Revista Brasileira de Educação do Campo
The Brazilian Scientific Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-4863.2018v3n2p578
Tocantinópolis
v. 3
n. 2
p. 578-595
mai./ago.
2018
ISSN: 2525-4863
578
Este conteúdo utiliza a Licença Creative Commons Attribution 4.0 International License
Open Access. This content is licensed under a Creative Commons attribution-type BY
Educação do Campo, Ensino Médio e juventude
camponesa: conceitos em construção
Maria de Lourdes Jorge de Sousa
1
, Ilma Ferreira Machado
2
1
Secretaria de Estado da Educação de Mato Grosso - SEDUC. Centro de Formação e Atualização dos Profissionais da
Educação Básica - CEFAPRO. São Félix do Araguaia - MT. Brasil.
2
Universidade do Estado de Mato Grosso - UNEMAT.
Autor para correspondência/Author for correspondence: loujorgelb@gmail.com
RESUMO. Este artigo discute as configurações do Ensino
Médio em escolas do campo no polo do CEFAPRO de São Félix
do Araguaia MT, em interface com as proposições da
educação do campo. A pesquisa foi realizada com educadores de
duas escolas/salas anexas, localizadas no Projeto de
Assentamento Mata Azul e no Projeto de Assentamento Dom
Pedro Casaldáliga, vinculadas às Escolas Estaduais 29 de
Setembro, no município de Novo Santo Antônio, e Tancredo
Neves, no município de São Félix do Araguaia, na Microrregião
Norte Araguaia nordeste de Mato Grosso. Utilizou-se da
abordagem qualitativa de pesquisa, numa perspectiva crítico-
dialética por esta enfatizar a dimensão histórica e
transformadora das situações ou dos fenômenos estudados. Para
a coleta dos dados foram utilizadas entrevistas semiestruturadas.
Constatou-se que o Ensino Médio no campo, nas escolas
pesquisadas é uma experiência ainda incipiente, que envolve
questões relativas à estrutura física das unidades escolares, à
organização curricular, ao papel social da escola do campo, à
formação dos docentes, ao acesso e permanência dos jovens
camponeses a escola até concluírem a formação de nível médio,
evidenciando tensão, por parte dos educadores, no sentido de
contrapor ao paradigma da seletividade e dualidade do Ensino
Médio e do urbanocentrismo em escolas do campo.
Palavras-chave: Educação do Campo, Ensino Médio no
Campo, Juventude Camponesa.
Sousa, M. L. J., & Machado, I. F. (2018). Educação do Campo, Ensino Médio e juventude camponesa...
Tocantinópolis
v. 3
n. 2
p. 578-595
mai./ago.
2018
ISSN: 2525-4863
579
Countryside Education, High School Education and
Peasant youth: Construction concepts
ABSTRACT. This article discusses the configurations on high
school education on countryside schools of the branch
CEFAPRO of São Félix do Araguaia-MT, in coherence with the
proposal of this method. The investigation was made with
teachers of two schools/classrooms, located in the project of
settlement Mata Azul and the project of settle med Dom Pedro
Casaldáliga, that connected to the state schools September 29th,
in the municipality of Novo Santo Antônio, and Tancredo
Neves, in the municipality of São Félix de Araguaia, in the
micro region of the North Araguaia - on the north east of Mato
Grosso. It was used an approach qualitative investigation, in a
critical-dialectic perspective for emphasis on the historical
dimensions and transforming of the situations or student
phenomena. For the gather of information was used interviews
half structured. It was contacted that high school education on
the countryside that were part of this studies are still incipient,
that includes questions about the structures about the school
modeling, to the curricular organization, to the important work
of this schools, to the formation of teachers, to the access and
the permanence of this students until they completed their high
school, showing us the tension by part of the teachers, as far as
they set off the paradigm of selection and duality of high school
education and the urban centrism in the countryside.
Keywords: Countryside Education, High Countryside
Education, Peasant Youth.
Sousa, M. L. J., & Machado, I. F. (2018). Educação do Campo, Ensino Médio e juventude camponesa...
Tocantinópolis
v. 3
n. 2
p. 578-595
mai./ago.
2018
ISSN: 2525-4863
580
Educación del Campo, Educación Media y juventud
campesina: conceptos en construcción
RESUMEN. Este artículo discute las configuraciones de la
educación en el nivel medio en escuelas del campo de la sede de
CEFAPRO de São Félix do Araguaia - MT, en coherencia con
las propuestas de la educación del campo. La investigación fue
realizada con educadores en dos escuelas/aulas anexas,
localizadas en el Proyecto de Asentamiento Mata Azul y en el
Proyecto de Asentamiento Dom Pedro Casaldáliga, las cuales
están vinculadas a las Escuelas Estaduales 29 de Setiembre, en
el municipio de Novo Santo Antônio, y Tancredo Neves, en el
municipio de São Félix de Araguaia, en la micro región Norte
Araguaia - del noreste de Mato Grosso. Se utiliun abordaje
cualitativo de investigación, en una perspectiva crítico-dialéctica
por el énfasis en la dimensión histórica y transformadora de las
situaciones y fenómenos estudiados. Para la recolección de la
información fueron usadas entrevistas semi estructuradas. Se
constató que la educación media del campo en las escuelas
investigadas es una experiencia aún incipiente, que incluye
cuestiones relativas a la estructura física de las unidades
escolares, a la organización curricular, al papel social de la
escuela del campo, a la formación de los profesores, al acceso y
la permanencia de los jóvenes campesinos a la escuela hasta que
finalizan la formación de nivel medio, entre otras, evidenciando
tensión por parte de los educadores, en la mediad en que
contraponen el paradigma de la selección y la dualidad de la
Educación media y a la del urbanocentrismo en escuelas del
campo.
Palabras clave: Educación del Campo, Educación Media del
Campo, Juventud Campesina.
Sousa, M. L. J., & Machado, I. F. (2018). Educação do Campo, Ensino Médio e juventude camponesa...
Tocantinópolis
v. 3
n. 2
p. 578-595
mai./ago.
