Revista Brasileira de Educação do Campo
The Brazilian Scientific Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-4863.2018v3n1p260
Rev. Bras. Educ. Camp.
Tocantinópolis
p. 260-286
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2018
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O Sistema de Organização Modular de Ensino (SOME) na
ótica de egressos no município de Breves - Pará
João Marcelino Pantoja Rodrigues
1
, Gilmar Pereira da Silva
2
1
Universidade Federal do Pará - UFPA. Programa de Pós-Graduação em Educação. Campus Universitário do
Marajó - Breves. Alameda IV, 3418, Parque Universitário, Breves - PA. Brasil. joaompr@ufpa.br.
2
Universidade
Federal do Pará UFPA.
RESUMO. O presente trabalho é resultante de pesquisa em
educação que analisa, a partir das percepções de egressos do
ensino médio, as contribuições e limitações do Sistema de
Organização Modular de Ensino (SOME) na formação
educacional de jovens do campo no município de Breves, na
Ilha do Marajó/Pará, perante as necessidades e expectativas
desse público. A pesquisa se realizou por meio de um estudo de
campo tomando como referência o materialismo histórico-
dialético, sendo referenciado pela abordagem qualitativa na vila
Mainardi, comunidade pioneira na oferta do SOME no meio
rural brevense. Como principal técnica de coleta de dados
utilizou-se a entrevista semiestruturada com seis jovens
egressos, cujas respostas foram tratadas à luz da análise de
conteúdo. Os resultados apontam para a afirmação da
importância do SOME como única alternativa de acesso ao
ensino médio para grande parcela dos jovens do campo paraense
e, ao mesmo tempo, revelam o descompasso da experiência
“somista” em relação às necessidades e expectativas desse
público quanto ao ensino médio.
Palavras-chave: Sistema de Organização Modular de Ensino,
Ensino Médio, Juventude do Campo.
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The Modular Teaching Organization System (MTOS)
from the perspective of graduates in the municipality of
Breves - Pará
ABSTRACT. This work is the result of a research in education.
It analyzes contributions and limitations of the Modular
Teaching Organization System in the education of young people
in the rural environment of the municipality of Breves, Pará,
from the perceptions of high school graduates. It considers the
needs and expectations of this public. The research was carried
out through a qualitative field study in the Mainardi village, a
pioneer community in the offering of this program in the rural
environment of Breves. The main technique of data collection is
a semi-structured interview with six young graduates, whose
responses were treated in light of the thematic content analysis.
The results point to the affirmation of the importance of this
program as the only alternative of access to secondary education
for a large portion of young people from the rural environment
of Pará. At the same time, the results reveal the mismatch of the
experience in relation to the needs and expectations of this
public of secondary education.
Keywords: Modular Teaching Organization System, High
School, Rural Youth.
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El Sistema de Organización Modular de Enseñanza
(SOME) en la óptica de egresados en el municipio de
Breves - Pará
RESUMEN. El trabajo es resultado de la investigación en
educación analiza, a partir de las percepciones de egresados de
la enseñanza media, contribuciones y limitaciones del Sistema
de Organización Modular de Enseñanza (SOME) en la
formación educativa de jóvenes del medio Rural del municipio
de Breves - Pará, ante las necesidades y expectativas de ese
público. La investigación se realizó por medio de un estudio de
campo de base cualitativa en la villa Mainardi, comunidad
pionera en la oferta del SOME en este medio rural. Como
principal técnica de recolección de datos se utilizó la entrevista
semiestructurada con seis jóvenes, cuyas respuestas fueron
tratadas a la luz del análisis de contenido temático. Los
resultados apuntan a la afirmación de la importancia del SOME
como única alternativa de acceso a la enseñanza media para gran
parte de los jóvenes del campo paraense y al mismo tiempo
revelan el descompás de la experiencia 'somista' en relación a las
necesidades y expectativas de ese público en cuanto a la
enseñanza media.
Palabras clave: Sistema de Organización Modular de
Enseñanza, Enseñanza Media, Juventud del Campo.
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Introdução
O Sistema de Organização Modular
de Ensino (SOME) é uma política
educacional estabelecida no estado do Pará
no princípio da década de 1980, com o
intuito de levar a educação pública,
especialmente o ensino médio, às
populações do interior não atendidas pela
oferta regular.
O foco de nossa inquietação se volta
para os jovens egressos
i
desse sistema no
ensino médio no município de Breves,
mais especificamente na Vila Mainardi,
localidade pioneira de tal oferta no meio
rural brevense, e que constituiu o lócus da
pesquisa. A partir da ótica desses sujeitos,
buscamos compreender e analisar as
contribuições e limitações do processo
formativo do ensino médio experienciado
no SOME.
O crescimento da oferta educacional
no âmbito do sistema modular, ao longo
das três últimas décadas, é evidenciado em
dados oficiais, como o “Mapa Exclusão
Social do Estado do Pará 2017” (Fundação
Amazônia de Amparo a Estudos e
Pesquisas [Fapespa], 2017, p. 33), que
registra a presença do SOME em
quatrocentas e sessenta e cinco localidades
do Estado, atendendo a trinta e seis mil
alunos, o que nos uma dimensão do seu
alcance nos dias atuais.
Ao longo desse período, o SOME
tem acumulado êxitos, por um lado ao
alcançar parcelas da população que
dificilmente seriam atendidas pela oferta
regular , e dilemas, por outro, ao não
solucionar problemas crônicos que têm se
reproduzido desde os primórdios do
sistema, como a questão infraestrutural e
organizativa.
Embora a política tenha sido
implantada, em seus primórdios, nas sedes
urbanas de alguns municípios do interior,
como Nova Timboteua e Igarapé-Miri
(Oliveira, 2010a), foi no meio rural que se
expandiu e se consolidou nas últimas
décadas em território paraense.
Sua regulamentação ocorreu no mês
de abril de 2014, quando foi sancionada a
Lei Estadual nº. 7.806, conhecida entre os
profissionais da área como “Lei do
SOME”, que dispõe sobre sua
regulamentação e funcionamento. Embora
esse dispositivo legal não seja o foco de
nossa preocupação neste trabalho,
acreditamos que ele não deve deixar de ser
mencionado nas reflexões sobre o sistema
modular, por se tratar de um documento
norteador de referência legal no que tange
a esse sistema.
A expansão progressiva da política e
sua importância estratégica no âmbito
educacional paraense tem despertado a
atenção de pesquisadores como Oliveira
(2010b), Queiroz (2010), Brayner (2013) e
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Silva, Barros e Oliveira (2014), para citar
alguns, que passaram a se debruçar sobre a
temática e levaram a discussão ao meio
acadêmico. Todavia, apesar desse esforço,
percebemos que a produção em torno da
questão é ainda incipiente, ensejando a
continuidade e a ampliação das pesquisas,
com a diversificação dos ângulos de
análise.
