Revista Brasileira de Educação do Campo
The Brazilian Scientific Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-4863.2018v3n3p911
Tocantinópolis
v. 3
n. 3
p. 911-936
set./dez.
2018
ISSN: 2525-4863
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Escolas com classes multisseriadas no município de Santa
Maria de Jetibá-ES: memórias na mediação fotográfica
Juber Helena Baldotto Delboni
1
,
Gerda Margit Schütz Foerste
2
1
Universidade Federal do Espírito Santo - UFES. Programa de Pós-Graduação em Educação. Av. Fernando Ferrari, 514 -
Goiabeiras. Vitória - ES. Brasil.
2
Universidade Federal do Espírito Santo - UFES
Autor para correspondência/Author for correspondence: juberhelena@hotmail.com
RESUMO. Este estudo objetiva compreender os processos de
constituição das escolas multisseriadas e os sentidos que lhes
são atribuídos junto às comunidades do campo. Busca, nos
acervos fotográficos de antigos professores e famílias da
comunidade, as memórias dos sujeitos que fazem a história local
(Halbwachs, 2006; Le Goff, 1992; Pollak, 1989, 1992). Revisita
o campo da produção imagética e aprofunda a análise da
fotografia como fonte histórica. Ao mesmo tempo, busca na
materialidade das fotografias, como mediação (Ciavatta, 2002,
2008, 2009), as particularidades de sujeitos contextualizados,
que produzem a história. Com essa reflexão, propõe situar o
debate para além da concepção equivocada de que as escolas
multisseriadas são espaços de atraso ou de “anomalia” no
sistema educacional. Mas ao contrário, são espaços vivos de
produção da vida, que dialogam com culturas e saberes de
agricultores familiares das comunidades do campo.
Palavras-chave: Escola Multisseriada, Memória, Imagem
Fotográfica, Mediação.
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Schools with multi-graded classes in the municipality of
Santa Maria de Jetibá-ES: memories on photographic
mediation
ABSTRACT. This study aims to understand the processes of
formation of multi-graded schools and the directions that they
are given by the communities in the country side. The search in
photo collections of former teachers and families of these
communities, the memories of the subjects that make local
history (Halbwachs, 2006; Le Goff, 1992; Pollak, 1989, 1992).
They revisit the field imagery production and deepen the
analysis of photography as a historical source. At the same time,
searching the materiality of the photographs, as mediation
(Ciavatta, 2002, 2008, 2009), the particularities of the subjects
in context, to produce the story. With this consideration, it is
proposed to place the debate beyond the misconception that
multi-graded schools are delayed or spaces of "anomaly" in the
educational system. But on the other hand, they are living spaces
of production of life, dialogue with cultures and knowledge of
family farmers in the field.
Keywords: School Multi-Graded, Memory, Photographic
Image, Mediation.
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Escuelas con clases multi seriada en el municipio de Santa
María de Jetibá-ES: memorias sobre la mediación
fotográfica
RESUMEN. Este estudio intenta comprender los procesos de
formación de las escuelas multiseriadas y las instrucciones son
dadas por las comunidades en el campo. Él busca en colecciones
de fotos de antiguos maestros y familias en la comunidad, los
recuerdos de los sujetos que hacen la historia local (Halbwachs,
2006; Le Goff, 1992; Pollak, 1989, 1992). Repasa las imágenes
de campo de producción y profundiza el análisis de la fotografía
como fuente histórica. Al mismo tiempo, buscar la materialidad
de las fotografías, como mediación (Ciavatta, 2002, 2008,
2009), las particularidades de los sujetos en contexto, al producir
la historia. Con esta consideración, se propuso hacer el debate
además de la idea errónea de multiseriadas las escuelas se
retrasan o espacios de "anomalía" en el sistema educativo. Pero
por el contrario, son espacios de producción de la vida, diálogo
con las culturas y el conocimiento de los agricultores familiares
en el campo.
Palabras clave: Escuela Multiseriada, Memoria, Imagen
Fotográfica, Mediación.
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Introdução
As escolas com classes
multisseriadas constituem uma das mais
antigas formas de escolarização dos filhos
de trabalhadores do campo. Caracterizam-
se pela organização dos alunos em uma ou
mais classes, nas quais
concomitantemente, um professor faz a
mediação de processos de produção de
conhecimento com crianças de diferentes
séries, em idades e estágios de
compreensão da realidade. São
experiências de educação,
predominantemente em contextos com
baixa densidade populacional e por
omissão do Estado e consequente
negligência de políticas públicas, a oferta
de educação escolar, muitas vezes fica a
desejar, contribuindo para uma imagem
negativa sobre essas escolas.
Essas classes acolhem e cultivam
diversidades culturais, contribuindo assim
para o fortalecimento de línguas
minoritárias, identidades de povos e
comunidades tradicionais. Com isso,
podemos dizer que a permanência de
escolas com classes multisseriadas no
campo, contribui para o fortalecimento da
comunidade em que estão inseridas. Do
mesmo modo, é possível dizer que o
enfraquecimento e a fragmentação do
espaço comunitário do campo são
acelerados com o fechamento das escolas
multisseriadas e o deslocamento da
formação das novas gerações para as
chamadas “escolas da cidade”,
supostamente mais equipadas e com
equipes de elevada qualificação
profissional.
Este artigo resulta de uma pesquisa
de mestrado desenvolvida em 2015 e 2016
junto a uma escola multisseriada na
comunidade de Caramuru, município de
Santa Maria de Jetibá, Espírito Santo. Este
município tem sua economia sustentada na
agricultura familiar e a escola do campo é
uma das principais formas de escolarização
das comunidades campesinas, uma vez
que, das 46 escolas da rede municipal, 39
estão localizadas no campo e destas, 29 são
escolas com classes multisseriadas. Desde
o ano de 1013, em decorrência do processo
de nucleação, foram paralisadas seis
escolas no município, sob a alegação da
diminuição do número de alunos. No
entanto, observa-se a permanência de um
grande número de escolas com classes
multisseriadas no campo, nesse município,
representando uma peculiaridade
intimamente relacionada à organização
social e cultural do município.
A população local descende do povo
tradicional pomerano, cuja chegada ao
Brasil ocorreu há mais de 150 anos,
quando desembarcaram no Porto de
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Vitória, em 1859, e navegaram pelo Rio
Santa Maria até chegar às montanhas
capixabas as assim chamadas “terras
frias” , de onde seguiram posteriormente
para as “terras quentes” do Espírito Santo
(Laranja da Terra, Pancas, Vila Pavão, Vila
Valério, ente outros), bem como para
Minas Gerais, Paraná, Rondônia etc. Nas
comunidades onde vivem os pomeranos,
fala-se o pomerano, ngua minoritária de
imigração.
O estudo apresentado nesse artigo
aborda a escola com classes multisseriadas
a partir das memórias mediadas pela
imagem fotográfica. A imagem analisada é
de uma sala multisseriada da Escola
Municipal Unidocente João Guilherme
Germano Borchard, criada em 1959 na
comunidade pomerana de Jequitibá,
Caramuru, no município de Santa Maria de
Jetibá. Assim, o texto que segue apresenta
uma breve discussão a partir dos processos
históricos que dimensionam as escolas
multisseriadas em cenário nacional, para,
em seguida, analisar a imagem como
mediação das memórias (Ciavatta, 2002,
2010; Foerste & Schütz-Foerste, 2012) dos
sujeitos na escola multisseriada, através
desse estudo.
