Revista Brasileira de Educação do Campo
The Brazilian Scientific Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-4863.2018v3n3p1084
Tocantinópolis
v. 3
n. 3
p. 1084-1104
set./dez.
2018
ISSN: 2525-4863
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Educação do Campo: uma proposta de formação de
professores para classes multisseriadas em formato de
roda
Flaviana Maria de Oliveira
1
, Roberto Gimenez
2
1
Universidade Cidade de São Paulo - UNICID. Programa de Pós-Graduação em Educação. Rua Cesário Galeno, 448. São
Paulo-SP. Brasil.
2
Universidade Cidade de São Paulo - UNICID.
Autor para correspondência/Author for correspondence: flaju13@yahoo.com.br
RESUMO. Este artigo apresenta um recorte da pesquisa de
mestrado profissional, da linha de Formação de Gestores
Educacionais, que estuda a educação do campo e a pluralidade
existente no contexto escolar, apresentando como produto de
intervenção uma proposta de formação continuada em formato
de roda de conversa acerca do tema: experiências pedagógicas
compartilhadas por professores atuantes em salas multisseriadas
no município de Eldorado/SP. Durante o processo de análise do
contexto escolar objeto deste trabalho, informações coletadas de
entrevistas realizadas junto a professores que atuam em salas
multisseriadas foram consideradas para a elaboração da proposta
de formação em roda como um espaço de partilha e colaboração,
o que, conforme pressuposto, potencializa a interação e o
diálogo. Por meio desta pesquisa, argumenta-se que a roda de
conversa como proposta para formação docente possibilita
aprender a registrar o planejamento e a ação dos procedimentos
da roda e a elaboração de diário, o que pode ser considerado
salutar para o desenvolvimento de propostas associadas às
demandas de inclusão típicas de escolas do campo.
Palavras-chave: Formação Continuada, Roda de Conversa,
Escola do Campo.
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Rural Education: a proposal of teacher training for
multisseries classes in wheel format
ABSTRACT. This article presents a section of the research of
professional masters, of the line of Formation of Educational
Managers, that studies the education of the countryside and the
plurality existing in the school context, presenting like product
of intervention a proposal of continuous formation in format of
wheel of conversation about of the theme: pedagogical
experiences shared by teachers working in multi-series rooms in
the municipality of Eldorado/SP. During the process of analysis
of the school context object of this work, information collected
from interviews with teachers who work in multi-series rooms
were considered for the elaboration of the proposal of training in
wheel as a space of sharing and collaboration, which, enhances
interaction and dialogue. Through this research, it is argued that
the talk wheel as a proposal for teacher training makes it
possible to learn to record the planning and action of wheel
procedures and the preparation of diary, which can be
considered salutary for the development of proposals associated
with inclusion demands typical of rural schools.
Keywords: Continuing Education, Talk Wheel, Rural School.
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Educación del Campo: una propuesta de formación de
profesores para clases multiserias en formato de rueda
RESUMEN. Este artículo presenta una sección de la
investigación de maestros profesionales, de la línea de
Formación de Gestores Educativos, que estudia la educación del
campo y la pluralidad existente en el contexto escolar,
presentando como producto de intervención una propuesta de
formación continua en formato de Rueda de conversación sobre
el tema: experiencias pedagógicas compartidas por docentes que
trabajan en salas de varias series en el municipio de
Eldorado/SP. Durante el proceso de análisis del contexto escolar
objeto de este trabajo, se consideró la información recabada a
partir de entrevistas con docentes que trabajan en salas de series
múltiples para la elaboración de la propuesta de capacitación en
rueda como espacio de intercambio y colaboración, lo cual,
potencia interacción y diálogo. A través de esta investigación, se
argumenta que la rueda de prensa como propuesta de formación
docente permite aprender a registrar la planificación y la acción
de los procedimientos de rueda y la preparación de diario, lo que
puede considerarse saludable para el desarrollo de propuestas
asociadas a la inclusión demandas típicas de las escuelas rurales.
Palabras clave: Formación Continuada, Rueda de
Conversación, Escuela del campo.
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Introdução
Reconhecidamente, prevalece o
entendimento de que o diálogo é
fundamental nos processos de formação do
corpo docente, sobretudo em se tratando
do desenvolvimento de propostas
orientadas à inclusão social (Damiani,
2008).