Foi pensando nesta incipiência e, ao
mesmo tempo, na necessidade de
ampliação dos estudos, bem como na
relevância social e acadêmica da temática,
justificada pelo expressivo alcance da
política em nível estadual desde que
surgiu, que nos propusemos a
problematizar: como os jovens egressos do
SOME na vila Mainardi, meio rural do
município de Breves, na Ilha do Marajó,
percebem o Sistema de Organização
Modular de Ensino quanto às contribuições
e limitações dessa política à sua formação
no ensino médio, tendo como referência as
necessidades e expectativas dessa
juventude?
Partindo dessa inquietação,
definimos o seguinte objetivo geral para o
estudo: analisar, a partir da ótica de
egressos do ensino médio da Vila
Mainardi, as contribuições e as limitações
do Sistema de Organização Modular de
Ensino (SOME) na formação educacional
de jovens do meio rural do município de
Breves na Ilha do Marajó, no estado do
Pará, perante as necessidades e as
expectativas dessa população jovem.
Assim, considerando o foco do
problema e o objetivo pretendido com a
investigação, estabelecemos alguns eixos
teóricos que consideramos basilares a uma
análise mais sistêmica do objeto, quais
sejam: Sistema de Organização Modular
de Ensino, Ensino Médio, Juventude (e,
em particular, Juventude do Campo) e
Educação do Campo. Tais eixos nos
serviram de guias teóricos para a condução
das fases seguintes do estudo.
Caracterização da pesquisa
Considerando a natureza do objeto e
a configuração do problema de pesquisa
sobre o qual nos debruçamos, e ainda com
base nas contribuições teóricas de Gil
(2002), entendemos o estudo de campo
como a estratégia mais adequada a esta
empreitada, uma vez que focaliza uma
comunidade geográfica que pode ser uma
comunidade de trabalho, de estudo, de
lazer, ou ainda voltada para qualquer
atividade humana.
A partir dessa conceituação, e num
esforço de aproximação metodológica,
trazemos ao plano de nossa análise a Vila
Mainardi primeira localidade a ofertar
turmas do SOME no meio rural brevense,
fato ocorrido em março de 2008 com o
funcionamento de uma turma de ano do
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ensino médio na Escola Municipal de
Ensino Fundamental Ivo Mainardi. Dos
quarenta alunos que iniciaram as atividades
naquela ocasião, dezoito se formaram no
ano de 2010. Até o início do ano de 2015,
doze turmas haviam sido formadas no
ensino médio no meio rural de Breves
ii
por
intermédio desse sistema.
Ampliando um pouco mais a
contextualização de nosso objeto, é
também pertinente justificarmos a escolha
do município de Breves, no qual se situa a
Vila Mainardi, tanto por sua indubitável
condição de polo regional no Marajó
quanto por ser a sede da 13ª Unidade
Regional de Educação - URE, da
Secretaria de Estado de Educação
SEDUC/ Pará, que responde, no Estado,
pelas ações educacionais desenvolvidas na
região, coordenando, além de Breves,
outros oito municípios da região das ilhas:
Anajás, Bagre, Curralinho, Portel,
Melgaço, Gurupá, Chaves e Afuá. Assim,
conjugando nosso objeto de inquietação
com a análise empreendida por Gil (2002),
nos convencemos de que a configuração
contextual da Vila Mainardi, associada ao
modo como pensamos o problema de
pesquisa, constituiria terreno propício à
implementação de um estudo de campo,
como de fato o foi.
Nesse percurso, optamos pelo
desenvolvimento de uma abordagem
qualitativa ancorada nos pressupostos do
materialismo histórico-dialético. Para
tanto, referenciamo-nos na corrente que
defende essa utilização conjunta, pela
riqueza propositiva que traz ao método
científico. Araújo (2012) destaca que em
pesquisa social não é proibido ao
marxismo assumir procedimentos próprios
do chamado método qualitativo.
Com esse intuito, estabelecemos esse
foco qualitativo com base em autores como
Minayo (2013; 2014), buscando tomar os
sujeitos da pesquisa em uma perspectiva
dialética, constituídos de múltiplas
determinações históricas, em relação
dinâmica com o contexto contraditório no
qual estão imersos: sujeitos, portanto,
também contraditórios, também dialéticos,
também históricos, e forjados na
materialidade histórica de uma sociedade
de classes.
Considerando o foco qualitativo que
elegemos para a investigação, optamos
pela entrevista semiestruturada como
técnica principal de coleta de dados,
utilizada junto a jovens egressos do ensino
médio modular na Vila Mainardi, que
designamos como “E1” (Entrevistado 1)
até “E6”. O tratamento e a interpretação do
material obtido em campo realizaram-se
por meio da análise de conteúdo temática
com base, sobretudo, nas contribuições de
Franco (2007) e Bardin (2011). Não
obstante, também fizemos uso de
observação e análise documental, mas
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como procedimentos acessórios para o
fornecimento de elementos subsidiários a
uma visualização mais detalhada do objeto.
O “SOME” aparece e se expande: uma
visão geral do sistema
Conforme destacado, o SOME
surge com a finalidade de atender às
comunidades do interior do Pará que não
recebiam a oferta de ensino regular,
particularmente o ensino médio. A partir
de então, o sistema modular se expandiu
exponencialmente pelo Estado, tornando-
se a principal política de oferta do ensino
médio no campo, conforme aponta
Oliveira (2010b, p. 18), “Este que fora
pensado a princípio como medida
transitória, passou a fazer parte
indispensável do Sistema Estadual de
Ensino e a única forma de estender o
Ensino Médio às comunidades rurais,
devido às grandes distâncias entre elas e à
baixa densidade demográfica.
Com a Lei Estadual 7.806, de 29
de abril de 2014, o sistema passa a ser
regulamentado como uma Política Pública
Educacional do Estado do Pará, com uma
intencionalidade expressa legalmente:
Art. O Ensino Modular visa
garantir aos alunos acesso à educação
básica e isonomia nos direitos,
assegurando a ampliação do vel de
escolaridade e a permanência dos
alunos em suas comunidades,
observando as peculiaridades e
diversidades encontradas no campo,
águas, florestas e aldeias do Estado
do Pará.
Parágrafo único. O Ensino Modular é
direcionado à expansão das
oportunidades educacionais em nível
de ensino fundamental e médio para
a população escolar do interior do
Estado, onde não existir o ensino
regular, de modo complementar ao
ensino municipal. (Lei Estadual nº.
7.806, 2014.)
Como se observa, embora o nível
médio seja o que constitui o atendimento
preponderante do SOME, também o ensino
fundamental é abrangido por este sistema.
Contudo, esta própria Lei prevê o repasse
do nível fundamental via SOME à
responsabilidade das municipalidades,
conforme segue:
Art. 18. A Secretaria de Estado de
Educação, no prazo de até dezoito
meses, a contar da publicação desta
Lei, desenvolverá estudo,
planejamento e reordenamento da
oferta dos anos finais do ensino
fundamental na modalidade do
Sistema de Organização Modular de
Ensino, visando transferir a gerência
desses anos finais às prefeituras cujo
ensino fundamental esteja
municipalizado. (Lei Estadual nº.
