIB; aumento de rendas individuais;
industrialização; avanço tecnológico, etc.
Na Abordagem das Capacitações, estes são
os meios de expandir as liberdades, às
quais também dependem de outros
determinantes, como disposições sociais e
econômicas e direitos civis. A liberdade é
o fim e o meio do desenvolvimento; este é
o objetivo em que, consoante Sen (2010),
devemos nos concentrar, e não apenas nos
meios.
Na Abordagem das Capacitações, a
concepção de desenvolvimento, portanto,
consiste na eliminação de privações de
liberdade que limitam as escolhas e
oportunidades das pessoas exercerem sua
condição de agentes.
Para um melhor entendimento deste
ponto nevrálgico da abordagem em
questão, sugere-se a leitura do trabalho de
Kuhn (2004), o qual pontua o seguinte:
Nesse sentido, percebe-se uma
concepção de desenvolvimento
baseada na forma de vida que a
pessoa tem e se ela teve ou não opção
de levar a vida que leva. Para além de
informações objetivas, Sen indica a
necessidade de perceber a avaliação
que o agente tem de sua própria
condição. É preciso identificar se a
pessoa valoriza sua vida e as opções
que tem (ou ainda, se valoriza as
opções que não pode ter ou se
desconhece as opções disponíveis a
outras pessoas). Diversos tipos de
privações, encontradas tanto nos
países ricos como nos países pobres,
passam agora a incorporar uma noção
de desenvolvimento que vai além da
percepção da renda monetária. Sen
aposta na análise de condições de
vida e das oportunidades dos agentes
para conscientizarem-se e exercerem
sua “condição de agência”. É preciso
perceber se, além das condições
materiais de vida, as pessoas têm
acesso a oportunidades que permitem
que elas possam melhorar sua
qualidade de vida. (Kuhn, 2004, p.
37-38).
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A Abordagem das Capacitações
procura avaliar a liberdade de escolha.
Além do princípio da liberdade, outros dois
componentes fundamentais dessa
abordagem precisam ser esclarecidos:
funcionamentos (functionings) e
capacitações (capabilities).
Os funcionamentos são os elementos
constitutivos do “estado” da pessoa. São o
“ser” (being) e o “fazer” (doing) do ser
humano. Em outras palavras, são as várias
coisas que o indivíduo pode ser e fazer.
Para contribuir com a interpretação
da concepção de Capacitações
(capabilities), faz-se aqui referência ao
trabalho de Mattos (2006), o qual explica
que as Capacitações são funcionamentos
alternativos, ou seja, são estados ainda não
executados efetivamente pela pessoa, mas
que o passíveis disto e tornam-se
funcionamento por meio de um processo
de escolha. Ainda sobre este assunto,
Mattos(2006) acrescenta o que segue:
O conjunto capacitário (capability ou
capability set) é o conjunto de todas
as capacitações. Logo, o conjunto de
possibilidades que a pessoa tem para
levar a vida que deseja. Este conjunto
está revelando, em última análise, a
liberdade da pessoa em escolher a
vida que deseja levar (Mattos, 2006,
p. 40).
Com base na perspectiva seniana,
capacitação é um tipo de liberdade que
permite realizar combinações alternativas
de funcionamentos. Estes consistem em
uma diversidade de coisas que uma pessoa
pode considerar importante fazer ou ter.
Isto não se resume à ideia de renda, pois
esta é diferente de capacitação, visto que, a
depender da idade, estado de saúde, etc.,
pode-se necessitar de mais renda para obter
os mesmos funcionamentos.
Em contraste com as linhas de
pensamento baseadas na utilidade ou
nos recursos, na abordagem das
capacidades a vantagem individual é
julgada pela capacidade de uma
pessoa para fazer coisas que ela tem
razão para valorizar. Com relação às
oportunidades, a vantagem de uma
pessoa é considerada menor que a de
outra se ela tem menos capacidade
menor oportunidade real para
realizar as coisas que tem razão para
valorizar. O foco aqui é a liberdade
que uma pessoa realmente tem para
fazer isso ou ser aquilo coisas que
ela pode valorizar fazer ou ser (Sen,
2011, p. 265-266).
A expansão da liberdade, segundo a
Abordagem das Capacitações, é vista como
o principal fim e meio do
desenvolvimento. Adotar a visão deste
como liberdade é compreender o processo
de inter-relações entre as diferentes
liberdades e disposições institucionais, que
proporcionam oportunidades sociais. Estas
oportunidades geram liberdades, que por
sua vez influenciam as oportunidades: “...
oportunidades sociais de educação e
assistência médica, que podem requerer a
ação pública, complementam
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oportunidades individuais de participação
econômica e política e também favorecem
nossas iniciativas para vencer privações”
(Sen, 2010, p. 10).
Educação do Campo
Em que pese à construção da
dicotomia campo-cidade (gerada pelo fato
de os contextos político e socioeconômico
da realidade brasileira estarem sendo cada
vez mais permeados pelas relações atuais
entre as cidades e o campo), ainda assim
consideramos que o legado histórico
necessita de políticas específicas,
principalmente na área da educação.
A complexidade das condições
socioeconômicas e educacionais das
populações rurais exige maior
coerência na construção de
estratégias que visem alavancar a
qualidade da Educação do Campo.
Desenhar políticas que busquem
suprir as enormes desigualdades no
direito ao acesso e a permanência na
escola para este grupo faz parte desta
estratégia, dito de outra forma: o que
se busca não é somente a igualdade
de acesso ‘tolerada’ pelos liberais,
mas fundamentalmente a igualdade
de resultados (Molina, 2008, p. 28).
Fernandes e Molina (2004) fazem
menção à “superioridade” atribuída ao
espaço urbano, que mascarou as
consequências do modelo de
desenvolvimento agrícola das últimas
décadas, associando aos camponeses,
indígenas e quilombolas a imagem de
grupos inferiores da sociedade,
ocasionando, pois, a negação de direitos.