No presente artigo, é abordada uma
proposta de formação de professores da
educação do campo em um processo
particular: a roda de formação. Segundo
Albuquerque e Galiazzi (2011, p. 388),
As Rodas de Formação se destacam
pela qualidade das partilhas entre os
participantes. Nessa Roda, todos têm
algo a ouvir e algo a dizer. Essa
configuração, com o objetivo de
formar-se formando, nos mostra a
possibilidade de construção de um
espaço em que as aprendizagens se
constroem por meio da relação entre
os sujeitos.
Ainda de acordo com as autoras
(2011, p. 388): “Quando se organiza um
grupo de formação em Rodas, seja esse
constituído por alunos, professores em
formação ou professores em exercício, a
presença de diferentes pontos de vista
impulsiona as aprendizagens”. Nesse
cenário, há a possibilidade de contribuir
com o dia a dia escolar, quando os próprios
professores discutem, essa prática
enriquece o exercício docente.
Nessas condições, a possibilidade de
se promover a partilha de experiência
vivida, saberes e ideias encontradas
resultam na percepção de que as
dificuldades enfrentadas também são
presentes na prática de outros. Logo, esse
docente receberá incentivo e sugestões, ou
seja, possibilidades de construir
conhecimento a partir da reflexão coletiva
(Lima, 2011).
Ao se tratar sobre a educação do
campo, não é possível deixar de pensar em
princípios pedagógicos que compreendam
e colaborem com o sujeito do campo e sua
especificidade. Para isso, é preciso
implementar políticas públicas que
fortaleçam o campo e respeitem as
diversidades dessa população, para que
assim, não seja excluída a parcela
campesina que continua marginalizada em
relação aos seus direitos à educação.
O Brasil, historicamente, não
discutiu e pouco contribuiu na elaboração
de políticas públicas para a população
campesina. Por meio dos registros
históricos, é possível perceber o descaso
com que a educação do campo é tratada. O
estudo da trajetória da educação do campo
indica que muito que se fazer para
reparar a falta de políticas públicas que
contemplem o campo em suas
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especificidades. Em especial, documentos
oficiais apontam para a esta fragilidade ao
destacarem que
O modelo escravocrata utilizado por
Portugal para colonizar o
Brasil e, mais tarde, os adotados
pelos próprios brasileiros para a
colonização do interior do país de
exploração brutal pelos proprietários
de terra dos trabalhadores rurais, aos
quais eram sistematicamente negados
direitos sociais trabalhistas geraram
um forte preconceito em relação aos
povos que vivem e trabalham no
campo, bem como uma enorme
dívida social (INEP, 2007, p. 10).
Tendo essa problematização
embasada em documentos oficiais,
procurou-se, na sequência, refletir sobre
alguns aspectos que cercam a educação do
campo, como as classes multisseriadas
que, em geral, correspondem a uma
especificidade da educação do campo. A
seguir é apresentado o conceito de classes
multisseriadas proposto por Ximenes-
Rocha e Colares (2013, p. 93):
As classes multisseriadas
caracterizam-se por reunirem em um
mesmo espaço físico diferentes séries
que são gerenciadas por um mesmo
professor. São, na maioria das vezes,
a única opção de acesso de
moradores de comunidades rurais
(ribeirinhas, quilombolas) ao sistema
escolar. As classes multisseriadas
funcionam em escolas construídas
pelo poder público ou pelas próprias
comunidades, ou ainda em igrejas,
barracões comunitários, sedes de
clubes, casas dos professores entre
outros espaços menos adequados
para um efetivo processo de ensino-
aprendizagem.
Sendo assim, faz-se necessário um
olhar amplo de forma articulada que
considere essas classes multisseriadas, no
qual os direitos à educação dessa
população do campo com salas nessa
modalidade sejam caracterizados por
condições de acesso e permanência,
equivalentes, conforme preconiza a LDB
9394/96 em seu artigo 3º, inciso I
igualdade de condições para o acesso e a
permanência.
Outro aspecto a ser abordado no
texto, que nos levou a estudar a temática, é
a formação continuada. Ao estudarmos as
particularidades da educação do campo,
com o propósito de atender aos
apontamentos da pesquisa do mestrado
profissional, os resultados parciais nos
levaram a dedicar esforços à proposta de
formação continuada em formato de roda
de formação com a possibilidade de gerar
como produto um diário de formação em
roda.
Para ampliar esta discussão, nos
apoiamos em Mendes et. al. (2014), que
abordam, na perspectiva da inclusão
escolar, que a formação deve se basear em
princípios da indissociabilidade de teoria e
prática em um contexto de reflexão sobre a
vivência dos professores em sala de aula,
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com apoio técnico num processo de
formação colaborativo.