7.806, 2014)
Isso implica dizer que essa política
tende a se consolidar como de oferta
unicamente de ensino médio. Assim, para
o propósito desta pesquisa, preocupa-nos
especificamente este nível de ensino por
ser o preponderante no SOME.
Seu funcionamento ocorre com a
composição de circuitos, que são assim
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conceituados pelo parágrafo do artigo 8º
da sobredita Lei: “Para fins desta Lei,
denomina-se circuito o conjunto de
localidades em que o professor deverá
atuar durante o ano letivo, devendo na
composição do mesmo priorizar o
município e a URE em que o professor
estiver lotado.”
Cada circuito é composto por quatro
localidades/ polos, nos quais os professores
atuam em rodízio, ministrando os blocos
de disciplinas
iii
. A figura a seguir ilustra
essa lógica:
Figura 1 O circuito do SOME.
Fonte: Pesquisa dos autores (2016).
Os professores são lotados com
jornada integral de 40 (quarenta) horas
semanais, como define o caput do artigo 8º
da referida Lei, em consonância com o
disposto no artigo 35 da Lei Estadual
7.442/2010 (Plano de Cargos, Carreira e
Remuneração dos Profissionais da
Educação Básica da Rede Pública de
Ensino do Estado do Pará).
O parágrafo do artigo da Lei do
SOME também estabelece que podem ser
desenvolvidos projetos educacionais nas
comunidades como forma de
complementar a carga horária docente,
conforme segue:
§ 3º O professor lotado no SOME
poderá complementar a carga horária
de sala de aula com projetos
educacionais na sua área de atuação,
de modo a atingir a jornada de 40
(quarenta) horas semanais, quando a
oferta de turmas não for suficiente
para atingir o limite da carga horária
em regência de classe da respectiva
jornada. (Lei Estadual nº. 7.442,
2010)
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Como vemos, o desenvolvimento dos
projetos pelos docentes nas comunidades,
embora seja uma forma plausível de
conferir um maior grau de materialidade
aos conteúdos do ensino, não constitui uma
dimensão efetivamente integrante da
organização pedagógica do sistema
modular, uma vez que sua implementação
está diretamente condicionada a uma
questão de complementaridade de carga
horária.
O espaço de funcionamento do
SOME nas comunidades rurais do Estado
é, por sua vez e em geral, constituído de
salas de escolas municipais que são
cedidas para as turmas modulares, nos
horários em que estão ociosas, sendo
denominadas “Escolas Polo”. Contudo,
inexiste uma equipe gestora específica do
sistema modular nas localidades de
funcionamento. Assim, embora os alunos
estudem em sua comunidade (ou em áreas
vizinhas), são vinculados a uma “Escola
Sede”, situada na cidade e responsável pelo
atendimento das demandas pedagógico-
administrativas em conjunto com as
Unidades Regionais de Educação. A figura
a seguir ilustra essa lógica de organização
do sistema:
Figura 2 Organização pedagógico-administrativa do SOME
Fonte: Pesquisa dos autores (2016).
Para a manutenção do sistema é
celebrado um Convênio de Cooperação
Técnica entre a Secretaria de Estado de
Educação do Pará e os municípios,
conforme disposto no artigo 17 da Lei do
SOME. E eis aí um dos imbróglios que
perpassam seu funcionamento, visto que,
não raro, os governos municipais
argumentam (mesmo depois da assinatura
do convênio) que tal atribuição é de
competência prioritária do governo
estadual, ao passo que o governo estadual
alega que, sem a contribuição das
municipalidades, não há como chegar às
localidades mais longínquas do meio rural
paraense.
A Lei nº. 9394/1996, ao estabelecer
as competências da esfera municipal no
âmbito da oferta educacional, assim
dispõe:
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Art. 11. Os municípios incumbir-se-
ão de:
V - oferecer a educação infantil em
creches e pré-escolas, e, com
prioridade, o ensino fundamental,
permitida a atuação em outros níveis
de ensino somente quando estiverem
atendidas plenamente as necessidades
de sua área de competência e com
recursos acima dos percentuais
mínimos vinculados pela
Constituição Federal à manutenção e
desenvolvimento do ensino. (Lei nº.
9.394, 1996).
Todavia, sem deixar de considerar os
respectivos âmbitos de competência
estabelecidos legalmente, entendemos que
o adequado funcionamento do SOME, pela
complexidade que envolve sua
implementação, exige uma atenção
interfederativa que concorra para a
materialização do regime de colaboração,
também amparado pelos mesmos
instrumentos legais ora citados.
A ótica dos egressos sobre o Sistema de
Organização Modular de Ensino
O exercício de sistematização e
categorização do material das entrevistas,
considerando nossas opções
medotológicas, permitiu a emergência de
um conjunto de categorias que Minayo
(2014, p. 178) denomina de “empíricas”,
que são aquelas “construídas a posteriori, a
partir da compreensão do ponto de vista
dos atores sociais, possibilitando desvendar
relações específicas do grupo em questão”.
Com base em Bardin (2011, p. 134),
buscamos a codificação do material
oriundo das entrevistas, extraindo as
unidades de registro, que são unidades de
significação codificada e correspondem ao
segmento de conteúdo considerado
unidade de base, visando à categorização e
à contagem frequencial. Deste esforço,
procedemos às inferências por intermédio
das quais chegamos aos agrupamentos
categoriais, conforme quadro a seguir:
Quadro 1: demonstrativo de análise de conteúdo temática de entrevista semiestruturada.
Unidades de registro
Subcategorias empíricas
Categorias empíricas
Fonte: Pesquisa dos autores (2016).
Não obstante, convém enfatizar que
essa estratégia não implica uma
compartimentação estática da análise, pois
temos clara a recomendação de Minayo
(2013, p. 27) a qual corroboramos:
O tratamento do material nos conduz
a uma busca da lógica peculiar
interna do grupo que estamos
analisando, sendo esta a construção
fundamental do pesquisador. Ou seja,
análise qualitativa não é uma mera
classificação de opiniões dos
informantes, é muito mais. É a
descoberta de seus códigos sociais a
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partir das falas, símbolos e
observações. A busca da
compreensão e da interpretação à luz
da teoria aporta uma contribuição
singular e contextualizada do
pesquisador.
Com esse cuidado, para o qual o
materialismo histórico-dialético também se
mostra essencial, buscamos a interlocução
do rico material empírico com as
discussões teóricas levantadas ao longo da
empreitada. E, desse plano analítico, têm-
se os principais resultados da pesquisa,
apresentados nos subtópicos seguintes.
