Revista Brasileira de Educação do Campo
The Brazilian Scientific Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-4863.2018v3n1p313
Rev. Bras. Educ. Camp.
Tocantinópolis
p. 313-332
jan./abr.
2018
ISSN: 2525-4863
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Apontamentos sobre a Educação do Campo em Colorado
do Oeste/Rondônia: notas de um camponês letrado
William Kennedy do Amaral Souza
1
, Raiane Agustinho Lopes
2
, Vanessa Campos de Moraes
3
, Marcos Antonio
Oliveira Rodrigues
4
1
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia - IFRO. Departamento de Ensino. BR 435,
km 63. Zona Rural. Colorado do Oeste - RO. Brasil. william.souza@ifro.edu.br.
2
Universidade Federal de Santa
Catarina - UFSC.
3
Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT.
4
Universidade Federal de Mato Grosso -
UFMT
RESUMO. Este trabalho abordará as inquietações sobre a
dicotomia existente entre Educação no Campo e Educação do
Campo. A partir da leitura de referencial teórico, decidimos
confrontar o que conhecemos do sistema educacional brasileiro,
com a realidade por nós vivenciada e, além disso, confrontar o
discurso oficial de educação plural com o desejo e a necessidade
de movimentos sociais por uma educação mais digna. O
movimento social escolhido para a nossa análise foi o
Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), por ser um
movimento de amplo alcance e respaldo em nossa região. Para
isso elegemos uma pessoa integrante do movimento para a
realização de uma entrevista semiestruturada. O entrevistado é
graduado em um curso diretamente envolvido com a Educação o
que também lhe embasamento teórico para discorrer sobre tal
temática. De acordo com os dados coletados, as pessoas do
MPA acreditam em um sistema educacional melhor e, essa
melhora passa pelo diálogo entre Estado e Movimentos Sociais.
No caso do MPA, esse diálogo tem como ideia central a
valorização da cultura camponesa dentro do ambiente escolar e,
a garantia da manutenção das escolas do campo, assim, pode
ajudar a diminuir o êxodo rural e, consequentemente melhorar a
qualidade de vida.
Palavras-chave: Educação do Campo, Movimento Social,
Sistema Educacional.
Souza, W. K. A., Lopes, R. A., Moraes, V. C., & Rodrigues, M. A. O. (2018). Apontamentos sobre a Educação do Campo
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Notes on Rural Education in Colorado do Oeste/Rondônia:
notes of a literate peasant
ABSTRACT. This paper will address concerns about the
dichotomy between Education in the countryside and Rural
Education. Based on the theoretical reference reading, we
decided to confront what we know of the Brazilian educational
system, with the reality we experienced and, in addition, to
confront the official discourse of plural education with the desire
and need of social movements for a more dignified education.
The social movement chosen for our analysis was the Small
Farmers' Movement (MPA), as it is a movement of wide reach
and support in our region. For this we elect a person who is part
of the movement to carry out a semi-structured interview. The
interviewee is graduated in a course directly involved with
Education which also gives him theoretical background to
discuss this topic. According to the data collected the people of
the MPA believe in a better educational system, and this
improvement goes through the dialogue between the State and
Social Movements. In the case of the MPA, this dialogue has as
its central idea the valorization of the peasant culture within the
school environment and, the guarantee of the maintenance of the
rural schools can thus help to reduce the rural exodus and
consequently to improve the quality of life.
Keywords: Rural Education, Social Movement, Educational
System.
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Apuntes sobre la Educación del Campo en Colorado do
Oeste/Rondônia: notas de un campesino letrado
RESUMEN. Este trabajo abordará las inquietudes sobre la
dicotomía existente entre Educación en el Campo y Educación
del Campo. A partir de la lectura de referencial teórico,
decidimos confrontar lo que conocemos del sistema educativo
brasileño, con la realidad por nosotros vivida y, además,
confrontar el discurso oficial de educación plural con el deseo y
la necesidad de movimientos sociales por una educación más
digna. El movimiento social elegido para nuestro análisis fue el
Movimiento de los Pequeños Agricultores (MPA), por ser un
movimiento de amplio alcance y respaldo en nuestra región.
Para ello elegimos a una persona integrante del movimiento para
la realización de una entrevista semiestructurada. El entrevistado
es graduado en un curso directamente involucrado con la
Educación lo que también le da basamento teórico para discurrir
sobre tal temática. De acuerdo con los datos recogidos las
personas del MPA creen en un sistema educativo mejor y, esa
mejora pasa por el diálogo entre Estado y Movimientos
Sociales. En el caso del MPA, ese diálogo tiene como idea
central la valorización de la cultura campesina dentro del
ambiente escolar y, la garantía del mantenimiento de las
escuelas del campo, así, puede ayudar a disminuir el éxodo rural
y, consecuentemente, mejorar la calidad de vida.
Palabras clave: Educación del Campo, Movimiento Social,
Sistema Educativo.
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Introdução
O Brasil possui uma grande área
territorial e uma enorme diversidade
cultural. Com uma diversidade de povos e
referências culturais dentro da nação, cada
região segue determinadas tradições. Isso
nos leva a pensar que, embora estando em
um modelo nacional, o sistema
educacional pode respeitar e adaptar-se às
especificidades de cada região,
possibilitando que a educação realizada na
região Sudeste possa ser ligeiramente
diferente da oferecida na região Norte, por
exemplo. Então, se a educação se
diferencia de uma região para a outra pelas
diversidades culturais logo, a Educação do
Campo precisa ser uma educação que traga
aspectos diferentes da educação ofertada
na cidade, pois o povo do campo vive
cultura e costumes diferentes. Isso está
preconizado na Lei 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, que estabelece as
Diretrizes de Bases da Educação Nacional
(Brasil, 1996), lei essa que o Senado
Federal há pouco tempo lançou uma edição
impressa atualizada. O artigo 28 da
referida lei diz:
Na oferta de educação básica para a
população rural, os sistemas de
ensino promoverão as adaptações
necessárias à sua adequação às
peculiaridades da vida rural e de cada
região, especialmente:
I conteúdos curriculares e
metodologias apropriadas às reais
necessidades e interesses dos alunos
da zona rural;
II organização escolar própria,
incluindo adequação do calendário
escolar às fases do ciclo agrícola e às
condições climáticas;
III adequação à natureza do
trabalho na zona rural. (Brasil, 1996,
p. 21).