2018
ISSN: 2525-4863
581
Introdução
Historicamente, no Brasil, a
educação no meio rural foi caracterizada
pelo descaso por parte dos órgãos
governamentais e pelas dificuldades de
acesso, permanência e conclusão da
educação básica e do ensino superior por
parte dos sujeitos do campo. “Constata-se,
portanto, que não houve historicamente
empenho do poder público para implantar
um sistema educacional adequado às
necessidades dos povos do campo. O
Estado brasileiro omitiu-se” (Brasil, 2005,
p. 7).
que se reconhecer que os setores
populares têm reivindicado das instâncias
governamentais ações com o intuito de
romper com a lógica excludente da
sociedade capitalista presente no sistema
educacional. Embora se reconheça os
esforços de educadores e de alguns
programas educacionais no sentido de
tornar o ensino inclusivo, unitário e de
formação omnilateral, tais medidas ainda
não foram suficientes para solucionar os
problemas que dificultam a universalização
da educação básica. Observa-se que as
políticas públicas de educação sofrem
fortes influências do sistema capitalista que
rege as relações sociais de cada momento
histórico. Mészáros alerta que,
... limitar uma mudança educacional
a margens corretivas interesseiras do
capital significa abandonar de uma só
vez, conscientemente ou não, o
objetivo de uma transformação social
qualitativa. Do mesmo modo,
contudo, procurar margens de
reforma do sistema na própria
estrutura do capital é uma
contradição (Mészáros, 2005, p. 27).
Segundo o autor, faz-se necessário
romper com a lógica do capital como
condição para a criação de projetos
educacionais significativamente diferentes.
Ou seja, haverá mudanças significativas
na educação se mudar, também, o quadro
social e econômico.
Atualmente, um dos grandes desafios
da Educação Básica no Brasil é dar ao
Ensino Médio um caráter unitário e
politécnico, bem como assegurar aos
milhares de jovens que ainda estão fora da
escola condições de acesso, permanência e
terminalidade com qualidade social.
Conforme Frigotto (2016, p. 1), “em plena
segunda cada do século XXI, nega-se a
etapa final da educação básica, o Ensino
Médio, para a metade da juventude
brasileira e os que o alcançam o fazem em
condições precárias”. Ainda segundo o
autor, “mutila-se, assim, a perspectiva de
futuro tanto da cidadania ativa quanto das
possibilidades de integrarem-se ao mundo
do trabalho de forma qualificada”
(Frigotto, 2016, p. 1).
Essa realidade é ainda mais grave no
meio rural onde a educação e
Sousa, M. L. J., & Machado, I. F. (2018). Educação do Campo, Ensino Médio e juventude camponesa...
Tocantinópolis
v. 3
n. 2
p. 578-595
mai./ago.
2018
ISSN: 2525-4863
582
especialmente a educação de nível médio
chegou tardiamente e em condições que
não atendem as expectativas dos povos do
campo. Situação que se agrava com o
acelerado processo de fechamento das
escolas no campo que vem operando sem
controle nos últimos anos. Para os jovens,
trabalhadores do campo, cursar a educação
de nível médio é um desafio, às vezes
adiado por muitos anos, e às vezes,
inalcançável. Desconstruir essa realidade é
função da atual escola do campo.
Conforme Freitas (2012),
Isso não é pouco, pois, na sociedade
capitalista, a escola tem caráter dual,
ou seja, dependendo da origem social
do estudante, ela provê um caminho
ascendente para os patamares mais
elevados de instrução ou provê o
caminho da terminalidade, sendo o
estudante excluído em algum ponto
do sistema escolar sem possibilidade
de acessar níveis mais elevados de
formação (Freitas, 2012, p. 339).
Considerando a afirmação do autor, o
que se observa com base nas estatísticas da
educação brasileira, é que os jovens
camponeses são os mais excluídos do
sistema educacional. Portanto, essa
pesquisa buscou analisar as configurações
do Ensino Médio em escolas no campo do
polo do Centro de Formação de
Professores - CEFAPRO, de São Félix do
Araguaia-MT e quais as contradições que
permeiam esse processo.
Na perspectiva da pesquisa
qualitativa, analisou-se o Ensino Médio em
duas Escolas do campo localizadas em dois
distintos assentamentos da reforma agrária,
no polo do CEFAPRO de São Félix, na
microrregião norte Araguaia, nordeste de
Mato Grosso, sob as lentes da abordagem
crítico-dialética, que tem como uma de
suas características privilegiar os estudos
sobre experiências, práticas pedagógicas,
processos históricos, discussões filosóficas
ou análises contextualizadas, a partir de um
prévio referencial teórico e tem a ação
como categoria epistemológica
fundamental. Ou seja, a pesquisa com base
nas teorias críticas considera a realidade
como um processo em movimento, em
transformação.
Assumimos essa abordagem por
compreender, a partir dos estudos de
Gamboa (1998, p. 117), que “a abordagem
crítico-dialética manifesta um interesse
transformador das situações ou dos
fenômenos estudados, resgatando sua
dimensão sempre histórica e desvendando
suas possibilidades de mudança”.
A seguir, apresentamos a análise de
dados coletados a partir das entrevistas
semiestruturadas, realizadas com
educadores do ensino médio de escolas do
campo. O primeiro eixo de análise dos
dados coletados na empiria trata da
concepção de educação do campo dos
entrevistados.
Sousa, M. L. J., & Machado, I. F. (2018). Educação do Campo, Ensino Médio e juventude camponesa...
Tocantinópolis
v. 3
n. 2
p. 578-595
mai./ago.
2018
ISSN: 2525-4863
583
Concepções de Educação do Campo
Em função dos objetivos desta
pesquisa, procuramos saber em qual
concepção de educação do campo os
educadores das duas escolas pesquisadas
embasam suas práticas pedagógicas no
Ensino Médio/campo.
Para Caldart (2015, p. 118), as
concepções se constituem de um conjunto
de conceitos organizados, de categorias
teóricas, que servem como ferramentas de
análise da realidade que temos, exatamente
para que, ao identificar as contradições
presentes na realidade atual, possamos
saber o fio a puxar para colocar o cenário
em movimento, no caminho que essas
mesmas referências nos indicam como o
mais adequado neste momento histórico.
Os educadores (as) entrevistados(as)
- identificados neste texto pelas iniciais dos
nomes, ao serem solicitados a expressar
suas concepções de educação do campo,
trouxeram os seguintes elementos:
Eu defino a educação do campo...
que ela seja do campo para o aluno
no campo e que o aluno seja
valorizado no campo (AI, 2016).
