Revista Brasileira de Educação do Campo
The Brazilian Scientific Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-4863.2018v3n3p784
Tocantinópolis
v. 3
n. 3
p. 784-809
set./dez.
2018
ISSN: 2525-4863
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A função social da escola do campo e os princípios
filosóficos da educação para o MST: um olhar sobre a
Escola José Maria
Francieli Fabris
1
,
Luci Teresinha Marchiori dos Santos Bernardi
2
1
Instituto Federal do Paraná - IFPR. Colegiado de Pedagogia. Campus Palmas. Rodovia PRT-280. Palmas - PR. Brasil.
2
Universidade Comunitária da Região de Chapecó - UNOCHAPECÓ
Autor para correspondência/Author for correspondence: francielifabris@unochapeco.edu.br
RESUMO. O presente artigo se propõe a apresentar uma
pesquisa que trata da Educação do Campo, cujo escopo consiste
em problematizar a função social da escola do campo em
assentamentos de reforma agrária, com o aporte dos princípios
filosóficos da educação para o Movimento dos Trabalhadores
Sem Terra (MST). Especificamente, analisa como se configura a
função social da escola campesina EEB José Maria, localizada
no Assentamento José Maria, em Abelardo Luz, Santa Catarina,
Brasil. A opção metodológica foi de um estudo de caso
histórico-organizacional, através de pesquisa documental. Os
dados foram organizados e apresentados em três períodos
temporais: do início do acampamento à fundação da escola
(1996-1998), primeiro período de funcionamento, marcado por
um processo de estagnação (1999 a 2005) e a retomada da
aproximação da escola com o MST (2006-2016).
Palavras-chave: Escola do Campo, Função Social, Princípios
Filosóficos, MST.
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The social function of the rural school and the
philosophical principles of education for the MLW: a look
at the School José Maria
ABSTRACT. The present article proposes to present a research
that deals with Rural Education and has the scope to
problematize the social function of the rural school in
settlements of agrarian reform, with the contribution of the
philosophical principles of education to the Movement of
Landless Workers (MLW). The school is located in the Jose
Maria settlement, in Abelardo Luz, Santa Catarina, Brazil. The
methodological option was a historical-organizational case
study, through documentary research. The data were organized
and presented in three time periods: from the beginning of the
camp to the foundation of the school (1996-1998), the first
period of operation, marked by a process of stagnation (1999 to
2005) and the resumption of the school approach with the MLW
(2006-2016).
Keywords: School of the Countryside, Social Role,
Philosophical Principles, MLW.
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La función social de la escuela del campo y los principios
filosóficos de la educación para el MST: una mirada sobre
la Escuela José María
RESUMEN. El presente artículo se propone presentar una
investigación que trata de la Educación del Campo y tiene como
objetivo problematizar la función social de la escuela del campo
en asentamientos de reforma agraria con el aporte de los
principios filosóficos de la educación para el Movimiento de los
Trabajadores Sin Tierra (MST). La escuela está ubicada en el
Asentamiento José María, en Abelardo Luz, Santa Catarina,
Brasil. La opción metodológica fue de un estudio de caso
histórico-organizacional, a través de la investigación
documental. Los datos fueron organizados y presentados en tres
períodos temporales: desde el inicio del campamento a la
fundación de la escuela (1996-1998), primer período de
funcionamiento, marcado por un proceso de estancamiento
(1999 a 2005) y la reanudación de la aproximación de la escuela
con el programa MST (2006-2016).
Palabras clave: Escuela de Campo, Función Social, Principios
Filosóficos, MST.
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Introdução
O presente artigo se propõe a
apresentar uma pesquisa sobre Educação
do Campo, cujo escopo consiste em
problematizar a função social da escola do
campo em assentamentos de reforma
agrária, pautada nos princípios filosóficos
da educação para o Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra (MST).
A Educação do Campo é um ato de
luta frente ao contexto educacional
brasileiro, tendo em vista que,
historicamente, a educação foi negada para
as minorias da sociedade, isto é, aos que
estão às margens, como nos diz Freire
(2005). Caldart (2012) refere-se à
Educação do Campo protagonizada pelos
próprios sujeitos trabalhadores do campo e
suas organizações, que considera as
questões do trabalho, da cultura, do
conhecimento e das lutas sociais dos
camponeses no embate de classe, em
relação às questões de concepções políticas
de educação, de formação humana e de
identidade camponesa, elementos que
fazem parte do cotidiano das escolas do
campo.
Nosso trabalho centra-se na escola
campesina de assentamento do MST, cuja
construção emerge a partir de uma
necessidade concreta das famílias
acampadas, pelo seu entendimento sobre a
importância da educação, na construção de
um modelo de sociedade mais justo a
todos. Nessa perspectiva, a escola assume
um papel fundamental para contribuir na
formação de sujeitos com capacidades de
dar continuidade ao processo
organizacional do Assentamento. De
acordo com o MST, a construção da
educação deve ser feita de forma coletiva,
organizada e sem barreiras numa escola
pensada por todos, assumindo o papel
fundamental para a educação campesina:
ser uma possibilidade de emancipação
social e formação de consciência. (MST,
2005).
Tendo como premissas a Educação
do Campo e as especificidades dos povos
campesinos de assentamentos, a
investigação foi mobilizada a partir de dois
“lugares”: nossa formação como educadora
(11 anos em escola no Assentamento),
militante do Setor de Educação do MST e
moradora em um Assentamento e nossa
formação acadêmica, como pesquisadora.
De acordo com estudos de Caldart (2004),
Arroyo (2012) e Frigotto (2012),
entrelaçamos dois campos que promovem
debate em uma perspectiva crítica acerca
das realidades, das expectativas e das
necessidades da classe trabalhadora. Para
esses lugares, a Educação do Campo se
coloca como objeto: de luta (de movimento
sociais) e de análise (de pesquisadores).
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É nesse cenário que constituímos
como foco de estudo o processo educativo
desenvolvido pela Escola Básica
Municipal (EBM) José Maria, uma escola
campesina do Assentamento José Maria,
localizada no município de Abelardo Luz,
no estado de Santa Catarina, região sul do
Brasil. A pesquisa foi desenvolvida
i
com o
objetivo de investigar como se configura a
função social da escola, no decorrer de sua
história, com base nos princípios
filosóficos da educação para o Movimento
dos Trabalhadores Sem Terra (MST).
Quanto à metodologia,
desenvolvemos um estudo de caso
histórico-organizacional, por intermédio de
uma pesquisa documental, que, de acordo
com Saint-George (2005, p. 30):
“Apresenta-se como um método de recolha
e de verificação de dados: visa acesso nas
fontes pertinentes, escritas ou não, e a esse
título, faz parte integrante da heurística da
investigação.”
A coleta de dados ocorreu em
documentos disponíveis a partir de 1998,
conforme segue: 1) Publicações: a partir de
documentos elaborados pelo Movimento
“Por uma Educação do Campo”, que nos
apresentam os debates referentes à
educação, nos diferentes períodos;
Cadernos do MST, n. 9, 11 e 13; 2)
Debates no MST Nacional: informações
em relação aos debates no MST Nacional
identificadas e organizadas, considerando-
se publicações em documentos existentes
nesse período; 3) Documentos da EBM
José Maria: Projeto Político-Pedagógico
(PPP), Termo de Criação, registros do
Planejamento Coletivo e de entrevistas
com pessoas da comunidade (arquivo da
escola).