A pergunta e os objetivos de
investigação
A pergunta, como a imagem
fotográfica da EMUEF João Guilherme
Germano Borchardt faz a mediação das
memórias dos sujeitos sobre a escola
multisseriada na comunidade campesina,
em Santa Maria de Jetibá-ES? Orienta esta
investigação. Objetiva-se analisar, através
de uma imagem, presente no acervo
fotográfico da primeira professora da
escola, a mediação das memórias de
antigas professoras, lideranças locais e ex-
alunos da escola. Para tanto, desenvolveu-
se estudo no qual a fotografia constituiu
fonte de pesquisa (Ciavatta, 2002, 2008,
2009; Schütz-Foerste, et al., 2014)
juntamente com depoimentos orais. Os
depoimentos foram disponibilizados pelos
participantes da pesquisa em roda de
conversa e entrevistas que aconteceram
durante o período de junho a dezembro de
2015. Utilizaremos, nesse artigo, as iniciais
ou pseudônimos para identificar dos
sujeitos diretamente envolvidos na
pesquisa.
Na perspectiva de investigação sobre
a imagem como mediação, destacamos o
grupo de pesquisas Imagens Tecnologias e
Infâncias, do Centro de Educação da
Universidade Federal do Espírito Santo,
que desenvolve estudos sobre as imagens
como mediadoras dos processos
formativos e no cultivo de memórias e
narrativas (Souza, 2014; Schütz-Foerste,
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2004; Schütz-Foerste et al., 2014; Schütz-
Foerste, et al., 2015; Delboni, 2016). A
partir das pesquisas desenvolvidas por esse
grupo, foi possível aprofundar leituras
sobre fotografia como fonte histórica e a
mediação nas pesquisas em ciências
humanas. Contudo, constatamos que
pesquisas que contemplam as escolas do
campo ainda são escassas. A maior parte
dos trabalhos está relacionada aos registros
fotográficos, enquanto ilustração. Nesse
sentido, reiteramos a necessidade de se
cultivar a memória das escolas
multisseriadas, penalizadas pela
fragmentação dos registros, principalmente
os fotográficos. Sinalizamos também a
necessidade de avançar em estudos com a
mediação imagética para além da função
meramente ilustrativa. Assim sendo, o
texto que segue analisa as memórias da
escola de classes multisseriada, mediadas
pela imagem fotográfica.
O estudo buscou fundamentar-se na
premissa de que o passado integra o tempo
presente, ressignificando-o em direção a
um tempo futuro (Ciavatta, 2010).
Contudo, o elo entre imagem, memória e
história muitas vezes não se faz presente
no cotidiano das escolas, uma vez que as
escolas carecem de fontes documentais,
como fotografias e outros registros
históricos. Conforme Ciavatta (2010, p.
16), além da carência de registros, nas
escolas, a predominância da cultura oral.
A carência de tempo, espaço, de
recursos financeiros e humanos
especializados para o trabalho de
arquivo e também a tradição das
gerações sem história própria, de
uma sociedade colonizada e
autoritária, nos subtraíram o gesto e o
cultivo pela memória.
Nas escolas de classes
multisseriadas, esse problema é ainda
maior, devido ao constante ir e vir de
professores não residentes na comunidade
e às trocas de docentes a cada ano. Isso faz
com que muitas escolas careçam de
registros de seu passado, principalmente de
fotografias, e quando as têm, essas estão
nas mãos de professores que mantém em
sua guarda. Dessa forma, não a
continuidade dos registros, com história
documentada em fontes materiais sobre as
escolas. Sem uma memória documentada,
as escolas multisseriadas perdem suas
referências e identidades que justificam sua
existência e permanência nos contextos
campesinos. A comunidade que não se
reconhece na escola afasta-se, enquanto
que aquela que cultiva suas memórias
intensifica seus vínculos com aquele
espaço, significando-o de diferentes
formas, conforme discutiremos à frente.
Essa constatação reforça nossa
hipótese sobre a importância das escolas
multisseriadas na comunidade escolar,
mediada pelas narrativas e imagens para o
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cultivo de memórias desses espaços.
Defendemos a ideia de que comunidades
com vínculo forte e comprometidas com as
lutas históricas pelas escolas do campo são
resistentes ao fechamento das escolas
multisseriadas. Assim, no presente artigo
destaca-se o papel dessas escolas no
contexto comunitário. Considerando o
tema deste estudo, discorreremos a seguir
sobre as bases históricas ligadas à gênese
das escolas multisseriadas no Brasil.
Sobre as escolas multisseriadas
A educação escolar no Brasil,
historicamente foi negada aos filhos dos
trabalhadores, sejam do campo ou da
cidade. Como herança dos primeiros
modelos de educação implantados no país,
traz as marcas de uma sociedade colonial e
escravocrata, onde as oportunidades nunca
foram iguais para todos. As primeiras
iniciativas educacionais no Brasil foram
introduzidas nos tempos da colônia pelos
padres que percorriam aldeias e
promoviam a catequização dos índios.
Ferri (1994, p. 28) destaca que “durante os
anos de 1500 a 1759 quase três séculos
os jesuítas foram os únicos a manter as
pouquíssimas oportunidades escolares
existentes, não atingindo mais de três mil
alunos, divididos entre o aldeamento dos
índios e ‘colégios para os colonos”.
A proposta educacional dos jesuítas
consistia de práticas de pregação e
alfabetização dos indígenas, ensino de
artes e ofícios para os indígenas e africanos
escravizados e ensino de gramática latina
para os filhos dos colonizadores brancos,
podendo ainda, os destinados a esta área,
serem mais tarde encaminhados ao ensino
superior na Europa. Apoiados pela Coroa
portuguesa, os jesuítas construíram vários
colégios ao longo do território nacional
que constituíam a base administrativa das
atividades dos religiosos e foram as
primeiras referências de sociabilidade da
civilização cristã, consolidando assim um
sistema de ensino destinado à elite colonial
(Veiga, 2007).
Os jesuítas permaneceram no Brasil
e mantiveram predomínio na oferta de
educação até 1759, quando foram expulsos
pelo Marques de Pombal. Os colégios
jesuítas foram fechados e foram
introduzidas as aulas gias mantidas pela
Coroa. O intento iluminista das mudanças
visava libertar a educação do monopólio
dos jesuítas, cujo ensino se mantinha preso
a Aristóteles e avesso aos métodos
modernos de fazer ciência e situar Portugal
e suas colônias rumo ao desenvolvimento,
partilhando com os demais países europeus
as transformações econômicas, políticas e
culturais originadas a partir do Iluminismo
(Saviani, 2013).
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No Brasil, a criação das aulas régias
deu-se em ritmo lento, pela falta de
recursos financeiros, o que ocasionava no
atraso na contratação de professores, atraso
no pagamento dos salários e ausência de
livros didáticos. Conforme Saviani (2013),
as aulas régias foram se estendendo no
Brasil, embora enfrentando condições
precárias, funcionavam em regra na casa
dos próprios professores.
Assim, surge o ensino multisseriado
no Brasil, tendo sua origem nas primeiras
iniciativas de escolas no período colonial,
as escolas de primeiras letras, ou as
“escolas de improviso”, denominação dada
por Faria Filho e Vidal (2000). Nessas
escolas, o professor era contratado pelo
governo e o funcionamento se dava em
locais improvisados ou alugados. Havia
também as escolas domésticas ou
particulares organizadas em residências,
com professores contratados por um grupo
de famílias de um determinado local.
