Revista Brasileira de Educação do Campo
The Brazilian Scientific Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-4863.2018v3n2p549
Tocantinópolis
v. 3
n. 2
p. 549-577
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ISSN: 2525-4863
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A Pedagogia da Alternância no CEFFA de Ji-
Paraná/Rondônia: A ênfase na identidade que produz
diferenças
Alberto Dias Valadão
1
, José Licínio Backes
2
1
Universidade Federal de Rondônia - UNIR. Departamento de Ciências Humanas e Sociais DCHS. Campus de Ji-Paraná.
Rua Rio Amazonas, 351, Jardim dos Migrantes. Ji-Paraná - RO. Brasil.
2
Universidade Católica Dom Bosco - UCDB.
Autor para correspondência/Author for correspondence: albertoelaine10@gmail.com
RESUMO. O artigo é fruto de uma pesquisa que teve como
objetivo identificar e analisar como são produzidas e negociadas
as identidades/diferenças de jovens do campo no espaço
educativo do Centro Familiar de Formação por Alternância
(CEFFA) de Ji-Paraná, em Rondônia, fundado na Formação em
Alternância. O trabalho recorre ao campo teórico dos Estudos
Culturais pós-estruturalistas, principalmente às ideias de autores
que concebem as identidades como contingentes, marcadas pela
diferença. Recorre-se, ainda, a alguns teóricos da Educação do
Campo, articulando-os com os Estudos Culturais. Como
procedimento metodológico, fez-se uso da entrevista com alunos
e monitores, da observação de alunos e monitores, bem como de
sua inter-relação com os outros sujeitos e o ambiente acadêmico
onde estão inseridos, além da análise de documentos
curriculares da Pedagogia da Alternância. O estudo mostrou que
as identidades produzidas no espaço educativo do CEFFA são
desestabilizadas pelas diferenças, entrelaçadas por inúmeras
práticas culturais e, por isso mesmo, descontínuas, descentradas,
fragmentadas, relacionais.
Palavras-chave: Pedagogia da Alternância, Identidades,
Diferenças.
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Pedagogy of Alternation in CEFFA in Ji-
Paraná/Rondônia: The emphasis on the identity that
produces differences
ABSTRACT. This paper has stemmed from a research aiming
to identify and analyze the way that identities/differences of
young rural people have been produced and negotiated in the
educational setting of the Family Center for Education in
Alternation (CEFFA) in Ji-Paraná, Rondônia, grounded on
Education in Alternation. The study was supported by the
theoretical field of post-structuralist Cultural Studies,
particularly on authors that regard identities as contingent and
marked by difference. Furthermore, the ideas of some theorists
of Rural Education were articulated with Cultural Studies.
Interview with students and monitors, observation of them and
their interrelation with the other subjects and their academic
environment, as well as analysis of curricular documents of
Pedagogy of Alternation, were used as methodological
procedures. The study showed that the identities produced in the
educational setting of CEFFA have been destabilized by
differences, intertwined with a number of cultural practices and,
hence, they are discontinuous, decentered, fragmented, and
relational.
Keywords: Pedagogy of Alternation, Identities, Differences.
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Pedagogía de la Alternancia en el CEFFA de Ji-
Paraná/Rondônia: El énfasis en la identidad que produce
diferencias
RESUMEN. El artículo es fruto de una investigación que tuvo
como objetivo identificar y analizar cómo son producidas y
negociadas las identidades/diferencias de jóvenes del campo en
el espacio educativo del Centro Familiar de Formación en la
Alternancia (CEFFA) de Ji-Paraná, en Rondônia, fundado en la
Formación en Alternancia. El trabajo recurre al campo teórico
de los Estudios Culturales pos-estructuralistas, principalmente
las ideas de autores que conciben las identidades como
contingentes, marcadas por la diferencia. Se recurre, también, a
algunas teorías de la Educación del Campo, articulándolas con
los Estudios Culturales. Como procedimiento metodológico, se
hizo uso de la entrevista con alumnos y tutores, de la
observación de los mismos, así como de su interrelación con los
otros sujetos y con el ambiente académico donde están insertos,
además del análisis de documentos curriculares de la Pedagogía
de la Alternancia. El estudio mostró que las identidades
producidas en el espacio educativo del CEFFA son
desestabilizadas por las diferencias, entrelazadas por incontables
prácticas culturales y, por eso mismo, discontinuas,
descentradas, fragmentadas, relacionales.
Palabras clave: Pedagogía de la Alternancia, Identidades,
Diferencias.
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Introdução
A educação no interior de Rondônia
segue um modelo pensado para o público
urbano, não levando em consideração as
características socioeconômicas e culturais
fundadas na agricultura familiar,
constituidora da grande maioria dos
camponeses. A partir de dados do Censo
Agropecuário de 2006 último realizado
em Rondônia o Ministério do
Desenvolvimento Agrário (MDA) (Brasil,
2012) aponta que Rondônia é o estado líder
da agricultura familiar no norte do país,
com mais de 75 mil estabelecimentos,
respondendo por 74% do valor bruto da
produção agropecuária do estado e
empregando 233.355 pessoas, o
equivalente a 84% da mão de obra que
trabalha no campo. A partir destes
números, observa-se que a agricultura
familiar tem sido fundamental na produção
das identidades dos sujeitos do campo do
estado, forjados ao produzirem sua
subsistência. Hall (1997, p. 6) colabora
para pensarmos este movimento quando
aponta que a cultura “... tem de ser vista
como algo fundamental, constitutivo,
determinando tanto a forma como o caráter
deste movimento, bem como a sua vida
interior”.
A Educação do Campo em
Rondônia, portanto, não está dissociada do
processo de colonização sob o qual o
estado foi se constituindo. Apesar da
importância do agricultor familiar, este tem
sido inferiorizado pela ausência de
políticas públicas, principalmente
educacionais, que lhe permitam viver com
dignidade a sua diferença. Ignora-se que
vivemos em “... um momento em que
ocorrem vários deslocamentos,
constituindo-se uma pluralidade de
distintos centros, dos quais podem emergir
inúmeras identidades” (Moreira, 2011, p.
126). Reincidem, a cada ano, políticas
supletivas, compensatórias, que não raras
vezes têm estigmatizado o agricultor e o
seu trabalho, fazendo com que os jovens
tencionem logo cedo migrar sem
qualificação para as cidades, assim
contribuindo para o enchimento das
periferias, aumentando a pobreza coletiva e
sendo, ainda, vistos como sujeitos dos seus
próprios fracassos, porque incultos,
preguiçosos e atrasados, diferentemente do
que são.
O modelo de escola proposto em
que o jovem camponês procura escolarizar-
se não consegue perceber que vivemos um
tempo em que as mudanças ocorrem de
formas diferenciadas e mais rápidas,
conforme o contexto social em que os
sujeitos vivem e se constituem. Campo e
cidade não apresentam os mesmos ritmos,
dada a forma como as atividades exercidas
interpelam os sujeitos. Ainda hoje, no
campo do interior do estado, os
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agricultores alternam os dias e horários de
trabalho, considerando as condições
climáticas, a urgência ou não da
preparação da terra, do plantio ou da
colheita. Essa alternância, típica do
trabalho exercido, faz parte da cultura
camponesa, entendendo-se cultura sob a
perspectiva dos Estudos Culturais como
um campo de luta que governa, regula as
condutas dos sujeitos, suas ações e práticas
sociais (Hall, 1997). Portanto, a prática
produtiva dos agricultores opera na sua
constituição, diferindo das práticas de
significação constituintes dos sujeitos
urbanos.
Para que os jovens do campo
tivessem acesso à escola, o poder público
proporcionou-lhes o transporte escolar,
principalmente para as escolas urbanas. Ao
deslocar os alunos crianças e jovens de
suas famílias/comunidades para a
escolarização distante de suas práticas
sociais, a cultura dos agricultores é
secundarizada, pois os alunos nem sequer
terão tempo de contribuir com a família no
trabalho na roça. Desconsidera-se, nessa
proposição política, a forma como esses
agricultores vão constituindo suas
identidades mediante suas práticas, sendo
interpelados por determinadas posições de
sujeito, negando a produção de sentidos
constituídos pelo trabalho campesino.