Os dados foram organizados e
apresentados em três períodos temporais,
definidos a partir de indicadores de ações
desenvolvidas: do início do acampamento
à fundação da escola (1996-1998),
primeiro período de funcionamento,
marcado por um processo de estagnação
(1999 a 2005) e a retomada da
aproximação da escola com o MST (2006-
2016). A análise foi realizada à luz dos
princípios filosóficos conceituais de
educação do MST, descritos no Dossiê
MST Escola” (MST, 2005), considerados
como categorias de análise dadas a priori.
O texto que segue está organizado
em três seções: na primeira, apresentamos
os princípios filosóficos da educação para
o MST; na segunda, colocamos em tela o
debate sobre função social de uma escola
campesina de assentamento e
apresentamos o percurso histórico
construído pela escola José Maria. À guisa
de conclusão, apresentam-se as disputas
políticas e ideológicas, que marcam o
processo educativo da escola, o avanço e o
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regresso diante dos princípios do MST; a
resistência por parte de alguns educadores
em reconhecer o processo de luta que
constituiu a escola, bem como a falta de
identidade como espaço.
Os princípios filosóficos da educação
para o MST
O MST pauta-se em princípios
filosóficos que respaldam a condução para
o desenvolvimento das diversas atividades
realizadas pelo Movimento. De acordo
com o “Dossiê MST e escola”, entende-se
por princípio “... algumas
ideias/convicções/formulações que são as
balizas (estacas, marcos, referenciais) para
nosso trabalho no MST.” (MST, 2005, p.
160). O MST considera os princípios
filosóficos e pedagógicos como elementos
balizadores nos processos de construção de
suas ações. Apresentamos, a seguir, os
princípios filosóficos para a educação para
o MST, de acordo com o Caderno de
Educação n. 13 (MST, 2005).
Educação para transformação social
É o horizonte que define a educação
para o MST, pois considera-se o processo
pedagógico como político, levando-se em
consideração as questões sociais, cujos
pilares principais são: justiça social,
radicalidade democrática e valores
humanistas e socialistas.
Para atendermos aos objetivos que
esse princípio apresenta, é necessário
considerar que essa educação não pode
suprimir o compromisso em se
desenvolver a consciência de classe. Freire
nos apresenta a reflexão sobre as ações
realizadas: Ao defendermos um
permanente esforço de reflexão dos
oprimidos sobre suas condições concretas,
não estamos pretendendo um jogo
divertido em nível puramente intelectual.
Estamos convencidos, pelo contrário, de
que a reflexão, se realmente reflexão,
conduz à prática.” (Freire, 2005, p. 59).
A contribuição de Freire elucida a
proposição de uma educação para a
transformação social - precisa sensibilizar,
humanizar, indignar-se diante das
injustiças. Ainda, precisa fazer a diferença
nos espaços em que se está inserida. O
educador precisa ter a sensibilidade de
compreender que a escola é um espaço de
possibilidades, de aproximação das
relações com a comunidade, promovendo
uma educação aberta para o novo, para o
mundo.
A escola - a sala de aula - é um
espaço onde temos a oportunidade de
debater sobre os contextos da sociedade.
Para Mészáros (2005), a escola tem o papel
de ser mais do que um espaço que transfere
conhecimentos, tem de buscar ir além dos
muros da escola. A escola e a comunidade
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são espaços formativos, formal ou
informalmente, que possibilitam diálogos,
sobre os contextos que envolvem-as. Nesse
aspecto, as escolas campesinas, oriundas
de lutas coletivas, apresentam as
especificidades da luta, que são elementos
de formação. A memória da história
precisa ser mantida, articulada aos
contextos atuais, e contribuindo na
assimilação dos conhecimentos
historicamente construídos pela
humanidade.
Educação para o trabalho e a
cooperação
A educação que o MST acredita tem
em seus princípios educação para o
trabalho e a cooperação, um projeto
alternativo de sociedade que busca o
desenvolvimento do campo considerando
as necessidades e os interesses dos
trabalhadores. A cooperação é um
elemento estratégico para a construção de
novas relações sociais e melhor
desenvolvimento das famílias, e à escola
cabe capacitar para a cooperação. O
“Boletim de Educação do MST n. 1” diz
que:
Por mais que a gente seja consciente,
corajoso, inteligente, a gente nunca
consegue enfrentar o inimigo
sozinho. Ninguém conquistou a terra
sozinha. Ninguém educa sozinho.
Ninguém vai transformar a sociedade
sozinho, mas podemos fazer tudo
isso se aprendermos a nos organizar e
agir coletivamente. (MST, 1992, p.
3).
Defende que nenhum avanço,
nenhuma conquista acontece se não houver
a força de muitas mãos, o esforço de
muitas mentes, as opiniões de muitas
pessoas, a transformação e as mudanças
têm sentido se fizerem diferença na vida
das pessoas. Esse é o objetivo da
coletividade, da organização, dos debates e
das tomadas de decisões conjuntas, fazer a
diferença e a mudança na vida dos sujeitos.
Mas considera que esses têm de fazer parte
do processo, participar dos debates, para
serem protagonistas da história. De acordo
com o “Boletim de Educação n. 4” (MST,
1994), “é preciso juntar o estudo com
trabalho”. Um dos objetivos do MST é a
escola do trabalho, mas à luz do trabalho
socialmente educativo, coletivo e
cooperado.
Educação voltada para as várias
dimensões da pessoa humana
Também chamada de educação
omnilateral, uma educação voltada para as
várias dimensões do desenvolvimento do
ser humano, sua formação política, social,
econômica, organizativa, moral, cultural e
afetiva, entre outras. “Educação
omnilateral, abrange a educação e
emancipação de todos os sentidos
humanos, pois os mesmos não são
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simplesmente dados pela natureza. O que é
especificamente humano neles é a criação
deles pelo próprio homem.” (Frigotto,
1981 apud Mészáros, 2005, p. 181).
A emancipação do ser humano é um
processo que acontece gradativamente,
todas as situações educam ou deseducam,
de acordo com o contexto. Para Frigotto
(2012), o trabalho é uma atividade
desenvolvida por todos os seres humanos,
de maneira que o ser produz e reproduz a
si mesmo, o trabalho precisa ser
compreendido a partir de seu princípio
educativo, partindo dessa significação para
adentrar as questões da profissionalização,
uma vez que esta faz parte da vida das
pessoas.
Assim, a língua que falamos, os
valores, os sentimentos, os hábitos, o
gosto, a religião ou crenças e os
conhecimentos que incorporamos
não são realidades naturais, mas uma
produção histórica. São os seres
humanos em sociedade que
produzem as condições que se
expressam no seu modo de pensar,
sentir e de ser. (Frigotto, 2012, p.
266).