O campo é caracterizado por suas
especificidades, costumes, tradições, quase
sempre distintos da cidade. Logo, a
educação ofertada para os trabalhadores
que estão no campo precisa atender toda a
sua diversidade. A conceituação do termo
Educação do Campo abrange toda essa
diversidade cultural, a qual pode se
caracterizar como um movimento
constituído pelos sujeitos sociais que
integram as realidades camponesas, e que
almejam vincular o processo de vida no
campo com os pressupostos educacionais
aliando assim escola e vida, os
pressupostos da cotidianidade camponesa e
os métodos educativos formais. Segundo
Caldart,
A Educação do Campo nomeia um
fenômeno da realidade brasileira
atual, protagonizado pelos
trabalhadores do campo e suas
organizações, que visa incidir sobre a
política de educação desde os
interesses sociais das comunidades
camponesas. Objetivo e sujeitos a
remetem às questões do trabalho, da
cultura, do conhecimento e das lutas
sociais dos camponeses e ao embate
(de classe) entre projetos de campo e
entre lógicas de agricultura que têm
implicações no projeto de país e de
sociedade e nas concepções de
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política pública, de educação e de
formação humana. (Caldart, 2012, p.
259).
É de vital importância pensarmos o
quanto o embate entre os projetos para o
campo brasileiro reflete em modelos para o
sistema educacional. Na lógica da
Revolução Verde e do modelo
agroexportador, o campo deve ser
minimamente povoado. População essa
que deve estar diretamente envolvida com
as tarefas do agronegócio, trabalhando
dentro dos grandes latifúndios de
monocultura. Isso requer a expulsão das
populações campesinas, entre elas,
indígenas, quilombolas, ribeirinhos e
demais povos que praticam uma
agricultura que tem a natureza como
parceira e não como inimiga. Na lógica dos
movimentos sociais, o campo deve ser
lugar da mais ampla diversidade de povos,
fazendo diferentes formas de agricultura.
Quando nos referimos à Educação do
Campo estamos nos referindo a uma
educação que atender os anseios da
população camponesa e não apenas levar o
sistema educacional para o campo:
Utilizar-se-á a expressão campo, e
não a mais usual, meio rural, com o
objetivo de incluir no processo da
conferência uma reflexão sobre o
sentido atual do trabalho camponês e
das lutas sociais e culturais dos
grupos que hoje tentam garantir a
sobrevivência desse trabalho. Mas,
quando se discutir a Educação do
Campo, se estará tratando da
educação que se volta ao conjunto
dos trabalhadores e das trabalhadoras
do campo, sejam os camponeses,
incluindo os quilombolas, sejam as
nações indígenas, sejam os diversos
tipos de assalariados vinculados à
vida e ao trabalho no meio rural.
Embora com essa preocupação mais
ampla, uma preocupação especial
com o resgate do conceito de
camponês. Um conceito histórico e
político. (Kolling, Nery & Molina,
1999, p. 26).
A ideia de Educação do Campo é um
avanço para a ideia de Educação Rural,
porque essa ideia não se resume em levar a
educação, ela necessita de fazer-se
literalmente em contato com os
trabalhadores que ela se destina. Se antes
pensávamos que “o destinatário da
educação rural é a população agrícola
constituída por todas aquelas pessoas para
as quais a agricultura representa o principal
meio de sustento” (Petty, Tombim & Vera,
1981, p. 33), agora dizemos que “a
Educação do Campo projeta futuro quando
recupera o vínculo essencial entre
formação humana e produção material da
existência, quando concebe a
intencionalidade educativa na direção de
novos padrões de relações sociais”
(Caldart, 2012, p. 265). Esse vínculo
essencial aparece nas Teses sobre
Feuerbach
i
, onde Marx (com a colaboração
fundamental de Engels que as editou pela
primeira vez) destaca a centralidade da
atividade humana, da práxis como relação
indissociável entre teoria e prática e
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constitutivo central do processo de
humanização, como prática criadora e
transformadora de uma nova realidade
social. Nesse aspecto Marx sublinha que
toda vida social é essencialmente prática.
Parece-nos que recuperar o vínculo
essencial não tem sido a intenção do
sistema educacional brasileiro e, muito
menos, da educação oferecida aos
trabalhadores do campo. Nos lugares onde
ainda existem escolas no campo, que estão
sob constantes ataques para que se efetue o
seu desmonte, é oferecida a mesma
educação que acontece na área urbana, o
que contraria a própria LDB. Efetivamente
é a separação, a distinção da Educação do
Campo para a Educação no Campo.
Em busca de maior conhecimento
desta problemática, resolvemos indagar ao
movimento social de maior expressão em
nossa região, qual a concepção de
Educação do Campo, quais os entraves do
sistema educacional no meio rural e quais
as alternativas para a melhoria desse
sistema. O movimento social mais atuante
em nossa região é o Movimento dos
Pequenos Agricultores (MPA), que é um
movimento da luta pela terra e pela
Educação do Campo. Está representado em
todo o Brasil e é expressivo na região de
Colorado do Oeste, estado de Rondônia.
O interesse é saber a importância da
Educação do Campo para estes
trabalhadores e, em que medida o
movimento considera este tema importante
para a sociedade em geral. Pois
acreditamos que o campo e a cidade
formam um conjunto, não existe a
dicotomia campo/cidade. Essa
concorrência entre o rural e o urbano é
algo criado a partir de interesses humanos.
Raymond Williams nos diz que ao
contrário de dicotomia, existe uma ligação
entre esses termos. Nas palavras dele:
Na longa história das comunidades
humanas, sempre esteve bem
evidente esta ligação entre a terra da
qual todos nós, direta ou
indiretamente, extraímos nossa
subsistência, e as realizações da
sociedade humana. E uma dessas
realizações é a cidade. (Williams,
1989, p. 11).