A gente sabe que a educação do
campo é diferenciada, a grade dela,
ela tem uma visão da realidade
local do campo...tem que se ter
uma metodologia diferenciada
para se trabalhar com eles (jovens
camponeses). Tem que saber
trabalhar com esses alunos, ter uma
metodologia que venha ao encontro
das necessidades deles (BL, 2016).
Ela tem que ser voltada totalmente
para o campo. Eu tenho que
valorizar, eu tenho que respeitar, eu
tenho que não deixar perder as
raízes daqueles educandos, das
famílias... A valorização da cultura
deles, da terra, da prática... (CS,
2016).
... Para mim a educação do campo é
aquela que a gente faz com os alunos
da zona rural, é a educação que o
jovem faz sem ter que sair de sua
terra, deixando a sua família (FI,
2016).
... como professora da educação (do
campo) eu defendo essa ideia
(proposta pedagógica da educação do
campo) porque é aonde o aluno
aprende a teoria e a prática ao mesmo
tempo. Eu tenho observado que na
escola tradicional, às vezes, ele
aprende a teoria... aquele lado
sentimental e humano, aquele
contato, às vezes, ele não tem, fica
mais aquele estudo mecânico e na
educação do campo é a pessoa... ele
(o estudante) aprende, é o aprender
fazer fazendo. Então ele com
outras visões, tem outras linhas de
pensamento é aonde... ele se sente
mais seguro. Na educação do campo,
a gente... o professor é sempre um
indicador, ele está ali, ele ensina e
aprende ao mesmo tempo... Talvez o
diferencial da educação do campo
seja isso, como os alunos já têm a
prática, quando você leva a teoria
eles já têm conhecimento, eles têm
segurança do que estão fazendo (HI,
2016).
Observa-se que as concepções de
educação do campo dos interlocutores
apresentam aproximações com as
concepções de educação do campo que
vêm sendo construídas pelo movimento de
Sousa, M. L. J., & Machado, I. F. (2018). Educação do Campo, Ensino Médio e juventude camponesa...
Tocantinópolis
v. 3
n. 2
p. 578-595
mai./ago.
2018
ISSN: 2525-4863
584
articulação da educação do campo, a partir
de 1990. As falas em destaque trazem
elementos da concepção de educação do
campo que consideram as particularidades
e valorizam os sujeitos do campo, seus
territórios e sua cultura.
A interlocutora (HI) demonstra
reconhecer as singularidades dos sujeitos
do campo. Critica a dicotomia teoria e
prática comum às práticas tradicionais e
busca desenvolver sua ação pedagógica
numa perspectiva mais integral, centrada
na dimensão humana dos estudantes. Ela
concebe o professor como “indicador”,
alguém que indica caminhos, aquele que
“ensina e aprende ao mesmo tempo”.
Observa-se aproximação entre a concepção
desta interlocutora e o que propõem
Kolling, Nery e Molina (1999):
O propósito é conceber uma
educação básica do campo, voltada
aos interesses e ao desenvolvimento
sociocultural e econômico dos povos
que habitam e trabalham no campo,
atendendo às suas diferenças
históricas e culturais para que vivam
com dignidade e para que,
organizados, resistam contra a
expulsão e a expropriação, ou seja,
este do campo tem o sentido do
pluralismo das ideias e das
concepções pedagógicas: diz respeito
à identidade dos grupos formadores
da sociedade brasileira (conforme os
artigos 206 e 216 da nossa
Constituição) (Kolling, Nery &
Molina, 1999, p. 18).
Foi possível constar que a maioria
dos interlocutores começa a compreender a
educação do campo na forma como ela
vem se construindo no interior dos
movimentos sociais do campo. Contudo, os
entrevistados limitaram-se a questões da
educação escolar, sem pontuar a dimensão
política da educação do campo, que
extrapola as práticas escolares. Ou seja,
suas concepções de educação do campo
aqui expostas, não questionam as
condições de dominação que são impostas
aos sujeitos do campo.
As falas de BL, “a educação do
campo ela é diferenciada, a grade (matriz)
dela tem toda uma visão da realidade local
do campo”, e de CS, “Ela tem que ser
voltada totalmente para o campo”,
merecem cuidado para evitar
interpretações equivocadas que vêm
gerando críticas à educação do campo.
A proposição de se valorizar a
realidade e a cultura local tem sido
interpretada equivocadamente, levando ao
entendimento de que valorizar a cultura
local significa limitar-se a ela e não
avançar para o global, para a apreensão dos
conhecimentos universais e de caráter
científico, função da escola. É importante
reafirmar que, referenciar o currículo na
realidade do campo, não significa estudar
apenas a realidade local, ela é tomada
como o ponto de partida, como elemento a
ser problematizado, por afetar efetivamente
a vida dos estudantes e de suas
comunidades. A realidade local pode ser
Sousa, M. L. J., & Machado, I. F. (2018). Educação do Campo, Ensino Médio e juventude camponesa...
Tocantinópolis
v. 3
n. 2
p. 578-595
mai./ago.
2018
ISSN: 2525-4863
585
tomada como o elo entre o local e as
questões mais amplas, mais gerais. A
educação do campo é concebida como
processo de formação dos sujeitos desde o
lugar em que vivem sem, contudo, limitar-
se a ele, postula o desenvolvimento das
pessoas, articulado a uma perspectiva de
desenvolvimento socioeconômico local”
(Machado, 2012, p. 268).
Entendimento como o da autora nos
ajuda a compreender que o lugar onde
vivem os sujeitos do campo é o ponto de
partida de onde se desencadeia um amplo e
complexo processo de desenvolvimento de
sua formação, mas que não se limita a ele.
Deste modo, o processo pedagógico nasce
da realidade particular dos camponeses e
avança para a formação humana integral de
caráter científico e universal.
O segundo eixo buscou analisar a
concepção que os entrevistados têm de
jovem camponês.
Concepção de Jovem Camponês
O interesse dos pesquisadores sobre o
universo social e cultural dos jovens
rurais é recente, sendo bastante
limitada a bibliografia disponível, o
que não acontece no que se refere à
população jovem dos grandes centros
urbanos, que tem atraído a atenção de
um número muito mais amplo de
estudiosos sobre temas variados.