Portanto, a materialização do direito à
Educação do Campo configura-se como
importante instrumento com potencial -
aliado a outras políticas sociais - para
diminuir as desigualdades e de expansão
das capacidades dos indivíduos para
fazerem o que desejam. “É a compreensão
da ideia do direito a ter direitos que
fundamenta a ação dos movimentos sociais
como demandantes do que está previsto na
lei, mas não materializado na realidade
social” (Molina, 2008, p. 23).
Considerando a educação como uma
das prioridades no meio rural, frente às
históricas injustiças ocasionadas pela
dicotomia entre campo e cidade, as
possibilidades concretas de realização de
justiça social nessa dimensão perpassam
pela discussão acerca de políticas de
redistribuição e reconhecimento.
Os povos do campo
i
, diante desse
legado têm sido tolhidos de muitas
liberdades que contribuem para seu bem-
estar. Como consequência, estão em
desvantagem diante das escolhas do modo
de vida. No âmbito educacional,
principalmente pela privação de acesso a
escolas ou de ensino adequado à realidade
rural, esses povos encontram-se diante de
possibilidades reais muito distintas da
população urbana.
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Essa desigualdade precisa ser
reparada, de modo que a população das
áreas rurais e da cidade possam ter
resultados semelhantes. O meio para isso,
diante dessas diferenças, também deverá
ser diferenciado. Isto justifica, por
exemplo, a criação, nas Universidades, de
turmas especiais com processo seletivo e
metodologias próprias de graduação para
o público da Reforma Agrária.
Isso que foi dito relaciona-se com o
que Sen (2008) assevera: o que deve ser
igualado são as capacitações, as
oportunidades para atingir objetivos
ligados ao bem-estar weel-being
objectives (Sen, 2008).
A educação é um importante
instrumento para diminuir as
desigualdades, e a Abordagem das
Capacitações contribui para a análise desta
área, conforme aponta Picolotto:
O objetivo intrínseco da Abordagem
das Capacitações é ver a educação
como expansão das capacitações das
pessoas e analisar as desigualdades
educacionais, conforme Unterhalter
(2003), Robeyns (2006), Unterhalter,
Vaughan e Walker (2007). A AC
também pode ser considerada como
uma resposta às limitações das
teorias que avaliam educação
somente a partir da ótica da
satisfação de desejos, recursos ou
resultados (2010, p. 2).
As especificidades de grupos sociais
demandam um tratamento público para a
educação, ou seja, exigem alternativas para
assegurar esta prerrogativa. Tomando por
base as diversas teorias de justiça social,
inclusive a Abordagem das Capacitações,
este deveria ser o papel das políticas
públicas: atender de forma diferenciada os
que possuem necessidades diferenciadas.
No entanto, o atendimento dessas
demandas depende, em parte, da forma
como são percebidas as desigualdades e os
desiguais, pois reflete no modo como o
Estado compreende a si mesmo e atua. Os
desiguais são vistos principalmente como
carentes, marginais, excluídos e
inconscientes, e para cada um desses tipos
o Estado se enxerga e atua diferentemente,
ocultando muitas vezes o problema real da
desigualdade, através das visões
reducionistas dos coletivos feitos desiguais
- coletivos sociais, raciais, do campo, etc.
(Arroyo, 2010).
Contudo, nas políticas educacionais
públicas do ensino básico e processos
avaliatórios, as desigualdades construídas
historicamente muitas vezes são
desconsideradas, e o foco recai sobre
fatores intraescolares (desigualdades
escolares) como, por exemplo, a oferta de
turmas noturnas para educandos fora da
faixa etária. A responsabilização, por sua
vez, é atribuída aos professores e
estudantes. Por isso, Arroyo chama atenção
para a retomada urgente da relação não
superada entre educação e desigualdades
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para repensar o Estado, instituições e
políticas. Quando os “coletivos feitos
desiguais” se afirmam como sujeitos de
direitos de políticas, “... as desigualdades
dos coletivos sem-teto, sem-terra, sem-
espaço, sem-comida, sem-universidade,
sem-territórios entram na escola como
nunca antes e interrogam as políticas
educativas, sua gestão e suas análises”
(Arroyo, 2010, p. 1384).
Arroyo (2010) ressalta que as
desigualdades em abstrato não têm rosto
ou lugar, mas os coletivos feitos desiguais
têm raça, classe, etnia, gênero e lugar.
Portanto, pensar as desigualdades de forma
abstrata tem trazido consequências sérias
para a formulação de políticas, sua gestão e
análises. Ainda segundo o autor, cada vez
mais as políticas, nessa perspectiva,
centralizam a ação no Estado, com
políticas generalistas. Assim, os sujeitos
das desigualdades são vistos como
passivos de políticas de um Estado
benevolente, protetor dos desiguais.
A diferença social torna-se um meio
de desigualdade, quando as necessidades
específicas de grupos sociais são ignoradas
ou tratadas de forma uniforme,
desconsiderando-se suas especificidades. O
não reconhecimento, portanto, leva à
construção de territórios de cidadania e de
não cidadania, conforme Arroyo (2010):
A produção das desigualdades esteve
e continua associada a processos de
não reconhecimento, de inexistência,
de não pertença à comunidade
política nem territorial. Como
consequência as presenças
afirmativas dos outros carregam um
profundo significado de
pertencimento, de ocupação do
espaço público, de espaços urbanos,
de terras, territórios, instituições,
escolas, universidades, até do Estado.
Daí que a entrada na escola e na
universidade seja tão importante para
os coletivos feitos desiguais,
inexistentes, desterritorializados,
porque diferentes. Entrar passa a ser
um gesto e ritual carregado de
significados de existência e de
pertença, de disputa e de ocupação de
territórios. Significados radicais que
dão novos sentidos a dominar o
letramento ou numeramento (Arroyo,
2010, p. 1407).
A institucionalização da educação
como direito não foi suficiente por si só
para o atendimento às demandas dos
desiguais.
É preciso compreender que os
princípios legais da educação são
convenções sociais que dão ao
Estado as diretrizes e as bases para
estabelecer políticas, neste caso,
educacionais que visem à conquista
dos direitos sociais. Pois, uma
criança não escolarizada, não letrada,
é a certeza de que o direito à
educação, à formação integral, lhe foi
negada, retirada, não, apenas de uma
pessoa; de uma nação que não se fez
igualitária, justa, inclusiva (Garcia,
2008, p. 26-27).