Nesse cenário, aparece a Pedagogia
da Alternância, cujos princípios
pedagógicos oriundos do modelo das
Maisons Familiales encontraram um
terreno favorável para o florescimento das
primeiras experiências de alternância na
formação de jovens rurais no Brasil”
(Silva, 2003, p. 67). Caracteriza-se como
um movimento social que congrega
agricultores, distribuídos geograficamente
em comunidades diferentes, lutando por
um espaço educativo que não se
caracterize somente por confinar os jovens
para que se apropriem de conhecimentos
considerados legítimos e universais
necessários a todos, independentemente de
sua localização e experiências culturais.
No caso, tal espaço educativo seria um
lócus onde, como esclarece Gimonet
(2007, p. 137), “o alternante caminha
sucessivamente e de maneira ritmada em
campos culturais (familiar, profissional e
escolar) que possuem suas especificidades
e sua lógica própria em termos de
finalidades, objetivos, referentes,
conhecimentos, saberes ...”.
A Formação em Alternância não é
uma invenção brasileira. Sua gênese não
está nos coletivos populares deste país.
Nasceu na França em 1935, chegando ao
Brasil em 1969, no Espírito Santo, sendo
levada para Rondônia em 1989. Para Silva,
L. H. (2003), as experiências que
permitiram a criação das primeiras escolas
em alternância no Brasil foram
desenvolvidas sob a influência direta das
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experiências das Maisons Familiales
Rurales italianas, principalmente pelo
interesse e empenho do Pe. Pietrogrande.
A formação em Alternância consolida-se
no país a partir da inoperância do poder
público brasileiro, que tem conseguido
propor uma educação para os agricultores
tomando o homem urbano de classe média
como referência. Este modelo, feito para a
cidade e levado para o campo, não vem ao
encontro das necessidades dos agricultores
e ignora suas práticas culturais. A
Pedagogia da Alternância tenta romper
com esse modelo, com esse currículo sob o
qual até hoje os agricultores e seus filhos
foram educados. Um currículo que os
universaliza, negando suas diferenças, suas
lutas por um espaço de vida e de trabalho,
e que os constitui sob o prisma da
educação urbana.
Em Rondônia, o compromisso
educativo político dos agricultores
resultou, entre 1989 e 1992, na
implantação de quatro Escolas Famílias
Agrícolas (EFAs), hoje denominados
Centros Familiares de Formação por
Alternância (CEFFAs)
i
no interior do
estado, nos municípios de Cacoal (1989),
Vale do Paraíso (1990), Ji-Paraná (1991) e
Novo Horizonte do Oeste (1992).
Recentemente, foram implantados mais
dois CEFFAs, sendo um em São Francisco
do Guaporé (2005) e outro em Jaru (2013).
Hoje são mais de 260 CEFFAs no Brasil.
Essa Pedagogia parecia diferente para os
agricultores por ter como finalidades a
formação integral dos envolvidos e o
desenvolvimento local, e o sistema
pedagógico da Formação em Alternância e
a Associação Local como meios para que
isso acontecesse (Gimonet, 2007).
Esse modelo de educação fundado na
Formação em Alternância, que tem como
finalidade escolarizar os filhos de
agricultores sem desvinculá-los da
propriedade familiar, caracteriza-se como
... uma forma de organizar o processo de
ensino-aprendizagem alternando dois
espaços diferenciados, a propriedade
familiar e a escola” (Nosella, 2014, p. 29).
Surge, portanto, como uma alternativa ao
modelo de organização curricular
hegemônico, cuja referência é ver o outro,
o sujeito do campo, como alguém a incluir,
como identidades “incomuns” a serem
sujeitadas.
Depois de 29 anos atuando no
processo de escolarização de jovens
(rapazes e moças) Ensino Fundamental
no CEFFA do Vale do Paraíso e Ensino
Médio articulado com Educação
Profissional Técnico em Agropecuária nos
outros CEFFAs , a formação em
Alternância pode estar sendo normalizada
na prática cotidiana, produzindo
identidades e diferenças naturalizadas,
cristalizadas, essencializadas. Este trabalho
objetiva compreender como o processo de
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construção da identidade dos jovens do
campo produz também diferenças. A
Pedagogia da Alternância do CEFFA, em
seus documentos, como o PPP (EFA-
Itapirema, 2014a) e o Plano de Curso
(EFA-Itapirema, 2014b), e nas falas dos
sujeitos, afirma que sua finalidade é a
formação de cidadãos conscientes e
críticos. Entretanto, práticas envoltas em
relações de poder e processos de
normalização, naturalização e
disciplinamento podem estar operando
para produzir identidades naturalizadas e
essencializadas dos sujeitos do campo;
mesmo assim, essas identidades
sistematicamente são desestabilizadas
pelas diferenças.
Para problematizar a Pedagogia da
Alternância, que se estrutura sob um
modelo de relações ternárias entre
monitores-alunos-pais (Silva, L. H., 2003),
intentando compreender como têm sido
produzidas as identidades e diferenças,
escolheu-se o CEFFA de Ji-Paraná, situado
no centro do estado, que atende hoje em
torno de 200 alunos do município de Ji-
Paraná e de quase duas dezenas de
municípios menores. Dentre os envolvidos
com esse projeto educativo, neste estudo,
optou-se pelos alunos e, por terem uma
atuação mais visível no processo formativo
em Alternância, seus monitores (como são
chamados os professores). Em relação aos
alunos, mesmo diante das multiplicidades
de práticas culturais que os interpelam,
selecionou-se 20 alunos da série
(denominação utilizada pela escola) do
Ensino Médio dentre os 39 matriculados
em 2016. Quanto aos monitores, fez-se a
opção por oito dentre os 19 que
participavam das ações pedagógicas na
Pedagogia da Alternância, sendo quatro
ex-alunos da Pedagogia da Alternância e
quatro oriundos de outras experiências
educativas.
Para acessar, como afirma Hall
(1997), a forma como a Pedagogia da
Alternância tem constituído os sujeitos,
colocando-os, quem sabe, em uma espécie
de enquadramento em um modelo
previamente determinado e ignorando
outras formas de construção identitária,
recorreu-se aos Estudos Culturais. Isso
porque é um campo teórico que focaliza
práticas sociais, na medida em que estas
são relevantes para o significado ou
requeiram significado para funcionar (Hall,
1997). Dada a grande amplitude teórica
dos Estudos Culturais, elegeram-se como
recorte para este trabalho as relações entre
identidades e diferenças e o processo de
produção destas dentro do CEFFA de Ji-
Paraná.
Para desenvolver a argumentação
sobre como a Pedagogia da Alternância vai
constituindo as identidades e diferenças, o
artigo está estruturado em três momentos
distintos, que se entrelaçam. Inicia-se
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mostrando os Estudos Culturais como
campo teórico que tem na cultura um
elemento central para a produção do
conhecimento, e argumenta-se que as
identidades e diferenças não são naturais e
essenciais, mas produzidas. Aponta-se
como, a partir desse campo teórico que
transgride as fronteiras disciplinares, o
procedimento de investigação foi
construído e refeito no transcurso da
pesquisa de campo. No segundo momento,
discute-se como a Pedagogia da
Alternância, enquanto campo cultural
multifacetado, opera para produzir
identidades marcadas pela diferença. Por
último, trazem-se a síntese dos resultados e
outros apontamentos.
Os Estudos Culturais como um campo
de investigação interdisciplinar
Concebidos desde o início como um
empreendimento interdisciplinar
(Schulman, 2010), os Estudos Culturais
surgem desestabilizando a teoria cultural
nos meados do século XX na Inglaterra.
Tem como preocupação questionar o
conceito de cultura ligado à erudição, à
“alta” tradição literária e artística,
assumindo como referência a ideia de
cultura como um campo de luta que
governa, regula as condutas dos sujeitos,
suas ações e práticas sociais (Hall, 1997).
Os Estudos Culturais afirmam-se ao
colocarem em xeque as metanarrativas da
Modernidade, como o iluminismo, o
idealismo e o marxismo, como propõe
Lyotard (1988). Essas teorias, tidas como
detentoras das explicações científicas,
deixavam à margem outras possibilidades
de explicação e entendimento dos novos
problemas contemporâneos, oriundos, por
exemplo, do capitalismo liberal, dos novos
movimentos migratórios, das tecnologias
que encurtaram o planeta globalizado,
sobretudo em relação às questões culturais.