Se o professor “SOME”: o
descumprimento do calendário escolar
Destacamos como primeira categoria
empírica aquela que emergiu de modo
mais incisivo, perpassando as falas de
todos os entrevistados. Procedemos à
identificação e ao isolamento das unidades
de registro, com seu posterior agrupamento
em conjuntos, conforme íamos
identificando um determinado padrão nas
respostas. Percebemos que os dados
apontavam para uma insatisfação em
relação à garantia do cumprimento dos
módulos em consonância com o calendário
escolar, constatação manifesta em duas
distintas situações, a que denominamos
subcategorias empíricas. Tais
subcategorias apontavam para um conjunto
maior, que veio a constituir a categoria
empírica, conforme exemplificado no
quadro a seguir:
Quadro 2 Descumprimento do calendário escolar.
Unidades de registro
Subcategorias empíricas
Categoria empírica
“Esse último que foi a gente tava
quase dois meses sem professor. E
ano retrasado nós terminamos em
abril o ano de 2014 e ano de 2015
não se sabe quando vai terminar.
Acho que férias a gente tem todo
tempo. A gente fica mais de férias
do que estuda.” (E6)
recorrência de longos intervalos
entre os módulos
descumprimento do calendário
escolar
“Terminava os cinquenta dias, a
gente esperava uma semana, duas
semanas, vinha outro. Às vezes a
gente esperava até meses pra vim
um professor." (E3)
“no meio do mês assim aparecia
um professor e quando aparecia
era muito corrido, passava
trabalho em cima de trabalho.”
(E1)
recorrência de módulos com
período reduzido
Fonte: Pesquisa dos autores (2016).
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O Quadro 2 apresenta um
demonstrativo do que obtivemos em
campo. O que observamos no conjunto das
respostas é que o não cumprimento do
calendário escolar se reflete tanto nos
longos intervalos entre um módulo e outro
muito recorrentes pelo que se pôde
depreender das falas quanto dentro de um
mesmo módulo, pelo não cumprimento dos
cinquenta dias letivos por uma parcela dos
professores.
É importante enfatizar que, embora
essa insatisfação seja evidente não
somente no conteúdo das falas em si, mas
na maneira de colocá-lo, nas ênfases,
expressões dos rostos, etc. os egressos
também não se eximiram, por outro lado,
de elogiar o trabalho daqueles professores
que se esforçavam em cumprir com a sua
jornada. Contudo, a ausência desse
comprometimento por parte de outros
colegas de trabalho faz com que, em uma
análise mais geral, se associe ao SOME
uma visão negativa, nesse aspecto.
Esse achado converge com o
resultado da pesquisa de Oliveira (2010b)
realizada nos municípios de Santarém e
Belterra, segundo a qual o cumprimento
das datas estabelecidas no calendário
escolar tem sido um ponto central das
reivindicações dos alunos quando o tema é
o SOME.
Depreendemos, a partir de tais
constatações, ser o descumprimento do
calendário escolar uma das grandes
limitações do SOME. É evidente que, se no
percurso formativo do aluno o sistema
demonstra dificuldades em garantir um
mínimo necessário dos conteúdos de
ensino, mais gritante ainda são essas
dificuldades se considerarmos a
necessidade de uma formação sob a
perspectiva unitária, que aqui defendemos
como condição para a formação integral do
indivíduo e que tem Antônio Gramsci
como um de seus grandes expoentes. É
ancorado neste autor, e mais
especificamente em seu “Caderno 12, Os
intelectuais e o princípio educativo”, que
Nosella (2011) busca aquilo que denomina
de “princípio pedagógico próprio do ensino
médio”:
A última fase da escola unitária
(ensino médio) deve ser concebida e
organizada como fase decisiva, na
qual se tende a criar os valores
fundamentais do 'humanismo', a
autodisciplina intelectual e a
autonomia moral necessárias a uma
posterior especialização, seja ela de
caráter científico (estudos
universitários), seja de caráter
imediatamente prático-produtivo
(indústria, burocracia, comércio etc.).
O estudo e o aprendizado dos
métodos criativos na ciência e na
vida devem começar nesta última
fase da escola. (Gramsci
iv
, 2000, p.
39, apud Nosella, 2011, p. 1060).
Ora, isso pressupõe, entre outras
questões, a potencialização de uma
ambiência efetivamente escolar ao sujeito,
o que obviamente requer a garantia de
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regularidade no tempo escolar, e que
também extrapole os limites da sala de aula
e promova momentos de socialização com
seus pares e com a comunidade a seu
redor, contribuindo para a criação de
atitudes e valores pautados em uma
educação efetivamente cidadã. De certo,
avaliando por esse prisma, não dúvidas
de que ainda temos muito a avançar, tanto
no SOME quanto no próprio ensino
regular.
Se o aluno “SOME”: o desafio da
permanência escolar
Também a questão da evasão escolar
emergiu como limitação do sistema
modular, decorrente da instabilidade na
oferta dos módulos, apontada na categoria
anterior, bem como pela indisponibilidade
do transporte escolar, e a oposição
emprego x estudos para muitos jovens.
Pudemos perceber que a instabilidade na
oferta é desencadeadora de um processo de
desmotivação que acaba ocasionando
muitas desistências, conforme nos foi
relatado. outros desistiam pela
impossibilidade de conciliar os estudos
com o emprego na iniciativa privada local.
Quadro 3 Evasão escolar.
Unidades de registro
Subcategorias empíricas
Categoria empírica
“A desmotivação, tristeza, era essa
da falta de professor.” (E2)
Desmotivação discente decorrente
da instabilidade na oferta modular
Evasão escolar
“falta de professor. Quando faltava
professor, a gente ia duas, três
vezes à noite e nunca tinha
professor e ninguém sabia dar
nenhuma informação pra gente. E
isso desmotivava.” (E4)
“Muitas vezes é por isso que
muitos desistem, porque custa a ir
professor, e quando vai é rápido.”
(E6)
“A dificuldade era da locomoção.
A gente tinha que batalhar. Eu
trabalhava não era pra comer, nem
vestir, era pra despesa da
gasolina.” (E2)
Indisponibilidade de transporte
escolar
“Muitos não aguentavam por causa
do gasto que era muito grande,
todo dia gasolina. Muitos paravam
até no primeiro mês já.” (E5)
“tem muitos pais de família, que
tem filho, tem mulher e precisam
do trabalho. E como eles precisam
mais do trabalho, eles optam pelo
trabalho.” (E3)
Oposição emprego x estudos
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“e a partir do momento em que eu
saí (do emprego) eu melhorei mais
meus estudos.” (E1)
Fonte: Pesquisa dos autores (2016).