O acesso à educação, neste trabalho
definido como intitulamento, foi
dificultado, como anteriormente relatado, à
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grande parcela da população rural
brasileira, devido ao descaso com a
educação rural. A retenção dessa liberdade
(liberdade de escolha, na concepção
seniana), ou seja, a dificuldade de acesso à
educação principalmente no campo
significa, em outras palavras, a privação da
liberdade de estudar e consequentemente
um entrave ao desenvolvimento rural.
A educação como movimento de
reestruturação da educação para o campo
manifesta-se como uma forma política de
redistribuição e reconhecimento às
populações rurais enquanto sujeitos de sua
própria história, que em muitos casos estão
organizados em movimentos sociais.
Os direitos questionam as
desigualdades sociais e recolocam o
julgamento das questões sociais sob a
ótica da igualdade, da diferença e da
justiça, por isso, os direitos não estão
restritos ao marco legal. O direito
para ser direito não necessariamente
precisa ser jurídico, mas deve ser
reconhecido como tal. Portanto, os
movimentos sociais, requerem
sujeitos ativos que tomam para si a
definição de seus direitos e buscam
seu reconhecimento efetivado (Silva,
2006, p. 85).
Destaca-se aqui a materialização do
direito à Educação do Campo a partir da
experiência do PRONERA que será
abordada de forma mais detalhada a seguir.
Esta política tem em seus princípios e
objetivos atender às especificidades de
populações do campo, que historicamente
foram constituidores de coletivos feitos
desiguais não apenas no âmbito de
diferenças econômicas, mas também na
dimensão do não reconhecimento de
direitos, como, por exemplo, o direito à
educação específica.
PRONERA e o Curso Técnico em
Cooperativismo TAC
No final dos anos de 1990, o
Programa Nacional de Educação na
Reforma Agrária - PRONERA surge como
uma política social compensatória
ii
, face ao
tensionamento de diversos atores sociais,
notadamente o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST),
frente ao governo federal, à época do então
presidente Fernando Henrique Cardoso,
cuja gestão foi marcada pelo
recrudescimento do Estado mínimo. Isso
ocasionou a forte pressão política em
relação ao debate sobre o atendimento às
famílias rurais de acampamentos e
assentamentos de reforma agrária. Nesse
contexto, a educação rural, além de não dar
conta da demanda quantitativa, possuía
uma metodologia de ensino desconectada
da realidade dessas famílias.
Diante da dicotomia campo-cidade
gerada pelo histórico político, social
e econômico da realidade brasileira,
em que pese estar sendo cada vez
mais permeável pelas relações atuais
entre as cidades e o campo, o rural
necessita de políticas específicas, as
quais, na década de 1990 e início dos
anos 2000, surgem principalmente
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como resposta às reivindicações dos
movimentos sociais. (Castro & Melo,
2014, p. 98).
Nesta conjuntura, o PRONERA teve
seu marco político em meados de julho de
1997, quando ocorreu o I Encontro
Nacional de Educadoras e Educadores da
Reforma Agrária (ENERA), na
Universidade de Brasília (UnB). Este
evento foi promovido pelos seguintes
atores: MST, UnB, Fundo das Nações
Unidas para a Infância (UNICEF),
Organização das Nações Unidas para a
Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB).
Em 1998, em Luziânia (GO), estes
mesmos atores sociais promoveram a
Conferência Nacional por uma Educação
Básica do Campo, e a partir disso deu-se
início à Articulação Nacional por uma
Educação Básica do Campo, que defende o
campo como um espaço de vida digna e a
construção de uma educação voltada à
realidade concreta das famílias rurais.
Este acúmulo de ações, discussões e
articulações, aliado ao apoio da sociedade
à reforma agrária, culminou na criação do
PRONERA, através da Portaria nº 10 de 16
de abril de 1998, do Ministério
Extraordinário da Política Fundiária, sendo
executado pelo Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (INCRA).
Nesta Portaria, destaca-se o objetivo
do PRONERA de fortalecer a educação
nos projetos de assentamentos de reforma
agrária, utilizando metodologias
específicas para o campo que
contribuíssem para o desenvolvimento
rural sustentável destes. Este Programa,
apesar de ter sido criado em 1998, torna-se
reconhecido normativamente como Política
Pública somente a partir do Decreto
7.352, de 04 de novembro de 2010.
Dentre os cursos formais realizados
por meio do PRONERA, destaca-se o
Curso Técnico em Cooperativismo. Até o
lançamento do novo Catálogo Nacional de
Cursos Técnicos de Nível Médio,
publicado pelo Ministério da Educação
(MEC) em 2008, este curso era
denominado Curso Técnico em
Administração de Cooperativas, cuja sigla
era e permanece sendo, tanto para o
PRONERA quanto para o MST,
simplesmente "TAC".
O TAC surgiu no município de
Braga, no estado do Rio Grande do Sul em
1993, formando jovens e adultos de todo o
país, e funcionou com base em um sistema
de autogestão, aliando trabalho e estudo.
Todavia, em 1999, para a realização de
uma turma do TAC (turma 05) foi firmado
o primeiro convênio do
INCRA/PRONERA com o Instituto
Técnico de Capacitação e Pesquisa da
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Reforma Agrária (ITERRA), em
Veranópolis/RS. No período compreendido
entre 1999 e 2016, foram concluídas 10
turmas do referido curso, todas realizadas
no ITERRA por intermédio do PRONERA
(Pesquisa Direta, INCRA
Sede/PRONERA, out/2017).
Christoffoli (2007), Menezes Neto
(2003), Cerioli (1997), etc. apresentam a
importância do TAC em razão da sua
especificidade metodológica, isto é, do
trabalho como elemento pedagógico e sua
vinculação direta com o processo
produtivo das cooperativas ligadas ao
MST.
Atualmente, a duração do TAC é de
três anos e meio, incluindo em seu
currículo, a partir de 2003, aulas de
Planejamento do Desenvolvimento
Sustentável dos Assentamentos. Segundo
Christoffoli (2007), esta mudança na
estrutura curricular se deu para que se
pudessem desenvolver metodologias que
ajudassem a organizar os assentamentos.