Esses descentramentos (Hall, 2011)
abriram espaço para o surgimento dos
Estudos Culturais como um campo de
estudo que tem na cultura um elemento
central para a produção do conhecimento,
pois, segundo Hall (1997, p. 5, grifo do
autor), “... a cultura penetra em cada
recanto da vida social contemporânea,
fazendo proliferar ambientes secundários,
mediando tudo”. Os Estudos Culturais,
dessa forma, “... constituem um dos pontos
de tensão e mudança nas fronteiras da vida
intelectual e acadêmica, levando a novas
questões, novos modelos e novas formas
de estudo, testando as linhas tênues entre o
rigor intelectual e a relevância social”
(Hall, 2005, p. 2), o que permite “...
investigar de forma intensiva os
significados da experiência humana, na
medida em que eles se efetivam na
linguagem e em outras práticas de
significação” (Escosteguy, 2010, p. 197).
Junto com esse questionamento, veio
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também a mudança de compreensão das
identidades/diferenças, que deixam de ser
vistas como biológica e naturalmente
definidas e passam a ser entendidas como
construções históricas, sociais e culturais.
Dessa forma, para pensar como a
Pedagogia da Alternância tem produzido
identidades e diferenças, precisava
problematizá-la; precisava ver essa cultura
escolar como o terreno sobre o qual a
análise ia se dando; necessitava torná-la o
objeto de estudo, o local da crítica e, quem
sabe, da intervenção política (Nelson,
Treichler & Grossberg, 2013). Isso se
torna importante, visto que interrogar essa
arena cultural é proporcionar meios para o
entendimento de que é também na cultura
que a identidade é mais completamente
moldada, como afirmam Nelson, Treichler
e Grossberg (2013). Assim, pensar a
Pedagogia da Alternância com os Estudos
Culturais é entender que os sujeitos que ali
estudam e trabalham não são os agentes do
discurso, mas efeitos de práticas
discursivas que os constituem e os
organizam dentro do contexto escolar, de
acordo com as posições ocupadas nas
relações de poder.
Entender o discurso referindo-se “...
tanto à produção de conhecimento através
da linguagem e da representação, quanto
ao modo como o conhecimento é
institucionalizado, modelando práticas
sociais e pondo novas práticas em
funcionamento” (Hall, 1997, p. 10), é
pensar que as identidades e diferenças dos
agricultores do interior de Rondônia
também são produzidas em oposição às
identidades e diferenças urbanas que têm
na cultura urbana um padrão que se deve
almejar. Trata-se, então, de compreender
que
A identidade e a diferença são
estreitamente dependentes da
representação. É por meio da
representação, assim compreendida,
que a identidade e a diferença
adquirem sentido. É por meio da
representação que, por assim dizer, a
identidade e a diferença passam a
existir. Representar significa, neste
caso, dizer: "essa é a identidade", "a
identidade é isso”. (Silva, 2012, p.
91).
A representação relaciona-se com a
linguagem. Meyer e Soares (2005)
afirmam que é na linguagem que se
constroem os “lugares” nos quais
indivíduos e grupos se posicionam ou são
posicionados por outros. Opera-se, neste
trabalho, portanto, com a ideia de que o
significado se constrói na linguagem e por
meio dela, como afirma Hall (2016). Ou
seja, para compreender como a Pedagogia
da Alternância vem produzindo
identidades e diferenças, foi preciso
entender que “... a linguagem nada mais é
do que o meio privilegiado pelo qual
‘damos sentido’ às coisas, onde o
significado é produzido e intercambiado.
Significados podem ser compartilhados
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pelo acesso comum à linguagem” (Hall,
2016, p. 17).
Nessa perspectiva, ao anunciarem-se
os Estudos Culturais como campo teórico
que contestam os limites socialmente
construídos nas mais diversas realidades
humanas (Baptista, 2009), não se teve a
pretensão de estudar os sujeitos da
Pedagogia da Alternância em Ji-Paraná,
mas, a partir das práticas que os produzem,
entender os seus processos identitários, ou
seja, como têm sido produzidas suas
identidades e diferenças.
Um estudo sob esse olhar permite a
compreensão de que os sentidos com o
quais se conviveu até hoje na Escola não
são naturais, inerentes a esse campo social,
mas constantemente elaborados e
compartilhados em cada interação pessoal
(Hall, 2016). Isso significa ter presente que
os sentidos foram sendo construídos por
meio de sistemas de representações. Como
diz Hall (2016, p. 41, grifos do autor), “o
sentido não está no objeto, na pessoa ou na
coisa, e muito menos na palavra. Somos
nós quem fixamos o sentido tão
firmemente que, depois de um tempo, ele
parece natural e inevitável ...”.
Essa postura teórica não prevê um
método construído antecipadamente para a
investigação e todos os seus contornos,
pois os desdobramentos que se operam
durante o trabalho requerem um método
construído no transcurso. Isso não significa
que não haja um rigor na produção e
análise de dados. O rigor está aqui
relacionado às descrições, às visibilidades
que se dão às escolhas e à possibilidade de
movimentar-se mais livremente durante o
processo de investigação. Segundo Meyer
e Soares (2005, p. 41),
Um processo de pesquisar que assume
esses pressupostos é, então, construído
por referências e ferramentas que
deslocam certezas, invocam
multiplicidades e operam com
provisoriedades e, exatamente por isso,
nos colocam o desafio de estarem
profundamente ancoradas num campo
teórico e, ao mesmo tempo, admitirem
a sua contingência e a sua
transitoriedade.
Dada a dinamicidade do processo
formativo proporcionado pela Pedagogia
da Alternância, a prática cultural do
CEFFA poderia ser problematizada em
suas nuances principais na produção das
identidades/diferenças de seus sujeitos se
adentrássemos nesse universo perpassado
por relações sociais em que o estudo e o
trabalho tendem a aparecer como
categorias constituidoras de um processo
pedagógico que tem no tempo-escola e no
tempo-comunidade, característicos da
Pedagogia da Alternância, elementos tidos
como importantes para a formação do
jovem do interior de Rondônia. Isso porque
permitem a articulação entre os
conhecimentos adquiridos por meio do
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trabalho na propriedade rural e aqueles
adquiridos na escola (Nosella, 2014).
Inspirados em Hall (2012), quando
afirma que “é precisamente porque as
identidades são construídas dentro e não
fora do discurso que nós precisamos
compreendê-las como produzidas em
locais históricos e institucionais
específicos, no interior de formações e
práticas discursivas específicas, por
estratégias e iniciativas específicas” (Hall,
2012, p. 109), optou-se pelos alunos e
monitores como sujeitos da pesquisa.
Quanto aos alunos, adotou-se como
critério de escolha, em primeiro lugar, o
maior tempo de estudo no CEFFA de Ji-
Paraná, por entender que teriam um
maior conhecimento sobre a Pedagogia da
Alternância, fruto dos embates diários no
universo cultural no qual estudam. Os
alunos participantes da pesquisa foram 20,
dentre os 39 que estavam em 2016
cursando a série do Ensino Médio
articulado com Educação Profissional
Técnico em Agropecuária. Pode-se afirmar
que a opção feita por 20 alunos foi
pertinente para a discussão do problema
enunciado acima, isso sem esquecer que os
alunos não escolhidos incidiram sobre o
trabalho, visto que uma identidade é
sempre produzida em relação a outra
(Woodward, 2012).
Em relação aos monitores, foram os
do CEFFA de Ji-Paraná, havendo durante o
processo de escolha muita dificuldade em
optar por alguns dentre os 19
monitores/professores que compunham o
quadro docente em 2016. Tal quadro
apresentava diferenças visíveis, pois se
constituía de monitores ex-alunos da
Pedagogia da Alternância, monitores que
vieram de outras experiências e estavam
fazendo ou não haviam começado o curso
de Formação de Monitores e professores
externos que iam à escola em regime de
horas-aula e não eram reconhecidos pelos
sujeitos dos CEFFAs como monitores.
Entende-se que essa diferença entre
os integrantes do corpo docente foi
fundamental na problematização deste
trabalho. Para o estudo, escolheram-se
oito monitores, elegendo-os a partir da
observação de suas práticas naquele
ambiente multifacetado, em que são mais
que educadores: “... a figura do monitor é
percebida pelas suas aptidões de animação
e de disponibilidade de relações com os
alunos” (Silva, 2003, p. 246). Ao fazermos
a opção por oito monitores, mas estando
abertos, durante o processo de pesquisa,
para trabalhar com os outros do CEFFA de
Ji-Paraná, foi possível acessar novas
práticas desses sujeitos. Esclarece-se que,
neste artigo, tanto os alunos quanto os
monitores serão referenciados com
pseudônimos.