(Carneiro, 2011, p. 243).
Carneiro (2011) observa o nível de
atenção que tem recebido a população
jovem do campo e nos ajuda no diálogo
que faremos nesse eixo e que, de certo
modo, justifica a importância do nosso
trabalho. A discussão sobre o Ensino
Médio nas escolas do campo exige buscar
saber quem são os sujeitos desta etapa da
educação básica nas escolas do campo,
mais especificamente, nas salas anexas de
escolas do polo do CEFAPRO de São Félix
do Araguaia-MT. Como ponto referencial,
buscamos em estudiosos da temática,
concepções de juventudes.
Juventude/jovem tem representado,
neste cenário atual, acima de tudo,
relações de hierarquia social.
Juventude definida, seja como
“revolucionária/transformadora”, seja
como “problema”, é, muitas vezes,
tratada a partir de um olhar que
define hierarquicamente o papel
social de determinados indivíduos e
mesmo organizações coletivas
Juventude/jovem associado à
transitoriedade do ciclo-de-vida ou
mesmo biológico, transfere para
aqueles que assim são identificados,
a imagem de pessoas em formação,
incompletos, sem vivência, sem
experiência, indivíduos, ou grupo de
indivíduos que precisam ser
regulados, encaminhados. Juventude
rural é uma categoria
particularmente reveladora dessa
construção de relações de hierarquia
(Castro, 2009, p. 194).
A autora apresenta a multiplicidade
de concepções de jovem que circulam na
sociedade. Tais concepções têm suas
implicações na forma de tratamento
dispensado a eles pela sociedade e pela
escola.
Sousa, M. L. J., & Machado, I. F. (2018). Educação do Campo, Ensino Médio e juventude camponesa...
Tocantinópolis
v. 3
n. 2
p. 578-595
mai./ago.
2018
ISSN: 2525-4863
586
O olhar atento sobre os sujeitos do
Ensino Médio campo (jovem
camponês/juventude camponesa) se
apresenta como um imperativo,
contrariando a lógica da escola ao longo do
seu percurso histórico, que tem sido a de
homogeneizar os jovens. Eles geralmente
são vistos pela escola apenas como alunos,
não se tem considerado as condições
históricas, sociais, econômicas, culturais e
espaciais que os fazem jovens/camponeses.
As diferentes experiências, as formas de se
relacionar e trabalhar em seus territórios de
produção da vida vão, aos poucos,
constituindo a identidade do ser jovem
camponês.
Observa-se que o conceito de jovem
não é unívoco e vem se modificando ao
longo da história; atualmente, a partir da
Projeto de Emenda Constitucional - PEC
da Juventude, de 65, de julho de 2010,
o entendimento de que ser jovem
compreende a idade de 15 a 29 anos e para
além do corte etário,
A juventude é uma categoria
socialmente produzida. Temos que
levar em consideração que as
representações sobre a juventude, os
sentidos que se atribuem a esta fase
da vida, a posição social dos jovens e
o tratamento que lhes é dado pela
sociedade ganham contornos
particulares em contextos históricos,
sociais e culturais distintos (Brasil,
2013, p. 13).
A concepção de jovem enquanto uma
categoria sociológica ainda não está
devidamente assumida pelo conjunto da
sociedade. Ainda se faz presente o conceito
de jovem/juventude limitado ao corte
etário e às questões comportamentais.
Somente nas últimas décadas é que vem se
ampliando, no meio educacional, a
compreensão da categoria jovem numa
perspectiva de construção social e do
jovem como sujeito social.
A condição de se compreender tal
categoria passa por considerar primeiro as
condições materiais, as relações sociais, o
lugar e o tempo histórico, ou seja, o
contexto desses sujeitos.
As distintas condições sociais
(origem de classe e cor da pele, por
exemplo), a diversidade cultural (as
identidades culturais e religiosas, os
diferentes valores familiares, etc.) a
diversidade de gênero (a
heterossexualidade, a
homossexualidade, a
transexualialidade, por exemplo) e
até mesmo as diferenças territoriais
se articulam para a constituição dos
diferentes modos de vivenciar a
juventude (Dayrell & Carrano, 2014,
p. 112).
Considerando a multiplicidade de
elementos que implicam diretamente na
constituição desse sujeito que chega à
escola na condição de estudante,
perguntamos aos interlocutores desta
pesquisa, qual a concepção que eles têm
dos jovens camponeses estudantes da
escola/sala anexa onde atuam:
Sousa, M. L. J., & Machado, I. F. (2018). Educação do Campo, Ensino Médio e juventude camponesa...
Tocantinópolis
v. 3
n. 2
p. 578-595
mai./ago.
2018
ISSN: 2525-4863
587
A maioria tem perspectiva de sair,
fazer curso superior, dar uma
qualidade de vida melhor para a sua
família (CS, 2016).
Eles almejam a formação acadêmica
como uma oportunidade de dar
continuidade aos estudos. Querem
formar para ser administrador de
empresas, fazer Direito, fazer
Medicina, poucos falaram em
Zootecnia, ser Agrônomo, ser
Engenheiro Florestal que está de
alguma forma voltada para o
campo...; alguns pensam de sair do
campo em busca de oportunidades de
emprego, melhor qualidade de vida,
eles dizem querer ter acesso a
melhores condições, a mais
informações... eles falam “ah, eu
tenho essa terra, mas eu não tenho
condições de manter essa terra, como
é que eu vou viver?” (FI, 2016).
A palavra que define o jovem:
esforço. São meninos educados. Eles
são muito bons, muito
compreensíveis, eles estão ali pra
estudar mesmo (EM, 2016).
As falas dos interlocutores CS, FI e
EM revelam que os jovens camponeses,
aos quais eles se referem veem a ida para a
cidade e o curso superior como horizonte a
ser alcançado. Esse tipo de sentimento tem
sua razão de ser na ideologia dominante de
que a cidade é o lugar das oportunidades,
bem como na falta de políticas públicas de
atendimento às necessidades básicas do
jovem (condições de trabalho, moradia
digna, saúde, educação de qualidade social,
inclusive o Ensino Superior, acesso aos
novos recursos tecnológicos, aos meios de
comunicação, ao lazer, ao esporte e aos
espaços de convivência com seus pares).