O problema reside nos interesses
humanos em criar essa diferenciação e
hierarquização entre o campo e a cidade.
Ainda é Williams quem nos explica que:
O campo passou a ser associado a
uma forma natural de vida paz,
inocência e virtudes simples. À
cidade associou-se a ideia de centro
de realizações de saber,
comunicações, luz. Também
constelaram-se poderosas
associações negativas: a cidade como
lugar do barulho, mundanidade e
ambição; o campo como lugar do
atraso, ignorância e limitação.
(Williams, 1989, p. 11).
Reparem que o jogo de palavras, os
adjetivos usados servem para qualificar de
maneira pejorativa o campo. Quando
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estipulamos que o campo é “lugar de
atraso, ignorância e limitação” estamos
incentivando o êxodo rural, pois ninguém
quer ser “atrasado”, ao passo que ser
“ambicioso” não é visto necessariamente
como algo tão mau em nossa sociedade.
A realidade do grupo de camponeses
brasileiros organizados em movimentos
sociais é distinta de muitos brasileiros.
Esses trabalhadores lutam por objetivos
que abrangem toda a classe trabalhadora
do país, entre os quais podemos citar as
lutas por menor desigualdade social; pela
conservação das tradições culturais; pela
preservação do meio ambiente; pelo
desinchaço dos grandes centros urbanos;
pela produção de alimentos de qualidade,
sem agrotóxicos e; por boas condições para
manterem seus filhos no campo, o que
envolve diretamente o sistema educacional.
Para Martins (2009), a sugestão da
Educação do Campo para os camponeses
não é simplesmente pedagógica, ela busca
relacionar escola e vida e deseja à
veiculação de uma determinada concepção
de campo, qual seja um lugar de vida.
Atentos ao Decreto 7.352, de 4 de
novembro de 2010, o qual nos diz que o
sujeito deve ser educado dentro de suas
características culturais e de vida,
investigamos o que o Movimento dos
Pequenos Agricultores (MPA) de Colorado
do Oeste Rondônia, cidade do interior do
Estado localizada a 759 km da Capital,
Porto Velho, através de uma de suas
lideranças, pensa sobre a Educação do
Campo e de que maneira eles querem essa
educação.
Formado no final de 1997 com o fim
do departamento rural da Central Única
dos Trabalhadores (CUT), e com a crise do
movimento sindical que, após cumprir
importante papel na luta camponesa se viu
enredado na burocracia estatal, o MPA é:
... um movimento camponês, de
caráter nacional e popular, de massa,
autônomo e de luta permanente,
constituído por grupos de famílias
camponesas. Seu principal objetivo é
a produção de comida saudável para
as próprias famílias e também para
todo o povo brasileiro, garantindo
assim, a soberania alimentar do país.
Além disso, busca o resgate da
identidade e da cultura camponesa,
respeitando as diversidades regionais.
(MPA, 2017).
Hoje, o MPA está organizado em 17
estados e tem avançado na elaboração
sobre o Campesinato e sobre o que
denomina Plano Camponês, que é um
plano a partir do campo para a sociedade
brasileira como um todo e tem base em
dois pilares: 1) condições para produzir e;
2) condições para viver bem no campo. E
viver bem no campo também passa por
uma educação de qualidade que para o
MPA significa uma Educação do Campo.
Optamos por uma entrevista do tipo
semiestruturada, na qual o entrevistador
segue um roteiro estabelecido e o efetua
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com indivíduos selecionados de acordo
com alguns critérios, que no caso era o fato
de ser um representante do Movimento dos
Pequenos Agricultores de Colorado do
Oeste. Este tipo de entrevista acontece
diante de uma relação de questões fixas,
assim a entrevista acontecerá de maneira
igualitária para todos os entrevistados (Gil,
1999. p. 121).
Por isso, consideramos proveitoso
dialogar com alguém envolvido
diretamente com a vida no campo sobre as
questões que envolvem esse modo de vida
e, sobretudo, o ideal de educação que o
MPA tem para os trabalhadores que estão
no campo. O entrevistado é Luiz e, como
foi dito anteriormente, é uma das
lideranças do MPA em Rondônia.
Formado em Pedagogia da Terra, pela
Universidade Federal de Rondônia
(UNIR), Luiz também esteve na Venezuela
em 2010 e 2011 ajudando na construção do
Instituto Latino-Americano de
Agroecologia, onde participava da
coordenação político- pedagógica.
O representante da população
camponesa foi indagado sobre diversos
temas, sendo que a ênfase recaiu no ideal
de educação que o movimento quer para os
jovens camponeses, e para os produtores
rurais da região, e a participação da
comunidade camponesa na educação
escolar desses jovens.
Perguntas da curiosidade e respostas de
quem enxerga as necessidades
A princípio foi direcionada uma
pergunta sobre a situação do Programa de
Ensino Médio no Campo de Rondônia
(PROEMCRO) hoje nas escolas rurais, e o
representante do MPA nos diz que: “O
PROEMCRO está sendo lecionado em
nossas escolas rurais da mesma forma que
é lecionado na cidade e isso não é o que
queremos, pedimos uma educação que
atenda às nossas necessidades.” Esse é o
indício de que os movimentos sociais têm
uma concepção formada para essa
diferenciação. Sabemos que os
movimentos sociais, sobretudo os
movimentos do campo, buscam a
construção de um modelo pedagógico que
aproveite a experiência dos trabalhadores
envolvidos e que traga exemplos de
atividades que tenham nexos com a
realidade desses trabalhadores. Sabemos
que é preciso mais estudo, mas, arriscamos
a dizer que os movimentos do campo
implementam modelos educacionais tendo
como base um misto entre as ideias de
Paulo Freire e Moisey M. Pistrak, o que,
no nosso entendimento é algo muito
valioso.
Martins (2009) nos fala que a
Educação do Campo busca relacionar
escola e vida, até mesmo se deseja a
veiculação de uma apontada concepção de
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campo, na qual esse seja um lugar de vida,
sendo um local propício a uma vida rica
em cultura e tradições.