Os instrumentos que abriram as
possibilidades de desenvolver o estudo
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foram construídos no decorrer das
descrições e interpretações, à medida que
iam sendo feitas. Tem-se, portanto, um
processo dinâmico, uma vez que, na
perspectiva teórica dos Estudos Culturais,
as perguntas que fazemos desencadeiam
buscas que engendram várias
possibilidades de respostas, criando
chances de fazermos outras tantas
perguntas, em um processo que nunca está
finalizado ou completo (Meyer & Soares,
2005).
Este trabalho, embora não pretenda
fazer uma etnografia como uma descrição
densa (Geertz, 2008), apresenta um viés
etnográfico, pois, conforme Green, Dixon
e Zaharlick (2005, p. 48), no processo de
pesquisa etnográfica, “... questões são
propostas, redefinidas e revisadas e
decisões sobre a entrada em novos espaços
e acesso a determinados grupos, assim
como coletas de dados e análises, são feitas
à medida que novas questões e temas
emergem in situ e demandam atenção”.
Para este estudo, elegeram-se: a
entrevista com alunos e monitores; a
observação de alunos que passam
durante o ano 10 sessões de 12 dias na
escola em regime de internato e 10 sessões
de 16 dias com a família e monitores , de
monitores, da inter-relação destes com os
outros sujeitos e do ambiente acadêmico
onde estão inseridos; e a análise dos
instrumentos pedagógicos e curriculares da
Pedagogia da Alternância com os quais
alunos e monitores se inter-relacionam,
principalmente o Projeto Político-
Pedagógico, o Plano de Curso e o Plano de
Formação, que objetivam a adaptação do
currículo da EFA à realidade de vida dos
seus alunos, como afirma Silva, L. H.
(2003).
Com essas estratégias, procurou-se
tecer uma articulação entre o campo
epistemológico e o campo social,
entendendo articulação como um conceito
que pode ser transferido para novos
contextos sempre que seja útil (Hall,
2013). A opção pela entrevista com alunos
e monitores, considerando como eles têm
sido produzidos a partir do processo
formativo da Pedagogia da Alternância, foi
importante porque, “no contexto
investigativo, a busca pela realização das
entrevistas pode servir ao/à pesquisador/a
como um meio de confirmar ou ampliar
fatos e interpretações que no transcorrer
das observações não foram possíveis
captar.” (Klein & Damico, 2012, p. 76).
Formularam-se perguntas que dessem
sentido, que dinamizassem o trabalho
investigativo, pois poderiam desestabilizar
o campo social, remexer todo o campo dos
saberes e deixar tudo em aberto,
misturando incerteza e promessa, como
afirma Costa (2005).
A observação e o registro sistemático
do observado em um diário de campo, de
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fevereiro a setembro de 2016, recaíram,
principalmente, sobre os alunos e a inter-
relação destes com os monitores no
ambiente acadêmico onde estão inseridos,
também considerando como se organizam
mediante as práticas sociais da Escola.
A análise dos documentos
curriculares e a forma como se relacionam
com as práticas sociais que envolvem os
sujeitos dos CEFFAs, constituindo-os, foi
feita durante todo o processo de construção
deste trabalho. Os documentos fazem parte
do “... conjunto de práticas
organizacionais, curriculares e pedagógicas
que contribuem para definir as formas
pelas quais o significado é produzido, pelas
quais as identidades o moldadas e os
valores contestados ou preservados”
(Simon, 2013, p. 67).
A Produção das identidades e diferenças
pela Pedagogia da Alternância em
Rondônia
Embora considerando o tempo-
escola (sessão escolar) e o tempo-
comunidade (sessão familiar) como
distintos, mas indissociáveis, neste
trabalho, o foco foi a sessão escolar, em
que os alunos da série dividem espaço
com mais duas turmas, A e A. No
início do ano letivo, fevereiro de 2016, as
três turmas somavam 97 alunos, sendo 39
da série. Enquanto esses alunos estavam
na Escola, a chamada Turma B (1ª B, e
3ª B) estava na sessão familiar.
Como as práticas sociais dentro da
Escola estão organizadas de maneira a
produzir tipos específicos de sujeitos,
durante a sessão escolar, os alunos, além
das oito aulas diárias de 50 minutos, fazem
a limpeza de toda a estrutura física da
Escola em forma de rodízio, além de
cuidarem das plantações e dos animais.
Chama atenção que dificilmente algum
aluno fica sozinho. Nos corredores, nas
mesas do dormitório, nas salas de aula, nos
bancos de madeira debaixo dos pés de
cacau ou jambo, estão sempre em duplas
ou em pequenos grupos. Essas práticas,
como estão mergulhadas num embate por
significação, contribuem para regular as
identidades dos estudantes.
Decerto, se não tivéssemos nos
deparado no CEFFA com identidades
ambivalentes, contingentes, cambiantes,
fugidias, híbridas, nômades, como são
todas as identidades, não fosse tão
complexo analisar como são produzidas e
negociadas as identidades e diferenças de
jovens do campo no espaço educativo
fundado na Formação em Alternância em
Ji-Paraná/ Rondônia. Como as identidades
e diferenças são acionadas de acordo com
os interesses que estão em jogo em
determinado momento, a forma como essa
arena cultural incide sobre os sujeitos que
ali estudam e trabalham pode ser
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considerada uma dentre outras possíveis,
especialmente se considerarmos que “o
sujeito assume identidades diferentes em
diferentes momentos, identidades que não
são unificadas ao redor de um ‘eu’
coerente” (Hall, 2011, p. 13).
Como existem múltiplas formas de
propor uma investigação em determinado
campo social, bem como inúmeros campos
epistemológicos que permitem
problematizar o que ocorre nesse
espaço/tempo cultural, a escolha dos
Estudos Culturais para esta investigação
descortinou um contexto cultural produtor
de múltiplas e cambiantes identidades. Ao
dar-se ênfase aos processos culturais para
compreensão dos significados e das
representações, mostrou-se que a
Pedagogia da Alternância tem como
objetivo produzir o sujeito do campo
consciente e crítico, conforme se vê nos
documentos curriculares, como o Projeto
Político-Pedagógico (PPP) e o Plano de
Curso, e nas falas dos sujeitos, como da
monitora Vera, para quem “ser monitor é
um ato político, pois nós formamos
consciências”, e do monitor Carlos,
quando diz que o papel principal da
Escola e o nosso, como monitores, é
formar consciências”. Ainda assim,
práticas envoltas em relações de poder têm
operado no sentido de produzir identidades
naturalizadas e essencializadas dos sujeitos
do campo, sendo essas identidades
sistematicamente abaladas pela diferença.
Isso porque, na perspectiva à qual se filia
este trabalho, o sujeito é composto de
várias identidades, definidas
historicamente, e não biologicamente,
como afirma Hall (2011). Logo, a
pedagogia deve ser vista como uma
tecnologia político-cultural (Simon, 2013).
O que se observa no dia a dia da
Escola e na fala dos sujeitos que ali
estudam e trabalham é que o CEFFA é um
projeto “progressista”, que se quer
emancipador, formador de sujeitos
conscientes dos problemas que a realidade
sociocultural apresenta, como se percebe
na fala do monitor Marcos: A Escola tem
que tornar o aluno consciente dos
problemas vividos na comunidade”. Como
diz o monitor Nivaldo, a Escola tem que
formar uma consciência crítica nesses
alunos”. Portanto, o sujeito é pensado
como fundamentalmente centrado, guiado
unicamente pela razão, estando no centro
da ação social. Sua consciência é o centro
de suas próprias ações (Silva, 2003).