Essa forma de organização do ensino
permaneceu também durante o período
colonial e tomou força com a implantação
do método mútuo em 1827. O método
mútuo, amplamente utilizado na Europa,
foi difundido como uma grande inovação
educacional, que tornaria o ensino mais
eficiente, rápido e menos dispendioso. O
método possibilitava, segundo seus
defensores, que um único professor
ministrasse aulas para dezenas ou centenas
de alunos de diferentes níveis e idades,
contando com a ajuda de alunos-monitores
(Faria Filho & Vidal, 2000).
Com a implantação da República,
disseminou-se o modelo de grupo escolar.
Conforme analisado por Shueler e Magaldi
(2009), a partir do modelo da escola
primária experimental paulista, foram
instalados grupos escolares em diversas
cidades de diferentes estados do país.
Adotando uma arquitetura monumental e o
modelo de ensino seriado, esses
estabelecimentos de ensino eram
considerados, pelos reformadores, como
superior à das escolas unitárias (escolas
isoladas)
i
, o que lhes conferia visibilidade
pública e prestígio social, consolidando o
ideal de escola pública elementar,
assumindo a posição de escola de verdade.
Contudo, em várias localidades do país,
devido aos altos custos de implantação dos
grupos escolares, esse modelo de escola
conviveu no primeiro período republicano
com antigas formas e práticas de
escolarização, herdadas dos oitocentos,
como as escolas isoladas e multisseriadas,
e a educação familiar e doméstica, assim
também o modelo de escolas reunidas
ii
,
que assumiu uma configuração mais
complexa para adaptar-se ao novo sistema,
porém mantendo a multisseriação.
Locatelli (2012) observa que, no
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Espírito Santo, a instalação dos grupos
escolares entre os anos de 1908 a 1930, foi
associada a uma pretendida modernização
dos espaços urbanos. Nessa lógica, a
instalação dos grupos escolares foi possível
em determinados municípios com práticas
históricas de mobilização política acerca da
implantação da República e pelo prestígio
de suas economias voltadas para a
produção cafeeira. Dessa forma, a
implantação dos grupos escolares foi
determinada por práticas de interesses
restritos, como símbolo do moderno que as
cidades buscavam, compreendendo
também os novos espaços e tempos
escolares, do que “o desenvolvimento e a
expansão do conjunto de inovações do
ensino que se encontrava em curso, haja
vista o número reduzido destas escolas
implantadas e o tímido investimento feito
na construção da maioria” (Locatelli, 2012,
p. 200).
Conforme a autora, na Lei 545/1909,
que tratava da instrução pública no Estado
do Espírito Santo, as escolas eram
localizadas por entrâncias, cujo termo
designava as sedes onde as escolas
estavam localizadas: primeira entrância:
escolas urbanas do município da Capital;
segunda entrância: escolas situadas num
raio de 6 km do centro da Capital, das
cidades de Cachoeiro de Itapemirim, Porto
do Cachoeiro, São Mateus e Espírito
Santo; terceira entrância: escolas das sedes
dos outros municípios e das povoações que
tivessem sido sede de municípios e; quarta
entrância: as demais escolas (Locatelli,
2012).
A tentativa do governo estadual de
modernizar o ensino capixaba pela
disposição de uma nova configuração da
arquitetura escolar no período, de acordo
com Locatelli (2012), concorreu com a
necessária criação e funcionamento das
escolas isoladas no Estado. Mesmo com os
avanços empreendidos na implantação dos
grupos escolares capixabas, nos anos de
1940, havia predominância das escolas
isoladas (92,41%) com relação aos grupos
escolares. Dessa forma, tanto pela
localidade onde os grupos escolares
puderam ser instalados, quanto à origem
social e o número de alunos que puderam
se beneficiar das novas orientações
pedagógicas proclamadas, o atendimento
em grupo escolar ficou restrito a um
pequeno grupo político e social que pode
comandar e usufruir da infraestrutura
instalada no período.
Os grupos escolares trouxeram duas
novidades: uma arquitetura própria,
especialmente edificada para fins de
escolarização e a difusão de um modelo de
ensino pautado na racionalização do tempo
e do espaço escolar, com controle do
conteúdo e da aprendizagem através da
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implantação de um sistema de avaliação.
Outro aspecto introduzido é a classificação
dos alunos pelo nível de conhecimento em
agrupamentos supostamente homogêneos.
Para Saviani (2013, p. 175), o
significado pedagógico da implantação dos
grupos escolares foi que se a
homogeneização do ensino possibilitava
um melhor rendimento escolar, por outro
lado, essa forma de organização conduzia
aos mais refinados mecanismos de seleção,
com altos padrões de exigência escolar,
determinando aumento da reprovação
escolar nas primeiras séries; “no fundo era
uma escola mais eficiente para o objetivo
de seleção e formação das elites”. A cultura
escolar elaborada a partir do modelo dos
grupos escolares atravessou o século XX,
constituindo-se como referência do modelo
de escola que temos hoje, seriação das
classes, utilização racionada do tempo
escolar, controle sistemático do trabalho
dos professores, e “é nesse com esse caldo
de cultura que ainda hoje se elaboram as
reflexões pedagógicas, mesmo aquelas que
se apresentam, mais uma vez de costas
para o passado e antecipadoras de um
futuro grandioso” (Faria Filho & Vidal,
2000, p. 27).
Neste contexto, as escolas de classes
multisseriadas ainda hoje se apresentam
como alternativa de escolarização dos
filhos de trabalhadores do campo e são, em
grande parte, espaços de resistência ao
modelo desenvolvimentista também
direcionado ao campo. Estão fortemente
relacionadas às comunidades de
agricultores familiares que resistem ao
fechamento dessas. Contudo, a projeção
de ações futuras para a educação do campo
necessita revisitar o passado e discutir que
papeis a escola de classes multisseriadas
desempenha na comunidade e como esta
significa e ressignifica seu espaço. Neste
sentido, o texto que segue, busca analisar
através da imagem como mediação
(Ciavatta, 2002, 2008, 2009), o papel
histórico dessas escolas em contexto
campesino.
A imagem fotográfica como mediação de
processos históricos: o caso da escola de
classes multisseriadas em Santa Maria
de Jetibá
A realidade dos fenômenos sociais
não se revela de forma imediata, mas de
forma fetichizada pelo mundo das
aparências (Kosik, 1976). Sendo assim, a
fotografia não se esgota na mensagem
imediata, porque silenciosamente ela
guarda um mundo que precisa ser revelado.
Buscamos então, a partir de uma imagem,
estabelecer as conexões temporais que
determinam nosso objeto de estudo: as
escolas multisseriadas em comunidades de
cultura pomerana.
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Além disso, as imagens fotográficas
são o ponto de partida para a memória,
sintetizando o sentimento de pertencimento
a um grupo, a um lugar, a um passado.
Nesse sentido, a fotografia, junto com
outras fontes compõe a textualidade de
uma época. Assim, por meio da
apresentação da imagem fotográfica da
inauguração da primeira sala de aula da
Escola Singular Fazenda Borchardt em
momentos de entrevistas e roda de
conversa com os sujeitos da pesquisa,
procuramos compreender os processos
históricos relacionados às escolas
multisseriadas nas comunidades pomeranas
em Santa Maria de Jetibá-ES.