O MPA
ii
também foi questionado se
a Educação do Campo pode ajudar a
diminuir a criminalidade nos grandes
centros urbanos, e a resposta é positiva.
Para Luiz:
Com certeza, ela vai ajudar a fixar o
homem no campo fazendo com que o
êxodo rural diminua e isso diminuirá
a criminalidade, mas do jeito que se
encontra a Educação do Campo, está
é estimulando os jovens a irem para a
cidade. (Luiz, 2017).
Nesse questionamento o MPA faz
uma reflexão muito interessante, ele nos
diz que:
O jovem sente-se estimulado a ir para
a cidade, pois a propaganda é que
eles encontrarão um bom serviço,
lazer e qualidade de vida. Porém
quando chegam a realidade é
totalmente diferente, muitas vezes
acabam sem emprego nas ruas e
ficando vulneráveis a entrar para o
mundo da criminalidade. (Luiz,
2017).
Em um mundo em que a propaganda
estimula o consumo desenfreado, a cidade
também faz a sua propaganda. As levas de
jovens trabalhadores rurais que partem
para os centros urbanos serão parte do
exército de reserva e poderão garantir mão
de obra barata para as indústrias
capitalistas. Esse processo de cerceamento
das condições de vida do homem do campo
- processo esse que se inicia na Inglaterra
nos primórdios da Revolução Industrial -,
faz com que a massa de trabalhadores fique
a mercê das vontades capitalistas. Com
essa reflexão é possível retornar um pouco
em nossa entrevista e lembrar a ligação da
cidade com o campo, pois a partir dessas
palavras pode ser entendido que o homem
do campo precisa manter-se em seu local
de origem, porém recebendo toda a
assistência necessária: educação, saúde,
lazer, etc. O Estado tem-se furtado a sua
tarefa de prover condições igualitárias a
todos os cidadãos. Parte dos trabalhadores
do campo insiste em ficar no campo -
mesmo com as dificuldades impostas pela
lógica capitalista - pois ali estão suas
raízes, seus costumes e é nesse ambiente
que eles encontram em sua perspectiva,
conforto, tranquilidade, segurança e maior
qualidade vida. Nesse espaço, costuma-se
ter um melhor uso dos conceitos de
solidariedade e reciprocidade, porque
Na comunidade o espaço da festa,
do jogo, da religiosidade, do esporte,
da organização, da solução dos
conflitos, das expressões culturais,
das datas significativas, do
aprendizado comum, da troca de
experiências, da expressão da
diversidade, da política e da gestão
do poder, da celebração da vida
(aniversários) e da convivência com a
morte (ritualidade dos funerais).
Tudo adquire significado e todos têm
importância na comunidade
camponesa. Nas comunidades
camponesas as individualidades têm
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espaço. As que contrastam com o
senso comum encontram meios de
influir. Os discretos são notados. Não
anonimato na comunidade
camponesa. Todos se conhecem. As
relações de parentesco e vizinhança
adquirem um papel determinante nas
relações sociais do mundo camponês.
Nisto se distingue profundamente das
culturas urbanas e suas mais variadas
formas de expressão. (Görgen, 2009,
p. 5).
Outro ponto importante da entrevista
é a visão que o MPA tem para o processo
pedagógico. Quando Luiz foi questionado
como os professores deveriam trabalhar
determinadas disciplinas, como: Geografia,
Português, Matemática, História, entre
outras, ele logo nos diz que:
Primeiro a educação precisa
atravessar as quatro paredes, o campo
é rico em locais para lecionar uma
aula diferenciada, porém os
professores insistem em se limitarem
entre quatro paredes. Podem
construir uma horta com os alunos,
com isso eles irão trabalhar a escrita
para elaborar o projeto, a matemática
para desenvolver os cálculos
necessários, metros quadrados,
espaçamento de sementes, quantos
reais serão gastos; dentro da
geografia pode-se trabalhar o solo, o
clima; em história pode se
trabalhar as tradições dos
camponeses e até mesmo realizar
feiras para divulgar as tradições.
(Luiz, 2017).
De certo modo, é uma proposta
pedagógica que se assemelha ao ideal
freiriano de uma participação ativa dos
trabalhadores no processo educacional, a
partir da sua própria realidade. Ou como
propõe Delizoicov, Angotti e Pernambuco
(2003) que, a partir das ideias do próprio
Paulo Freire indicam como estratégia a
Experimentação Problematizadora, que
tem como característica central a
participação dos educandos em todas as
fases do processo de aprendizagem. Essa
proposta pedagógica é dividida em três
momentos pedagógicos, quais sejam (i)
situação problema (problematização); (ii)
organização do conteúdo; e (iii) aplicação
do conhecimento. O primeiro momento,
situação problema, se caracteriza em
iniciar a aula mediante um problema que
coloque os alunos em contexto e, permita a
eles levantarem hipóteses sobre o
determinado problema. No segundo
momento os alunos, juntamente com o
professor, organizam os conhecimentos
fazendo anotações e dialogando. no
último momento os alunos apresentam suas
hipóteses e o resultado, tendo a intervenção
do professor para orientar os alunos a
compreenderem o fenômeno científico.
O que vai de encontro com as
propostas de Pistrak, que no clássico
Fundamentos da Escola do Trabalho
(2011), advoga que a escola que fará a
transformação social precisa ser
transformada e para isso, não basta alterar
os conteúdos nela ensinados. É preciso
mudar o jeito da escola, suas práticas e sua
estrutura de organização e funcionamento,
tornando-a coerente com os novos
Souza, W. K. A., Lopes, R. A., Moraes, V. C., & Rodrigues, M. A. O. (2018). Apontamentos sobre a Educação do Campo
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objetivos de formação de cidadãos,
capazes de participar ativamente do
processo de construção da nova sociedade.
Sabendo disso, o MPA luta por uma
educação no campo, porém do campo.
Kolling, Cerioli e Caldart (2002)
conceituando a Educação no Campo dizem
que “o povo tem direito a ser educado no
lugar onde vive”. E vão além dizendo que
para a Educação do Campo se efetivar o
povo camponês deve participar.