Um de nossos interlocutores equipara
os jovens do campo aos da cidade: O
jovem que estuda (campo) eu acho que
ele não é diferente do jovem daqui da sede,
da zona urbana, porque é um jovem que
tem vontades, que tem desejos de crescer”
(BL, 2016).
Com base nos estudos de Dayrell e
Carrano (2014), observamos que os jovens
apresentam algumas características que são
universais, porém, não para olhar o
jovem camponês com as mesmas lentes
que olhamos os jovens urbanos, seus
elementos de constituição do ser são
outros. Portanto, ao se referir aos jovens
camponeses deve-se considerar a
complexidade do seu contexto e daí
brotará, de sua condição social, uma série
de elementos que, embora resguardando
suas características universais de jovem,
diferem dos outros jovens, de modo
especial da juventude urbana. Portanto, não
se pode trabalhar com essa categoria,
referenciando-se apenas numa perspectiva
unívoca de jovem,
... na realidade, não tanto uma
juventude, e sim jovens enquanto
sujeitos que a experimentam e a
sentem segundo determinado
contexto sociocultural onde se
inserem e, assim, elaboram
determinados modos de ser jovem. É
nesse sentido que enfatizamos a
noção de juventudes, no plural, para
enfatizar a diversidade de modos de
ser jovem existente (Dayrell &
Carrano, 2014, p. 112).
Sousa, M. L. J., & Machado, I. F. (2018). Educação do Campo, Ensino Médio e juventude camponesa...
Tocantinópolis
v. 3
n. 2
p. 578-595
mai./ago.
2018
ISSN: 2525-4863
588
O autor nos fornece elementos para
analisar a forma como as escolas do
campo, lócus desta pesquisa, estão
concebendo os jovens do campo, seus
estudantes. Vê-los como o jovem urbano,
significa não considerar as marcas de seu
contexto social e, deste modo, se
justificaria um programa, um currículo, um
calendário unificado cidade/campo.
A escola é desafiada a conhecer
melhor os seus sujeitos jovem camponês,
estudante do ensino médio. Isso significa
saber quem são eles, como eles vivem com
suas famílias, qual a sua relação com o
mundo do trabalho, que significado tem a
escola para eles, que demandas e
perspectivas eles têm, quais suas instâncias
de participação e de socialização com os
outros jovens e a sua comunidade.
As circunstâncias que impedem os
jovens camponeses de terem acesso às
políticas públicas que podem colaborar
para a sua emancipação conjugam
inúmeras implicações que afetam a vida
desses sujeitos e desafiam a escola a tomar
posição, no sentido de ajudá-los a romper
as “cercas” que dificultam a conquista dos
seus direitos enquanto cidadãos. Como
observa Dayrell,
tais implicações desafiam os
educadores a desenvolverem posturas
e instrumentos metodológicos que
possibilitem o aprimoramento do seu
olhar sobre o aluno, como “outro”, de
tal forma que, conhecendo as
dimensões culturais em que ele é
diferente, possa resgatar a diferença
como tal e não como deficiência.
Implica buscar uma compreensão
totalizadora desse outro. (Dayrell,
1996, p. 145).
Conforme evidenciado nas falas, as
concepções que os entrevistados têm sobre
os jovens camponeses não consideram as
circunstâncias, às quais os jovens, seus
alunos, estão submetidos, e que os
constituem enquanto jovens. Não
considerar tais circunstâncias (classe
social, contexto cultural, condições de
trabalho/produção da vida no campo,
temporalidade, relação com a escola e com
as tecnologias modernas) pode dificultar a
constituição de um projeto de Ensino
Médio mais coerente com a realidade
concreta dos jovens camponeses e suas
características.
No eixo seguinte, analisamos o
Ensino Médio no campo, buscando
conhecê-lo e analisá-lo, levando em
consideração as produções acadêmicas
sobre o assunto, a ótica dos educadores
entrevistados e as nossas observações.
Ensino Médio no Campo
O Ensino Médio tem sido
reivindicado, pelas populações do campo,
como direito e como um dos mecanismos
que pode contribuir para que os jovens
camponeses permaneçam no seu território,
Sousa, M. L. J., & Machado, I. F. (2018). Educação do Campo, Ensino Médio e juventude camponesa...
Tocantinópolis
v. 3
n. 2
p. 578-595
mai./ago.
2018
ISSN: 2525-4863
589
na produção da vida e do conhecimento,
junto aos seus familiares, no campo.
Partindo dessas considerações, buscamos
saber junto aos nossos interlocutores, como
se dá o ensino médio nas salas anexas onde
eles atuam e que mecanismos são
utilizados para fortalecê-los.
... o calendário letivo chega pronto
pra gente, a gente não sabe nem de
que maneira que é feito ... durante o
ciclo da colheita ou plantio, nós
professores, por estarmos no dia a
dia, a gente aconselha, a gente ajuda
o aluno dando trabalho, porque tem
vez que ele fala... que não vai vir a
aula porque está trabalhando (DR,
2016).
O calendário já vem pronto para
nós. Já vem pronto de lá de cima para
baixo. As aulas começam mais tarde
por conta que no assentamento as
estradas são de chão, tem lugares que
alaga. A questão do trabalho dos
nossos alunos, as suas profissões são
diversificadas. Às vezes eles (a
gestão escolar) não alteram o
calendário no geral, mas para
aquele aluno que vai trabalhar, às
vezes, ele comunica aos professores
que vai se ausentar por uma
semana, ou até 15 dias. Quando ele
sai nos avisa para repor as aulas, tem
certas temáticas que ele repõe a
matéria. Em momentos diferenciados
a gente explica a matéria e, às vezes,
conforme o que ele vai fazer, a gente
pede para fazer um relatório do
percurso do trabalho. (HI, 2016).
Percebe-se na fala dos entrevistados,
aqui identificados como DR e HI, como
também na fala dos demais, que eles não
participam da elaboração do calendário,
que eles e seus alunos apenas cumprem,
demonstram haver incompatibilidade entre
a dinâmica do trabalho no campo e o
calendário escolar adotado. O afastamento
dos estudantes das atividades escolares,
relatado por HI, pode trazer consequências
para o aprendizado, uma vez que as
condições para a reposição das aulas são
dificultadas por uma série de fatores: a
distância de sua residência até a escola, o
uso do transporte escolar em horário único
e determinado, o professor que dá aula nas
duas redes de ensino (municipal e estadual)
ou em diferentes setores do assentamento,
dentre outros.