Ademais, é importante ressaltar que,
também com o intuito de organizar os
assentamentos, foi constituída, em 1991
(apenas dois anos antes do surgimento do
curso TAC), a Cooperativa Central dos
Assentamentos do Rio Grande do Sul
(COCEARGS), com sede na cidade de
Porto Alegre.
Esta cooperativa, além de ter como
finalidade organizar os assentamentos do
estado, também surge com o intuito de
representá-los, buscar linhas de crédito,
articular assistência técnica e política dos
assentados, organizar a produção e a
agroindustrialização e incentivar a
cooperação. Ligado à criação desta
cooperativa central, o MST criou, com o
objetivo de estimular e massificar a
cooperação agrícola dentro dos
assentamentos, a Confederação das
Cooperativas da Reforma Agrária
(CONCRAB), em 1992, articulando todas
as cooperativas em âmbito nacional
(Santalucia & Hegedus, 2005).
Desta forma, o TAC, quando da sua
criação, em 1993, esteve estreitamente
ligado ao desenvolvimento das discussões
e práticas de cooperação dos
assentamentos ligados ao MST, e “... surge
como demanda do Movimento para a
formação de quadros cnicos capazes de
dar conta do gerenciamento das
organizações associativas que vinham
sendo constituídas nos assentamentos ...”
(Christoffoli, 2007 p. 71).
Para os assentamentos do Rio
Grande do Sul, este curso é estratégico,
uma vez que contribui com a organização e
o funcionamento das cooperativas
centralizadas pela COCEARGS. Porém,
existe um questionamento que
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consideramos relevante: qual seria a
contribuição deste curso na vida dos
egressos?
A Pesquisa de Campo e os principais
resultados encontrados
Na pesquisa exploratória foi possível
o acesso a algumas informações das 493
pessoas que ingressaram no TAC (até o
período desta pesquisa), das quais 265
eram egressos do curso e 228 foram
desistentes/reprovados/transferidos. Dentre
este universo, a pesquisa se deteve aos
egressos das turmas formadas em parceria
entre INCRA, ITERRA e o Instituto de
Pesquisa e Educação do Campo (IPE-
CAMPO), no período de 1999 a 2015,
totalizando o quantitativo de 265 egressos.
Foram analisadas 493 pastas
individuais manualmente - Estas
informações estavam dispersas em diversas
folhas de papel, dentro de antigas pastas de
arquivo suspenso - das quais 265 eram de
egressos e 228 de
desistentes/reprovados/transferidos. Foram
anotadas as informações que serviriam
para esta pesquisa: turma, nome completo,
sexo, data de nascimento,
assentamento/município/estado de origem.
Em relação aos desistentes ou reprovados
do curso, foram anotados apenas o estado
de origem.
O curso TAC teve quatro turmas
formadas anteriormente à criação do
PRONERA, porém esta pesquisa se deteve
às turmas formadas através deste
programa, ou seja, a partir do momento
que este curso passa a ser ofertado através
de uma política pública, e não apenas pelo
MST.
Deste universo escolhido optou-se
pesquisar apenas uma amostragem, apesar
desta pesquisa possuir cunho qualitativo e
utilizar algumas ferramentas do método
quantitativo, a escolha de amostragem não
objetivou a necessidade de
representatividade do universo. A
preocupação gira em torno da qualidade
das informações, atingindo certo grau de
saturação das mesmas. Além disso, para o
atingimento dos objetivos desta pesquisa,
também os atuais representantes da
COCEARGS e da CONCRAB também
serviram de unidade de análise.
Inicialmente foi contatada a diretoria
do Instituto de Educação Josué de Castro
(IEJC), responsável pela administração do
curso no ITERRA E IPE CAMPO (as três
instituições funcionam no mesmo prédio,
localizado no município de
Veranópolis/RS), para explicar os
objetivos da pesquisa e um dos
coordenadores pedagógicos dessa
instituição indicou um representante da
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COCEARGS, coincidentemente egresso do
TAC, para iniciar o estudo.
A partir de uma conversa inicial com
esse diretor, que posteriormente participou
da pesquisa enquanto direção da
COCEARGS foi-nos apresentado um
egresso que atualmente trabalha nesta
cooperativa central. Daí em diante, cada
pessoa contatada fornecia o número do
telefone ou correio eletrônico de alguém
que pudesse contribuir para esse trabalho,
de modo que esta “rede solidária”, no
decorrer da pesquisa, nos forneceu
diversos contatos, que em sua maioria se
disponibilizou a participar, embora nem
todos tenham podido, por motivos pessoais
ou de logística.
Por fim, a amostragem foi de 22
pessoas: 19 egressos, dois diretores da
COCEARGS e um diretor da CONCRAB.
Quadro 1 Distribuição dos egressos entrevistados por origem.
Região
Estado de origem
Quantidade de
egressos entrevistados
Centro Oeste (CO)
Mato Grosso do Sul - MS
02
Nordeste (NE)
Ceará - CE
01
Norte (N)
Pará - PA
03
Sudeste (SE)
Minas Gerais - MG
02
Sul (S)
Paraná PR
03
Rio Grande do Sul - RS
08
TOTAL
19
Fonte: Pesquisa de campo (2015).
Para a realização das entrevistas com
os egressos, além daquelas realizadas em
Porto Alegre (RS), foram necessárias oito
viagens de campo, assim distribuídas: uma
para Eldorado do Sul (RS); duas para
Veranópolis (RS); uma para Governador
Valadares (MG); uma para Fortaleza (CE);
uma para Belém (PA); uma para Castanhal
(PA); e uma para Ponta Porã (MS). Em que
pese ter havido três entrevistados do estado
do Paraná, este não foi visitado na pesquisa
de campo. Esses egressos foram
encontrados no Rio Grande do Sul.
Conforme explicado anteriormente,
esta pesquisa se deteve aos dados das
turmas 05 à 13, todas concluídas e
executadas através de convênios entre o
INCRA/PRONERA e o ITERRA e o
IPECAMPO. As turmas anteriores, além
de não terem sido executadas através do
PRONERA, tiveram seus documentos
destruídos no incêndio ocorrido no local
onde funcionava o TAC, município de
Braga/RS.