Tais constatações fazem mais sentido
à medida que consideramos o contexto que
delineia as condições de produção do
conteúdo em questão. Assim, é importante
compreendermos a Vila Mainardi como
uma propriedade privada com três núcleos
principais de produção: serraria, fábrica de
gelo e indústria de beneficiamento de açaí
em polpa para exportação. Tal situação nos
remete ao que Marx e Engels, em A
Ideologia Alemã (1988, p. 55-56), nos
dizem a respeito da propriedade privada:
“Ela é a expressão mais flagrante da
subordinação do indivíduo à divisão do
trabalho, a uma determinada atividade que
lhe é imposta”. No caso da Mainardi,
percebemos que a relação de emprego
estabelecida entre a empresa e os alunos
trabalhadores do SOME se constitui como
obstáculo ao desenvolvimento dos estudos
no ensino médio. A lógica produtiva do
setor privado local exige prontidão e
disponibilidade do trabalhador para o
cumprimento das metas de produção, não
raro induzindo o aluno a ter de escolher
entre trabalhar ou estudar.
Essa subordinação dos trabalhadores
à divisão do trabalho trazia um elemento
que a agudizava ainda mais: o fato de a
moradia ser condicionada à relação de
emprego, uma vez que as residências são
de propriedade da empresa. Quando a
relação empregatícia é desfeita, o ex-
empregado deve entregar a moradia e sair
do local. É o que destaca E3: quando
tu sai, quando eles te mandam da empresa,
tu tem que deixar a casa, porque quando tu
sai provavelmente entrando outro, a
casa vai pra quem entrando...
tudo é cobrado”. Com efeito, a manutenção
do vínculo empregatício é também, para
alguns, a única garantia (ainda que
temporária) de um lugar para morar, o que
torna a relação de dependência ainda mais
brutal.
Assim, sem desconsiderar que haja
outros desencadeadores do fenômeno da
evasão na realidade estudada, para além
dos que emergiram das falas dos sujeitos,
parece-nos evidente que as características
socioeconômicas dos alunos, com aquelas
da localidade em questão e as do próprio
funcionamento do sistema modular,
compõem um conjunto oportuno à
manifestação do fenômeno da evasão, que
precisa ser levado em consideração no
planejamento da política.
O sentimento de inclusão/exclusão
discente
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Outra categoria empírica emergente
reflete o sentimento de inclusão/exclusão
discente. O sentimento de exclusão parece
compartilhado entre os entrevistados,
particularmente no que se refere à
organização do sistema, à (não) inserção
dos discentes nas programações culturais
da escola Ivo Mainardi e aos aspectos
infraestruturais, caracterizando uma
limitação do SOME também nesse sentido.
Ao longo da pesquisa de campo, foi
revelador perceber o binômio
“inclusão/exclusão” emergindo durante a
fala de um mesmo sujeito: em geral, ao
mesmo tempo em que se expunha o
descontentamento com determinada
situação, mencionando expressamente o
termo “exclusão”, ou subentendendo-o, em
um conjunto maior, havia uma
preocupação em mencionar momentos em
que atitudes de inclusão, principalmente
por parte de alguns professores, se faziam
presentes como elemento catalizador de
estímulo aos alunos.
Por essa razão, embora cientes da
inviabilidade de uma análise conceitual
mais pormenorizada dos termos “exclusão”
e “inclusão” neste estudo, dados os
objetivos e a delimitação da pesquisa, não
poderíamos, por outro lado, deixar tais
conceitos de fora de nosso plano analítico,
visto que emergiram espontaneamente das
falas dos sujeitos.
Assim, ao tratar de tais termos,
procuramos ter em conta o alerta de
autores como Oliveira (2000) e Ribeiro
(2006) quanto aos cuidados necessários à
utilização do conceito. Esta, por exemplo,
ao tratar do termo “exclusão”, afirma que
este tem o mérito de ampliar a
compreensão de problemas que fazem
parte das relações sociais no modo de
produção capitalista, mas que não podem
ser explicados tão somente pela
expropriação da terra ou pela apropriação
do produto do trabalho, dos meios de
produção e de sobrevivência. E, ao mesmo
tempo, nos faz lembrar que:
É um conceito meramente descritivo
e, como tal, tem alguma utilidade,
entretanto apresenta-se como
impessoal e neutro. Sem um adjetivo
que o qualifique (social, escolar...), é
abstrato, e para concretizar-se
relaciona, de maneira contraditória,
seres humanos posicionados como
sujeitos que excluem, de um lado, ou
como objetos que são excluídos, de
outro. (Ribeiro, 2006, p. 158).
O quadro a seguir traz um
demonstrativo do que emergiu da pesquisa
em relação a esses aspectos:
Quadro 4 Sentimento de inclusão/ exclusão discente.
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Subcategorias empíricas
Categorias empíricas
“Aí bem dizer a gente era
excluído, sabe? Era professor e
aluno, professor e aluno... O
diretor não dava muito apoio.”
(E3)
Sentimentos de inclusão/exclusão
associados à organização do
SOME
Sentimento de inclusão/exclusão
“porque a gente falava que a
gente tinha direito, que a gente
era aluno, apesar de ser de outra
instituição, mas a gente era aluno
dali daquela localidade, sempre
foi.” (E2)
Sentimentos de inclusão/exclusão
associados à (não) inserção nas
programações culturais da escola
Ivo Mainardi
“o diretor cedia a escola, a
sala, né? Às vezes até a água
faltava.” (E2)
Sentimentos de inclusão/exclusão
associados à inadequação
infraestrutural
“se a gente fosse pedir na
secretaria do fundamental, a
coordenação de ficava
reclamando ‘esse papel não é pra
vocês, é pro fundamental’, jogava
na cara, né? tem que melhorar
isso.” (E1)
Fonte: Pesquisa dos autores (2016).
Tais limitações, por sua vez,
reforçam na realidade estudada a “situação
de invisibilidade” constatada nos estudos
de Weisheimer (2005), como característica
dessa população juvenil residente no
campo.
A “situação de invisibilidade” a que
está sujeito esse segmento da
população se configura numa das
expressões mais cruéis de exclusão
social, uma vez que dessa forma
esses jovens não se tornam sujeitos
de direitos sociais e alvos de políticas
públicas, inviabilizando o
rompimento da própria condição de
exclusão. Nesse contexto, a
juventude rural aparece como um
setor extremamente fragilizado de
nossa sociedade. Enquanto eles
permanecerem invisíveis ao meio
acadêmico e ao sistema político, não
sendo socialmente reconhecidos
como sujeitos de direitos,
dificilmente serão incluídos na
agenda governamental. (Weisheimer,
2005, p. 8)
A situação que, para o autor, se faz
perceber particularmente no plano
acadêmico e no político, encontra
ressonância na problemática do SOME, ao
analisarmos, por exemplo, a quantidade
incipiente de trabalhos científicos sobre
essa temática, bem como no político, ao
analisarmos as limitações do sistema se
reproduzindo décadas, sem a
implementação de iniciativas concretas que
deem conta de sua resolutividade.