Todos os fatos existentes são
produções históricas, que possuem consigo
uma bagagem ideológica que vem de
acordo com as forças de determinado
contexto. Atualmente, organizar os
educandos em filas lembra a organicidade
da ditadura militar. Nessa contramão, o
MST tem como princípio quarto:
O ensino corresponde ao momento
de repasse dos conteúdos da teoria. É
através do ensino que os alunos
entram em contato com o
conhecimento acumulado pela
humanidade nos vários campos da
vida humana. São teorias que outras
pessoas formulam a partir da prática
delas. Conhecendo estas teorias
podemos entender e melhorar a nossa
prática, sem ter que inventar a roda
novamente. (MST, 1992, p. 9).
Embora de maneira bastante simples,
tal pressuposto é significativo, uma vez
que deixa claro um segundo objetivo do
MST, em relação a sua proposta de
educação: socializar o conhecimento
elaborado pela ciência. A proposta do
MST não desconsidera em nenhum
momento os conhecimentos existentes,
mas tem como objetivo potencializá-los
com as realidades em que os sujeitos estão
inseridos, bem como, busca buscar garantir
que todas as pessoas tenham acesso a esse
conhecimento.
Educação com/para valores humanistas
e socialistas
Somos sujeitos capazes de aprender e
reaprender, mas, para isso, a escola precisa
estimular, potencializar o processo
educativo, desafiar os estudantes a
construírem e não aceitarem qualquer
situação, ter na sua ideologia o princípio de
proporcionar aos educandos serem sujeitos
protagonistas de sua história. Para
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Mészáros (2005, p. 13), Educar não é a
mera transferência do conhecimento, mas
sim conscientização e testemunho de vida.
É construir, libertar o ser humano das
cadeias do determinismo neoliberal,
reconhecendo que a história é um campo
aberto de possibilidades.”
O MST desafia-se em pensar uma
educação que valorize os sujeitos e o
conhecimento que esses trazem de suas
vivências, considerando que a escola faz
parte de um sistema, e, nesse contexto de
sociedade capitalista em que está inserido,
apresenta limites para romper com a
proposta que o sistema educacional
apresenta.
Nos últimos anos, o cenário
educacional apresentou mudanças
significativas, mas não o suficiente para
recuperar o atraso provocado pelo
abandono que historicamente existiu. No
entanto, a busca para a educação gratuita e
de qualidade ainda é ponto de pauta nas
lutas dos trabalhadores e trabalhadoras,
principalmente do campo.
A escola pode desenvolver atividades
específicas que permitam estabelecer
a relação entre a memória e história,
que ajudem a compreender a nossa
vida própria como parte da história e
a ver cada ação ou situação numa
perspectiva histórica, quer dizer em
um movimento entre passado,
presente e futuro, em suas relações
com outras ações, situações,
totalidade. (Caldart, Stedille &
Daros, 2015, p. 130).
De acordo com os movimentos
sociais, os processos formativos formais ou
o formais fazem parte da constante luta
travada em prol da classe trabalhadora, na
busca de uma transformação social, em que
o existam tantas diferenças sociais,
econômicas e culturais. Para isso, é preciso
ter clareza de que a escolao se movimenta
sozinha, a comunidade faz parte dessa
dialética, outros órgãos e espaços da
sociedade tamm devem estar presentes
nessa elaborão. A escola campesina,
originada da luta dos movimentos sociais,
tem um compromisso ainda maior, precisa
garantir que a hisria seja relatada,
relembrada e respeitada por aqueles que dela
fazem parte.
Educação como um processo
permanente de formação/transformação
humana
Todo processo educativo passa por
transformações, a desconstrução e a
construção de novos conhecimentos
possibilitam aos sujeitos uma nova visão e
abertura para novas possibilidades de
contribuir para a sociedade, num processo
de humanização e sensibilização diante das
injustiças e limites apresentados na
sociedade.
O papel da escola do campo é
também contribuir na formação política. A
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educação nos movimentos, no MST,
sugere ir além dos muros da escola:
Uma das tarefas essenciais da escola,
como centro de produção sistemática
de conhecimento, é trabalhar
criticamente a inteligibilidade das
coisas e dos fatos e a sua
comunicabilidade. É imprescindível,
portanto, que a escola instigue
constantemente a curiosidade do
educando em vez de ‘amaciá-la’ ou
‘domesticá-la’. É preciso mostrar ao
educando que o uso ingênuo da
curiosidade altera a sua capacidade
de achar e obstaculiza a exatidão do
achado. É preciso, por outro lado, e
sobretudo, que o educando
assumindo o papel de sujeito da
produção de sua inteligência do
mundo e não apenas o recebedor da
que lhe seja transferida. (Freire,
2005, p. 122-123).
Os espaços escolares precisam, mais
do que formalmente, desenvolver seu papel
de “transmissores” de conhecimento,
desafiar o estudante a ser sujeito da
produção de sua inteligência, de maneira
que reconheçam sua capacidade de
intervir, construir, desafiar-se como
intelectuais, e não como simplesmente
receptores. O horizonte das lutas sociais
vai muito além dos assentamentos; um
sujeito consciente poderá intervir em
qualquer espaço, pois são muitos os
desafios para a classe trabalhadora.
O papel da educação é soberano,
tanto para a elaboração de estratégias
apropriadas e adequadas para mudar
as condições objetivas de
reprodução, como para a auto
mudança consciente dos indivíduos
chamados a concretizar a criação de
uma ordem social metabólica
radicalmente diferente. (Mészáros,
2005, p. 65).
De fato, o papel da educação é ir
além das paredes da escola, instigar o
desenvolvimento de condições objetivas,
que proporcionem a criticidade e
consciência nos sujeitos.
Os princípios, acima, apresentados
são o fio condutor da concepção de
educação do MST, que visa desenvolver
nas suas atividades práticas, valores, que
contribuam organicamente no processo de
construção de uma sociedade mais justa.
Assim, a função de uma escola, pautada
nesses princípios, tem em sua organicidade
a base da construção coletiva, pensada e
desenvolvida por todos.
A função social de uma escola
campesina de assentamento
A instituição escolar é um dos
espaços considerados mais importantes
pela sociedade, haja vista a finalidade
atribuída àquela - formação humana, social
e cultural, e espera-se que essa
condições para os estudantes
desenvolverem-se como sujeitos sociais,
políticos, críticos e autônomos, mais
humanos, que valorizem o ser e suas
relações sociais.
Libâneo (2004) afirma que as
instituições escolares precisam ter um
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sistema de organização, estruturado e
organizado, para que possa dar conta dos
objetivos dos quais as mesmas estão se
dispondo a alcançar, assim, precisam estar
definidos e assumidos pela instituição.
Nesse sentido, a participação da
comunidade escolar é importante para
validar as atividades desenvolvidas pela
escola.
A coletividade é ponto fundante das
escolas do MST. De acordo com o
“Caderno de Educação n. 1” (1992), o
papel da escola funda-se em contribuir no
processo de educação coletiva, no qual as
crianças, desde pequenas, possam ter
condições objetivas de participação.
A escola é um espo coletivo, e, por
isso, precisa ser pensando por todos, e
assumido por todos. O ser humano está em
constante processo de formação e
construção, e a escola torna-se a instituição
que intervém, intencionalmente, nesse
processo de desenvolvimento do ser
humano. A relação construída por
educandos, educadores, numa constante
troca de experiência, agrega-se à educação
novos valores, construídos a partir dos
sujeitos envolvidos.