Corazza e Silva (2003) evidenciam que
esse sujeito não existe, sendo um efeito do
discurso, um efeito da interpelação, de um
posicionamento. Para os autores, não se
sustenta a ideia de um sujeito cuja relação
que estabelece com as práticas sociais
coincide com sua forma de pensar, por
isso, sugerem dissolver o mito da
interioridade. Afirmam que:
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Nenhuma das pedagogias modernas -
das humanistas e tradicionais às
construtivistas e liberais, passando
pelas críticas e emancipatórias -
subsistiria sem a noção de
interioridade. O mito da interioridade
é essencial aos diversos avatares do
sujeito que povoam os territórios das
pedagogias contemporâneas: o
cidadão participante, a pessoa
integral, o indivíduo crítico. (Corazza
& Silva, 2003, p. 3).
Na perspectiva que seguimos neste
trabalho, “... o sujeito não é o centro da
ação social. Ele não pensa, fala e produz:
ele é pensado, falado e produzido” (Silva,
2003, p. 113). Há, assim, uma centralidade
no contexto cultural em que o sujeito vai
sendo fabricado. As representações vão
forjando as identidades e diferenças dos
sujeitos da Pedagogia da Alternância.
Como diz Silva (2012), essas proposições
não se limitam a descrever um estado de
coisas, mas fazem com que elas
aconteçam, se realizem, se efetivem.
As observações dessa arena cultural
multifacetada, feitas de fevereiro a
novembro de 2016, revelaram o modo
como a cultura do CEFFA tem interpelado
os sujeitos, recrutando-os para ocuparem
determinadas posições, constituindo alunos
cujas identidades se querem homogêneas,
apesar de confrontarem, no contexto em
que estudam, uma multiplicidade de
identidades fluídas e em permanente
construção/reconstrução. As falas das
monitoras Vera e Regina, quando dizem
que todos os alunos são iguais”, e dos
monitores Sérgio e Marcos, para quem o
papel da escola é torná-los iguais”,
mostram uma tentativa de marcar os
sujeitos como diferentes para administrá-
los e homogeneizá-los.
Tanto pelas observações quanto pelas
entrevistas e documentos analisados, pode-
se afirmar que o currículo do CEFFA de Ji-
Paraná, amalgamado com as normas
disciplinares
ii
, parece ser feito para
identidades previsíveis, essencializadas, e
que suas práticas pretendem (re)produzi-
las. Os artefatos culturais da Escola são
marcadores identitários que produzem
mesmidades quando os alunos procuram
preencher o perfil da Escola, cumprindo
suas regras: As Normas disciplinares
ajudam o aluno a ser um cidadão de bem”
(aluno John). Quem chega à Escola
convive com a ideia de que estuda numa
escola melhor, cujo conhecimento
transmitido é mais elevado: O aluno de
EFA é mais maduro, ele entende as coisas
com mais facilidade, ele consegue dialogar
com mais facilidade do que um aluno que
não estuda no regime da alternância”
(aluno Antônio). Os alunos aceitam que as
normas são normais e que devem obedecê-
las por ser isso inevitável: Gosto das
Normas, que nos ensinam a lidar com o
mundo (aluna Laísmara). A entrada dos
diferentes é inibida, principalmente
deficientes e homossexuais, e os que
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estão dentro “suavizam” a forma como são
tratados, tomando o preconceito e a
discriminação como brincadeiras
“inocentes”: brincadeiras que não
machucam o colega (monitora Sara).
Desconsidera-se que identidades
essencializadas, completas, seguras e
coerentes são uma fantasia, pois as
identidades são formadas e transformadas
continuamente (Hall, 2011; 2012; Silva,
2012; Woodward, 2012).
Desse modo, a partir dos enunciados
dos monitores de que o papel da Escola é
tornar os alunos os mais idênticos
possíveis, um processo de irresignação
que faz com que os sujeitos tentem escapar
das tentativas de encarceramento,
principalmente quando, em meio a relações
de poder, os agricultores responsáveis pela
gestão da Escola
iii
autorizam os monitores
a conduzirem as ações dos alunos em suas
construções identitárias. Entretanto, esses
alunos não ficam passivos frente às
determinações familiares. Vão
constituindo-se a partir das práticas e
artefatos culturais com os quais se
relacionam, ressignificando-os, como se
na fala dos alunos Dhondhon e José,
respectivamente: Grande parte das
Normas disciplinares são sufocantes,
impossibilitando o crescimento social do
aluno”; A Escola gosta de punir, ela não
é flexível. Na minha visão, ela ainda vive
no regime militar, de que, se fizer uma
coisa errada, você já tem que ser punido”.
A pesquisa mostrou, portanto, que a
Pedagogia da Alternância, em meio a
relações de poder, tem sido concebida
como palco de produção de identidades
hegemônicas, unificadas, capaz de alinhar
sob ela todos os membros do CEFFA. Em
função dessa visão essencialista de
identidade, fixada no nascimento e
carregada durante a vida por ser parte da
natureza de cada sujeito, por parte de
muitos dos envolvidos a convicção de que
os contornos administrativo-pedagógicos
do CEFFA são definitivos, imutáveis.
Contudo, como na contemporaneidade a
forma de organizar a própria vida, as
relações com as outras pessoas, todas as
formas como aprendemos a lidar com os
desafios da realidade, ficaram obsoletas,
pensamos, que os 263 CEFFAs do Brasil
iv
,
construídos a partir do final da década de
1960, objetivando conseguir a formação
integral das pessoas e o desenvolvimento
do meio onde vivem, podem, mesmo
guardando suas especificidades, estar
operando com a ideia de produção de
sujeitos conscientes, autônomos, que não
desenvolveram saberes para lidar com a
diferença, pois um consenso fabricado
que fecha o campo da significação (Silva,
2010) em torno da ideia de que a EFA
prepara o aluno para ser um cidadão com
uma consciência crítica (aluno Jorge) e
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de que formar consciência é o segundo
diploma que a Escola emite, sem ser de
papel” (aluno Jonas).
Considera-se, a partir da
problematização das práticas e artefatos
culturais do CEFFA de Ji-Paraná, que
uma premência na Pedagogia da
Alternância em perceber as identidades e
as diferenças entre os sujeitos como
produção cultural, enredadas em relações
de poder. O estudo mostra que não se a
devida centralidade aos processos de
produção-reprodução dos sujeitos e das
práticas que os constituem. Pode-se
afirmar que na escola se priorizam os
conhecimentos tidos como legítimos,
insubstituíveis, considerados verdades
absolutas, oriundos dos livros didáticos,
visando a preparar os alunos para
desempenharem papéis sociais, de acordo
com a aptidão com a qual cada um nasceu.
Silva (2003, p. 256) aponta que, “se numa
formação tradicional a condução do
processo pertence prioritariamente à
escola, essa concepção não é mais
adequada quando se busca uma verdadeira
alternância, em que a sucessão família-
escola deve constituir a base de todo o
processo educativo”. A fala de um aluno
mostra como os estudantes vão sendo
produzidos por meio de um currículo
expresso na linguagem dominante,
transmitido através do código cultural
dominante (Silva, 2003): Com os
ensinamentos da Escola, eu posso mudar a
forma atrasada que a minha família
trabalha a terra e cuida das criações
(José). Por isso, a Escola opera para
garantir, mediante repetidas situações
arbitrárias, a produção da identidade
dominante, recorrendo às normas
disciplinares para controlar, regular, punir
esse sujeito que é um efeito do contexto
onde estuda, numa tentativa de
homogeneizá-lo. Dessa maneira, diante
desses sentidos que procuram regular suas
práticas e condutas, os alunos
compartilham ideias, que lhes permitem
sentir, refletir e, portanto, interpretar o que
ocorre no CEFFA de forma muito
semelhante. Esses “códigos culturais”
(Hall, 2016) compartilhados giram muito
em torno da ideia de que a EFA gosta de
punir” (aluna Débora); Aqui na EFA, os
alunos não têm muita chance de defesa
(aluno Ney).
Mesmo com esses fechamentos em
que se tenta encerrar os alunos em
identidades acabadas, congeladas, fixando
condutas, forjam-se identidades vacilantes,
hesitantes, os sujeitos creditam diferentes
sentidos ao contexto onde se educam. Ao
longo de todo o trabalho, houve oscilação
entre afirmar que a Escola, em relação aos
alunos, procura homogeneizá-los, igualá-
los, conscientizá-los, torná-los cidadãos,
utilizando para alcançar o seu intento a
punição, emanada das Normas
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Disciplinares, aprovadas pelos pais e
postas em prática pelos monitores, e que a
Escola, pela sua qualidade, forma
profissionais competentes, questionadores,
qualificados. Esses significados que
circulam pelo CEFFA são constituídos e
constituem os que ali estudam e trabalham,
visto estarem sob a influência de um
campo de lutas e de negociações de
sentidos, marcados por relações de poder.