O povo tem direito a uma educação
pensada desde o seu lugar e com sua
participação, vinculada à sua cultura
e às suas necessidades humanas e
sociais, assumida na perspectiva de
continuação da luta histórica pela
constituição da educação como um
direito universal, que não deve ser
tratada nem como serviço nem como
política compensatória e muito
menos como mercadoria. (Kolling,
Cerioli & Caldart, 2002, p. 26).
Os autores que defendem a luta dos
camponeses mostram que não basta ter
uma escola no campo, mas é necessário
que a educação aconteça mediante o modo
que vivem esses trabalhadores, para que
essa educação consiga atender as
necessidades desses trabalhadores sem
desvalorizar seus costumes e tradições.
Para Ausubel, Novak e Hanesian
(1978) a aprendizagem apresenta duas
extremidades, em um lado a aprendizagem
mecânica (decoração), sendo a que o
estudante arquiva conceitos avulsos e
carentes de significado. Já do outro lado
existe a aprendizagem significativa, na
qual novos conhecimentos (conceitos) são
conectados a conhecimento prontamente
existente na estrutura cognitiva do
aprendiz, de um modo substantivo e não
arbitrário. Por isso, o historiador inglês
Edward Palmer Thompson sugere que
devemos aproveitar a experiência dos
indivíduos para desenvolver outras
racionalidades educativas, que buscam a
valorização humana e não do capital.
Corroborando com Gramsci, ele afirma:
Pois Gramsci também insistia que
essa filosofia não era apenas a
apropriação de um indivíduo, mas
provinha de experiências
compartilhadas no trabalho e nas
relações sociais, estando implícita na
realidade, unindo-o a todos os
companheiros de trabalho na
transformação prática do mundo real
(Thompson, 1998, p. 20).
A experiência pode ampliar a visão
de mundo dos trabalhadores e é um
conceito central para a conscientização das
pessoas. E a experiência vem, sobretudo,
do trabalho, apesar de se reduzir a
dimensão educativa do trabalho à sua
função instrumental didático-pedagógica,
ou seja, aprender fazendo. Sem
desconsiderar essa dimensão, o que marca
a concepção do trabalho como princípio
educativo é a ordem ontológica (inerente
ao ser humano) e, consequentemente,
ético-política (trabalho como direito e
como dever).
Souza, W. K. A., Lopes, R. A., Moraes, V. C., & Rodrigues, M. A. O. (2018). Apontamentos sobre a Educação do Campo
em Colorado do Oeste/Rondônia: notas de um camponês letrado...
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O trabalho como atividade
especificamente humana é processo de
criação da vida e da história, e sua forma
de organização em uma sociedade traz
transformações sociais específicas; porém,
na forma social do capitalismo, o trabalho
tornou-se mercadoria e o trabalhador não é
dono do produto do seu trabalho, ou seja,
na sociedade capitalista o trabalhador
realiza um trabalho alienado. No sistema
capitalista, quando o trabalhador percebe
que é explorado, a própria condição de
exploração o educa, porém pode propiciar
tanto a emancipação ou simplesmente a
adaptação. O trabalho é uma forma de
fazer o homem pensar, portanto tem um
princípio educativo. A própria forma de
trabalho capitalista não é natural, mas
produzida pelos seres humanos. A luta
histórica é para superá-la. Para isso é
preciso recuperar a relação entre
conhecimento e a prática do trabalho e
mais, trata-se de recuperar a sociabilidade
perdida nas esferas do sistema capitalista.
Também por isso Luiz, quando
perguntado sobre felicidade no trabalho,
afirmou que:
Posso dizer que sim, pois aqui na
propriedade produzimos alimento de
grande qualidade e consigo tirar meu
sustento. Muita gente não vê o campo
como um ambiente para viver, porém
aqui também podemos possuir
internet, televisão, computador,
celular e trabalhar. (Luiz, 2017).
Durante as palavras da liderança do
MPA percebeu-se que eles valorizam
muito o aspecto cultural do movimento,
deixando claro que um objetivo é não
deixar seus valores culturais acabarem. Ele
relata uma situação que acontece
geralmente nas escolas:
Geralmente tem alguns eventos nas
escolas que têm apresentações de
danças, músicas, teatros e outras
atrações, em que os jovens
camponeses participam, e em vez
deles apresentarem músicas e danças
do seu povo eles dançam e cantam
lepo, lepo
iii
. Isso nos causa um
impacto muito grande, pois
percebemos que as nossas tradições
estão se perdendo com o tempo.
(Luiz, 2017).
A fala de Luiz traz a ideia de que os
valores culturais campesinos estão se
perdendo com a entrada de valores
culturais do mundo urbano que chegam ao
campo a partir da expansão de tecnologias,
sobretudo as tecnologias referentes às
mídias. Logicamente que Luiz não está
defendendo um modelo de campo em que
as modernas tecnologias não cheguem, um
modelo do século passado; ele defende a
manutenção de valores que liguem os
trabalhadores com o seu lugar, com o seu
estar no mundo. E outro modelo de escola,
que está sendo construído nas lutas dos
trabalhadores, e que possa ajudar na
manutenção de valores. Para Marlene
Ribeiro, estudiosa dos processos de
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educação popular, as possibilidades de
mudança estão sempre abertas, segundo
ela:
A escola tem estado associada aos
valores do individualismo, da
competição e da dependência,
peculiares ao modo capitalista de
produção que lhe define princípios e
objetivos. Entretanto, é preciso
considerar que as mudanças que
ocorrem no mundo do trabalho e na
configuração do Estado, de um lado,
e as formas cooperativas de trabalho
associadas às organizações
comunitárias e aos movimentos
sociais populares, de outro, mostram
uma sociedade em movimento, na
qual as possibilidades de mudança
não estão dadas, mas vão sendo
lentamente construídas (Ribeiro,
2001, p. 36).
Importante notar também que a
dicotomia campo/cidade continua a
atravancar o processo educacional. Nesta
dicotomia o campo aparece como arcaico,
atrasado, ignorante e a cidade se mostra
como avançada, moderna e inteligente. O
docente que não conhece ou não quer
trabalhar com a dinâmica da Educação do
Campo acaba reproduzindo as mazelas
desta dicotomia, o que o MPA aponta
como um desrespeito ao povo camponês.