Contraditoriamente à prática do
calendário unificado cidade/campo, a Lei
9.394/96, Lei de Diretrizes e Bases da
Educação - LDB (Brasil, 1996), no seu
Art. 28, orienta a adequação do calendário
escolar das escolas do campo aos ciclos
agrícolas e às condições climáticas da
região. A não observância destes preceitos
causa prejuízos à formação do jovem
trabalhador do campo, além de contribuir
para a sua possível desistência da escola.
Ao falar sobre como se dão as
práticas pedagógicas, os entrevistados
revelam um currículo centrado nos livros
didáticos. Eles justificam que o fato de
trabalhar com três turmas/ano
(multisseriadas) ao mesmo tempo, por não
terem formação em várias disciplinas que
ministram aulas, e não haver na escola
outros recursos limitam-se quase que
exclusivamente aos livros didáticos.
Sousa, M. L. J., & Machado, I. F. (2018). Educação do Campo, Ensino Médio e juventude camponesa...
Tocantinópolis
v. 3
n. 2
p. 578-595
mai./ago.
2018
ISSN: 2525-4863
590
... a metodologia tem que ser
diferenciada, mas por falta de
material, eles acabam utilizando a
mesma metodologia da escola
urbana, que são os livros didáticos
(BL, 2016).
... questão metodológica, a maioria
das vezes, é quadro e giz, algumas
vezes, um data show, livros
didáticos que sempre são adotados
pelos docentes (CS, 2016).
... os conteúdos são trabalhados
através dos livros didáticos e da
pesquisa (AI, 2016).
As afirmações dos docentes de que o
calendário da escola do campo é o mesmo
da escola urbana e que o programa de
ensino é centrado no livro didático podem
indicar uma contradição em relação ao que
enuncia o Projeto Político-Pedagógico -
PPP de uma das escolas pesquisadas: “É
fundamental que se considere sempre a
situação real de cada escola, de cada
espaço, de cada história de vida” (PPP,
Escola Estadual 29 de Setembro, 2014, p.
6).
Pensar sobre isso é importante por
considerar que o tempo das comunidades
do campo é diferente do tempo urbano e o
movimento de produção de conhecimentos
dos sujeitos do campo, não pode se limitar
aos livros didáticos.
Os interlocutores DR, GJ e HI,
embora de escolas diferentes, denunciam a
precariedade das escolas/Salas anexas de
Ensino Médio, onde trabalham:
O espaço de aprendizagem é
mesmo a sala de aula. Não tem
computador, não tem internet, eles
não têm uma biblioteca, eles não têm
um campo (de futebol), seja para
fazer educação física, não tem
material para a educação física (DR,
2016).
Tem hora que você faz uma aula
de campo, sai da sala de aula, em
algumas disciplinas, para fazer o
laboratório de química, um
laboratório improvisado. Se for fazer
alguma pesquisa você tem que usar
as garrafas pet, como o béquer, como
proveta, bureta e outros materiais que
se usa no laboratório, você tem que
improvisar (GJ, 2016).
A estrutura é muito carente. Os
alunos, às vezes, cobram, como na
cidade oferece muita coisa... internet,
muito material didático, mas a gente
não tem, a gente tenta suprir de
outras maneiras, trabalhar com o
concreto (HI, 2016).
Ao mesmo tempo em que denunciam
as precárias condições de trabalho nas
escolas do campo, nas quais atuam, os
professores entrevistados relatam como
desenvolvem o trabalho pedagógico,
criando os seus próprios materiais e
estratégias de ensino. Com exceção de
“DR”, todos os professores disseram que
buscam desenvolver estratégias para “além
da sala de aula”, conforme relata (HI):
Então, o trabalho é dentro da
realidade. Mas, com a preocupação
de mostrar também algumas coisas
de fora, alguns materiais que são
utilizados, a gente aproveita mais a
realidade de vida deles. A natureza
em si é o nosso próprio laboratório ...
Alguns momentos a gente sai (da
sala). Primeiro trabalha a teoria,
Sousa, M. L. J., & Machado, I. F. (2018). Educação do Campo, Ensino Médio e juventude camponesa...
Tocantinópolis
v. 3
n. 2
p. 578-595
mai./ago.
2018
ISSN: 2525-4863
591
depois que eles têm conhecimento do
objetivo é que vão sair para a
pesquisa. Porque para eles a natureza
em si é comum. Então, tem que ter
um objetivo específico, porque você
vai fazer aquilo (pesquisa), para você
trabalhar e ter resultado concreto.
Depois que você trabalha você volta
(à sala de aula) e torna a trabalhar
aquilo que eles pesquisaram lá fora,
você estuda de novo, reforçando,
tendo ali uma leitura compartilhada
das experiências, do experimento
com os alunos. Quando a gente tem
o trabalho de campo, a gente não
foge dos conteúdos, são conteúdos
local, regional e global. Então, a
gente faz uma intertextualização
conteúdos que vêm acontecendo
fora e a realidade deles. É
interessante que como eu trabalho em
3 escolas, os conteúdos são da
realidade de cada setor, não é o
mesmo. A necessidade de cada setor
(do assentamento) não é a mesma.
Trabalhamos com a questão de
plantas medicinais. Então, a gente
estuda no livro, no próprio livro de
Biologia, ele traz a questão científica
das plantas e, muitas das vezes,
procuramos aquela família, o pai ou o
vizinho que tem conhecimento sobre
aquelas plantas que trabalhamos e a
gente convida essa família para vir à
escola.
Os professores relatam a questão da
pesquisa, da natureza como laboratório de
aprendizagem, do experimento, inclusive,
criam material alternativo para trabalhar
conteúdos, vinculando-os ao cotidiano dos
estudantes. Na matemática, trabalham-se
conceitos de medidas a partir das
propriedades de terra das famílias dos
estudantes.