A organização do trabalho
pedagógico da sala de aula e da
escola ficou cada vez mais
padronizada, esvaziando os
profissionais da educação sobre as
categorias do processo pedagógico,
de forma a cercar um possível avanço
progressista no interior da escola e
atrelar esta instituição às
necessidades da reestruturação
produtiva e de crescimento
empresarial. (Freitas, 2014, p. 1092).
Em suma, cabe à educação
desempenhar o papel de possibilitar aos
sujeitos condições para ampliar os
horizontes em relação às questões
políticas, econômicas e sociais que
envolvem a vida. No entanto, em muitos
momentos, a escola torna-se um
instrumento de reprodução do sistema
empresarial, de interesses técnicos e
reprodutivistas de mão de obra.
Todos os espaços são educativos,
dentre estes, os espaços de trabalho. Cada
local educa para uma perspectiva. À
medida em que as pessoas trabalham,
também criam relações com as demais
pessoas e ambientes. Conforme o Boletim
de Educação n. 4”, o envolvimento com a
sociedade gera novas necessidades, a
exemplo: lazer, alimentação diversificada,
cultura, leitura, conhecer outros lugares,
frequentar festas, enfim, aprender mais
sobre o mundo e a vida. A escola, em si, é
responsável pela transmissão/assimilação
de conteúdos universais e pela articulação
entre saber popular e conhecimento escolar
sistematizado.
Passamos a olhar para o conjunto do
movimento, (e não somente para a
escola), com a preocupação de
enxergá-lo em sua dinâmica histórica
(que inclui a escola), e que
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conseguimos compreender que a
educação pode ser mais que a
educação, e que a escola pode ser
mais que escola, à medida que sejam
considerados os vínculos que
constituem sua existência nessa
realidade. (Caldart, 2004, p. 222,
grifo no original).
Para o MST, a educação é
compreendida como algo que vai além dos
espaços escolares, é entendida como o
estudo para contribuir e intervir nos
diversos espaços da sociedade, de maneira
organizativa para que pessoas possam
auto-organizarem-se nas questões políticas,
culturais, sociais. Nesse sentido,
concordando com D’Agostini (2009, p.
14):
Reivindicamos uma educação de
classe por entender que no atual
modelo de produção da vida uma
negação do conhecimento à classe
trabalhadora, impedindo assim o
avanço da luta de classes por falta dos
elementos necessários para pensar e
compreender a realidade atual.
Assim, defendemos a importância da
educação pública e de qualidade para a
classe trabalhadora, que considere seus
conhecimentos para contribuir no avanço
da própria classe. Nessa vertente, o
Boletim n. 4 apresenta a seguinte
afirmação:
O MST, enquanto organização de
trabalhadores que lutam pela
Reforma Agrária, precisa ter na
escola um instrumento a serviço dos
desafios que esta luta coloca a todos
nós. A escola também precisa ajudar
para que o assentamento certo. E
também precisa ajudar para que a
organização avance ou para que uma
ocupação resultados. (MST, 1994,
p. 10).
A fuão social de uma escola
campesina, localizada em espaços de
reforma agria, está ligada ao processo de
luta pelo qual a mesma teve sua origem.
Consoante a isso, é importante que a mesma
considere tal processo histórico e o
envolvimento dos sujeitos que a frequentam.
A educação, historicamente,
apresenta-se no campo das disputas, pois é
entendida como um perigo para classe
dominante. De acordo com Veiga (2007, p.
11), “Pela história da educação é possível
indagarmos sobre as disputas políticas e
culturais de ideias e de concepções, bem
como sobre as dinâmicas de conflito
vivenciadas pelos grupamentos humanos e
expressas em suas diferenças étnicas, de
classe social, gênero e geração.”
Os espaços escolares podem ser
potencializados para a construção de
conhecimento e cultura, no sentido de
aprimorar os ensinamentos, para que a
escola não seja um simples local onde os
educandos façam-se presentes para
aprender a ler e escrever. Para Arroyo
(2012), a escola cumpre sua função social
e cultural na medida em que articula
organicamente as dinâmicas da vida real
Fabris, F., & Bernardi, L. T. M. S. (2018). A função social da escola do campo e os princípios filosóficos da educação para o MST:
um olhar sobre a Escola José Maria...
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com a cultura dos povos campesinos, sua
cultura, suas práticas, suas crenças.
Um olhar sobre o percurso histórico
construído na Escola José Maria
A Escola Básica Municipal (EBM)
José Maria está localizada no
Assentamento José Maria, município de
Abelardo Luz, região oeste de Santa
Catarina. É importante ressaltar que esse
município foi o local da primeira ocupação
por famílias de trabalhadores após o MST
estar oficialmente organizado no Brasil, no
ano 1985. Conforme exposto pelo Sistema
Integrado de Gestão Ater (SIGRA),
Abelardo Luz é conhecido por ser um dos
maiores municípios do País em quantidade
de famílias assentadas e o maior do Sul do
Brasil, onde vivem aproximadamente
1.500 famílias, distribuídas em 23
assentamentos.
O Assentamento José Maria se
constituiu a partir da ocupação da Fazenda
Congonhas, no dia 24 de dezembro de
1996. A luta pela terra iniciou como
objetivo principal da organização das
inúmeras famílias, e junto com ela, a luta
pela educação. Assim, no acampamento,
em um barracão coberto de lona, a EBM
José Maria iniciou seu funcionamento
como escola multisseriada, com
educadoras do grupo. Como atendia
somente da a série, os demais
estudantes estudavam no município de
Palmas (PR), e, posteriormente, no
assentamento, vizinho, denominado 25 de
Maio. As dificuldades de deslocamento
eram inúmeras, devido à distância entre as
comunidades, provocou a mobilização das
pessoas para que se organizassem e
criassem uma escola no assentamento.
A comunidade, representada pelos
seus líderes iniciou uma rie de
contatos e negociações com a
administração municipal e o
INCRA
ii
, onde esta cedeu um velho
casarão, o prefeito juntamente com a
secretaria de educação incumbiram-
se da parte legal e a comunidade
ficou responsável pelas modificações
na parte interna do casarão. Então, no
dia 27 (vinte e sete) de fevereiro de
1998, passou a funcionar a ESCOLA
BÁSICA MUNICIPAL JOSÉ
MARIA, autorizada pelo decreto
221/98. (Escola Básica Municipal
José Maria, 2000, p. 22).
A entrega da chave do casarão
iii
, para
as famílias transformarem aquele espaço
em sala de aula, foi o início da
concretização de um sonho e o marco para
a existência de escola José Maria. A
organização do casarão foi tarefa dos
próprios estudantes e da comunidade, uma
vez que o poder público se responsabilizou
com as questões burocráticas para iniciar
as aulas. A história da escola tem suas
raízes na luta dos trabalhadores e
trabalhadoras Sem-Terra que buscaram,
com a luta pela terra, também a educação,
para que suas crianças tivessem um espaço
Fabris, F., & Bernardi, L. T. M. S. (2018). A função social da escola do campo e os princípios filosóficos da educação para o MST:
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próprio para estudar no acampamento,
(posteriormente assentamento), e passa por
vários momentos em seu processo de
construção.