Imagem 1 - Inauguração da Escola Singular Fazenda Borchardt, em 13 de outubro de 1959.
Fonte: acervo da professora D.G.H. / fotografia 17 cm x 23 cm, em preto e branco, produzida pelo Serviço de
Cinema, Rádio e Teatro da Secretaria da Educação e Cultura do Estado do Espírito Santo.
Crianças em numa sala em meio a
bancos, tábuas e caixotes de madeira. Os
meninos vestem camisas brancas e
bermudas até o joelho. Três meninas
aparecem na fotografia, vestindo blusas
brancas e saias franzidas. A maioria usa
uma gravatinha com uma ou duas listas,
exceto o menininho que está no banco da
frente com suspensório em xis e de outro
no banco de trás. Os meninos maiores
usam cintos e todos aparecem descalços.
Ao fundo aparecem homens bem vestidos
e um deles com gravata. Pela porta
aparecem homens, a maioria de chapéu,
que parecem querer observar o que está
acontecendo no interior da sala. Nas
paredes brancas da sala, um cartaz com
uma gravura tem o título “A primavera
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chegou”.
A cena congelada na imagem é a
cerimônia de inauguração, em 1959, da
Emuef João Germano Guilherme
Borchardt, na época denominada Escola
Singular Fazenda Borchardt. Esta escola,
assim como outras criadas neste período,
tinha o objetivo de proporcionar o ensino
na língua portuguesa, substituindo o ensino
em alemão promovido pelas escolas
comunitárias, que até o final da década de
1930 eram a única alternativa de educação
oferecida na região, tendo grande
participação da comunidade e forte
influência da Igreja Luterana. Com o
fechamento das escolas comunitárias no
período da nacionalização do ensino e a
criação de escolas pelo governo não
atendeu às necessidades das comunidades.
A maior parte da população do município
ficou sem estudar. As poucas escolas
ficavam muitos distantes.
No caso da comunidade de Jequitibá,
em Caramuru, apenas alguns alunos
frequentavam a escola de Rio das Pedras,
percorrendo uma distância de mais de 6
km. A filha do Sr. João Borchardt era uma
dessas crianças, motivo pelo qual, seu pai e
outras famílias se empenharam na criação
dessa escola. Em reunião com a
comunidade, o tema foi aprovado, e a
escola foi construída, em regime de
mutirão, por Emílio Holz, Augusto
Treichel e Emílio Knaak no terreno doado
por João Borchardt, com apoio de
deputado estadual, Francisco Schwarz,
filho da região de Caramuru. Foi indicada
como professora a jovem D.G.H. A escola
iniciou as atividades no dia 29 de agosto de
1958, com matrícula de quarenta e dois
alunos, vinte e um meninos e vinte e uma
meninas.
No período de criação, a escola foi
chamada de Escola Singular Fazenda
Borchardt. Singular, era a denominação
dada às escolas de apenas uma sala e
Fazenda Borchardt, como homenagem ao
líder comunitário e doador do terreno João
Guilherme Germano Borchardt. A
denominação “fazenda” para as escolas
rurais desconsiderava a característica do
sistema de pequenas propriedades de
agricultura familiar, dos territórios de
imigração. O relato da primeira professora
D.G.H. também evidencia os objetivos da
criação da escola na comunidade:
A escola nasceu do desejo do casal de
agricultores pomeranos João
Borchardt e sua esposa Laura
Hartwig de ter uma escola de ensino
público em língua portuguesa, pois
na época existia na comunidade o
ensino em alemão aplicado pelos
pastores (Professora D.G.H., 2015).
A criação da escola Emuef João
Guilherme Germano Borchardt, assim
como as outras escolas criadas no período,
conformava um modelo de educação
Delboni, J. H. B., & Foerste, G. M. S. (2018). Escolas com classes multisseriadas no município de Santa Maria de Jetibá-ES:
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voltado à integração do povo à nação.
Especialmente, a partir do governo Vargas,
intensificou-se o controle do Estado sobre
as escolas, pois era necessário organizá-las
de acordo com os interesses republicanos,
como maior domínio estatal. A
inauguração da escola foi um
acontecimento histórico na comunidade,
organizado pela comitiva governamental.
Conforme o relato da professora, a
comunidade ficou admirada com o cinema
trazido pela comitiva do governo estadual:
A caravana trouxe para a festa um
filme, através do interventor que
admirou toda a comunidade presente,
por nunca o terem apreciado. Isso
foi possível porque na propriedade do
Sr. João havia energia privativa,
movida pela corrente de água que
Deus forneceu e o homem soube
utilizar (Professora D.G.H., 2015).
A fotografia deixa-nos ver e ao
mesmo tempo esconde situações que
apenas os sujeitos e suas narrativas
revelam, em num jogo de claro e escuro,
aparência e essência. Ao analisar uma
fotografia, é preciso fazer a arqueologia do
material e ir além do aparente (Kosik,
1976). A fotografia da inauguração da
Emuef João Guilherme Germano
Borchardt projeta o modelo de escola
apregoado pelos republicanos, a criação da
identidade nacional e a homogeneização
cultural e linguística. A presença das
autoridades na fotografia reflete o domínio
ideológico que se queria ter sobre as
populações étnicas, para implantar o
nacionalismo. A fotografia projeta também
o modelo da escola republicana nas
crianças uniformizadas, na separação de
meninos e meninas em lados diferentes da
sala, nas crianças penteadas e em posição
de respeito para cantar o hino, mas não
conseguem esconder a origem humilde dos
imigrantes pomeranos com seus pés
descalços e o descaso com a escola rural,
funcionando com caixotes improvisados
para servir de carteiras. “Em 13 de outubro
de 1959 foi inaugurada a sala comunitária.
Alguns alunos com listinhas nas
gravatas que na época era o orgulho do
uniforme: masculino, calça azul e camisa
branca e feminino, saia vermelha
pregueada e blusa branca” (professora
D.G.H, 2015).
Tentamos descongelar a cena,
penetrar além da superfície do papel
fotográfico e fomos atraídos pelo olhar do
menininho de suspensório. Conforme nos
disseram os integrantes da roda de
conversa, este menininho não tinha a idade
para a matrícula e por isso não ostentava a
gravatinha, mas frequentava a escola.
Grande era o anseio pela escola que
demorou a chegar. Os alunos da fotografia
se situam nas várias idades da infância,
alguns quase adolescentes, mas todos no
primeiro e segundo ano, conforme as
listinhas nas gravatinhas do uniforme, que
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serviam para indicar o ano em que os
alunos estavam. Alguns haviam cursado
o primeiro ano em outra escola distante,
mas a maioria nunca havia estudado.
Para os ex-alunos da escola, esta
fotografia provoca emoções de satisfação,
de boas lembranças do tempo de criança,
expressas nos risos e burburinhos. Dona
S.P., que fala em pomerano, fez o
seguinte relato, traduzido por E.G.,
servente da escola.
No dia da prova, a professora trazia
um potinho de tinta e cada criança ia
e molhava a ponta da caneta, era
uma caneta diferente. Então aquele
dia era um dia especial, porque só
naquele dia as crianças escreviam de
caneta (registros de pesquisa a partir
da Roda de Conversa).