Assim, o desafio que se coloca é no
sentido de realmente se estabelecer
um trabalho colaborativo entre todos,
uma vez que os professores e demais
profissionais envolvidos, via de
regra, não possuem formação
específica para esse tipo de atuação.
Este é um desafio atual para a
Educação Especial: produzir
conhecimento voltado para a
formação e a prática dos
profissionais que atuam na escola, de
modo a aprimorar as respostas que
eles fornecem às diversidades dos
alunos (Mendes, Vilaronga &
Zerbato, 2014, p. 104).
Em especial, este pode ser
considerado um desafio, sobretudo ao se
considerar que os modelos de formação de
professores não têm atendido às suas
efetivas demandas dos contextos
profissionais (Gimenez & Silva, 2014).
Para esses autores, isto aconteceria em
razão dos currículos serem caracterizados
por grande fragmentação, falta de visão
sistêmica e partirem de uma concepção
linear, muito focada no conteúdo em
detrimento de se orientarem pela resolução
de problemas. Vale ressaltar que esta
condição corresponderia a um dos
principais fatores responsáveis pelo
abandono da carreira docente (Esteves,
1992; Lapo & Bueno, 2003; Chaves,
2014).
Assim, ao se levar em conta a
necessidade de se encontrar possibilidades
ao processo de formação, entende-se que o
emprego de propostas menos conteudistas
e mais centradas nos dilemas típicos dos
contextos de formação profissional dos
professores sejam interessantes (Wiske,
Gardner, Perkins & Perrone, 2009).
Sem sombra de dúvida, uma das
alternativas para fazer frente a esta
realidade corresponde ao desenvolvimento
de projetos para a formação de professores
que tragam a oportunidade de troca de
experiências relacionadas aos seus dilemas
profissionais. Este compartilhamento teria
como ponto de partida problemáticas
disparadoras de debate e desencadeadoras
de um pensamento complexo (Thurler,
2007). Neste caso, uma dos caminhos
corresponderia à formação em roda.
Lima (2011, p. 77) postula sobre a
formação em roda: O processo de
formação quando assumido em Rodas de
Formação se configura como um
espaço/tempo que pressupõe a
responsabilização de cada um pelo seu
processo formativo, sem desconsiderar o
Outro”. Nesse formato, a proposta se
adéqua ao formato de formação continuada
para os professores em sala multisseriada.
A fim de colaborar com o debate
sobre a pesquisa de educação do campo e
formação continuada, propiciando uma
reflexão a despeito da temática, educação
do campo e formação em roda, este estudo
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tomou como base aporte de alguns autores
como Caldart (2011), Arroyo (2011),
Molina (2008), Hage (2010), Freire (1987),
Albuquerque e Galiazzi (2011),
Warschauer (2001), entre outros que
contribuem para a compreensão da
educação do campo e a formação
continuada docente em roda.
Embora o foco do estudo não seja a
formação continuada dos professores, não
é possível deixar de destacar a importância
dela na prática pedagógica em sala de aula.
A formação continuada tem um papel
fundamental ao promover um momento em
que o docente reconstrói seu
conhecimento, tem a oportunidade de
problematizar, por meio de trocas de
experiências e repensar suas ões na
organização da ação pedagógica.
Traçado metodológico
A pesquisa aconteceu no município
de Eldorado, interior de São Paulo e
orientou-se por meio da abordagem
qualitativa, a qual é caracterizada pela
possibilidade de conhecer a realidade do
estudo. À vista disso, baseando-nos na
afirmação de Bicudo, consideramos que “a
busca é pela qualidade, tomada como já
dada e pertinente ao objeto. É como se a
qualidade fosse do objeto e se mostrasse
passível de ser observado”. (Bicudo, 2011,
p. 17).
A pesquisa participante foi utilizada
como meio de investigação no presente
estudo. Para Engel (2000), ela constitui um
instrumento ideal para relacionar o
pesquisador e a sua prática, visto que
“desenvolveu-se como resposta às
necessidades de implementação da teoria
educacional na prática da sala de aula.
Logo, ainda segundo Engel, “no ensino, a
pesquisa-ação tem por objeto de pesquisa
as ações humanas em situações que são
percebidas pelo professor como sendo
inaceitáveis sob certos aspectos, que são
suscetíveis de mudança e que, portanto,
exigem uma resposta prática” (Engel,
2000, p. 184).