Apresentaremos, na sequência,
momentos importantes ao longo do tempo,
evidenciando neles os pressupostos da
função da escola e as relações que
estabelecemos com os princípios
filosóficos.
O percurso da escola está organizado
em três momentos: o primeiro que trata do
processo de luta até 1998; em seguida, o
período de 1999 a 2005, que definimos
como um momento de poucos avanços na
escola no sentido de práticas que
consideram os princípios do MST; um
terceiro período, de 2006 a 2016, momento
de rias retomadas, iniciativas e
experiência de trabalho pedagógico.
A conquista da escola: a luta até 1998
A história da educação no MST
consolida-se desde a época do acampamento,
pela necessidade que as famílias acampadas
apresentam em proporcionar para as crianças
a possibilidade de frequentar a escola, uma
vez que se entende que precisa de formão
de conscncia e entendimento das disputas
existentes na sociedade para se ter clareza e
dar continuidade à luta. Nesse sentido, ...
entender a educação produzida nas
dinâmicas dos movimentos sociais, como
MST é tamm buscar entender como a
escola pode participar dos processos de
transformação social.” (Hobsbawm, 1998
apud Caldart, 2004).
Concordando com o autor,
entendemos que a escola, aproveitando-se
dos ensinamentos que os movimentos
sociais possuem, pode contribuir no
processo de conscientização e formação de
uma sociedade com menos desigualdades
sociais.
A EBM José Maria é fruto de uma
luta de muitas famílias, a partir das
dificuldades encontradas, mas com o
desejo de ver os filhos frequentando a
escola, com condições mais seguras e com
menos dificuldades em relação ao
deslocamento. Conforme a nota de
esclarecimento do Processo de criação da
Escola Básica Municipal José Maria:
Funciona provisoriamente na casa da
Fazenda Congonhas e em mais duas
salas construídas pela comunidade
para sanar as necessidades deste
determinado momento, haja visto que
um número elevado de alunos, cerca
de 237, encontra-se fora da escola,
desde outubro de 1996, quando das
invasões de terras
iv
ocorridas nesta
região. (Escola Básica Municipal
José Maria, 1998, p. 6).
A organicidade da comunidade
contribuiu de maneira prática na
organização do espaço físico para sanar a
demanda de sala de aula, urgente para
aquele momento, pois fazia algum
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tempo que os alunos estavam fora da
escola, devido às dificuldades de acesso, o
que causava cuidados dos pais em relação
ao deslocamento desses.
Se a comunidade organizada pode
contribuir no trabalho braçal, também pode
ter espaço nas discussões políticas
pedagógicas da escola, na
construção/atualização do Projeto Político-
Pedagógico, nos conselhos de classe, nos
planejamentos. Nesse sentido, as ações da
escola estariam de acordo com as
necessidades concretas da comunidade do
campo, ou da cidade, enfim, da localidade
que a escola está inserida. Tratando-se das
escolas do campo, oriundas da luta pela
terra e reforma agrária, é função social da
escola provocar, discutir e valorizar a
história desses espaços.
Período de 1999-2005: estagnação do
processo
A educação no MST compreende
que a função da escola do campo, além de
garantir o acesso ao conhecimento
científico, historicamente acumulado, é
também valorizar os princípios que
sustentam a organicidade do movimento,
desde seu surgimento. Tratando-se da
busca da Educação para transformação
social, essa se apresenta como horizonte
que define a educação no MST, pois
considera o processo pedagógico como
político, levando-se em consideração as
questões sociais e tendo como pilares
principais: justiça social, a radicalidade
democrática e os valores humanistas e
socialistas.
Em relação à EBM José Maria, no
ano de 2000, em processo de consolidação
e organização de uma proposta
pedagógica, apresenta como filosofia:
As diferenças existentes no
comportamento modelado em
sociedade resultam da maneira pela
qual os homens organizam as
relações entre si, que possibilitam o
estabelecimento das regras de
conduta e dos valores que nortearão a
construção da vida social, econômica
e política. Uma vez que o homem é
um ser social, tem uma
individualidade que o distingue dos
demais e uma característica perfeita e
nobre que é a capacidade de produzir
sua própria história. Procurando a
construção histórica de uma
sociedade cada vez mais justa com
participação de todos na distribuição
das riquezas produzidas por ela. Com
uma visão global de mundo busca o
domínio das ciências e da filosofia,
através da reflexão, criatividade,
articulação, ação coerente e tolerante.
A Escola é o instrumento da
sociedade de fundamental
importância, visto que a mesma
possui os mecanismos necessários às
mudanças ou mesmo à conservação
da estrutura social. A ciência é a base
das decisões que influenciam as
mudanças de comportamento e
avanços sociais, geralmente são
camadas dominantes científicas às
camadas populares é negar-lhes o
direito e a possibilidade de
compartilhar o poder. O estado
representa o povo, é governado por
alguém escolhido dentre o povo.
Cabe-lhe então, viabilizar a oferta e o
acesso da escola para todos os
cidadãos ou não haverá cidadania.
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Uma escola que tenha o
compromisso de transferir o
conhecimento científico acadêmico
universal sem deixar de lado o
conhecimento empírico, mesclando-o
para que os alunos possam reelaborar
novos conceitos conquistando a
forma lógica e científica de pensar.
(Escola Básica Municipal José
Maria, 2000, p. 4).
A filosofia da Escola apresenta a
importância que essa tem em sua função
social, no processo de formação do sujeito,
bem como a relevância do conhecimento
científico associado ao conhecimento
empírico. O acesso e a oportunidade para
que todos possam frequentar a escola, de
maneira que as diferenças sociais e as
injustiças existentes possam ser diminuídas
na escola. Que não seja mais um espaço
de reprodução das desigualdades.
Nesse sentido, entendemos que a
educação, uma vez que se propõe em sua
filosofia considerar o empírico, e fazer
relação com o científico, a questão do
Trabalho e da cooperação precisa ser
debatida, de maneira que atividades
teóricas e práticas estejam inseridas no
currículo escolar, pois as questões do
trabalho estão diretamente ligadas à vida
das pessoas.
A função social da escola, no debate
de um projeto/modelo de sociedade, que
busca o desenvolvimento do campo
considerando as necessidades e os
interesses dos trabalhadores, precisa fazer
interação com as questões práticas ligadas
ao trabalho. A cooperação é um elemento
estratégico para a construção de novas
relações sociais e melhor desenvolvimento
das famílias.
Atividades cooperadas fortalecem e
potencializam as atividades, pois os
objetivos são comuns, únicos e visam
atender as mesmas metas. A coletividade, o
cooperativismo possibilita a articulação
nas comunidades, principalmente nas
questões de produções. E esse é um espaço
bem oportuno para a educação desenvolver
suas práticas pedagógicas de trabalho e
cooperação.
Nesse sentido, o currículo é
fundamental para garantir que os objetivos
político-pedagógicos sejam alcançados,
bem como para a necessidade de planejar a
partir da realidade de cada espaço escolar.