Para S.B.U e G.B., profissionais que
atuaram no acompanhamento das escolas
rurais, a fotografia remete a um tempo
“muito difícil”, onde implantar o ensino
público implicava em primeiro lugar em
manter as escolas abertas, uma vez que não
havia professores e em segundo lugar, o
convencimento dos pais sobre a educação
dos filhos. Dona S.B.U., foi a primeira
professora pomerana com habilitação a
atuar nas escolas do município. Primeiro
como professora da Escola Vítor Ponath
em Alto São Sebastião e depois como
diretora da escola Graça Aranha, onde
exercia também a função de delegada de
ensino
iii
e supervisora, o que incluía o
acompanhamento das escolas do interior,
função assumida mais tarde pela sobrinha
G.B.
Foi muito difícil porque a gente não
tinha professor do local, todos
vinham de fora, de Vitória, de
Itarana, de Santa Teresa. De todos os
lugares onde tinha alguém, a gente
catava e botava nessas escolas, que
era a época de Maria Alice, Sueli,
essa turma toda. A Sueli, por
exemplo, veio de Vitória, a Maria
Alice do Guilherme, ela veio de
Santa Teresa. Por isso ela sempre diz,
eu devo muito meu casamento a
você. E eu botei ela no Garrafão,
ela conheceu o marido dela e acabou
casando, Sueli foi a mesma coisa,
conheceu o Ademar (S.B.U., 2015).
A frequência dos professores também
era um problema. Não havia estradas, o
que dificultava o acesso às escolas
interferindo no cumprimento do calendário
escolar.
Então pra essas professoras virem de
Vitória, nem estrada daqui pra Santa
Leopoldina tinha, nem estrada de
Santa Leopoldina pra Vitória tinha.
Então pra vir elas tinham que pegar
caminhão de verdura que eram raros,
vinham de Vitória, então a gente
tinha conhecimento com esses
motoristas, não tinha tantos
moradores, e que deixavam a
professora na escola. E a professora
ficava nessa família, então. E quando
a professora vinha na segunda-feira,
não dava pra ela trabalhar e fim
de semana, ela queria passar com a
família, porque na comunidade, pra
quem era de lugar mais evoluído, era
triste ficar na comunidade. Primeiro
por causa da língua, que não sabiam
falar, o pomerano e, naquela época,
falavam praticamente o pomerano,
muito, muito difícil. Hoje em dia,
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ninguém mais faria isso, não. Aí, elas
queriam ir pra casa delas no fim de
semana, algumas porque eram
casadas, tinham deixado os filhos...
Outras, quando o proprietário da
escola passava a gostar do trabalho
delas, arranjava até um local pra ela
fazer a casinha e passar a morar na
comunidade, melhorava (S. B. U.,
2015).
Com o passar do tempo intensificou-
se a resistência dos pais à escolarização
dos filhos, pois não aceitavam a rígida
proibição da ngua pomerana, imposta
desde o governo nacionalista de Vargas. A
proibição da língua foi traumática na
organização social e comunitária do povo
pomerano, interferindo no processo de
escolarização até os dias atuais.
Eles não gostavam de mandar pra
escola porque tinham receio dos
brasileiros. Eu lembro que logo que
comecei eles falavam assim: e se os
brasileiros vierem e mandarem a
gente embora daqui. Porque houve
uma época, eu não sei nos anos 30,
40, em que o governo proibiu os
pomeranos de se comunicarem.
Depois da guerra de 1945, veio uma
notícia de que os brasileiros iriam
invadir as colônias alemãs. Eu não
sei qual o propósito final, eu não sei.
Eu entendia sempre da mamãe que
era pra amedrontar as pessoas. Então
a gente viveu assim muito... O
pomerano se isolou muito justamente
porque tinha medo dos brasileiros.
Eu tive muito medo dos brasileiros.
As professoras também não sabiam.
Hoje não, hoje muitos professores
falam pomerano na escola. Há esse
contato mais familiar. Antes não. Os
professores vinham de Vitória, de
Santa Leopoldina e se comunicavam
na língua nacional (G. B., 2015).
Outro fator que interferia na
frequência era à distância. Havia poucas
escolas e os pais não mandavam os filhos
para a escola em função dela. Conforme
G.B., a região de Garrafão apresentava os
maiores problemas com relação à
frequência dos alunos e professores e por
isso eram priorizadas nas visitas de
supervisão. Onde não havia esses
problemas, as visitas eram raras, pois não
havia carro disponível para esse serviço e
era preciso alugar um jeep para chegar às
escolas.
Nesse período foram construídas
várias escolas no município. Em 1962, na
gestão do governador Carlos Lindenberg e
do prefeito Argeo Uliana, esposo de D. S.,
foi construído o novo prédio da Escola
Singular Fazenda Borchardt, também em
terreno doado pelo Sr. João Borchardt,
onde a escola funciona até os dias atuais.
Era comum à época, a doação de terreno
para construção de escolas, assim como a
doação dos pais de dias de serviço,
diminuindo os custos da construção, como
nos relatou Dona S.B.U.:
Na época a gente motivava a
comunidade a construir as escolas e
quando a gente conseguia o dinheiro
do estado pra construir, o povo se
reunia e construía e cuidava, porque
eu incentivava muito, eu dizia, olha
isso é patrimônio de vocês, isso é
da comunidade, quanto mais vocês
cuidarem, mais tempo vai aguentar e
os filhos de vocês vão poder usufruir
disso e graças a Deus eu consegui
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isso, em todas as escolas (S.B.U.,
2015).
Em 18 de março de 1963, no Diário
Oficial, pela Portaria 2.324, saiu à
nomeação e lotação da orientadora D.G.H.,
para exercer o cargo de docente de
emergência na Escola Singular Fazenda
Borchardt, permanecendo até o ano de
1966, quando se remove para a Escola
Singular Jetibá, hoje Escola Estadual de
Ensino Fundamental e Médio Frederico
Boldt.
Como mencionado, a falta de
professores era grande no campo. Os
professores recém-formados escolhiam as
escolas rurais apenas como um meio de
melhorar seus currículos para se
removerem e ocuparem definitivamente
espaços nas escolas das cidades. Dessa
forma, no período de 1967 a 1972, a
Escola Singular Fazenda Borchardt
recebeu professoras vindas de Vila Velha e
Vitória. As professoras enfrentavam muitas
dificuldades, vinham de ônibus e tinham
que andar a pé um trajeto de três horas para
chegar à comunidade, onde ficavam
durante a semana, hospedadas na casa da
família do Senhor João Borchardt. Além do
trajeto até a escola, essas professoras
enfrentavam a diferença cultural, que
muitas vezes era uma barreira que
dificultava a permanência das mesmas na
comunidade. Quanto à primeira, S.M.S, a
professora D.G.H. relata: S.M.S sofreu
muito, era discriminada pela comunidade
por não entender o pomerano, era negra e
obesa. Era uma pessoa meiga e não se
importava com as gozações, gostava muito
dos pomeranos e trabalhou três anos na
comunidade” (relato escrito sobre a
história da escola).
A segunda delas, S. S.V., no relato da
professora D.G.H., não se dava muito bem
no local, porque não fazia amizade com as
pessoas. Ela faltava muito e mesmo assim
permaneceu como professora da escola por
vários anos. Em 1973 ela não retornou e a
escola ficou fechada até abril por falta de
professor. Frente a este fato, o Sr. João
Borchardt tomou as providências e indicou
sua filha M.B.T. para dar aulas até o final
do ano. No ano seguinte, assumiu a escola,
a professora A.K, de Santa Leopoldina,
que, em meio a várias substituições,
permaneceu até 1976. Em 1977, a escola
ficou fechada até agosto, por falta de
professor e novamente a professora M.B.T.
assumiu a escola, desta vez, permanecendo
até sua aposentadoria.