Em face ao exposto,
fundamentalmente, a proposta para esta
pesquisa correspondeu à realização de um
estudo de caso qualitativo, a fim de que
pudessem ser observados e analisados os
possíveis aspectos referentes aos possíveis
impactos de um programa de formação em
roda. Foram sujeitos de pesquisa, seis
professores atuantes em salas
multisseriadas e levantadas informações
acerca do seu perfil, tais como, formação
continuada, mecanismos preferidos de
avaliação, bem como, suas práticas e
concepções pedagógicas.
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Após o levantamento das
informações, organizou-se um programa
de formação em roda, que foi organizado
em três momentos, cada qual com 1h e 40
minutos de duração. De modo geral, as
rodas de conversa tiveram como
disparadores a leitura de textos sobre salas
multisseriadas e suas alternativas, estudos
de caso, vídeos e dinâmicas de grupo. Em
seguida, aconteciam as trocas de
experiências dos docentes acerca dos
problemas levantados. Finalmente, os
resultados de todas as trocas foram
registrados num diário de bordo.
A proposta também envolveu a
produção de um diário sobre a formação de
professores, advindo do processo de
organização formativa em roda. Em
especial esta iniciativa partiu da
necessidade de se formalizar o registro
desse processo. O pressuposto foi o de que
uma roda de formação possibilitaria, a
partir da elaboração do diário pelos
próprios participantes, uma ação que
personificaria a roda de formação como
produto final de ação junto ao corpo
docente. De acordo com Warschauer
(2001, p. 185), “a escrita da própria
experiência é oportunidade com grande
potencial formativo, seja nos moldes de
diários, seja em textos narrativos das
experiências, sobretudo quando se trata de
estratégia coletiva de análise de práticas”.
Educação do campo: algumas
considerações
Ao discutirmos a educação do
campo, destacamos os avanços em termos
de reconhecimento legal, como as
Diretrizes Operacionais da Educação do
Campo, aprovadas pela resolução
CNE/CEB 1, de abril de 2002,
constituindo-se em um marco na educação
brasileira. Anteriormente, seu processo
educacional atendia a interesses de
empresas que exploravam o sujeito do
campo. Contudo, o referido documento
traz consigo reivindicações que muito
tempo eram solicitadas pela comunidade
do campo.
Pereira (2010), ao discutir qualidade
na educação, leva-nos a refletir sobre
dimensões pedagógicas, compromissos,
valorização profissional, adequação de
conteúdo à realidade, valorização de
experiência do aluno etc.; além de
dimensões físicas, como: recursos
disponíveis, manutenção, limpeza e
instalação, entre outros.
A questão também foi contemplada
na Resolução da Câmara de Educação
Básica do Conselho Nacional de Educação,
de julho de 2010, que define Diretrizes
Curriculares Nacionais de Educação
Básica. Em seus princípios, as diretrizes
sinalizam a educação do campo como
inerente à realidade do local na qual está
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inserida, vinculando as propostas
pedagógicas às suas diversidades, por
exemplo, diversidade cultural, de geração,
social, política, étnica e de gênero. Além
disso, pressupõem a elaboração de
políticas que respeitem as peculiaridades
do campo, reconhecendo sua necessidade
na construção do sujeito de direito que
habita o campo. Por exemplo, na
concepção de Magalhães (2011, p. 85),
Os sujeitos sociais que lutam pela
construção do paradigma da
Educação do Campo m se
desafiado a consolidar uma Educação
do Campo coletivamente com os
sujeitos do Campo. Educação que
tenha, nos princípios curriculares e
pedagógicos, a garantia de refletir e
incluir nas relações sociais, raciais e
culturais dos sujeitos do campo
direito a ter acesso a conhecimentos
selecionados pela cultura
hegemônica, entretanto, que não se
silencie diante de outros
conhecimentos que determinam o
modo de sobrevivência e resistência
da população do meio rural.
Sendo assim, o campo luta para que
sua educação seja consolidada e para que
tenha garantido, em seus princípios gerais,
o direito dessa população marginalizada,
por um sistema público com políticas que
se orientem pelos seus saberes e sua
cultura, não silenciando seus
conhecimentos e suas lutas. Pereira (2010)
nos leva a refletir que, a despeito de falta
de investimento nas escolas de campo, essa
é uma realidade viva. Conforme este
mesmo autor, por mais que se negue essa
educação, por meio de carências de
instalações, falta de recursos e currículos
inadequados, ela ainda sobrevive. Observa-
se que: “A educação, isoladamente, pode
não resolver os problemas do campo e da
sociedade, mas é um dos caminhos para a
promoção da inclusão social e do
desenvolvimento sustentável” (INEP,
2007, p. 19).