A partir da análise de 493 pastas
individuais dos ingressantes no curso TAC
nessas nove turmas, foi criado um banco
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de dados com informações básicas dos
egressos: nome, sexo, data de nascimento,
origem (assentamento, município, estado),
bem como a origem dos
evadidos/reprovados/transferidos.
A análise deste banco de dados
permitiu, através da estatística descritiva, a
elaboração de algumas representações
gráficas para apresentar o perfil das
turmas. Cabe dizer que este material foi
enviado para o ITERRA, de forma que o
próprio instituto ou demais pesquisadores
possam ter acesso.
Apenas os estados do Acre - AC,
Amazonas - AM, Amapá - AP e Roraima -
RR, todos da região Norte, não tiveram
nenhum ingresso nessas nove turmas,
como pode ser observado no mapa a
seguir:
Figura 1: Mapa de alunos ingressos por estado (T5 a T13).
Fonte: Dados da Pesquisa, 2016; IBGE, 2016. Projeto Cartográfico: Antonio Wellington Lira Moreira.
A maior incidência de origem dos
ingressos é da região Sul e a menor
incidência da região Norte, provavelmente
por conta da localização da escola onde
ocorre o TAC: Veranópolis/RS. A turma
09 foi a única que não teve representação
de todas as regiões, não tendo nenhum
ingressante da região Nordeste.
Com base na abordagem seniana este
tipo de informações é importante para
analisar como um mesmo intitulamento
(Curso TAC) tem repercussões
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diferenciadas nas capacitações, dos
egressos, neste caso.
Isto ocorre porque, como enfatiza
Sen (2008), os seres humanos diferem uns
dos outros de muitos modos. Nascem já
com uma determinada herança de riqueza
(ou pobreza) e responsabilidades. Vivem
em ambientes naturais diferentes e as
comunidades ou sociedades às quais
pertencem oferecem oportunidades
diferentes quanto ao que podem ou não
fazer (Sen, 2008).
Mas além dessas diferenças nos
ambientes natural e social e nas
características externas, também
diferimos em nossas características
pessoais (p. ex., idades, sexo,
aptidões físicas e mentais). E estas
são importantes para avaliar a
desigualdade (Sen, 2008, p. 51).
Dos 493 ingressantes, 265
concluíram o TAC e 228 evadiram do
curso (desistiram, reprovaram ou
transferiram-se para outro curso).
Analisando os dados, pode-se afirmar que
a porcentagem de egressos é proporcional
à quantidade de ingressos por região na
seguinte ordem decrescente: Sul (S),
Centro-Oeste (CO), Nordeste (NE),
Sudeste (SE) e Norte (N). Dentre os 22
estados que enviaram estudantes, apenas o
estado da Paraíba - PB não teve egresso.
Figura 2: Mapa de alunos egressos por estado (T5 a T13).
Fonte: Dados da Pesquisa, 2016; IBGE, 2016. Projeto Cartográfico: Antonio Wellington Lira Moreira.
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De 19 entrevistados, 13 não tinham
possibilidades de fazer um curso técnico
por falta de oferta no município onde
residiam. Apenas três teriam a
oportunidade de fazer um curso cnico
gratuitamente e outros três tinham a oferta
de curso na região onde moravam na época
que ingressaram no TAC, porém, eram
cursos particulares e eles não tinham
condições de custear os mesmos e pagar o
transporte.
Dos egressos, 14 teriam como
primeira escolha outro curso, caso tivesse
sido disponibilizado em seu município ou
pelo próprio ITERRA. De modo geral, os
cursos que teriam escolhidos seriam:
Psicologia, Administração, Contabilidade,
Agronomia, Economia, Educação Física,
Veterinária, Técnico em Agropecuária,
qualquer um de formação política ou que
trabalhasse diretamente com o povo e
qualquer um profissionalizante na área de
gestão, mecânica e eletricidade.
Como foi dito anteriormente, na
prática, apenas três entrevistados teriam
opção de ter realizado algum curso técnico,
mesmo em alguma área que não fosse de
seu interesse. Analisando este resultado da
pesquisa à luz da Abordagem das
Capacitações, a limitação de escolhas, em
outras palavras, a privação de liberdade,
leva o indivíduo a optar por outros
caminhos, diferentes de suas “escolhas
contrafactuais”
iii
.
Dentre os entrevistados, cinco
tinham concluído o ensino médio, estando
assim distribuídos: um magistério, um
auxiliar em contabilidade, um conseguiu o
ensino médio pela nota do Exame Nacional
do Ensino Médio - ENEM, um ensino
médio normal e um cursou duas vezes o
ensino médio (Ciências Humanas e
Administração). Vale ressaltar que todos
os ingressantes no curso TAC participam
das aulas do ensino médio no ITERRA,
mesmo que o tenham concluído
anteriormente.
Apesar de não ter sido a primeira
escolha para a maioria desses egressos,
todos responderam que os motivos que os
levaram a aceitar o convite de cursar o
TAC eram relacionados a dar continuidade
aos estudos e contribuir com o MST,
assentamentos ou cooperativas dos
assentados.
Dentre os entrevistados, três fizeram
ou estão fazendo outro curso técnico e 16
(84%) cursaram algum curso de graduação.
Ou seja, 100% dos entrevistados deram
continuidade aos estudos. Dentre eles, dois
estão cursando mestrado. Cabe ressaltar
que sete dos que cursaram ou estão
cursando graduação e um que está
cursando mestrado realizaram ou estão
realizando estes estudos através do
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PRONERA; cinco dos que estão cursando
alguma faculdade particular conseguiram
bolsa integral ou parcial pelo Programa
Universidade para todos PROUNI e um
está cursando graduação em licenciatura
em Educação do Campo pelo Programa
Nacional de Educação do Campo -
PRONACAMPO.
Dentre os 19 entrevistados, 14 estão
sendo/ou foram beneficiados por algum
programa governamental voltado para a
educação. Com isto, arrisca-se afirmar que
estes programas podem configurar-se
como oportunidades sociais para o
desenvolvimento rural, através da
expansão das capacitações dessas pessoas.