Assim, sobre o currículo da EBM José
Maria:
O currículo será organizado em
conformidade com a legislação
específica, norteados pela Secretaria
Municipal de Educação,
encaminhados ao Conselho Municipal
ou Estadual de Educação para devida
aprovão. As atividades escolares
constarão de aulas práticas e teóricas,
palestras, conferências, exposições de
exercícios ou trabalhos, bem como
outros que obtiveram a formação
integral do educando. (Escola Básica
Municipal José Maria, 2000, p. 17).
O MST, em seus princípios de
educação, infere que a relação entre a
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teoria e a prática, no processo de
constituição do ser, faz-se necessária para
formação em sua plenitude, no sentido de
proporcionar o acesso aos diversos
conhecimentos; a educação integral em sua
plenitude, dando possibilidade a este,
identificar-se de acordo com as habilidades
que mais se desenvolvem em si,
visualizando a preparação para o trabalho.
Para nós escola é mais do que aula e
aula é mais do que repasse de
conhecimento, de conteúdos. Faz
parte da aula o sair da sala para a
leitura de uma paisagem, por
exemplo. Faz parte da Escola a
produção de um ambiente educativo
que perpasse todas as atividades
realizadas. (MST, 1999, p. 22).
A escola, conforme afirmado
anteriormente, conquistada por um
coletivo, precisa ser pensada/acompanhada
por ele. Entende-se que as instituições são
coordenadas pelas Secretarias de Educação
e fazem parte de um projeto macro, no
entanto, no nível micro, os educadores
carecem de se organizarem para pensarem
as especificidades da escola.
Acerca do planejamento, o Projeto
Político-Pedagógico do ano de 2000 afirma
que:
O planejamento será elaborado em
consonância com os objetivos da
escola, baseados nos Parâmetros
Curriculares Nacionais e na Proposta
Curricular de Santa Catarina. Serão
aplicados de forma flexível buscando
assim, na prática transformar as
ações juntando e socializando o
empírico ao científico e reelaborando
novos conhecimentos. Cada
professor fará seu planejamento
anual deixando uma cópia na
secretaria a disposição de qualquer
pessoa que interessa-se pela
verificação do mesmo. (Escola
Básica Municipal José Maria, 2000,
p. 21).
A EBM Jo Maria, no período de
1999 até 2005, teve suas práticas
desenvolvidas baseando-se somente nos
encaminhamentos vindos da Secretaria de
Educação. Não se encontra na escola
registros de atividades que tenham a
participão do MST. Atividades que, como
diz a filosofia da escola, venha ao encontro
o cienfico com o empírico, nesse caso, o
empirismo está na luta pela conquista da
escola, a valorização das pessoas como
sujeitos daquele espaço. E nesse sentido
observa-se um afastamento, ou pouca
participão, do MST na escola.
A participação dos educadores da
escola no Setor de Educação do MST era
praticamente inexistente. A partir do ano
de 2006, a direção estadual do Setor de
Educação passou a convidar todos os
educadores da escola para participarem das
reuniões, de forma que, aos poucos, alguns
começaram a se inserir, mas ainda precisa
ser ampliada.
Sobre as atividades que fazem parte da
organicidade do MST, como encontro dos
Sem Terrinhas e Encontro de Educadores,
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o se tem registros da participação da
escola.
Diante de tais elementos, pode-se dizer
que a escola passou por um período do qual
o “valorizou” em suas práticas escolares,
ou ao menos o tem registros, das
atividades voltadas à origem da escola.
Período de 2006-2016: uma nova fase
O período de 2006 a 2016 foi
marcado por mudanças significativas. Em
relação ao cenário nacional, foi um
momento de grandes expectativas para a
classe trabalhadora, mudanças políticas
fazem com que os movimentos sociais
assumam, junto ao governo federal, um
posicionamento de defesa ao projeto
político de esquerda, uma vez que, esse
ainda com todos os limites que possui, foi
o que mais contribui para a diminuição das
desigualdades sociais. O Setor de Educação
do MST possui a prática de desenvolver
atividades, das quais possibilitam
momentos de reflexão sobre as questões
educacionais, a exemplo disso, as
formações e seminários, partindo da
necessidade de constantemente estar
dialogando entre os pares. Também se
realiza no Movimento parcerias com
instituições federais com cursos de
graduação e pós-graduação específicos
fortalecendo o debate sobre a Educação do
Campo, e visando aprofundar o diálogo
sobre as especificidades referente à
educação campesina.
A EBM José Maria também passou
por momentos importantes, fatos que
marcam a hisria dessa instituição de
ensino. Conforme mencionada, a conquista
da escola ocorreu a partir da luta das
famílias acampadas e assentadas. O
processo foi evoluindo gradativamente, de
maneira que, cada vez mais, buscaram-se
melhorias nas condições de acesso aos
diferentes veis de ensino. Nesse período,
o MST passa timidamente a ocupar espaço
na escola. A bandeira do MST, um dos
principais símbolos de luta, vai para o
mastro pela primeira vez na escola, no ano
de 2005.
A coordenação do Setor de Educação
toma como prática enviar convite a todos
os educadores das Escolas dos
Assentamentos para as reuniões do setor,
essas que acontecem de maneira geral no
início do ano para planejamento das
atividades e no final para avaliação. Essa
iniciativa fez com que pessoas que estavam
chegando às escolas começassem a
integrar-se no processo, tomando
conhecimento do funcionamento orgânico,
bem como apropriando-se dos debates
políticos que o movimento possui.
A partir do ano de 2005, a escola
passa a participar e a desenvolver mais
ativamente atividades que fazem referência
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e resgatam a memória da história e do
movimento, e tem um avanço importante
na proposta pedagógica. No ano de 2010, o
Projeto Político-Pedagógico passa por um
estudo/reestruturação promovido com a
participação do coletivo de educadores.
Está cunhado em sua introdução:
Apresenta este projeto Político
Pedagógico-PPP, construído de
forma coletiva envolvendo
educandos, educadores, pais e a
comunidade escolar em geral
amparado pelo parecer 405 de
14/12/2004 que estabelece diretrizes
para elaboração do PPP, o mesmo
reafirma a autonomia considerando o
contexto sócio-educacional de cada
escola de acordo com a sua inserção
e contexto histórico dos sujeitos que
formam este estabelecimento.
(Escola Básica Municipal José
Maria, 2010, p. 4).
A compreensão da elaboração de um
Projeto Político-Pedagógico (PPP) fez a
diferença nesse processo de construção
(em contraponto de receber um projeto
pronto da Secretaria de Educação), uma
vez que a participação do coletivo da
escola proporciona que cada sujeito se
sinta protagonista do processo.