Vejamos a fala de Luiz:
Os professores geralmente usam
como arma para tentar controlar os
alunos a seguinte frase “estudem para
não ser igual ao seu pai”, isso eu
considero um grande desrespeito ao
nosso povo, pois o que tem o pai
desse aluno? É um trabalhador que
luta por seus objetivos. Com este
preconceito que geralmente os
professores vem para a sala de aula
no campo. (Luiz, 2017).
Dizer que o aluno não deve “ser
igual ao seu pai”, quando este pai é um
camponês honesto e trabalhador, chega a
soar como uma brutalidade. Os professores
que reproduzem esta fala podem ser vistos
como medrosos, que tentam com ela
valorizar o saber formal em detrimento ao
saber informal, aos saberes que vêm da
experiência, como bem relatou Thompson
(1998). Para este pensador a experiência de
vida dos indivíduos também pode levar ao
acúmulo de saberes com os quais as
pessoas definem o seu estar no mundo.
Os homens e mulheres também
retornam como sujeitos, dentro deste
termo - não como sujeitos
autônomos, "indivíduos livres", mas
como pessoas que experimentam
suas situações e relações produtivas
determinadas como necessidades e
interesses e como antagonismos, e
em seguida "tratam" essa experiência
em sua consciência e sua cultura (as
duas outras expressões excluídas pela
prática teórica) das mais complexas
maneiras (sim, "relativamente
autônomas") e em seguida (muitas
vezes, mas nem sempre, através das
estruturas de classe resultantes)
agem, por sua vez, sobre sua situação
determinada. (Thompson, 1981, p.
182).
Isso é confirmado pelo depoimento
de Luiz que, ao nos contar parte de sua
trajetória, deixa clara a importância da
experiência, da vivência de dilemas
cotidianos para se aprender na vida,
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apreender o mundo e assim formar uma
identidade própria que se apropria dos
saberes dos demais para a formulação de
suas próprias decisões. Eis o que nos diz
Luiz, quando indagado sobre a decisão
para participar do movimento:
Comecei a participar do movimento
em 2001, na verdade minha família já
vinha participando das lutas
sindicais, então em 2001 comecei a
participar, fui a uma luta dos sem-
terras em São Paulo e, a partir de
quando voltei, comecei a participar
das atividades do MPA, foi uma
experiência muito bacana, fui
gostando vi que aquilo era um espaço
de olhar o mundo de forma diferente,
até então eu via a concepção de olhar
o mundo de uma forma muito
ingênua eu produzia com agrotóxico
ai eu vi que o movimento tinha uma
proposta diferente, que era a
produção de alimentos saudáveis
então acabei me encantando e
entrando, em 2002 comecei a
participar do debate da educação na
verdade entrei um pouco perdido no
movimento. Em 1997 teve o encontro
do ENERA para as áreas de reforma
agrária e em 98 ampliou mais. em
2003 eu comecei a participar um
pouco perdido ainda estudando o
Livro da Educação do Campo e ainda
em 2003 tive a oportunidade de
ajudar a formar o curso de Pedagogia
da Terra na UNIR, e eu fui um dos
que ingressaram no curso. (Luiz,
2017).
Para Gramsci (1991), a cultura deve
ser compreendida no seu sentido mais
amplo possível, ou seja, como a articulação
entre o conjunto de representações e
comportamentos e o processo dinâmico de
socialização, constituindo o modo de vida
de uma população determinada. Portanto,
cultura é o processo de produção de
símbolos, de representações, de
significados e, ao mesmo tempo, prática
constituinte e constituída do/pelo tecido
social. Ao discutir cultura,
primordialmente no plano da luta
hegemônica e como expressão da
organização político-econômica dessa
sociedade, Gramsci afirma que a cultura é
parte das ideologias que cimentam o bloco
social. Um grupo de trabalhadores que se
organiza em um movimento social e
valoriza a sua cultura, valoriza a si mesmo.
Para não concluir e ficar pensando um
pouco mais
Os pontos abordados nos mostram
como o Movimento dos Pequenos
Agricultores está preparado, sabem o
porquê e as causas de suas lutas. Lutam por
uma vida dentro de suas diversidades
culturais e que possam continuar morando
e vivendo em seu espaço de direito com
qualidade de vida, assim podendo seus
filhos e netos frequentar uma escola em
que abordem seus aspectos culturais e que
façam sentir orgulho de ser camponês.
Com isso podemos questionar o
Estado brasileiro que, a Constituição
apresenta o direito à preservação cultural e
de tradições, e o direito de receber uma
educação voltada para suas origens (Brasil,
1988). Então, surge a pergunta, o porquê
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de isso tudo não acontecer, sendo que foi o
próprio governo que estimulou esse povo a
sair dos grandes centros urbanos nos anos
60, 70 e 80 do século passado, para habitar
regiões rurais, que ainda eram matas e com
altos índices de doenças. Rondônia foi um
dos estados a receber levas de migrantes
em busca de melhores condições de vida.
Segundo Araújo,
Rondônia pode ser apreciado como
um espaço experimental de políticas
de colonização e reforma agrária
implantada pela União, onde vários
projetos foram implantados em
meados do século XX. Neste
trabalho, propus-me analisar como se
a organização social, produtiva e
ambiental de um assentamento no
Estado de Rondônia, já que nas
décadas de 1970 e de 1980 o
Governo dos Militares criou uma
série de programas e projetos para
colonizar a Amazônia brasileira,
sendo Rondônia um dos Estados que
recebeu grande parte desses
migrantes. No intuito de dar “terra
sem homens para homens sem terra”,
o governo federal criou diversos PICs
e PADs (Projetos Integrados de
Colonização e Projetos de
Assentamentos Dirigidos,
respectivamente) colocando, assim,
pessoas a esmo nas distantes terras
do Norte do país. (Araújo, 2015, p.
23).