Aqui vale ressaltar que houve para
100% dos entrevistados a ampliação das
capacitações proporcionada pelo curso
TAC. Desta forma, identificou-se que o
referido curso pode ser considerado um
instrumento de expansão das capacidades
dos egressos.
Decorrido mais de uma década após
a pesquisa de Menezes Neto (2003), que
apontou que 89% dos estudantes que ainda
estavam cursando o TAC queriam ao final
do curso trabalhar em cooperativas e
apenas 11% na agricultura, percebeu-se
nos resultados que se apresenta neste
trabalho que os anseios dos educandos, em
certa medida, foram alcançados.
Todos os entrevistados neste trabalho
atuaram, depois de formados, em alguma
entidade ligada aos assentamentos (no
setor produtivo ou na área de educação),
permanecendo, a maioria, vinculada a
algum desses tipos de entidades. Apenas
quatro entrevistados trabalham atualmente
fora de área da reforma agrária e em
entidades desconectadas da mesma (um
motorista concursado de prefeitura
municipal, um instalador industrial, uma
educadora e também micro empreendedora
no setor de alimentos e um articulador e
analista de projetos de programa estadual
ligado ao desenvolvimento rural).
Alguns entrevistados relataram outro
fator limitante na liberdade de escolha de
curso técnico em sua região de origem, que
seria o ônus de pagar moradia na sede do
município para frequentar as aulas durante
um a três anos. Aqui, mais uma vez,
percebe-se o que Amartya Sen denomina
privação de liberdade, um entrave ao
desenvolvimento.
Uma questão crucial nesse debate é,
portanto, a importância da Pedagogia da
Alternância como parte de uma
metodologia de ensino que proporcione ao
educando do campo possibilidades de
estudar, mesmo em locais afastados de seu
domicílio.
Esta discussão reforça a importância
das políticas de distribuição e
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reconhecimento e do PRONERA como a
materialização do direito à educação,
dentro deste rol de políticas. Quando a
Educação do Campo é questionada pelo
senso comum (e até mesmo por
acadêmicos) como uma movimentação
desnecessária, os depoimentos coletados
nas entrevistas aparecem como
contraponto, reafirmando sua necessidade.
A pedagogia da alternância é isso,
forçava o educando ter uma relação
com a origem dele, começar a
questionar a origem, começar a fazer
parte da origem, porque não adianta
se a gente não tem o indutor, a gente
não consegue ter essa percepção de
você enxergar. E a pedagogia da
alternância era isso, era ter a teoria,
voltar e tentar pôr essa teoria aqui,
que a gente aprendeu na prática.
você retorna com a prática teorizando
ela novamente pra ir aperfeiçoando
no decorrer do período do curso.
Então, isso é muito importante,
porque você consegue relacionar os
fatores e você exercita de fato a tua
massa cinzenta que ela naquele
comodismo. Então, pra mim isso foi
determinante (Entrevistado egresso
09).
O curso TAC também proporcionou
a esses entrevistados uma melhoria na
qualidade de vida, em especial à satisfação
pessoal. A maioria teve sua renda
aumentada depois de formado, ou passou a
adquirir alguma remuneração. A renda,
neste trabalho, é considerada, em
consonância com a abordagem teórica
utilizada, como um meio de buscar mais
liberdade em alguma dimensão da vida.
Não é o fim a que se almeja em termos de
desenvolvimento. Por isso, investigar se
aumentou ou se passou a ter alguma renda
significa compreender se houve um
aumento na possibilidade de expandir
liberdades, tirando o foco das mercadorias.
Além disso, as outras variáveis
investigadas sobre os funcionamentos
foram observadas: conhecimento técnico;
trabalho voluntário; militância em
movimento social; cargo em cooperativa;
liderança comunitária;
elaboração/execução de projetos; aquisição
de carga horária técnica para acesso ao
PRONAF Jovem; acesso ao ensino
superior; contabilidade/gestão da
propriedade familiar e atividades
socioculturais.
O que se destacou nas entrevistas foi
a capacitação na formação humana que a
escola proporcionou a todos. Como
resultado disso, o curso proporcionou
outras variáveis de capacitações e
funcionamentos para além dos objetivos de
um curso técnico.
Como apresentado por Caldart
(2012) o MST desenvolveu uma pedagogia
própria Pedagogia do Movimento com
base na educação popular e na Pedagogia
da Alternância, sendo observada essa
peculiaridade nas entrevistas.
... a escola é o Instituto de Educação
Josué de Castro, o IEJC, mas ele ... é
para além do TAC, porque consegue
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buscar outros espaços educativos, por
exemplo, um TAC em qualquer outra
escola não é a mesma coisa, como
numa escola como o ITERRA.
Porque tem algumas atividades que
na natureza do movimento social,
não na natureza do curso. Não na
grade curricular a noite cultural, não
na grade a integração, não tá na
grade a holística, não na grade um
monte de trabalho fundamental:
trabalhar, pra ajudar na alimentação,
tu saber que tu vai fazer o pão, ou tu
faz ou tu vai fazer a comida,
garantindo que outro fazendo o
pão... A geleia a gente que produz na
agroindústria. é essa divisão
técnica, é uma escola pra nós, como é
que tu vai aprender no TAC, é uma
divisão técnica do trabalho? Tu faz o
balancete em cada posto de trabalho
que tu faz, se deu errado, isso
quando tu vai pra sala de aula
estudar, fazer um balancete de uma
coisa, tu já fez lá, seja no panifício,
seja na prestação de serviço, seja na
agroindústria, então é uma aula viva,
tu aprende TAC e aí tô fazendo o
TAC, sendo estudante. ... nossa
escola é diferente, tu tem que saber
que tu tem que lavar prato também,
fazer comida, lavar banheiro, porque
tu suja, né? Então não é fácil fazer
essa pedagogia (Entrevistado egresso
14).
Dessa forma, identificou-se que a
formação nesta metodologia de
aprendizagem proporcionou possibilidades
de adquirir variados tipos de
funcionamentos, ou seja, o TAC
proporcionou o que Amartya Sen
denomina, em outras palavras, as várias
coisas que o indivíduo pode ser e fazer.