Por outro lado, a contradição da
realidade nos mostra que, mesmo em meio
a um ambiente desfavorável, é possível
emergirem sentimentos de inclusão
observados, por exemplo, no elogio dos
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entrevistados ao trabalho de alguns
professores que, não obstante as
dificuldades do sistema, se transformavam
em motivadores dos alunos, fazendo-os
persistirem na empreitada até o final. Ou
ainda nos momentos em que a gestão da
escola polo, mesmo tendo sua
responsabilidade restrita ao ensino
fundamental, buscava agregar também os
alunos do SOME nos eventos culturais da
escola, muito embora isso não ocorresse de
modo sistemático. São situações como
essas que contribuem para que o aluno siga
em frente, conclua o ensino médio e
alcance, por exemplo, o ingresso em um
curso superior, configurando, ao mesmo
tempo, uma dimensão contributiva do
sistema para esse público jovem.
A (in)adequação das práticas docentes à
realidade do jovem do campo
Outra limitação do SOME se refere à
(in)adequação das práticas docentes à
realidade do jovem do campo expressa,
mediante a ótica dos egressos, no não
esforço de alguns professores em
contextualizar os conteúdos de ensino com
as práticas sociais, focando o trabalho
apenas no repasse de um conteúdo
fragmentado. Tal limitação também se
expressa na ausência de um trabalho
sistemático com projetos educativos na
localidade, o que a nosso ver poderia
contribuir para uma maior interação do
aluno com sua comunidade, conferindo um
diferencial ao sistema modular. Não
obstante, utilizamos o termo
“(in)adequação” pelo fato de haver relatos,
embora muito pontuais, que apontaram
para a preocupação de alguns poucos
docentes em potencializar a comunidade
local como elemento referencial para suas
práticas.
Quadro 5 (In)adequação das práticas docentes à realidade do jovem do campo.
Unidades de registro
Subcategorias empíricas
Categorias empíricas
“Tinha uns (professores) que não
olhavam o lado social, o lado que
se vivenciando, explicavam
o conteúdo, mas teve uns que
sempre olhavam o lado da
comunidade, sempre voltado na
realidade mesmo.” (E2)
(des)contextualização dos
conteúdos de ensino com as
práticas sociais
(in)adequação das práticas
docentes à realidade do jovem
do campo
“Era mais focado no conteúdo
mesmo. O professor nem se
preocupava. Queria passar o
conteúdo.” (E3)
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“O único projeto que teve foi a
feira de talentos. Nenhum outro
professor fez... Durante eu estar
estudando nenhum outro professor
tinha feito um projeto.” (E3)
inexistência de um trabalho
sistêmico com projetos educativos
no SOME
Fonte: Pesquisa dos autores (2016).
As questões sintetizadas no Quadro 5
emergem como fatores contributivos à
dificuldade de adequação das práticas dos
professores do ensino modular à realidade
do jovem do campo, refletindo uma
limitação do SOME tanto com relação ao
cumprimento das diretrizes nacionais do
ensino médio quanto daquelas relacionadas
à Educação do Campo:
Pois se trata de um modelo de ensino
feito por módulos com pouca ou
nenhuma articulação com as
diretrizes da educação do campo.
Consideramos ser um tipo de
educação que ocorre no campo,
todavia não existe capacitação aos
professores a respeito da concepção
filosófica que vem norteando a
Educação do Campo, fazendo com
que os professores desconheçam essa
orientação tácita e teórica de que o
que se deveria fazer nestas escolas
seria uma modalidade de educação
que valorizasse as práticas, a cultura,
as condições geográficas dos jovens.
(Silva, Barros & Oliveira, 2014, p.
7).
À necessidade de uma formação
adequada dos professores para trabalhar
com essas distintas realidades se soma a de
construção de uma proposta pedagógica
para o sistema modular, posicionamento
corroborado por Brayner (2013, p. 103).
Entendemos que isso precisa ocorrer por
intermédio de um processo democrático
que ouça e contemple as expectativas do
sujeito jovem do campo em relação ao
ensino médio. Uma proposta que garanta a
implementação de instrumentos
democráticos de avaliação permanente do
sistema como premissa do processo de
planejamento.
A inadequação do acompanhamento
pedagógico e administrativo
Ficou evidente, ainda, como
limitação do sistema modular, a
inadequação do acompanhamento
pedagógico e administrativo, atinente ao
distanciamento da coordenação pedagógica
em relação aos polos e à fragilidade na
comunicação entre as instâncias que
constituem o sistema.
Quadro 6 Inadequação do acompanhamento pedagógico e administrativo.
Unidades de registro
Subcategorias empíricas
Categoria empírica
“Na verdade esse
acompanhamento pedagógico,
eles só iam quando acontecia
alguma coisa... ‘Ah, denunciaram
distanciamento da coordenação
pedagógica em relação aos polos
inadequação do
acompanhamento pedagógico e
administrativo
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o professor porque ele fez tal
coisa’, varavam pra pra
saber.” (E3)
“Ele (professor) deixou pra Belém
a nota. quando esses alunos
que encerravam o ensino médio
vieram procurar pra poder fazer a
universidade tava pra Belém a
nota. Não tava nem na URE, nem
no MCP. E ele disse que não,
ele não deixou aí porque ele foi
contratado de de Belém, então
ele tinha que deixar lá.”
fragilidade na comunicação entre
as instâncias que constituem o
SOME
Fonte: Pesquisa dos autores (2016).
Tal achado reafirma o constatado no
estudo de Silva, Barros e Oliveira (2014)
que, ao tratarem do nível de improviso
existente no processo de ensino modular,
fazem referência à inadequação dos
espaços onde as aulas são ministradas e à
ausência de gestão dos espaços e do
próprio processo pedagógico, uma vez que
não funcionários cnicos para atuar nas
escolas.
Conclusão semelhante a esta é a de
Oliveira (2010b, p. 105) que, em uma
análise histórica dos elementos
administrativos e pedagógicos do SOME,
afirma:
Ficou confirmado que nunca existiu,
desde a sua implantação, cerca de
trinta anos, acompanhamento
pedagógico no SOME, exceto pelos
dados sobre aprovação e média de
notas dos alunos, suscitando
preocupação constante quanto à
ausência de instrumentos para o
acompanhamento técnico-pedagógico
e avaliativo do trabalho dos
professores.
Isso evidencia que se trata de outro
desafio a ser vencido para que o
funcionamento do sistema ocorra de modo
mais fluido e próximo do jovem do campo
e de suas expectativas em relação ao
ensino médio.
O SOME e a função dual do ensino
médio
Ficaram evidenciados, nesse aspecto,
elementos que apontam para as finalidades
às quais tem servido o SOME, que, por seu
turno, convergem para uma função dual do
ensino médio, como categoria empírica, de
acordo com o demonstrativo a seguir:
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Quadro 7 Função dual do ensino médio.