A educação desacompanhada de
outros elementos não muda a sociedade,
mas corresponde a um dos principais
mecanismos de transformação. A educação
aportada nos anseios da comunidade na
qual está inserida explicita os valores
desta, seus desejos, entre outras questões
que devem ser consideradas, pois são
fundamentais essas experiências na
concepção do campo como espaço social.
Conforme aponta o texto (INEP, 2007,
p.8):
É consenso que a análise e o
encaminhamento adequado das
demandas educacionais das
comunidades do campo passam
necessariamente pela reflexão e
entendimento do seu modo de vida,
dos seus interesses, das suas
necessidades de desenvolvimento e
dos seus valores específicos.
No ano de 1997, no Encontro
Nacional dos Educadores da Reforma
Agrária do MST, tendo o apoio da
UNICEF, UNESCO, entre outros, debateu-
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se acerca do processo que o campo estava
vivenciando e, também, da educação
oferecida a essa população, bem como as
articulações em movimento de formulação
e prática de outra educação para os
trabalhadores do campo, ligadas a um novo
modelo de desenvolvimento do campo
(Caldart, 2002).
Considerando a identidade cultural
local e o conceito de educação rural, o qual
não mais expressa os anseios dessa
comunidade que entende como parte de si
a cultura campesina, outra perspectiva é
incorporada, que de acordo com a nova
concepção, um novo olhar para a
população campesina, considerando todas
suas especificidades.
A expressão “do campo” é utilizada
para designar um espaço geográfico e
social que possui vida em si e
necessidades próprias, como “parte
do mundo e não aquilo que sobra
além das cidades”. O campo é
concebido enquanto espaço social
com vida, identidade cultural própria
e práticas compartilhadas,
socializadas por aqueles que ali
vivem (INEP, 2007, p. 8).
A expressão educação do campo, e
não educação rural proporciona novos
significados e, conforme utilizada nas
Diretrizes Operacionais para a Educação
Básica tem em sua concepção vários
aspectos do campo contemplados, como:
ribeirinhos, caiçaras, pecuária, espaços de
florestas, entre outros, que incorporam
vários significados próprios da produção e
condição humana de ações, além de
intervenções nesses espaços:
O campo, nesse sentido, mais do que
um perímetro não urbano, é um
campo de possibilidades que
dinamizam a ligação dos seres
humanos com a própria produção das
condições da existência social e com
as realizações da sociedade humana
(MEC, 2002, p. 237).
A educação do campo no contexto
educacional apresenta grande diversidade,
portanto as políticas públicas devem ser
formuladas considerando esta dimensão no
processo ensino-aprendizagem orientando
um projeto a partir de uma visão
emancipatória e de superação contra uma
educação instrumentalizadora (Arroyo,
Caldart & Molina, 2011).
Contudo, cumpre ressaltar que não é
possível dizer que a “educação rural” tenha
desaparecido, mas sim que ainda existe
com todas as suas mazelas e caminhamos
em direção a um movimento com caráter
relativamente inovador, de “educação do
campo”, o qual ainda se consolida em
passos lentos.
Além disso, os desafios enfrentados
pela educação do campo não são
substancialmente diferentes daqueles pela
educação em geral, uma vez que o
contexto educacional brasileiro ainda é
predominantemente empregado por uma
cultura hegemônica (Saviani, 2008),
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ancorada no poderio econômico e pautada
em princípios e diretrizes típicas de uma
comunidade branca, masculina e
privilegiada economicamente.
A realidade da sala multisseriada
De acordo com o Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (INEP, 2007), as salas
multisseriadas atendem alunos
matriculados em diferentes séries em uma
mesma sala de aula com único professor, o
qual deve respeitar cada série e nível de
escolaridade. Os docentes de classes
multisseriadas enfrentam dificuldades da
própria docência presentes nas salas
urbanas, porém em proporções maiores,
pois fazem intervenções pedagógicas em
uma sala com diferentes séries e faixas
etárias em um mesmo local e horário.