Ao ser questionado sobre os motivos
que levaram à criação do curso TAC, a
CONCRAB argumenta que os
assentamentos procuravam na sociedade,
pessoas para ajudar na administração e
associativismo nesses espaços. Porém, os
profissionais eram muito voltados ao
urbano. Quando surgia alguém mais
adequado à realidade rural o custo era
muito alto e as cooperativas não tinham
como pagar pelos serviços. Então, segundo
a CONCRAB, surge o TAC para formar
esses técnicos, criando também, um
compromisso mais político com as
cooperativas, com os assentamentos, para
além de conhecer a parte administrativa, de
forma a contribuir com o desenvolvimento
dos assentamentos, pois a cooperação é
mais ampla que o conhecimento de
cooperativas.
De certa forma a CONCRAB quando
pensou a criação do curso TAC, utilizou-se
de um raciocínio semelhante ao
preconizado na Abordagem das
Capacitações: “O papel fundamental da
educação e o de outros meios de expansão
das capacidades humanas formam uma
conexão sólida no pensamento sobre o
desenvolvimento ...” (Dreze & Sen, 2015,
p. 52).
A COCEARGS verifica uma grande
presença dos egressos no trabalho do MST
como um todo (grupos, associações,
cooperativas, agroindústrias). As turmas
mais recentes são formadas por pessoas
mais novas, com inserção recente no
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acampamento ou assentamento, mas o
curso proporciona a aproximação com a
dinâmica destes espaços.
Este “banho de realidade” nos
estudantes, como explicou a COCEARGS,
é possibilitado através da metodologia de
alternância do curso. Além dessa
proximidade com a realidade, os
estudantes relacionam teoria e prática na
convivência social em campo, e isso tem
os ajudado a ter uma boa qualificação
técnica. A entidade prossegue afirmando
que em inúmeros lugares, após o estágio,
muitos estudantes recebem convite para
contribuir profissionalmente nos
assentamentos/cooperativas.
Quando os educandos estão
terminando o curso, muitos deles
ficam na cooperativa que fizeram o
estágio. Eles somam no controle, no
planejamento, acaba criando uma
tarefa bem prática e estratégica.
Acaba fortalecendo o processo de
gestão da cooperativa (Leodimar
Ferreira/COCEARGS, 2015).
Esta rápida absorção de maioria
desses egressos se em boa medida,
segundo a COCEARGS, porque eles
amadurecem durante o curso e se
apropriam de conhecimentos e ferramentas
que são úteis nesses empreendimentos de
pequeno e médio porte para a introdução
de rotinas, procedimentos, ferramentas de
controle, etc., que contribuem com a gestão
das cooperativas, fazem a diferença.
Identifica-se, a partir da análise da
percepção dos representantes das
entidades, que o curso TAC tem
contribuído não apenas para a ampliação
das capacitações dos egressos,
individualmente, mas também para os
coletivos de assentados (cooperativas,
associações, etc.). Portanto, o próprio
Amartya Sen aponta: expandir as
liberdades não é apenas tornar a vida mais
rica, mas tornar seres sociais mais
completos, interagindo e influenciando no
mundo (Sen, 2010).
Considerações Finais
Esta pesquisa investigou se o curso
Técnico em Cooperativismo TAC,
realizado pelo PRONERA no Rio Grande
do Sul, tem contribuído para a expansão
das capacitações dos egressos. Ou seja, se
o TAC interfere na realização de
funcionamentos (estados e ações) e
expansão das capacitações das pessoas que
o concluíram.
Os termos capacitações e
funcionamentos são conceitos da
abordagem teórica, desenvolvida por
Amartya Kumar Sen, na qual esta pesquisa
baseou-se para analisar o campo empírico.
No referencial teórico deste trabalho fez-se
uma interseção da Abordagem das
Capacitações - que mescla princípios
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econômicos e filosóficos - com o tema da
Educação do Campo.
De maneira geral, algumas dessas
características do curso TAC já eram de
conhecimento empírico para quem trabalha
no cotidiano do IEJC/ITERRA, porém,
este trabalho embasa com os dados
coletados a partir de uma análise da
estatística descritiva e acrescenta algumas
informações que a observação empírica
não permitira apreender.
Os dados consolidados ilustram e
sistematizam, através de método científico,
os relatos da experiência dos educadores
do IEJC/ITERRA. Além disso, o resultado
desta etapa da pesquisa é um complemento
às publicações, principalmente
livros/cadernos do ITERRA, que versam
sobre a temática, mas tratam o perfil da
escola como um todo, não apresentando
dados quantitativos específicos sobre o
TAC.
Todos os egressos tinham um
intitulamento em comum: o acesso à
escolarização (Ensino médio e/ou ensino
técnico) através do Curso Técnico em
Cooperativismo. Este foi o ponto de
partida para averiguar as outras variáveis.
As diferenças encontradas nos
assentamentos visitados e os relatos que
apresentaram realidades totalmente
diversas da região Sul (onde se concentram
os educandos) foram muito interessantes.
As entrevistas na região Norte, por
exemplo, trouxeram dificuldades anteriores
aos problemas que as cooperativas do Sul
possuem. Questões como violência e falta
de políticas públicas, como assistência
técnica, mostraram que dificilmente as
realizações dos egressos serão as mesmas
daqueles que permaneceram no Sul. Não é
de se admirar que a região Norte tenha
apresentado a maior taxa de evasão.
Apesar de ter sido identificado pelos
próprios entrevistados o empoderamento
feminino através do curso TAC, caberia à
escola traçar novas estratégias para a
equidade entre homens e mulheres na
composição das turmas. Além disso, em
relação à possibilidade de criação de curso
no Nordeste, a maior incidência de evasão
se no Norte, cabendo também uma
discussão acerca da possibilidade de
ampliar o curso para atender a realidade
específica dessa região.
As entrevistas realizadas na região
Sudeste também revelaram a escassez das
políticas públicas nos assentamentos. Este
problema aliado à falta de cooperativas na
região visitada ocasionou, por exemplo, a
falta do funcionamento “emprego
remunerado” para um egresso entrevistado.