O PPP da escola, pela primeira vez,
faz referência à Educação do Campo:
apresenta como objetivo ser elaborado
pautando-se nos princípios da Educação do
Campo e apresentado legalmente nas
diretrizes. São princípios da Educação do
Campo:
I - Respeito à diversidade do campo
em seus aspectos sociais, culturais,
ambientais, políticos, econômicos, de
gênero, geracional e de raça e etnia;
II - Incentivo à formulação de
projetos político-pedagógicos
específicos para as escolas do campo,
estimulando o desenvolvimento das
unidades escolares como espaços
públicos de investigação e
articulação de experiências e estudos
direcionados para o desenvolvimento
social, economicamente justo e
ambientalmente sustentável, em
articulação com o mundo do
trabalho;
III - Desenvolvimento de políticas de
formação de profissionais da
educação para o atendimento da
especificidade das escolas do campo,
considerando-se as condições
concretas da produção e reprodução
social da vida no campo;
IV - Valorização da identidade da
escola do campo por meio de projetos
pedagógicos com conteúdos
curriculares e metodologias
adequadas às reais necessidades dos
alunos do campo, bem como
flexibilidade na organizão escolar,
incluindo adequão do calendário
escolar às fases do ciclo agrícola e às
condições climáticas; e
V - Controle social da qualidade da
educação escolar, mediante a efetiva
participação da comunidade e dos
movimentos sociais do
campo. (Escola Básica Municipal
José Maria, 2010, p. 4-5).
Tais princípios trazem explícita a
intencionalidade de uma educação que
atenda a diversidade dos estudantes
inseridos na escola, considerando-se os
diversos aspectos sociais, econômicos,
culturais, bem como a entender o ser
humano nas suas múltiplas dimensões.
A abertura para a construção de um
PPP com a participação da comunidade é
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um subsídio para, com base nas
informações coletadas no diagnóstico da
realidade, pensar o projeto pedagógico da
escola, reforçar a identidade da escola na
articulação dos conteúdos curriculares com
as metodologias utilizadas, bem como o
respeito com as especificidades da
agricultura, sendo possível a abertura no
calendário escolar para as adequações de
acordo com as questões climáticas e da
agricultura.
Nesse sentido, o coletivo responsável
pela construção do projeto da escola carrega
em seu objetivo clareza sobre esse, que em
poucas linhas tem uma intencionalidade
quanto à proposta de ensino e aprendizagem
da escola. Esse processo de construção que
se inicia na escola é desafiador ao sistema,
pois se coloca na contramão daquilo que se
tem como educação.
A escola tem como metodologia o
desenvolvimento das atividades
coletivamente, envolvendo o grupo de
educadores, bem como os educandos, para
a realização das atividades.
O projeto pedagógico da escola
apresenta princípios referentes ao que se
pretende com a educação. Ampara-se em
teóricos para fundamentar sua proposta.
Assim, acredita que a escola deve propiciar
ao nosso educando oportunidades
planejadas que favoreçam o
desenvolvimento de capacidades,
habilidades e atitudes que o transformem
num cidadão.
Em 2006, a escola passa a participar,
de maneira efetiva, das atividades
desenvolvidas pelo MST. Podemos
destacar nesse período, também, a
participação dos educadores em atividades
do MST como Encontros de Educadores,
Sem Terrinha, entre outras. A proximidade
de alguns educadores com o setor
oportuniza o debate na escola dos temas
discutidos no movimento. Pensava-se, a
partir desse ano, a escola com olhar mais
aprofundado dos princípios do MST.
O ano de 2010, para a Escola José
Maria, foi marcado por uma retomada
proposta alternativa de educação, que se
acredita para uma escola de assentamento.
Pauta-se em atividades que buscam
considerar a realidade do campo. Nesse
período, a escola organizou-se em grupos
de educadores e alguns projetos foram
desenvolvidos, como: viveiro, horta, lixo,
embelezamento, recreio e leitura. Em cada
conteúdo trabalhado, tentativa de se
articular com os conteúdos e atividades
práticas.
No ano de 2012, a escola foi
contemplada com recurso oriundo do
governo federal, denominado de PDE-
Interativo. Esse recurso, destinado a ações
que viessem contribuir no processo ensino-
aprendizagem, elencou, em seu plano de
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ação, formação continuada para os
educadores, uma vez que esta se
apresentava como demanda pelos próprios
educadores, desde o levantamento
realizado no ano de 2010. Buscando uma
reorganização da proposta pedagógica da
escola, retomou-se o estudo do projeto
político-pedagógico, agora com assessoria
de uma educadora da Universidade Federal
de Santa Catarina. Dá-se continuidade à
construção do PPP com a manutenção de
seus objetivos, acréscimo de alguns
elementos e avança-se na organização da
escrita do próprio documento. Com base
nesses estudos, no ano de 2014, foi
organizado o trabalho pedagógico com a
temática Agricultura Familiar. E
apresentou alguns subtemas que foram
discutidos e elencados juntamente com os
educadores, visando articular as temáticas
com os conteúdos e a realidade local.
A profundidade do estudo e do
planejamento coletivo, a participação de
todos os integrantes da escola, assim como
a tentativa de aproximação dos conteúdos
com as temáticas e a realidade local, foram
iniciativas importantes, com a finalidade
de aproximação da proposta de escola,
com os princípios e objetivos de educação
que o MST apresenta.
Nesse sentido, busca o debate sobre a
própria agricultura, proporcionando novas
visões sobre a questão agrícola, que
possibilite para as famílias orientações em
relação ao manejo na agricultura, visando
melhoria e permanência, principalmente,
dos jovens no campo.
Considerando uma forte indicação
das famílias sobre o desenvolvimento da
prática da agricultura familiar, o coletivo
da escola, a partir dos estudos dos projetos
político-pedagógicos, inicia um
planejamento por temas. O primeiro tema
abordado foi agricultura familiar, que se
subdividia em outras temáticas, sendo que,
cada professor, em sua disciplina, buscava
fazer a adequação dos conteúdos.
Tal experncia evidencia a
considerão do ser humano, dos sujeitos do
processo, de maneira a considerar as
questões materiais e históricas. A
organização dos conteúdos apresenta um
esforço coletivo em pensar o currículo da
escola, de maneira a articular
conhecimento empírico e científico,
considerando elementos da realidade dos
estudantes.
No ano de 2015, a escola deu
continuidade à organização do currículo,
pautada nos planejamentos coletivos,
utilizando-se dos temas e subtemas, bem
como dos dados coletados a partir de visita
nas famílias dos estudantes: na escola,
foram organizados grupos de pessoas e
realizada a divisão dos assentamentos para
ser feita a visita; depois, sistematizados os
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elementos levantados e socializadas com
todo o coletivo da escola, lapidados os
temas centrais que nortearam o trabalho
pedagógico nesse ano. Em 2016, a
temática trabalhada na escola foi
alimentação saudável.
À guiza de conclusão
O presente estudo buscou
compreender como se configura a função
social da Escola do Campo José Maria,
considerando o delineamento da proposta
educativa em seus documentos e como se
modificaram, ao longo do tempo, uma
leitura do percurso histórico construído na
escola, abordada a partir dos princípios
filosóficos de educação para o MST.
Os resultados da pesquisa permitiram
compreender os processos de disputas
internas que houve na escola José Maria,
bem como limites encontrados para pensar
uma organização pedagógica diferenciada
e a efetivação da mesma. Tais limites têm
entre seus elementos mobilizadores o fato
de que alguns educadores são contrários à
organização do MST, não se reconhecem e
não têm identidade com aquele espaço
escolar campesino. A escola apresentou
uma proposta educativa, pautada em
estudos coletivos e abordando às temáticas
definidas pelo grupo junto com as
demandas apresentadas pela comunidade,
até o ano de 2016, posterior a essa data a
instituição retoma suas práticas, de
maneira comum aos demais
estabelecimentos de ensino.