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Categoria empírica
“Os alunos que entram no ensino
médio na Mainardi eles entram
pra estudar mesmo e querer
terminar o ensino médio pra sair
pra trabalhar.” (E1)
SOME como meio de acesso
imediato ao mercado de trabalho
função dual do ensino médio
“agora que eu fui aprovado nesse
curso (superior). Se não fosse
esse programa do SOME pra
não teria como.” (E5)
SOME como meio de acesso à
universidade
Fonte: Pesquisa dos autores (2016).
Pudemos perceber que a função ora
atribuída ao SOME remete à afirmação do
dualismo que perpassa a história do ensino
médio (Krawczyk, 2014; Nosella, 2015),
que neste caso do sistema modular atende,
com uma formação fragmentada, a um
público da classe trabalhadora, cuja
formação serve a uma perspectiva de
acesso imediato a uma relação de trabalho
assalariada junto à iniciativa privada local
para atender às necessidades prementes de
sobrevivência desse jovem. Por outro lado,
essa formação também apresenta
elementos que nos permitem visualizar a
contradição, como por exemplo, no
trabalho daqueles professores que
demonstram compromisso com a formação
humana e estimulam seus alunos a
almejarem outros patamares de
sociabilidade.
Nesse contexto, ao mesmo tempo em
que para alguns egressos o SOME é a
instância terminal dos estudos, é também
notória a entrada de egressos do sistema no
ensino superior como uma tendência
emergente, particularmente da Vila
Mainardi, sobretudo por sua relativa
proximidade com a cidade, o que nos
permite vislumbrar também a
contradição. O meio que tem se mostrado
mais favorável a esse ingresso é a
educação a distância em faculdades
privadas da cidade. Dos seis egressos
entrevistados, quatro são universitários,
dos quais três estudam nesta modalidade.
Foi um posicionamento recorrente entre
estes a afirmação de que, não fosse o
SOME, dificilmente estariam hoje se
graduando em uma universidade, pois não
teriam condições de vir para a cidade
cursar o ensino médio.
É bem verdade que o ingresso em um
curso superior não necessariamente
significa que os alunos terão maiores
patamares de inserção social. Todavia, não
se pode negar que, por meio desse acesso,
se descortinam novas possibilidades que
sequer poderiam ser sonhadas para alguns
não fosse o sistema modular.
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O SOME e a migração rural-urbana
discente
Foi perceptível uma possível relação
do SOME com a questão da migração
rural-urbana juvenil na realidade em
questão. Tal constatação se deu ao
ouvirmos egressos que, mesmo com a
manifesta dificuldade de residir no meio
urbano, vieram morar na cidade com a
intenção de concluir o ensino médio na
rede regular, dadas as dificuldades
encontradas no SOME. E também ao
ouvirmos outros que, ao concluírem o
ensino médio no sistema modular, têm
buscado a cidade para obter formação
superior, o que certamente, neste caso, não
significa uma negação da vida no meio
rural, pois mesmo entre alguns destes foi
enfática a afirmação de que pretendem
retornar para contribuir com sua
comunidade após a conclusão dos estudos.
Quadro 8 Migração rural-urbana discente.
Unidades de registro
Subcategorias empíricas
Categoria empírica
“No meu caso, como eu moro
aqui (na cidade), como eu tenho
opção, eu terminando o ensino
médio, vou procurar fazer curso.”
(E1)
Possibilidade de ida para a cidade
associada à disponibilidade de
mais recursos no meio urbano
Migração rural-urbana discente
“seria mais fácil porque fica tudo
perto. Conhecimento, internet fica
perto, livros, seja o que você
quiser, em qualquer lugar, você
pode encontrar livros, comprar...
E (na Mainardi) não, tu ainda
tem que vir, tem que pesquisar, às
vezes não tem os recursos
adequados lá.” (E3)
“tinha uns (colegas do SOME)
que falavam que se eles
arranjassem um trabalho fora, não
tinham vontade de voltar mais
não, se fosse pra passeio
rápido. Sempre eu falava: se for
pra repassar meus conhecimentos,
vai ser pras futuras gerações
daqui’.” (E2)
Possibilidade de ficar no meio
rural associada à identidade com o
lugar de origem
“eu já morei muito tempo (na
Mainardi)... que tem aquela
vontade de ir pra lá, porque foi
que eu cresci e de mostrar pras
outras pessoas, tipo ser espelho
das outras pessoas, sabe? Que um
dia eu fui que nem eles, eu fui
aluna e agora eu dando aula
lá.” (E3)
Fonte: Pesquisa dos autores (2016).
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A situação em questão nos remete à
Carta Proposta da Juventude
Trabalhadora Rural”, de março de 2015,
que entende a migração juvenil como
fenômeno complexo, fortemente
condicionado aos aspectos sociais,
econômicos e culturais estruturantes: “É
preciso entender o êxodo rural não como
escolha individual e privada, mas,
articulado ao conjunto de oportunidades
concretas vivenciadas pela juventude
trabalhadora rural, no que se refere ao
acesso a direitos e ao exercício pleno da
sua cidadania.” (Confederação Nacional
dos Trabalhadores na Agricultura
[CONTAG], 2015, p. 2). Desse modo, a
perspectiva desse exercício pleno da
cidadania parece em certa medida
condicionada à ida para a cidade que,
embora também não garantia concreta
alguma, se mostra como uma opção mais
viável ou, até, inevitável, em certos casos.
Essa reafirmação de uma relação de
dependência com a cidade é reforçada em
um posicionamento teórico de Leão e
Antunes-Rocha quanto à questão:
as limitações de acesso à educação e
ao trabalho, e a questão fundiária têm
levado os jovens a construir projetos
de saída do campo em busca de
melhores condições de vida. Por
outro lado, isso não representa uma
negação da vida no campo. Muitos
jovens constroem projetos de saída,
mas com perspectivas de retorno
futuro. Outros mantêm trajetórias de
idas e vindas entre o campo e a
cidade. (Leão & Antunes-Rocha,
2015, p. 23).
Certamente, não podemos, a partir
dos exemplos citados, inferir
generalizações de que o ingresso no ensino
superior direcione necessariamente a uma
perspectiva de retorno do egresso para
desenvolver um trabalho em sua
comunidade de origem. O que queremos é
chamar atenção para o fato de que a
experiência educativa no SOME abre
condicionantes que interferem em maior ou
menor grau nesse conflito da permanência
ou saída do campo para o qual nos alertam
os autores citados.
Considerações finais
Evidentemente, os resultados aqui
apontados não pretendem nem poderiam
dar conta da complexidade que perpassa
o funcionamento de uma política pública
que se espraiou nas últimas décadas pelas
mais recônditas regiões do estado do Pará.
Dada a delimitação estabelecida para esta
investigação, é inevitável que haja muitas
limitações no estudo, que ensejam a
diversificação dos ângulos de análise por
intermédio de novas investigações, para o
que almejamos que outros pesquisadores se
sensibilizem com a temática e se
proponham a enriquecer a discussão.