Durante a pesquisa de campo, foi
observado que a pesquisa foi bem
recepcionada tanto pelos entrevistados,
como pelas lideranças locais nos
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assentamentos. A dificuldade de
deslocamento não foi grande para chegar
aos assentamentos porque a pesquisa
contou com diversas formas de
contribuição (informações, hospedagem,
caronas, acompanhantes locais, etc.) que o
próprio MST disponibilizou para a
realização das entrevistas.
A maioria dos estudos sobre o TAC
ocorreu no próprio ITERRA, mas a
expansão territorial do campo de
investigação que este trabalho realizou foi
fundamental para complementar a análise
teórica sobre a realidade encontrada.
Avalia-se que a metodologia utilizada foi
adequada para o referencial teórico
escolhido e vice-versa.
Na análise das entrevistas com os
egressos, foram identificadas as variáveis
teóricas que orientaram a pesquisa de
campo. Contudo, a realidade se apresentou
ainda mais diversa, fornecendo outras
variáveis que o trabalho não foi capaz de
elaborar inicialmente, apenas com o
referencial teórico, pois foi o próprio
empírico que revelou essa diversidade.
Para os egressos, de forma geral, o
processo formativo do curso TAC tem
contribuído na expansão da liberdade
deles. Isto porque, ao adquirir capacidade
para realizar funcionamento, não somente
como consequência da titulação de ensino
médio e/ou técnico, mas também pelo
processo educativo experenciado no
ITERRA, esses egressos puderam realizar
atividades diversas, conquistaram espaços
e mudaram o seu modo de ser. Eles
tiveram o leque de escolhas ampliado,
complementado pelas oportunidades
advindas de programas e políticas públicas
(ENEM, PROUNI, PRONACAMPO,
PRONERA), que complementaram a
capacidade de realizações adquirida.
Vale dizer que essas entidades são
coordenadoras do curso em nível nacional
(CONCRAB) e estadual (COCEARGS).
Apesar disso, as mesmas não possuem os
dados de quantos egressos contribuem nas
cooperativas dos assentamentos, nem
mesmo apenas no RS.
Ambas as entidades conseguem
definir o que consideram importante para o
desenvolvimento rural e a forma como o
TAC como um todo vem contribuindo para
o desenvolvimento dos assentamentos.
Este resultado foi além do que se
pretendia: a pesquisa de campo conseguiu
investigar, além da COCEARGS, o ponto
de vista da CONCRAB
iv
.
Estando ou não diretamente nos
assentamentos, essas entidades avaliam
que os egressos, vinculados a movimentos
sociais da classe trabalhadora e atuando
nas cooperativas (ou outras organizações)
de assentamentos, estão contribuindo para
o desenvolvimento desses, diante da
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contribuição política e técnica nessas
organizações, na luta por conquistas de
direitos aos assentamentos, ou na
elaboração ou execução de projetos
técnicos/políticos/produtivos que visem
contribuir para o desenvolvimento das
áreas de assentamento.
A pesquisa conclui, portanto, que o
curso TAC tem contribuído para a
expansão das capacitações dos egressos e
não somente aquelas previstas
inicialmente, mas para várias outras,
identificadas durante as entrevistas. Estas
capacitações e funcionamentos observados
devem-se não ao diploma fornecido pela
instituição de ensino, mas pela experiência
pedagógica da escola como um todo.
Por fim, como o trabalho delimitou o
público aos egressos, sendo que a maioria
está vinculada a alguma atividade ligada ao
MST, a maior parte da análise do processo
educativo e seus resultados foi bastante
positiva. Novos estudos poderiam abordar
o universo dos evadidos do curso,
contribuindo assim para ampliar a
discussão desta pesquisa.
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i
São caracterizadas por populações e comunidades
que m seus modos de vida, produção e
reprodução social relacionados predominantemente
com a terra, água e florestas. Neste contexto estão
os camponeses, agricultores familiares,
trabalhadores rurais assentados ou acampados,
comunidades tradicionais, etc.
ii
Política compensatória é uma resposta à
reivindicação para que se repare um dano ocorrido
no passado em relação aos membros de
determinado grupo minoritário. Neste trabalho o
surgimento do Pronera é assim considerado pois
repara em parte os efeitos históricos da educação
rural precária.
iii
Escolha contrafactual é o que alguém teria
escolhido se tivesse escolha (Sen, 2008).
iv
Além dos dois representantes da COCEARGS
entrevistados, durante a pesquisa de campo houve a
oportunidade de encontrar no ITERRA um
representante da CONCRAB, que se disponibilizou
a conceder entrevista.
Recebido em: 20/11/2017
Aprovado em: 17/01/2018
Publicado em: 26/02/2018
Como citar este artigo / How to cite this article /
Como citar este artículo:
APA:
Melo, C. C., Waquil, P. D. (2018). O Curso Técnico
em Cooperativismo realizado pelo PRONERA: uma
análise baseada na Abordagem das Capacitações. Rev.
Bras. Educ. Camp., 3(1), 126-152.
ABNT:
MELO, C. C., WAQUIL, P. D. O Curso Técnico em
Cooperativismo realizado pelo PRONERA: uma
análise baseada na Abordagem das Capacitações.
Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 3, n. 1,
p. 126-152, 2018.
Melo, C. C., Waquil, P. D. (2018). O Curso Técnico em Cooperativismo realizado pelo PRONERA...
Rev. Bras. Educ. Camp.
Tocantinópolis
p. 126-152
jan./abr.
2018
ISSN: 2525-4863
152
ORCID
Conceição Coutinho Melo
http://orcid.org/0000-0001-7758-3345
Paulo Dabdab Waquil
http://orcid.org/0000-0002-9430-7040
Os autores Conceição Coutinho Melo e Paulo
Dabdab Waquil declaram serem responsáveis pela
elaboração do artigo, sendo que a primeira autora
participou da elaboração do projeto, coleta de
dados, análise e interpretação dos dados, escrita e
revisão do conteúdo do manuscrito e o segundo
autor orientou todas as etapas do trabalho, sendo
ambos responsáveis pela aprovação da versão final
a ser publicada.