Assim, é recorrente encontrar alunos
(como José, Débora, Larry, Abençoado,
Toquinho, Leandro, Violeta e Ney) que
afirmam que a Escola gosta de punir e
alunos (como John, Jonas, Lorelaynne,
João Pedro, Antônio, Demétria e Bruno)
que afirmam que a Escola forma
profissionais competentes e preparados
para a sociedade”. Isso ocorre, pois “são
os participantes de uma cultura que dão
sentido a indivíduos, objetos e
acontecimentos ...” (Hall, 2016, p. 20).
As incursões que foram feitas
incessantemente às formulações teóricas
sobre como fazer um estudo sob as lentes
dos Estudos Culturais apontaram uma
Escola cujas práticas e artefatos culturais
são submetidos a novas práticas de
significação, visto não serem os alunos
afetados da mesma forma. As falas dos
alunos mostram identidades vigiadas,
subjugadas, conformadas, mas também
identidades em conflito, ambivalentes. A
Escola, ao envidar esforços no sentido de
normatizar o seu cotidiano, desvela uma
prática pedagógica hesitante, resistindo à
cultura da transgressão ou tentando
impedi-la. Assim, encontramos alunos
como Violeta, que, em dado momento, diz:
Aqui na Escola o negócio é punir. Punir
pode criar pessoas revoltadas”. Em outro
momento, afirma: A Escola nos prepara
para a vida. Forma pessoas éticas,
profissionais éticos...”. O mesmo ocorre
com a aluna Faith, que mostra o conflito
identitário em que se encontra: A Escola
sabe lidar com as diferenças dentro dela
e aqui na Escola tem muito preconceito,
que é bem camuflado”. Silva (2010)
ajuda-nos a pensar o que vem ocorrendo no
CEFFA quando afirma:
Não é preciso dizer que a educação
institucionalizada e o currículo
oficial ou não estão, por sua vez, no
centro do processo de formação de
identidade. O currículo, como um
espaço de significação, está
estreitamente vinculado ao processo
de formação de identidades sociais.
(Silva, 2010, p. 27).
Como o contexto cultural fabrica os
sujeitos, não seguindo uma lógica alinhada
a um parâmetro de como se essa
produção, no CEFFA deparamo-nos com
uma realidade diferente em relação ao uso
do celular e da internet, ou pelo menos
diferente em relação à forma como esses
artefatos incidem sobre os sujeitos,
principalmente os alunos. Quando os
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CEFFAs iniciaram em Rondônia e na
primeira década de funcionamento, não era
tão imperativo o uso das redes sociais, pois
a grande maioria dos alunos nem sequer
tinha celular. Considerando que os
monitores têm acesso a essas novas
tecnologias, inferiu-se no início da
pesquisa que isso acarretasse embates entre
os alunos e os monitores responsáveis por
resguardar as Normas. Lógico que
conflitos, mas o que não se esperava era
encontrar muitos alunos que concordam
com a proibição. Ou seja, numa época em
que “uma diferença-chave decorre do
modo pelo qual as novas gerações
conectam-se ou ficam desconectadas”
(Canclini, 2009, p. 214), a Pedagogia da
Alternância produz um aluno que vê na
proibição um aspecto positivo para sua
formação, pois não se sente preparado para
fazer uso das redes sociais ao mesmo
tempo que estuda. Eu sou a favor da
proibição do celular e do acesso às redes
sociais...” (aluno Bruno); Eu acho boa a
proibição do celular porque eu, enquanto
jovem, se tivesse um celular dentro da sala
de aula, eu ia acabar ficando mais no
celular do que prestando atenção na aula”
(aluna Micaelly); Não quero nem pensar
no que aconteceria se tivessem livre acesso
ao celular e à internet. Seria um caos
(monitor Carlos). Criam-se no CEFFA
mecanismos de controle, produzindo-se,
assim, identidades resignadas, sujeitadas,
fixas, construídas por relações de poder
assimétricas que as posicionam.
Ressalta-se que o uso das novas
tecnologias tem sido objeto de discussões,
não tendo sido ainda encontrada uma saída
para o impasse. Mesmo alguns monitores
entendendo que a Escola precisa avançar
em relação à permissão do uso por parte
dos alunos, os discursos e os sistemas de
representação que forjam os sujeitos do
CEFFA criam significados que operam por
meio da linguagem visando a privilegiar
representações que excluem os alunos das
tomadas de decisões. Como existe uma
multiplicidade de identidades em constante
transformação, os alunos, num processo
plural, processual, inacabado, de produção
identitária, colocam em xeque os
significados que devem ser por eles
internalizados. Por isso, vários alunos
posicionam-se contrários a essa proibição.
Sentem falta do celular. Estão habituados a
ficar conectados e questionam por que a
Escola os proíbe de usar o próprio celular e
de manter contatos durante duas semanas,
inclusive para realizar trabalhos escolares,
diferentemente do que fazem quando estão
em casa. “O acesso à internet hoje aqui
dentro é essencial, tem projetos,
relatórios...” (aluno Dhondhon); Os
alunos no ano precisam muito para
realizar os projetos e não têm como fazer
uma pesquisa...” (aluna Débora).
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Como nessa arena cultural as
representações têm efeitos diferentes sobre
as identidades que vão ali sendo
produzidas, grande parte dos alunos
entende que, para o bom andamento do
projeto educativo da escola, é necessária a
proibição do celular e do acesso à internet,
mas propõe a sua utilização nos momentos
livres: hora do almoço, hora de lazer,
sábado e domingo, depois das atividades
designadas para o grupo. Eu tenho
discutido com os meus colegas, assim. A
internet não poderia ser liberada, assim,
direto, mas nos dias livres e finais de
semana deveria, porque a gente fica aqui
na Escola sem acesso a nada...” (aluno
Larry). Ao tentarem fixar suas identidades
jovens como imaturas, incapazes de fazer
uso das novas tecnologias, tornando o
CEFFA um campo de normalização e
regulação onde prevalece a autoridade
paterna no controle das normas, os alunos
criam mecanismos para escapar das
representações que os pensam como
identidades unificadas, que os concebem
como capazes de chegar homogeneizados
ao final do curso, bastando para isso
seguirem as normas encarregadas de
produzi-los.
Os Estudos Culturais mostram que as
identidades constituídas sob o padrão
hegemônico, em que os sujeitos, ao
chegarem à Escola, deveriam ser
agrupados sob o mesmo arco da
identidade, vista como fato da natureza,
oriunda de uma essência, e não produto da
cultura em que se inter-relacionam, não
fazem sentido. Assim, este trabalho pensou
as identidades do CEFFA sempre como um
vir a ser, sempre modificáveis. As
inconformidades, as incongruências que
sobressaem ao longo do trabalho devem
ser vistas como aspectos importantes de
um contexto em que os sujeitos são
incompletos, incoerentes, desiguais, visto
suas identificações estarem em constante
interação com os sistemas de significação
que dão sentido às suas ações.
Nessa perspectiva, pode-se afirmar
que a Pedagogia da Alternância está
estruturada pedagogicamente a partir das
formas de vida dos sujeitos que vão
chegando e moldam seu projeto a cada
período. As famílias trazem as formas
como foram constituídas, transferindo à
Escola a responsabilidade de dar
continuidade na produção de identidades
que consideram legítimas. Os monitores,
dada a heterogeneidade da formação para o
trabalho docente e com a grande maioria
de proveniência urbana, oscilam entre
fazer uso das experiências anteriores e
apropriar-se dos alicerces teóricos que
embasam a Formação em Alternância,
principalmente porque a Escola não tem
oferecido uma formação que os monitores
considerem conveniente para quem vai
iniciar nessa proposta educativa, como
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afirma Carlos: “Uma falha da Escola é
que, quando eu entrei, não me foi ensinado
sobre a Pedagogia da Alternância, sobre a
sua metodologia”. Considerando-se,
portanto, a inconclusividade das
identidades, o monitor não chega ao
CEFFA pronto, mesmo porque isso é uma
ilusão. Os alunos, desde a primeira sessão
escolar, vão sendo por esse espaço-tempo
cultural afetados de formas distintas. Suas
identidades desestabilizadas pelas
diferenças são produzidas, entrelaçadas por
inúmeras práticas culturais, por isso
mesmo, descontínuas, descentradas,
relacionais. Essas identidades, em
constante processo de mudanças, estão, na
modernidade tardia, cada vez mais
fragmentadas e fraturadas: “... elas não são,
nunca, singulares, mas multiplamente
construídas ao longo de discursos, práticas
e posições que podem se cruzar ou ser
antagônicos” (Hall, 2012, p. 108).