De nossa parte, uma vez que nos
propusemos a centrar o foco de nossa
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atenção no aluno, o principal interessado e
a razão da existência da política em pauta,
não nos é possível vislumbrar com
exatidão, a partir da ótica da gestão do
sistema ou, mesmo, dos docentes do
SOME, possíveis condicionantes do que
fora suscitado por nossos interlocutores.
São, pois, aspectos que estão para além dos
propósitos desta pesquisa, visto que
requerem um estudo mais detido a partir de
outros ângulos analíticos.
Assim, não temos por ora como
estabelecer uma discussão quanto às reais
causas da instabilidade na oferta dos
módulos e, portanto, das dificuldades em
garantir a devida sequência entre as
disciplinas, sem longos intervalos. De igual
modo, não podemos fazer uma análise
comparada do fenômeno da evasão entre
os sistemas regular e o modular de ensino,
até mesmo pela dificuldade de se levantar
dados estatísticos dessa natureza no
SOME. Tampouco temos como visualizar
as necessidades formativas ou motivações
dos professores que atuam no sistema
modular. Não obstante, estamos cientes,
por um lado, de que limitações dessa
natureza são próprias a qualquer tipo de
pesquisa, dada a característica do
inacabamento inerente ao próprio processo
de construção do conhecimento e, por
outro lado, cientes de que vislumbar o
objeto a partir da ótica do público atendido
foi uma experiência deveras enriquecedora
e pertinente.
É preciso perceber, ainda, que o
público jovem que demanda pelo ensino
médio no meio rural brevense está
espraiado por aproximadamente cento e
setenta localidades do município, muitas
delas de difícil acesso à sede do município,
com deslocamento de mais de vinte e
quatro horas de viagem via fluvial, que
constitui o único acesso na região,
conforme nos relata o Plano Municipal de
Educação, aprovado pela Lei Municipal nº.
2.388, de 2015. Destas localidades, apenas
cinco são atendidas pelo SOME, o que nos
chama a atenção para a ausência de
políticas públicas para o atendimento desse
contingente, bem como para uma maior
capilaridade daquelas já existentes.
Em uma análise mais geral, de tudo o
que fora exposto nas falas obtidas, notamos
alguns aspectos que remetem aos achados
de outras pesquisas realizadas sobre o
SOME, particularmente os trabalhos de
Queiroz (2010), Oliveira (2010b), Brayner
(2013) e Silva, Barros e Oliveira (2014),
mas que não se limitaram a isso.
Assim, com atenção à ótica dos
sujeitos egressos, nossos interlocutores
mas ao mesmo tempo colocando-a sob os
pressupostos do materialismo histórico-
dialético, que toma tais percepções como
constructos, cujo cerne é a materialidade
social, na qual os sujeitos se (re)fazem
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cotidianamente e ao mesmo tempo com a
triangulação em relação à experiência por
nós obtida na coordenação regional da
política no ano de 2009, e ao material
teórico trazido para a presente discussão,
nos foi possível perceber o sistema
modular como uma política de afirmação e
de negação concomitantes.
De afirmação, por promover a
garantia do acesso à educação a parcelas
significativas da população paraense; por
permitir a um grupo cada vez maior de
sujeitos a formação em um nível cuja
realidade, algum tempo, parecia
utópica; por inscrever no âmbito de sua
referência normativa legal, a Lei do
SOME, a necessidade de uma formação
que reconheça a(s) identidade(s) dos povos
dos campos, águas e florestas. Mas de
negação, ao não percebermos a concretude
devida destes pressupostos na
implementação do sistema, que deixa a
desejar em infraestrutura,
acompanhamento pedagógico, e em outros
aspectos, configurando, em grande medida,
a reprodução de um modelo educacional
citadino no meio rural.
Ao mesmo tempo, percebemos a Vila
Mainardi como uma totalidade, que em sua
dinâmica reproduz a lógica capitalista
vigente: a propriedade privada
determinando uma divisão do trabalho que
induz o jovem trabalhador/ estudante a
uma formação suficiente para ingressar no
mercado e atender a sua necessidade
imediata de sobrevivência. Mas que é
também contraditória, visto que um
número crescente de egressos tem
quebrado essa gica e ingressado em um
curso superior, vendo-se em condições de
projetar novas perspectivas formativas.
Compreendemos também a Mainardi
inserida em um contexto maior: o jovem
trabalhador do campo, estudante do
SOME, tem dificuldades específicas
relacionadas ao sistema modular, mas é
também um jovem da classe trabalhadora,
que, assim como o da cidade, anseia por
uma formação educacional e, junto a tantos
outros jovens, sente e compartilha
dificuldades oriundas da condição social
que os une.
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MDA.
1
O dicionário da ngua portuguesa Aurélio
(Ferreira, 2000, p. 251) define egresso como aquele
“1. Que saiu, se afastou.”. Para o efeito deste
trabalho, consideramos como alunos egressos
aqueles que: 1. Concluíram o ensino médio no
SOME; 2. Evadiram; 3. Foram transferidos para
outra unidade de ensino ou modalidade de oferta.
2
Fonte: Escola Sede do SOME em Breves “Maria
Câmara Paes”. Jan. 2015.
3
Língua portuguesa, Educação Física, História,
Geografia, Biologia, Física, Química, Matemática,
Língua Estrangeira Moderna (1º, e anos);
Arte, Filosofia e Sociologia (1º ano). Conforme o
“Modelo Curricular para o Ensino Médio Sistema
Modular de Ensino”, aprovado pela Resolução nº.
761/1998 CEE/Pará.
4
Gramsci, A. (2000). Cadernos do Cárcere. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira.
Recebido em: 22/11/2017
Aprovado em: 23/01/2018
Publicado em: 21/04/2018
Como citar este artigo / How to cite this article /
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APA:
Rodrigues, J. M. P., & Silva, G. P. (2018). O Sistema
de Organização Modular de Ensino (SOME) na ótica
de egressos no município de Breves - Pará. Rev. Bras.
Educ. Camp., 3(1), 260-286.
ABNT:
RODRIGUES, J. M. P.; SILVA, G. P. O Sistema de
Organização Modular de Ensino (SOME) na ótica de
egressos no município de Breves - Pará. Rev. Bras.
Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 3, n. 1, p. 260-286,
2018.
ORCID
João Marcelino Pantoja Rodrigues
http://orcid.org/0000-0001-8168-8596
Rodrigues, J. M. P., & Silva, G. P. (2018). O Sistema de Organização Modular de Ensino...
Rev. Bras. Educ. Camp.
Tocantinópolis
p. 260-286
jan./abr.
2018
ISSN: 2525-4863
286
Gilmar Pereira da Silva
http://orcid.org/0000-0001-9814-9089
Os autores declaram que foram responsáveis pela
elaboração, análise e interpretação dos dados;
escrita e revisão do conteúdo do manuscrito, bem
como pela aprovação da versão final a ser
publicada.