Na matemática o ensino é o ensino
propedêutico, direcionado ao
vestibular, para levá-los a fazer uma
faculdade, mas a gente consegue
embutir alguma coisa específica do
campo na questão de medidas de
terras, de áreas como alqueires,
hectares, alqueirinho, alqueirão,
alqueirinho paulista, alqueires de
Goiás, as medidas específicas,
trabalha a questão do acero, como
fazer. Então, são pesquisas que a
gente faz e na área de química
trabalhamos muito sobre impactos
ambientais. A gente procura levá-los
a pensar com relação a tudo isso,
para não fazer queimadas, porque as
queimadas causam isso, causam
aquilo, mostrando em pesquisas
tiradas da internet e em contato com
alguns profissionais das áreas
específicas como os agrônomos (GJ,
2016).
Esse entendimento expresso pelos
entrevistados está em consonância com as
Diretrizes Curriculares do Ensino Médio
Resolução CEB/CNE 2/2012, artigo 6º,
que conceituam o currículo como:
... a proposta de ação educativa
constituída pela seleção de
conhecimentos construídos pela
sociedade, expressando-se por
práticas escolares que se desdobram
em torno de conhecimentos
relevantes e pertinentes, permeadas
pelas relações sociais, articulando
vivencias e saberes dos estudantes e
contribuindo para o desenvolvimento
de suas identidades e condições
cognitivas e socioafetivas (Brasil,
2012, p. 2).
Em que pese à precariedade das
condições de trabalho pontuada pelos
educadores entrevistados, fica evidente o
esforço que fazem no sentido de suprir as
carências e realizar aulas significativas
para seus alunos.
Sousa, M. L. J., & Machado, I. F. (2018). Educação do Campo, Ensino Médio e juventude camponesa...
Tocantinópolis
v. 3
n. 2
p. 578-595
mai./ago.
2018
ISSN: 2525-4863
592
As reformulações do Ensino Médio,
pontuadas nas DCNEM/2012, apontam
para a invenção de uma proposta de
educação de nível médio de perspectiva
mais ampla e emancipatória, o que exige
transformações para além do recorte
curricular,
Nós entendemos que as respostas
exigem muito mais do Estado
brasileiro; exigem logo de “cara”, a
constituição das condições de
materialidade que implica desde a
construção, reforma e ampliação dos
espaços escolares até as condições de
salário e carreira que garantam,
também nesta etapa, profissionais da
educação com a formação e a
dedicação necessárias (Garcia &
Mol, 2014, p. 8).
Sem as condições apontadas pelas
autoras e sem o atendimento às
peculiaridades do campo, o diálogo
democrático entre professores, gestores,
órgão central e as comunidades locais, o
sentido do ensino médio nas salas anexas
será sempre questionável.
O Ensino Médio nas escolas do
campo nos municípios de Novo Santo
Antônio e São Félix do Araguaia constitui
uma experiência muito recente. Imprimir
qualidade social nesta etapa da educação
básica não depende somente de bons
projetos de formação continuada e do
trabalho dos professores em sala de aula.
As condições de trabalho, a infraestrutura,
os espaços de aprendizagem, os tempos e
materiais didáticos e pedagógicos, as
condições de acesso e permanência dos
jovens estudantes na escola, constituem
elementos que exercem fortes implicações
no processo de ensino e de aprendizagem.
Evidenciar e compreender o
significado deste conjunto de elementos,
que de certo modo configuram o Ensino
Médio nas escolas pesquisadas, pode
contribuir efetivamente para a construção
de um projeto político-pedagógico de
Ensino Médio no Campo, com potencial
para enfrentar os desafios apontados pelo
coletivo das escolas, durante as entrevistas
realizadas para esta pesquisa.
Considerações finais
Nas escolas pesquisadas, as
condições de implementação do Ensino
Médio refletem muitas contradições e
ainda se assemelham, em alguns aspectos,
às configurações da escola rural de outrora,
no tocante à negligência por parte dos
órgãos governamentais e investimentos na
estrutura física, nos espaços formativos,
nos equipamentos, bem como nas
condições de acesso e permanência dos
jovens camponeses naquelas escolas.
Frente a isso, constata-se por parte dos
docentes, indignação com tal realidade,
criticam a situação por eles vivenciada e
expressam o desejo e a necessidade de
mudança. A indignação e a ação podem se
Sousa, M. L. J., & Machado, I. F. (2018). Educação do Campo, Ensino Médio e juventude camponesa...
Tocantinópolis
v. 3
n. 2
p. 578-595
mai./ago.
2018
ISSN: 2525-4863
593
tornar mecanismos de transformação da
realidade.
Os estudos sobre o Ensino Médio,
tomando como referência os anos de 1990,
revelam que esta etapa da educação básica
originou-se e se desenvolveu numa
perspectiva dualista, seletiva e excludente.
Em contraposição, constata-se a existência
de um campo de tensão e debates onde
educadores vinculados aos setores
populares se posicionam em favor da
superação deste modelo e da proposição de
outro projeto de Ensino Médio de base
unitária, de formação omnilateral e
politécnica, cuja construção está em
processo, embora interceptada,
continuamente, por propostas que buscam
manter o caráter dual e a sujeição dessa
etapa de ensino à lógica do mercado de
trabalho, conforme observa Rodrigues:
Percebe-se a trajetória do ensino
médio no Brasil permeado por essa
correlação de forças e que os setores
conservadores, aliados ao sistema do
capital têm garantido a inflexão dessa
etapa de ensino às suas exigências.
Partindo de uma quase invisibilidade
para a maioria da população, no
início do século passado, o ensino
médio chega, hoje, a uma quase
onipresença nos debates sobre
educação e na exigência de amplos
setores da sociedade, em especial das
classes populares, para garantia do
acesso (Rodrigues, 2010, p. 206).
A pesquisa sinalizou a importância
de se pautar o Ensino Médio nas escolas do
campo/salas anexas, tencionando a
organização do trabalho coletivo, a
reformulação do Currículo, a
democratização da gestão, da avaliação das
aprendizagens e da instituição,
possibilitando enxergar os sujeitos do
Ensino Médio no campo, reconceitualizar a
juventude camponesa, implementar a
formação continuada dos educadores,
continuar forjando outro projeto de campo,
articular a participação dos estudantes e da
comunidade na vida da escola e da escola
na vida da comunidade. Ou seja, o
problema do Ensino Médio no campo
exige ser tratado na perspectiva da
categoria da totalidade.