Tudo era muito difícil, sempre houve
um número de alunos elevado, classe
multisseriada, não havia servente, a
merenda e a faxina eram feitas pela
professora. O fogão era à lenha que
os alunos catavam pelo caminho. Por
muito tempo, a escola ficou sem água
encanada. Para beber pegavam da
casa do vizinho e para a faxina
buscavam a água do rio que passava
próximo à escola. Não havia energia
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elétrica na comunidade e o único
meio de comunicação era o rádio à
pilha (professora M.B.T., 2015).
A carência de professores era suprida
com a contratação de professores leigos,
que se habilitaram em serviço por meio de
convênio da Secretaria Municipal de
Educação com a Secretaria Estadual de
Educação do Espírito Santo, via Projeto de
Habilitação de Professores não Titulados
(Hapront), no qual as professoras D.G.H. e
M.B.T. ingressaram em 1978, concluindo
seus estudos em outubro de 1981.
Conforme relato da ex-secretária
municipal de educação Z.F.P., no ano de
1982 foram reabertas 23 escolas que
estavam fechadas por falta de professor.
Dessas, 22 eram localizadas no Distrito de
Santa Maria de Jetibá, sendo a maioria na
região de Garrafão, e apenas uma em Santa
Leopoldina. A abertura dessas escolas
foi possível devido ao convênio de
integração firmado entre Estado e
Prefeitura de Santa Leopoldina, desde
1980. Em 1982 o estado deu concurso e
nomeou professores concursados. Dessa
forma, muitas escolas receberam
professores concursados e contratados.
Nesse período, praticamente todas as
escolas eram estaduais, havendo apenas
duas escolas municipais.
E assim, nós reabrimos todas as 23
escolas, além dessas 23 escolas que
estavam com o ano letivo
incompleto, nós abrimos várias
outras escolas que estavam fechadas.
Umas estavam fechadas seis anos,
outras quatro anos, outras oito
anos... Então, todos os professores
que estavam dando aula e que não
eram habilitados foram fazer o
Hapront. que, na época, a
secretária pode colocar pra fazer o
Hapront quem já estava trabalhando e
não era habilitado. As demais escolas
continuaram fechadas, porque não
tinha professor habilitado. Em 1984,
com as aberturas de escolas o que nós
fizemos? Nós pegamos e colocamos
professores não habilitados e
começamos a dar curso de
capacitação e monitorava esses
professores através do serviço de
supervisão. Daí eu tive que contratar
mais supervisoras, porque na verdade
não tinha tanta supervisora formada
também (Z.F.P., 2015).
A professora M. guarda ainda alguns
materiais que eram elaborados pela
Secretaria de Educação para dar suporte ao
trabalho dos professores. São apostilas
reproduzidas em mimeógrafo, que eram o
recurso disponível na época para a
duplicação do material pedagógico e
correspondências para as escolas. As
apostilas eram baseadas no método de
alfabetização das cartilhas, organizadas por
famílias silábicas.
Eu guardei algum material. Talvez
você se lembre dessa cartilha: Festa
das Letras? (M. mostra uma apostila
de atividades, cuja capa reproduz a
capa da cartilha). Então, a gente teve
que se virar com isso. E às vezes a
gente não dava conta. Tinha os
alunos que não acompanhavam,
tinham dificuldade. Depois, mais
tarde, foi mudando as coisas, a gente
podia escolher o que trabalhar. Eu
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acho que isso foi muito válido. Isso
aqui não me ajudou muito. E depois
disso foi uma apostila que surgiu de
outro livro. Que começava pelo
“A”... E tem outra aqui que eu
também guardei. São coisinhas sem
significado. Era assim, mandado, e a
gente tinha que seguir obrigado.
Querendo ou não, a criança
entendendo ou não (professora
M.B.T, 2015).
Além das capacitações periódicas
previstas em calendário e coordenadas
pelas supervisoras, em 1985, o município
inicia o Projeto de Alfabetização,
implantado com a assessoria de uma
equipe de pesquisadores coordenada pela
professora Euzi Rodrigues Moraes, que
integrava o Centro de Educação da UFES.
O projeto foi desenvolvido de forma
experimental com um grupo de trinta
professores e depois estendido para todos
os professores do município. Tinha por
objetivo, problematizar as práticas
tradicionais de alfabetização, baseadas na
memorização e desenvolver práticas
inovadoras conforme os estudos da
Psicogênese da Língua Escrita.
Com o fim da assessoria da UFES, os
cursos de formação continuada
prosseguiram sob a organização da
Secretaria Municipal de Educação e
orientação das supervisoras que
ministravam os encontros. Foram
implantados os dias de estudo, que eram
momentos de leitura de textos, debates e
trocas de experiência e os Seminários de
Educação, com a participação de
pesquisadores de renome nacional. Os dias
de estudo baseavam-se nos princípios da
educação libertadora de Paulo Freire
(1987), procurando um ensino
contextualizado, através dos temas
geradores e os seminários debatiam
questões mais amplas, relacionadas à
linguagem, currículo e políticas públicas e
outros.
A professora M.B.T. acompanhou em
sua trajetória profissional essas mudanças,
que impactaram a formação de professores
e, portanto, o ensino nas escolas
multisseriadas.
que mais tarde, as coisas foram
mudando pra melhor. a gente fez
assim, mais capacitações, ganhamos
mais materiais, e o livro não deixou
de ser assim, material de apoio. A
gente foi misturando as coisas, usava
o que tinha nas capacitações e criava
muitas coisas. Eu fiz uma vez sobre
os animais. Quando começou aquela
história do macaco Muriqui. Você
lembra? Aí eu comecei fazer pesquisa
sobre animais, aquilo foi um sucesso.
surgiu poesias, músicas, textos,
surgiram fotos, muita coisa, muita
história, deve estar tudo se
ninguém jogou fora. tinha um
trabalho de curiosidades. E fomos
colocando numa apostila que ficou
grossa e deixei na escola
(professora M.B.T., 2015).
Outra mudança foi a habilitação para
os professores, antes oferecida no Curso de
Habilitação para o Magistério e que a partir
da Lei de Diretrizes e Bases (LDB)
9.394/1996, passou a ser oferecida através
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da licenciatura plena em pedagogia. A
partir daí todos os professores concluíram
o curso superior em faculdades regulares
em Colatina, Santa Teresa, ou o curso de
pedagogia na modalidade aberta e a
distância, implementado pela UFES em
2001, através do consórcio
interinstitucional nos Centros Regionais de
Educação Aberta e a Distância. Dessa
forma, em 2006, a professora M.B.T.
também pode concluir essa graduação e,
em 2008, aposentou-se, com mais de 32
anos de serviço na mesma comunidade.
Nesse período quadro de professores
do município passa a integrar um grande
número de professoras de origem
pomerana, que morando na comunidade,
dão um incremento ao ensino dentro da
cultura pomerana, principalmente por
serem falantes e poderem comunicar-se
com os alunos na língua materna. O
município implanta em 2005 o Programa
de Educação Escolar Pomerana, que tem
como objetivo valorizar e fortalecer a
cultura e a língua oral e escrita pomerana.