Essa nova configuração ampliou o
espaço do campesinato em Rondônia,
transformando-o ao longo do tempo em um
estado onde a agricultura campesina se
destaca. Ainda é Araújo quem nos indica:
Somando-se todos os projetos de
colonização implantados em
Rondônia entre 1970 e 1980 e aqui
citados, tem-se uma área de
aproximadamente 2,6 milhões de
hectares, sendo que 1.795.521
hectares (68%) foram destinados aos
pequenos camponeses com lotes de
até 100 hectares. Ao longo dos anos,
o espaço do campesinato consolidou-
se nesses extratos de até 100 hectares
que representam atualmente 80% dos
estabelecimentos rurais do Estado.
Estaria, a partir de então, formada
uma nova configuração espacial: os
PICs para os pequenos camponeses e
os PADs para os médios e grandes
produtores rurais. (Araújo, 2015, p.
51).
Hoje, acontece o inverso do que
aconteceu a 50 anos atrás, a política
pública estimula o povo do campo a sair do
campo, pois não escolas de qualidade,
não uma política adequada para
continuar produzindo alimento para suas
regiões. O sucateamento das políticas
públicas que devem atender os
trabalhadores rurais é mais um passo para a
saída do homem do campo em busca da
cidade. Desse modo, o êxodo rural tem um
adendo para o seu aumento. Não à toa, a
teoria marxista reclama do Estado e afirma
que este serve aos interesses da classe
dominante. O MPA faz uma reflexão sobre
esse aspecto. Luiz nos diz:
Há 50 anos éramos estimulados a sair
do meio urbano para vir para regiões
ainda não desenvolvidas, onde não
tinha estradas, hospitais e escolas,
regiões cobertas por floresta, então
formamos a região derrubamos,
plantamos e produzimos,
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implantamos nossa cultura. Porém
hoje as políticas públicas nos
estimulam a deixar o campo, assim
faço uma reflexão: fomos usados
para amaciar a terra, para que hoje
possa ser implantada grandes
fazendas de soja e etc... (Luiz, 2017).
Fica a impressão de que as políticas
públicas são implementadas de modo tão
lento e ineficiente para que os camponeses
desistam de suas lutas aos poucos. É
possível ver que os latifundiários estão
tomando conta das extensões rurais, pois
hoje na região Cone Sul de Rondônia
(onde se situa o município de Colorado do
Oeste) pode-se observar grandes
plantações de soja, milho e sorgo. E tendo
certa noção da quantidade enorme de
agrotóxicos utilizada nessas lavouras,
sabemos que uma diminuição da
qualidade de vida na região. Em recente
estudo, Batista (2016) nota o avanço das
monoculturas em nossos campos:
Na Amazônia brasileira, Rondônia
fora um dos estados mais impactados
pela expansão da fronteira agrícola
verificada nas últimas duas décadas,
sendo a soja a cultura sobejamente
reconhecida como representativa
desse fenômeno ... na safra 2015/16,
cerca de 760 mil toneladas de soja
foram colhidas em Rondônia, sendo
que quase a totalidade dos 250.000
hectares cultivados com o grão nesse
ano/safra, fica localizada no Cone
Sul do Estado, considerada como
região do agronegócio em Rondônia.
(Batista, 2016, p. 14).
Sendo isso totalmente o contrário a
luta do MPA, que em seu site diz:
O Movimento dos Pequenos
Agricultores, após este processo de
construção orgânica, de luta, de
elaboração e de afirmação
camponesa, tem como mensagem
política produzir alimentos
saudáveis, respeitando a natureza,
para alimentar o povo brasileiro e
fortalecer o campesinato! Através
desta mensagem o MPA expressa a
missão do Campesinato e também a
missão do próprio MPA como
organização camponesa. (MPA,
2017).
O MPA tem avançado na elaboração
sobre o campesinato e sobre o Plano
Camponês, que as famílias camponesas
produzem orientadas pela finalidade
comum da reprodução dos respectivos
grupos familiares, em perspectiva que
incorpora consistência entre gerações a
geração operante se vê parte constitutiva
das realizações de seus ascendentes e
descendentes. Esse tipo de produção
agrícola tem como uma de suas principais
preocupações a boa convivência com a
natureza, de modo que essa natureza possa
render frutos para as gerações futuras.
Também por isso o modelo educacional a
ser implantado para o trabalhador rural
deve ser aquele que atenda as
particularidades deste grupo social.
O protagonismo dos movimentos
sociais camponeses no batismo originário
da Educação do Campo nos ajuda a puxar
o fio de alguns nexos estruturantes desta
“experiência”, e, portanto, nos ajuda na
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compreensão do que essencialmente ela é e
na “consciência de mudança” que assinala
e projeta para além dela mesma.
Quando se discute a Educação do
Campo, se discute que tipo de educação
que se volta ao conjunto dos trabalhadores
e das trabalhadoras do campo, sejam os
camponeses, incluindo os quilombolas,
sejam as nações indígenas, sejam os
diversos tipos de assalariados vinculados à
vida e ao trabalho no meio rural. E esta
tem sido uma luta árdua, ainda mais em
nosso caso, em que o Estado encontra-se
atravessado por interesses dos grupos
capitalistas. Para Caldart,
O Estado não pode negar o princípio
(republicano) da universalização do
direito à educação, mas, na prática,
não consegue operar a sua realização
sem que se disputem, por exemplo,
os fundos públicos canalizados para a
reprodução do capital, o que, no caso
do campo, significa, hoje
especialmente, fundos para o avanço
do agronegócio, inclusive em suas
práticas de Educação corporativa.
(Caldart, 2012, p. 262).
Embora com essa preocupação mais
ampla, há uma preocupação especial com o
resgate do conceito de camponês, ou com a
tarefa histórica do campesinato. A
diversidade de grupos camponeses
espalhados Brasil afora expressa a força
dos camponeses. O campesinato é parte da
classe trabalhadora, e tem participado
ativamente na luta contra um modelo sócio
econômico que o explora.
A educação é um ponto central nessa
discussão. Se admitimos que a educação
pode emancipar os trabalhadores, então um
modelo educacional em consonância com
os aspectos culturais de cada grupo de
trabalhadores é vital para a transformação
social.