Foi possível compreender também
que as disputas político-ideológicas estão
muito presentes na escola, evidenciadas
com a colocação e retirada da bandeira do
MST do espaço da escola, fato esse que
está diretamente ligado à troca de governo
na Prefeitura Municipal.
O processo pedagógico é a umas das
ferramentas que a escola pode utilizar para
a formação de novas novas opiniões,
construção de sujeitos, que tenham
possibilidades críticas de analisar as
questões emergentes colocadas na
sociedade. Diante disso, entende-se a
necessidade de se pensar o processo
pedagógico considerando-se as
emergências que estão presentes no
contexto local e diretamente ligadas aos
estudantes.
Apresentaremos, a seguir, uma
sistematização referente aos períodos
apresentados no decorrer do trabalho,
elucidando a função social da escola à luz
dos princípios de MST.
No primeiro período denominado a
conquista da escola: a luta até 1998,
expõe a questão da educação num processo
de trabalho e cooperação, pois foi nessa
lógica de trabalho coletivo que a escola se
consolidou. A organização das famílias, a
Fabris, F., & Bernardi, L. T. M. S. (2018). A função social da escola do campo e os princípios filosóficos da educação para o MST:
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cooperatividade dessas, fez com que, a
partir de suas organização, conquistassem
a escola. As atividades da EBM José Maria
iniciam num processo de cooperação,
apresenta-se, aqui, o segundo princípio do
MST, educação para o trabalho e
cooperação. Também nesse processo pode
se dizer que a luta pela conquista da escola
se numa de educação para a
transformação social, pois, para o MST, a
oportunidade e o acesso à educação são
essenciais para acontinuidade na luta.
No segundo período de 1999-2005:
estagnação do processo, observa-se que a
escola desenvolve atividades baseadas nos
encaminhamentos da Secretaria Municipal
de Educação. O processo vai se dando de
maneira formal, sem estabelecer relação
com os que ajudaram na construção da
escola, pois não há registros de atividades
que façam qualquer relação ao MST.
Marco importante nesse período é a
bandeira do MST ser colocada no mastro
da escola. Símbolo da luta e militância
para esses sujeitos.
Num terceiro período de 2006-2016
apresenta-se então uma nova fase. Nesse
momento a escola iniciou um processo de
resgate dos valores e princípios do MST e
uma reorganização pedagógica da escola
foi-se desenhando, iniciando-se no ano de
2011. Ações como reformulação do PPP,
estudos a partir do PDE interativo,
planejamento coletivo, planejamento
pautado em temáticas voltadas à demanda
da comunidade escolar, como: agricultura
familiar no ano de 2014 e escola do/no
assentamentono ano de 2015. Em 2016, a
temática perpassava pelo questão da
alimentação saúdavel.
As atividades relacionadas à luta, de
militância e formação política fazem parte
do contexto das escolas do campo, frutos
de uma organização social. No caso da
escola pesquisada, é fruto da luta dos
trabalhadores rurais sem-terra. Assim, a
escola tem como função, nesse contexto,
participar e ajudar na organização das
mobilizações, que tem cunho social.
Ainda no peodo entre 2006 e 2016,
observou-se nos planejamentos da escola
uma preocupão em contemplar teticas
que discutiam questões de dimenes
sociais, econômicas, poticas e culturais.
Destaca-se aqui a abordagem aos princípios
do MST, pois considera o ser humano em
sua plenitude, e em suas diferentes
dimenes, considerando os valores que
esses possuem, numa perspectiva de
transformação social.
O MST foi o berço do nascimento da
EBM José Maria. A partir dos
ensinamentos do processo histórico do
movimento, imbricado com o da escola,
deixamos alguns apontamentos que
seguem: i) A escola precisa ser um espaço
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aberto para o estudo, a formação, a
construção coletiva, essa é a riqueza e o
diferencial de um espaço que teve como
sua a base a construção e luta coletiva de
um grupo de famílias que almejavam o
mesmo objetivo. A bandeira do MST é
símbolo que faz parte da história da escola,
e assim deve permanecer no espaço. A
troca da administração municipal não o
direito de tentar apagar ou negar a história
da escola. A história da escola é a história
de luta de várias pessoas que ali residem;
ii) As atividades desenvolvidas pela
escola constituem a memória do espaço
escolar. É importante valorizar e cuidar do
registro das ações empreendidas. Citamos,
como exemplo, os registros realizados
pelos educandos na disciplina de história,
que constituíram fontes de pesquisa para a
realização desse trabalho.
As observações apresentadas podem
servir de contribuições para futuras
pesquisas, que tenham como foco o estudo
da escola campesina. As contradições
apresentadas servem de estudo e debate
para educadores, que buscam, na educação
popular, construir coletivamente as
propostas de educação nas escolas do
campo, considerando as demandas, a
diversidade e respeitando a história
daquele espaço.
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i
A dissertação denominada “A Função Social da
Escola do Campo e os Princípios Filosóficos do
MST: o caso da Escola José Maria”.
ii
Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária.
iii
Casa da fazenda, onde foi utilizada para a sala de
aula, antes da construção do prédio oficial da
Escola Básica Municipal José Maria.
iv
O termo “invasão de terras” aparece nos
documentos oficiais da Escola. Essa terminologia
não é utilizada pelo MST. No entanto, as questões
documentais foram feitas pela secretária de
educação e prefeitura municipal.
Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 15/02/2018
Aprovado em: 14/05/2018
Publicado em: 12/09/2018
Received on February 14th, 2017
Accepted on May 14th, 2018
Published on September, 12th, 2018
Fabris, F., & Bernardi, L. T. M. S. (2018). A função social da escola do campo e os princípios filosóficos da educação para o MST:
um olhar sobre a Escola José Maria...
Rev. Bras. Educ. Camp.
Tocantinópolis
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ISSN: 2525-4863
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Contribuições no artigo: As autoras foram os
responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final a ser publicada.
Author Contributions: The authors were responsible for
the designing, delineating, analyzing and interpreting the
data, production of the manuscript, critical revision of the
content and approval of the final version to be published.
Conflitos de interesse: As autoras declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Francieli Fabris
http://orcid.org/0000-0002-3800-8679
Luci Teresinha Marchiori dos Santos Bernardi
http://orcid.org/0000-0001-6744-9142
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Fabris, F., & Bernardi, L. T. M. S. (2018). A função social
da escola do campo e os princípios filosóficos da
educação para o MST: um olhar sobre a Escola José
Maria. Rev. Bras. Educ. Camp., 3(3), 784-809. DOI:
http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-4863.2018v3n2p784
ABNT
FABRIS, F.; BERNARDI, L. T. M. S. A função social da
escola do campo e os princípios filosóficos da educação
para o MST: um olhar sobre a Escola José Maria. Rev.
Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 3, n. 3, set./dez., p.
784-809, 2018. DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-
4863.2018v3n2p784