Os significados que circulam pelo
CEFFA produzem sujeitos que agem e se
reconhecem a partir de determinados
posicionamentos, desvelam identidades
docentes forjadas a partir de um projeto
educativo que, embora pretendendo
preparar pessoas para atuarem de forma a
melhorar a vida dos sujeitos do campo, tem
operado para acentuar rigidamente alguns
marcadores identitários. Mesmo efêmeros,
esses marcadores vão constituindo
identidades controladas, reguladas
identidades jovens que não questionam,
porque educadas, humildes, responsáveis,
submissas às regras da Escola, como
quando alguns estudantes afirmam que
ser bom aluno é seguir as regras da
Escola (Débora, John, Laísmara e
Lorelaynne) ou, como diz a aluna
Laísmara: Concordo com todas as
Normas. Não vim aqui para discordar, eu
vim para estudar.
Porém, como não é possível uma
Escola homogênea, ela sempre será plural,
multifacetada. A Pedagogia da
Alternância, tendo em vista sua
ambivalência, produz identidades e
diferenças sempre em movimento, de
acordo com o momento e conforme o
modo como é acionada. Assim, é possível
compreender que, pelo processo de
negociação, identidades híbridas,
transitórias e fugidias (Canclini, 2009;
Hall, 2011; Silva, 2012) vão sendo
produzidas de acordo com os interesses
que estão em jogo. Os jovens, ao
afirmarem que o CEFFA é melhor do que
as outras escolas, que, por ter um ensino de
melhor qualidade, amplia suas perspectivas
futuras, vão abrindo possibilidades para
que novas identidades ganhem visibilidade,
se façam perceptíveis, pois o contexto
cultural em que se educam permite uma
multiplicidade de posições fluídas,
inconstantes. O ensino na EFA é superior
ao de todas as outras escolas que eu
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conheço, pois ajuda o alternante no meio
social e profissional” (aluno Bruno); “O
ensino na EFA nem se compara com o de
outras escolas que tem por aí, pois é muito
melhor” (aluno José).
Desse modo, no CEFFA de Ji-
Paraná, são produzidos representações e
significados que organizam, regulam,
moldam práticas sociais, mostrando que a
Formação em Alternância produz
identidades que não estão centradas nos
sujeitos, nem deles emanam, mas são
efeitos das inter-relações que eles
estabelecem no espaço educativo em que
estão inseridos, cultivando a noção de que
assumir essas identidades significará estar
preparado para o mundo, porque
competentes e qualificados.
Para que esse processo, mesmo
indeterminado, instável, impreciso,
flutuante, seja possível, a Pedagogia da
Alternância empenha-se em afastar as
identidades diferentes, pois, para que o
“nós” (heterossexuais, “normais”) possa
ser produzido como sujeito confiante,
questionador, competente, preparado para
a sociedade, capaz de ajudar sua
comunidade, “eles” (homossexuais,
deficientes) devem permanecer de fora.
Mesmo assim, essas diferenças vão
desestabilizando as identidades
hegemônicas, já que envidar esforços no
sentido de mantê-las longe, de não permitir
que se avizinhem, também é uma forma de
ser afetado por elas. Isso ocorre, por
exemplo, quando o aluno José questiona:
Por que não tem alunos homossexuais ou
pelo menos assumidos, não é? Será
porque, porque... [para um instante] Deve
ser porque não combina com os valores de
nossas famílias. Meu pai ia ficar muito
desconfiado da Escola se tivesse alunos
gays aqui. Mas ia mesmo!”.
Esses sentidos atribuídos à Escola
pelo aluno José mostram que existe na
Escola uma “nossa identidade”. Pensando
que a identidade e a diferença dependem
da representação e que, como processos de
produção social (Silva, 2012), estão
envolvidas em relações de poder, o aluno
forjado por uma Escola da Família
Agrícola (Nosella, 2014) questiona a
ausência dos que considera diferentes,
quais sejam, deficientes e homossexuais.
Porém, logo em seguida, assume a posição
na qual se reconhece, apelando para
antecedentes históricos, afirmando uma
identidade que necessita, para o seu
processo de construção, estar fundada em
valores a partir dos quais a família
camponesa foi historicamente construída.
Vistas como desvio da normalidade,
essas diferenças marcadas se fazem, ou
sempre se fizeram presentes. Percebe-se
que, quando não para ignorar as
identidades pensadas como o outro em sua
negatividade (Skliar, 2014), principalmente
em relação ao preconceito de cor, os
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significados deslizam, se tornam brandos,
no sentido de validar, ratificar e manter os
privilégios construídos culturalmente,
estabelecendo padrões de normalidade
dentro do CEFFA. Os sujeitos, então, vão
sendo “convencidos” de que na escola não
tem preconceito, não tem discriminação,
porque as brincadeiras são inocentes, vistas
como coisa que não machuca o colega
(monitora Sara), pois é inerente à
“natureza” juvenil. Assim, a Escola,
mediante suas práticas sociais, por não ver
a diferença como legítima, opera para sua
superação, trabalhando no intento de tornar
todos iguais. Skliar (2014) auxilia-nos a
entender o que vem ocorrendo no CEFFA
quando afirma: “... o mais frequente é que
o outro deva entrar em nossa ordem,
despojado de alteridade; essa parece ser a
condição para admiti-lo, recebê-lo, acolhê-
lo; dar-lhe educação, aceitá-lo (Skliar,
2014, p. 193, grifos do autor).
Produzem-se, portanto,
representações numa tentativa de fechar
espaços para novas configurações
identitárias plurais e fluídas, negando e/ou
silenciando as diferenças, impedindo que
estas se afirmem desafiando a posição de
vantagem das identidades hegemônicas.
Assim, excluem-se as identidades que não
se adaptam à Pedagogia da Escola, que não
se submetem às Normas Internas as
identidades diferentes, ou seja, aquelas que
estão fora do padrão de normalidade com o
qual o CEFFA está acostumado a trabalhar,
como os homossexuais e os deficientes.
Como essas identidades são
produzidas culturalmente e acionadas de
acordo com os interesses em jogo, num
campo em que os processos de significação
estão em disputa incessante, por meio das
relações de poder, produzindo significados
que se querem hegemônicos, pode-se
afirmar que a Formação em Alternância
opera para fixar e estabilizar as identidades
quando, mediante suas práticas: não
permite que os alunos participem da
elaboração das Normas Internas que
regulam suas condutas dentro da Escola;
produz um aluno despreparado para o uso
das novas tecnologias; posiciona alunos e
monitores em lados opostos nas relações
que estabelecem, forjados pelas normas
internas, constituindo modos de ser
sujeitos em que, para ser bom aluno, é
necessário seguir as regras e, para ser bom
monitor, fazer com que isso aconteça; tenta
homogeneizar os alunos, tornando-os
iguais; os pais criam novas perspectivas
identitárias para os filhos ao escolherem o
CEFFA para a formação destes; coloca
como finalidade primeira a formação de
uma consciência crítica nos jovens, a fim
de torná-los aptos para atuação numa
sociedade que se quer igual para todos;
produz um monitor que tem que aprender a
ter gosto, a adequar-se à realidade
administrativa e pedagógica da Escola;
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toma como conhecimentos a serem
trabalhados com os alunos aqueles
chamados científicos, abrindo mão dos
conhecimentos advindos das práticas
sociais das famílias, tidos como atrasados;
trata o preconceito e a discriminação como
brincadeiras juvenis.