Temos uma preocupação prioritária
com a escolarização da população do
campo. Mas, para nós, a educação
compreende todos os processos
sociais de formação das pessoas
como sujeitos de seu próprio destino.
Nesse sentido, educação tem relação
com cultura, com valores, com jeito
de produzir, com formação para o
trabalho e para a participação social.
(Kolling, CerioliI & Caldart, 2002, p.
19).
O Movimento dos Pequenos
Agricultores ainda comenta sobre a
formação de profissionais construída para
atender o povo do campo:
Hoje se formam muitos agrônomos,
veterinários e zootecnistas, porém a
maioria deles não volta para o campo
para ajudar os pais, para aplicar o seu
conhecimento no sítio do pai, mas
geralmente vão trabalhar na cidade
em lojas agropecuárias ou em
grandes multinacionais, assim o povo
do campo acaba sendo jogado de
lado. Existem essas situações, pois a
educação brasileira acontece apenas
para abastecer as grandes empresas e
não para desenvolver a sociedade
brasileira. (Luiz, 2017).
Por isso, o Movimento dos Pequenos
Agricultores luta por uma Educação do
Campo, pois para a maioria dos
campesinos é difícil ver seus filhos saírem
Souza, W. K. A., Lopes, R. A., Moraes, V. C., & Rodrigues, M. A. O. (2018). Apontamentos sobre a Educação do Campo
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para cursar o ensino superior e não
voltarem depois para ajudar a desenvolver
a produção na terra. Em Colorado do Oeste
o campus inaugural do Instituto Federal
de Rondônia-IFRO (antiga escola agrícola)
e, nem esse fato ameniza esse êxodo da
juventude rural ou parece que agudiza
ainda mais. Em recente pesquisa sobre a
concepção do que é agricultura familiar
com os alunos do campus Colorado do
Oeste do IFRO, Souza et al. (2015)
chegam a conclusões alarmantes. Em uma
pesquisa que entrevistou 208 alunos, nota-
se que o agronegócio ganha espaço da
agricultura familiar na concepção de
agricultura que produz alimentos para
todos. Quando perguntados qual grupo
ajuda a resolver o problema da fome no
mundo, 151 alunos disseram que a união
entre agricultura familiar e agronegócio
resolve o problema da fome. Ora, é
praticamente domínio público a
informação de que dados apontam que
cerca de 70% dos alimentos consumidos
no Brasil são fruto da agricultura familiar.
Outro dado interessante da pesquisa é que
metade dos entrevistados afirmou serem
filhos de agricultores e desses, 80% se
dizem filhos de pequeno agricultor. E,
ainda mais alarmante, é o fato de que 75%
dos entrevistados disseram que desejam
trabalhar em grandes complexos
agroindustriais, sobretudo no estado
vizinho, o Mato Grosso. Isso nos leva a
pensarmos que o campus Colorado do
Oeste do IFRO acaba realizando uma
educação que não leva em conta a
realidade de seus alunos, em sua maioria
oriunda da agricultura familiar e acaba tão
somente, formando mão de obra para as
empresas capitalistas, corroborando com a
teoria marxista de que o Estado - com
todas os seus braços - está a serviço da
classe dominante. Nas palavras de
Mészáros,
A educação institucionalizada,
especialmente nos últimos 150 anos,
serviu - no seu todo - ao propósito de
não só fornecer os conhecimentos e o
pessoal necessário à máquina
produtiva em expansão do sistema
capital, como também gerar e
transmitir um quadro de valores que
legitima os interesses dominantes,
como se não pudesse haver nenhuma
alternativa à gestão da sociedade
(Mészáros, 2008, p. 35).
O que entra em choque com as ações
do MPA e de grande parte dos movimentos
sociais que lutam por uma sociedade mais
igualitária e justa, em que o sistema
educacional seja direcionado para a
formação do “homem omnilateral” (Marx,
2004).
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i
As 11 teses foram editadas em vários livros da
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a leitura a partir de: Marx, K., & Engels, F. (2007).
A Ideologia Alemã. São Paulo, SP: Boitempo.
ii
Quando dizemos MPA, estamos dando à
entrevista de Luiz um caráter de fala do
Movimento, tendo em vista ser ele uma liderança
com voz ativa e embasamento teórico do
Movimento para tais falas.
iii
Lepo Lepo é uma música do grupo de pagode
baiano Psirico. A letra fala sobre uma pessoa que
está em difícil situação financeira, e caso sua amada
queira se relacionar com ele é porque gosta do seu
"lepo lepo". A expressão que dá título à canção
deixa a possibilidade de várias interpretações.
Recebido em: 26/01/2018
Aprovado em: 18/02/2018
Publicado em: 23/04/2018
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APA:
Souza, W. K. A., Lopes, R. A., Moraes, V. C., &
Rodrigues, M. A. O. (2018). Apontamentos sobre a
Educação do Campo em Colorado do
Oeste/Rondônia: notas de um camponês letrado. Rev.
Bras. Educ. Camp., 3(1), 313-332.
ABNT:
SOUZA, W. K. A.; LOPES, R. A.; MORAES, V. C.;
RODRIGUES, M. A. O. Apontamentos sobre a
Educação do Campo em Colorado do
Oeste/Rondônia: notas de um camponês letrado.
Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 3, n. 1,
p. 313-332, 2018.
ORCID
William Kennedy do Amaral Souza
http://orcid.org/0000-0001-6271-9422
Raiane Agustinho Lopes
http://orcid.org/0000-0001-5243-0764
Vanessa Campos de Moraes
http://orcid.org/0000-0002-9842-7672
Marcos Antonio Oliveira Rodrigues
http://orcid.org/0000-0001-5168-5650
Declaramos que os autores Marcos Antonio
Oliveira Rodrigues, Raiane Agustinho Lopes,
Vanessa Campos de Moraes e William Kennedy do
Amaral Souza, foram responsáveis pela elaboração,
análise e interpretação dos dados; escrita e revisão
do conteúdo do manuscrito. Os autores também
foram responsáveis pela aprovação da versão final a
ser publicada.