Mesmo com iniciativas voltadas para
o fortalecimento das escolas do campo,
através de programas como o PROEPO,
Escola Ativa e Curso de Formação de
Professores do Campo, desenvolvido em
2006, em parceria com a Universidade
Federal do Espírito Santo, muitas escolas
multisseriadas sofrem as consequências
históricas da desvalorização da educação
no meio campesino, no que se refere às
condições objetivas de trabalho, estrutura
dos prédios e rotatividade de professores.
A memória como resistência à política
de nucleação de escolas
Esse estudo apropria-se do conceito
de memória como um processo vivo e
atual, em que a reconstrução do passado se
faz na revitalização do presente
(Halbwachs, 2006; Le Goff, 1992; Pollak,
1989, 1992). Desta maneira o passado não
se conserva, mas se reconstrói a partir do
presente. Essa característica da memória
foi recorrente em nosso estudo, uma vez
que nas memórias mediadas pela imagem
fotográfica, tornou-se constante nos
relatos, a preocupação com a escola:
Essa escola é uma herança. Minha
mãe estudou aqui, eu estudei aqui,
meu filho R. estuda aqui e minha
filha R., também pretendo mandar
ano que vem pra cá. Não penso em
colocar na escola estadual... Eu falei:
se Deus quiser, se a escola estiver
aberta ainda, eu vou querer que a R.
estude lá. Mas se num for, né?
Porque hoje em dia não pode nem
falar muito pra isso, porque eles
fazem justo o que eles querem (E.,
mãe do aluno).
O fechamento de escolas do campo,
preocupação manifesta nesse relato, é fruto
da política de nucleação que teve início a
partir das reformas produzidas no Ensino
Fundamental, notadamente na década de
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1990. Teve incremento com o processo de
municipalização, induzido a partir da LDB
9.394/1996, que estabelece diretrizes do
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
do ensino Fundamental, cujos recursos
para a manutenção do ensino ficam
vinculados ao número de matrículas da
rede municipal. Nesse contexto, os órgãos
municipais dirigentes foram para dar conta
do maior contingente de escolas, serviços e
programas assumidos. Também o Plano
Nacional de Educação de 2001 incentivava
a política de nucleação, quando defendia a
ampliação da oferta de quatro séries
regulares em substituição às classes
isoladas.
A escola rural requer um tratamento
diferenciado, pois a oferta de ensino
fundamental precisa chegar a todos
os recantos do País e a ampliação da
oferta de quatro séries regulares em
substituição às classes isoladas
unidocentes é meta a ser perseguida,
consideradas as peculiaridades
regionais e a sazonalidade (Lei n.
10.172, de 9 de janeiro de 2001).
Como reflexo dessas medidas
observa-se o avanço da política de
fechamento e nucleação de escolas, sob o
argumento de que as escolas multisseriadas
geram muitos gastos e carecem de
estrutura e qualidade, e, por isso, é melhor
transportar os alunos para escolas maiores
em que melhores condições e estrutura.
A política de nucleação está vinculada ao
transporte dos estudantes para escolas
localizadas em comunidades rurais mais
populosas, campo-campo ou para a sede
dos municípios, campo-cidade. Com isso,
investe-se muito dinheiro em transporte
escolar para levar as crianças para as
escolas maiores com características das
escolas urbanas, em tamanho, ensino
seriado, organização de tempos e espaços
que em nada lembram a simplicidade das
pequenas escolas, sobretudo pelos
problemas sociais típicos do meio urbano,
como drogas e outros. Sobre isso, Munarin
(2006, p. 24) assim se expressa:
A política de transporte escolar...
bem como a política de nucleação
das escolas isoladas no campo
brasileiro, acabou por gerar uma
situação de estímulo ao fechamento
de escolas do campo. Em
consequência, crianças são
submetidas a longas horas diárias de
transporte cansativo e inadequado, ao
mesmo tempo que passam a receber
escolarização totalmente
descontextualizadas.
Dados do Censo Escolar denunciam
que, entre 2000 e 2009, foram fechados
mais de 34 mil estabelecimentos de ensino
no campo, em decorrência dessa política de
nucleação. Em Santa Maria de Jetibá,
município onde essa pesquisa está sendo
desenvolvida, embora tendo havido
extinção de seis escolas no período de
2013 até o momento atual, essas escolas
resistem a essas políticas, como é o caso da
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Emuef João Guilherme Germano
Borchardt.
O funcionamento do transporte
escolar na região, iniciado na década de
1990 para atender aos alunos de a e
posteriormente aos alunos da Educação
Infantil, trouxe impacto no funcionamento
da escola multisseriada. A Emuef João
Guilherme Germano Borchardt escola, que
naquele período tinha alunos suficientes
para funcionar com duas turmas, sentiu,
ano após ano, a diminuição dos alunos, que
se transferiam para a Escola Estadual de
Ensino Fundamental e Médio Frederico
Boldt, pela possibilidade de uso do
transporte escolar.
A comunidade de Caramuru assistiu
às mudanças chegando repentinamente. A
implantação de um campus do Instituto
Federal do Espírito Santo e o asfaltamento
da estrada são exemplos do “progresso”
que ali chegou. A vila cresce e aos poucos
ganha ares de cidade, nos modos de viver e
produzir. É o “lugar do social na passagem
do rural para o urbano: ela é uma lenta
conquista da cidade sobre o bairro”
(Brandão, 1990, p. 11).
As mudanças impostas pelo processo
de industrialização alteram profundamente
as relações sociais, políticas e econômicas
no campo. O meio campesino sofre hoje
com a falta de estrutura que propicie ao
pequeno agricultor viver apenas da
agricultura familiar. Na comunidade de
Caramuru, muitas famílias dividem o
trabalho na roça com outra atividade
assalariada na vila para garantir a
permanência no campo. E assim o campo
vai se adaptando à dinâmica econômica, na
resistência da agricultura familiar, mas
cedendo aos poucos, espaço ao
agronegócio que tira do campo os filhos
dos agricultores para o trabalho nas
empresas.
A vila ganha ares de cidade também
em sua escola, grande, seriada, lotada. A
pequena escola rural, antes a principal da
comunidade, que reunia as famílias e era o
local do coletivo, das reuniões, da
vacinação, das festas, começa a
apresentar um contraste com a escola
grande da vila. Para muitos pais, a
qualidade está na escola grande da vila,
para outros, a escola da comunidade é a
melhor para seus filhos.
Aquela escola nem é tão velha. É
velha sim de história. Até o alicerce
da escola. Mas se aquela escola fosse
bem reformada, reformada não vou
dizer, mas uma pintura nela,
caprichar aquele terreiro, nó, aquilo
ia ser uma escolinha, ó. Podia ter
duas turmas. Podia ter uma de manhã
e uma de tarde. Mas é do jeito que eu
falei. Os pais daqui não valorizam
aquela escola. Muitos falam, ah!
Porque ali eles não aprendem, não sei
o que, mas eu prefiro mandar ali do
que na escola grande, que nem agora,
nós temos a festa lá do arraial. Eu me
empenhei eu e meu irmão Tiego, nós
fomos no comércio de Caramuru, nós
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conseguimos 11 prêmios. A gente
incentiva, mas enquanto outros não
dão valor (E., mãe do aluno).
As relações de cumplicidade e de
pertencimento ao ambiente que acontecem
na escola da comunidade não são
observadas na escola grande, que impõe
ritmos e burocracias, mais condizentes
com valores urbanos do que com valores
do campo. Uma vez que pertencer
significa “se reconhecer como integrante
de uma comunidade e é este sentimento
que faz com que possam defender as suas
ideias, recriar formas de convivência e
transmitir valores de geração a geração”
(Brasil, 2003, p. 27), entendemos que o
sentimento de pertença, fundamental na
formação da identidade do campo, é mais
favorecido na escola da comunidade.