Considerações Finais
Ao reconhecer neste trabalho que a
cultura do CEFFA fabrica os sujeitos, que
por sua vez produzem novos significados,
que passam a concorrer na produção das
identidades, isso significa dizer que vão se
criando espaços para rupturas e
contestações, colocando em xeque os
marcadores identitários dominantes. Isso
ocorre quando: mesmo se sujeitando às
normas, os sujeitos as questionam como
passíveis de serem modificadas por serem
rígidas, não se coadunando com o
momento histórico vivido; pela
convivência com os que estão posicionados
num mesmo nível nas hierarquias
estabelecidas pela Escola, se instituem
modos de viver e de explicar o que lhes
ocorre, tornando-se o que se é; em sua
grande maioria, os sujeitos se posicionam
contra a proibição do uso do celular e da
internet na Escola; os sujeitos veem a
escola como marcada pela “cultura” da
punição, organizada a partir de relações
assimétricas, interpelando-os, a fim de
constituí-los como sujeitos obedientes,
conformados; pela prática pedagógica da
Escola, se produzem outros sujeitos, muito
mais qualificados e competentes do que os
de outras experiências educativas; os
alunos vão percebendo que algumas
identidades são marcadas como
indesejáveis e que, mesmo havendo uma
tentativa de interdição, entram na Escola
perturbando, desestabilizando as
identidades dominantes.
Sob essa perspectiva, pode-se
afirmar que algumas identidades
construídas no contexto das relações
sociais de poder do CEFFA de Ji-Paraná
têm sido mobilizadas como expressão
daquilo que a Pedagogia da Alternância
produz. Por serem as identidades
cambiantes, inconstantes, podendo ser
acionadas de diferentes formas, o CEFFA,
como um campo de produção
indeterminado de significados, tem
produzido identidades qualificadas,
competentes, confiantes, responsáveis, que
sabem pensar, argumentar, preparadas para
o futuro, visto serem produzidas por uma
escola superior, de melhor qualidade, que
prepara o aluno para o pós-CEFFA. Dado,
porém, o caráter ambivalente e transitório
das identidades, estas têm sido produzidas
ainda como identidades medrosas que não
negam as diferenças devido à posição que
ocupam nas relações de poder; identidades
que não querem voltar para o campo, mas
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continuar estudando ou arrumar um
emprego na cidade; identidades que devem
aprender a adaptar-se às práticas sociais da
Escola, submissas às regras, por medo de
punição; identidades que não foram
preparadas para trabalhar a Formação em
Alternância.
Com o desenvolvimento deste
trabalho, com um feitio metodológico
sempre inacabado e rumos imprevisíveis,
apesar de ninguém ter falado nada sobre
como se produzem as identidades e
diferenças na Pedagogia da Alternância
nos Estudos Culturais, a partir desse campo
teórico, conseguiu-se colocar em xeque
ideias ou explicações que postulam que a
apropriação do conhecimento,
principalmente no tempo-escola, se dá a
partir de um sujeito guiado somente pela
sua racionalidade ou como centro de suas
ações na formação de sua consciência.
Nessa perspectiva, o conhecimento não
pode continuar sendo visto como algo que
possui uma existência em si mesmo. Sua
construção, que se mediante a
linguagem, num campo de disputa pela
significação, em meio a relações de poder,
deve operar para que os efeitos produzidos
não fixem as identidades, nem embacem
ou apaguem as diferenças. Que a
Pedagogia da Alternância seja um espaço
de identidades múltiplas, plurais, instáveis,
híbridas, que ao ser construída/reconstruída
pelos sujeitos, pais, alunos e monitores,
interpelando-os hodiernamente por meio
de pluralidades discursivas, se afirme
como um processo ininterrupto de
desestabilização dos marcadores
identitários dominantes, num processo de
articulação com a diferença, urdindo novas
posições de sujeito, rompendo com a ideia
de uma identidade essencializada do
sujeito do CEFFA e com a ideia de
diferença como marcada pela negatividade,
que tem como efeito a exclusão, a
marginalização dos que “não deveriam”
estar inseridos nesse contexto.
O estudo, portanto, possibilitou um
olhar sobre a prática pedagógica do
CEFFA de uma forma inabitual,
principalmente em relação às identidades e
diferenças, pois nem alunos, nem
monitores são interpelados pelas práticas
da Pedagogia da Alternância da mesma
forma, assumindo posições de sujeito
coincidentes. A descrição do estudo mostra
que, ao assumir como referência a cultura,
que, como prática de significação, é
constitutiva das identidades e diferenças
dos sujeitos a partir de seus diferentes
significados e práticas sociais, a Pedagogia
da Alternância produz sujeitos vacilantes,
hesitantes, cujos sentidos, constituídos por
meio das práticas sociais, se movem em
diferentes direções, produzindo
perspectivas identitárias que se cruzam e se
deslocam, tornando o processo de
produção das identidades e diferenças
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provisório, variável, fragmentado,
indeciso, o que resulta em identidades
vigiadas, subjugadas, conformadas, mas
também identidades em conflito,
ambivalentes. As identidades produzidas
no espaço educativo do CEFFA são
desestabilizadas pelas diferenças,
entrelaçadas por inúmeras práticas
culturais e, por isso mesmo, descontínuas,
descentradas, fragmentadas, relacionais.
Dessa forma, a Pedagogia da Alternância,
tendo em vista sua ambivalência, produz
identidades e diferenças sempre em
movimento, de acordo com o momento e
conforme o modo como é acionada.
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i
Begnami e Burghgrave (2014, p. 264), no posfácio
de atualização da obra de Paolo Nosella, Origens
da Pedagogia da Alternância no Brasil (Vitória:
EDUFES, 2014), afirmam que “CEFFA é um nome
genérico, até então de caráter político, formulado
no Brasil, em 2001, que busca articular e unir
Escolas Famílias Agrícolas, Casas Familiares
Rurais e Escolas Comunitárias Rurais, para lutarem
juntamente, no âmbito nacional, pelo
reconhecimento da Pedagogia da Alternância e pelo
financiamento público, em marcos legais que
assegurem, todavia, os seus princípios
constitutivos”.
ii
Para regular/controlar a convivência na Pedagogia
da Alternância, a Associação Promocional da
Escola criou as Normas Internas, em que está
aprovado em assembleia (de pais) o que o aluno
pode e o que não pode fazer, estabelecendo-se,
ainda, a punição para cada “infração”.
iii
O CEFFA de Ji-Paraná é gerido pela Associação
Promocional da Escola Família Agrícola Itapirema
de Ji-Paraná (APEFAJIJIP), formada
principalmente por pais de alunos monitores.
Criada em 1997, é uma associação de caráter
comunitário que tem como finalidade a formação
integral do jovem adequando o processo ensino-
aprendizagem ao seu modo de vida. Adota a
Pedagogia da Alternância com metodologia própria,
voltada ao meio rural e integrada aos princípios e
fins da Educação Nacional.
http://efaitapirema.org/site/a-escola/.
iv
Dados do IX Congresso Mundial da Associação
Internationale des Maisons Familiales Rurales
(AIMFR) (2010) mostram que em 2010 havia no
Brasil 263 CEFFAs, um total de 74.000 famílias
envolvidas, 23.254 pessoas em formação e 51.550
egressos.
Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 23/02/2018
Aprovado em: 26/04/2018
Publicado em: 27/07/2018
Received on February 23th, 2018
Accepted on April 26th, 2018
Published on July 27th, 2018
Contribuições no artigo: Os autores foram os
responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final a ser publicada.
Author Contributions: The authors were responsible for
the designing, delineating, analyzing and interpreting the
data, production of the manuscript, critical revision of the
content and approval of the final version to be published.
Conflitos de interesse: Os autores declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Alberto Dias valadão
http://orcid.org/0000-0002-5969-935X
José Licínio Backes
http://orcid.org/0000-0001-9013-8537
Valadão, A. D., & Backes, J. L. (2018). A Pedagogia da Alternância no CEFFA de Ji-Paraná/Rondônia...
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Valadão, A. D., & Backes, J. L. (2018). A Pedagogia da
Alternância no CEFFA de Ji-Paraná/Rondônia: A ênfase
na identidade que produz diferenças. Rev. Bras. Educ.
Camp., 3(2), 549-577. DOI:
http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-4863.2018v3n2p549
ABNT
VALADÃO, A. D.; BACKES, J. L. A Pedagogia da
Alternância no CEFFA de Ji-Paraná/Rondônia: A ênfase
na identidade que produz diferenças. Rev. Bras. Educ.
Camp., Tocantinópolis, v. 3, n. 2, mai./ago., p. 549-577,
2018. DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-
4863.2018v3n2p549