Referências
Brasil. (1996). Presidência da República.
Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional 9.394, de 20 de dezembro de
1996. Diário Oficial [da República
Federativa do Brasil]. Brasília, 30 de
dezembro de 1996.
Brasil. (2005). Ministério da Educação e
Cultura. Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade.
Referências para uma política nacional de
educação do campo: caderno de subsídios.
Coordenação: Marise Nogueira Ramos,
Telma Maria Moreira, Clarice Aparecida
dos Santos 2 ed. Brasília, DF: MEC,
SECAD.
Brasil. (2012). Conselho Nacional de
Educação. Resolução n. 2, de 30 de janeiro
de 2012. Define Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio. Brasília,
DF: CNE.
Sousa, M. L. J., & Machado, I. F. (2018). Educação do Campo, Ensino Médio e juventude camponesa...
Tocantinópolis
v. 3
n. 2
p. 578-595
mai./ago.
2018
ISSN: 2525-4863
594
Brasil. (2013). Presidência da República.
Lei 12.858, de 9 de setembro de 2013.
Diário Oficial [da República Federativa do
Brasil]. Brasília - DF, terça-feira, 10 de
setembro de 2013.
Caldart, R. S. (2015). Caminhos para
transformação da escola. In Caldart, R. S.,
Stédile, M. E., & Daros, D. (Orgs.)
Caminhos para transformação da escola:
agricultura camponesa, educação
politécnica e escolas do campo (pp. 115-
138). São Paulo, SP: Expressão Popular.
Carneiro, M. J. (2011). Juventude rural:
projetos e valores. In Abramo, H. W., &
Branco, P. P. M. (Orgs.). Retratos da
juventude brasileira: análises de uma
pesquisa nacional (pp. 243- 261). São
Paulo, SP: Instituto Cidadania/Editora
Fundação Perseu Abramo.
Castro, E. G. (2009). Juventude rural no
Brasil: processos de exclusão e a
construção de um ator político. Revista
Latinoamericana de Ciencias Sociales,
Niñez y Juventud, 7(1), 179-208.
Dayrell, J. (1996). A escola como espaço
sócio-cultural. In Dayrell, J. (Org.)
Múltiplos olhares sobre educação e
cultura (pp. 136-161). Belo Horizonte,
MG: UFMG.
Dayrell, J., & Carrano, P. (2014).
Juventude e ensino dio: quem é este
aluno que chega à escola. In Dayrell, J.,
Carrano, P., & Maia L. C. (Orgs.).
Juventude e Ensino Médio (pp. 101- 133).
Belo Horizonte, MG: Editora UFMG.
Freitas, L. C. (2012). Escola Única do
Trabalho. In Caldart, R. S., Pereira, I. B.,
Alentejano, P., & Frigotto, G. (Orgs.).
Dicionário da Educação do Campo (pp.
339-343). Rio de Janeiro, São Paulo:
Escola Politécnica de Saúde Joaquim
Venâncio, Expressão Popular.
Frigotto, G. (2016). Escola sem Partido.
Recuperado de:
https//espacoacademico.wordpress.com/20
16/06/29/escola-sem-partido-imposicao-
da-mordaca-aos-educadores/
Gamboa, S. S. (1998). Epistemologia da
Pesquisa em Educação. Campinas, SP:
Práxis, 1998.
Garcia, S., & Moll, J. (2014). Juventude e
ensino médio: sujeitos e currículos em
diálogo. In Dayrell, J., Carrano, P., &
Maia, C. L. (Orgs.). Juventude e Ensino
Médio (pp. 7-9). Belo Horizonte, MG:
Editora UFMG.
Kolling, E. J., Nery, I., & Molina, M. C.
(Orgs.). (1999). Por Uma Educação do
Campo (Memória). Brasília, DF: Editora
Universidade de Brasília (vol. 1).
Machado, I. F. (2012). Relação Trabalho
Educação em escolas do Campo. In:
Kassar, M. C.; Silva, F. C. T. (Orgs.).
Educação e Pesquisa no Centro-Oeste:
políticas públicas e formação humana (pp.
267-282). Campo Grande, MS: Editora
UFMS.
Mészáros, I. (2005). A Educação para
Além do Capital. São Paulo, SP: Boitempo
Editorial.
Projeto Político Pedagógico da Escola
Estadual 29 de Setembro, Novo Santo
Antônio, Mato Grosso, 2014.
Rodrigues, R. (2010). O Ensino Médio no
Brasil: da invisibilidade à onipresença. In
Caldart, R. S., Fetzner, A. R., Rodrigues,
R., & Freitas, L. C. (Orgs.). Caminhos
para transformação da escola: reflexões
desde práticas da licenciatura em
educação (pp. 179-207). São Paulo:
Expressão Popular.
Sousa, M. L. J., & Machado, I. F. (2018). Educação do Campo, Ensino Médio e juventude camponesa...
Tocantinópolis
v. 3
n. 2
p. 578-595
mai./ago.
2018
ISSN: 2525-4863
595
Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 07/12/2017
Aprovado em: 15/01/2018
Publicado em: 27/07/2018
Received on December 7th, 2017
Accepted on January 15th, 2018
Published on July 27th, 2018
Contribuições no artigo: As autoras foram os
responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final a ser publicada.
Author Contributions: The authors were responsible for
the designing, delineating, analyzing and interpreting the
data, production of the manuscript, critical revision of the
content and approval of the final version to be published.
Conflitos de interesse: As autoras declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Maria de Lourdes Jorge de Sousa
http://orcid.org/0000-0003-3674-4282
Ilma Ferreira Machado
http://orcid.org/0000-0001-5253-7684
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Sousa, M. L. J., & Machado, I. F. (2018). Educação do
Campo, Ensino Médio e juventude camponesa: conceitos
em construção. Rev. Bras. Educ. Camp., 3(2), 578-595.
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-
4863.2018v3n2p578
ABNT
SOUSA, M. L. J.; MACHADO, I. F. Educação do Campo,
Ensino Médio e juventude camponesa: conceitos em
construção. Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 3,
n. 2, mai./ago., p. 578-595, 2018. DOI:
http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-4863.2018v3n2p578