E é esse sentimento que motiva um
grupo de pais a permanecerem com seus
filhos na escola da comunidade,
acreditando que ela é o melhor modelo de
educação para seus filhos. Contudo,
convivem com a constante ameaça do
fechamento da escola, uma vez que, devido
ao número reduzido de alunos, as escolas
multisseriadas são vistas como um mal
negócio dentro da administração pública.
Por outro lado, a negligência de
políticas públicas voltadas às escolas do
campo, principalmente para as escolas
multisseriadas, resulta em condições que
deixam a escola da comunidade condenada
à própria sorte, na dependência de fatores,
que somados, lhe darão a garantia de
funcionamento: número de alunos,
permanência do professor e estrutura
física. Dessa forma, a falta de
investimentos na educação produz formas
precarizadas de educação escolar,
contribuindo para uma imagem negativa
das escolas multisseriadas. Uma imagem
que não condiz com a memória da
professora M., quando a escola era um
espaço ocupado pela comunidade.
Antigamente a escola era tudo. O
professor era a principal personagem
da comunidade. Qualquer coisa,
qualquer dificuldade, quando
precisavam de um médico, iam atrás
da professora, porque ela falava
português, então levavam ela junto.
Porque as pessoas sozinhas não
sabiam se comunicar. A professora
era o ponto principal da comunidade.
E a escola também. Servia de posto
de saúde, vinha o médico fazer
consulta, vinha o pessoal fazer
vacina, o pessoal pra passar filme,
dar palestra. Todas essas coisas eram
na escola (Professora M.B.T., 2015).
Nesse sentido, o fechamento das
escolas multisseriadas do campo, contraria
o projeto de Educação do Campo
(Fernandes, 2006; Arroyo, 2006, 2010;
Hage & Barros, 2010; Caldart, 2011) que
defende a educação como um processo
histórico que se faz na concretude do
cotidiano escolar e nas relações
estabelecidas entre os sujeitos da escola e
as famílias da comunidade. Na afirmação
Delboni, J. H. B., & Foerste, G. M. S. (2018). Escolas com classes multisseriadas no município de Santa Maria de Jetibá-ES:
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de Arroyo (1999, p. 35) “a escola tem que
estar colada às raízes mais imediatas da
infância”, nesse caso, as escolas devem
estar na comunidade onde as crianças
vivem. Assim, para o autor, a criação de
escolas núcleo, distantes dos espaços de
vivência, é descolar a escola do que ela
pode ter de mais rico, as raízes do lugar em
que vivem.
Quanto a isso, o papel do lugar é
muito importante e assim dizia o mestre
Milton Santos (2003, p. 114), “o lugar não
é apenas um quadro de vida, mas um
espaço vivido, isto é, de experiência
sempre renovada, o que permite, ao mesmo
tempo, a reavaliação das heranças e a
indagação sobre o presente e o futuro”.
Destacamos assim, o papel das memórias
no fortalecimento do sentimento de
pertença e das identidades do campo, como
forma de resistência aos apelos do projeto
capitalista.
Considerações conclusivas
Essa investigação consistiu em
compreender os processos históricos
vividos pelos sujeitos na conquista da
escola do campo e os sentidos que lhes são
produzidos ao longo da sua presença na
comunidade. A partir das memórias
mediadas pela imagem fotográfica, foi
possível reconstruir processos históricos
ligados à constituição da escola
multisseriada na comunidade de cultura
pomerana e revelar o papel dos sujeitos
históricos na luta pela educação em seus
contextos.
Destacou-se nessa análise, a
participação das antigas professoras na
guarda dessas memórias. Essas professoras
foram, por muitos anos, os esteios sobre os
quais as crianças da comunidade
investigada foram introduzidas nas noções
básicas de ler, escrever e contar. Além da
guarda de fotografias, por meio de relatos,
elas mantêm vivas as lembranças das lutas
e conquistas pela escola do campo.
Essa constatação comprova que a
comunidade que cultiva suas memórias
intensifica seus vínculos com a escola, e
reforça a importância da memória como
fator de ressignificação das escolas com
classes multisseriadas na comunidade
escolar e da imagem fotográfica para o
cultivo da memória nesses espaços. Assim,
defendemos a ideia de que comunidades
com vínculo forte e comprometidas com as
lutas históricas pelas escolas do campo são
resistentes ao fechamento das escolas
multisseriadas.
Desse modo, ao recuperar suas
memórias, as escolas multisseriadas em
comunidades campesinas podem ser
importantes espaços de organização e
fortalecimento dos sujeitos que vivem e,
Delboni, J. H. B., & Foerste, G. M. S. (2018). Escolas com classes multisseriadas no município de Santa Maria de Jetibá-ES:
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conforme Milton Santos, contribuem para
fortalecer debates sobre território como
campo de resistência ao projeto capitalista
hegemônico. Nesse sentido, as escolas
multisseriadas representam uma possível
resposta dada pelas comunidades, em seus
territórios, à negligência de políticas
públicas, frente à necessidade de oferecer
escolas aos seus filhos. Hoje, são mantidas
pela força persuasiva da comunidade, por
meio do cultivo de suas memórias.
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i
Criadas, conforme a Lei 545/1909, mediante 45
alunos para cada sexo, em regiões de baixa
densidade demográfica. Funcionavam em regime
multisseriado, com um único professor (Locatelli,
2012).
ii
Formadas a partir do agrupamento de escolas
isoladas, em locais com média densidade
demográfica, como vilas e bairros. Nos locais com
maior densidade, como nas cidades, foram criados
os grupos escolares.
iii
Denominação do cargo de gestor da educação no
município, que, em Santa Maria de Jetibá, então
distrito de Santa Leopoldina, era exercido pelo
diretor da Escola Graça Aranha, também
responsável pelo acompanhamento das escolas da
zona rural do distrito.
Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 08/05/2018
Aprovado em: 06/09/2018
Publicado em:15/11 /2018
Received on May 5th, 2018
Accepted on September 06th, 2018
Published on November 15th, 2018
Contribuições no artigo: As autoras foram responsáveis
pela elaboração, análise e interpretação dos dados;
escrita e revisão do conteúdo do artigo, e aprovação
da versão final publicada.
Author Contributions: The authors were responsible for
the designing, delineating, analyzing and interpreting the
data, production of the manuscript, critical revision of the
content and approval of the final version published.
Conflitos de interesse: As autoras declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Juber Helena Baldotto Delboni
http://orcid.org/0000-0002-1616-4777
Gerda Margit Schütz Foerste
http://orcid.org/0000.0002-6040-5435
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Delboni, J. H. B., & Foerste, G. M. S. (2018). Escolas com
classes multisseriadas no município de Santa Maria de
Jetibá-ES: memórias na mediação fotográfica. Rev. Bras.
Educ. Camp., 3(3), 911-936. DOI:
http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-4863.2018v3n2p911
ABNT
DELBONI, J. H. B.; FOERSTE, G. M. S. Escolas com
classes multisseriadas no município de Santa Maria de
Jetibá-ES: memórias na mediação fotográfica. Rev. Bras.
Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 3, n. 3, set./dez., p. 911-
936, 2018. DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-
4863.2018v3n2p911