Conforme relatam Azevedo e
Queiroz (2010, p. 63), “Outro agravante
corresponde ao ambiente escolar, muitas
vezes improvisado atípico para um espaço
escolar que requer condições pedagógicas
adequadas ao processo ensino-
aprendizagem”. Ainda com base em
aspectos de carências nessas classes INEP
(2007, p. 25) apontam:
No entanto, o quadro atual revela as
dificuldades enfrentadas pelas
escolas multisseriadas. De um lado
está a precariedade da estrutura física
e, de outro, a falta de condições e a
sobrecarga de trabalho dos
professores, gerando alta rotatividade
desses profissionais, o que
possivelmente interfere no processo
de ensino/aprendizagem.
Considerando os apontamentos
acima, as escolas do campo e sua educação
heterogênea levam professores e gestores a
lidarem com o desafio de enfrentar uma
realidade carente de projetos que
incorporem suas especificidades.
Dessa forma, a gica de aprender
vai além da organização e deve ser
revisada. Essa particularidade do
município (salas multisseriadas) constitui
uma realidade que necessita de políticas
educacionais que compreendam a vida do
campo. A educação deve ser repensada,
pois os formatos adotados em escolas
urbanas seriadas não acompanham a
aprendizagem dos alunos com essa
diversidade. Além disso, lembra-nos
Arroyo (2010) que respeitar os processos
de aprendizagem por tempos humanos vai
além da lógica seriada multisseriada. Para
o autor, trata-se da Lógica do viver, do
aprender humano, do socializar-nos como
sujeitos culturais, intelectuais, éticos,
sociais, políticos, identitários.
Diante dos desafios descritos acima,
professores demonstram muitas
dificuldades em trabalhar com essa
diversidade característica das escolas de
campo, uma vez que enfrentam desafios
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similares aos apresentados em uma sala
urbana, mas em proporções maiores. Logo,
sua formação é colocada à prova. Para
Freire (1996, p. 92): “O professor que não
leve a sério sua formação, que não estude,
que não se esforce para estar à altura de
sua tarefa não tem força moral para
coordenar as atividades de sua classe”.
Esse pensamento vem ao encontro da
necessidade do professor de estar em
constante formação, isto é, um professor
atento à sua formação tem embasamento
para lidar com os desafios postos em sala
de aula.
Pensando nesta perspectiva,
Gimenez e Silva (2014) trazem para o
debate algumas considerações em torno de
princípios a serem considerados em
programas de formação docente, nos quais
indicam aspectos como reconhecimento de
saberes docentes, desenvolvimento de uma
prática reflexiva, promoção da
emancipação intelectual e formação
continuada focada na prática, com um
olhar voltado à profissionalização.
Entretanto, o professor em uma
escola do campo tem seu desafio
aumentado ao trabalhar em salas
multisseriadas. Para Janata e Hanhaia
(2015), uma classe multisseriada é a
organização de uma sala de alunos com
diferentes idades e tempos pedagógicos
(série/ano) agrupados sob a
responsabilidade de um único docente.
Segundo Santos e Moura (2016)
outro fator a ser observado em relação à
multisseriação, é a dificuldade na dinâmica
do fazer docente, pois as concepções que
influenciam a formação docente são
fortemente influenciadas pela seriação. Em
parte isto aconteceria pelo fato das
concepções que norteiam a escola partirem
de uma concepção linear de conhecimento,
identificada pela existência pré-requisitos
de conteúdos (Gimenez & Silva, 2014).
Esta condição contribuiria para deixar
precário o processo pedagógico,
aumentando o fracasso escolar e a exclusão
da população do campo. Neste contexto, as
classes multisseriadas evidenciam a
necessidade de desenvolver uma formação
docente que considere as especificidades
presentes nessas turmas.
As questões apresentadas reforçam a
necessidade de uma formação pautada
nessa realidade. Além disso,
particularidades típicas dos municípios
distantes dos grandes centros urbanos
apontam para uma dificuldade docente em
lidar com essa heterogeneidade presente
nessas salas e sinalizaram a falta de
formação que contemple essas
especificidades.
Em face dessas constatações,
assume-se a necessidade de um modelo de
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formação que respeite a especificidade do
campo e que não necessariamente tomem
como base os modelos da cidade, o que
corresponderia a uma falta do devido zelo
com a escola e a população do campo. Em
linhas gerais, embora ainda prevaleça no
modelo atual esta falta de atenção, existe
uma resistência que sempre busca
possibilidades e que, de acordo com
Arroyo (2010, p. 15), “A experiência das
classes multisseriadas têm muito a nos
ensinar. sinais de vida, de resistência,
de vontade de fazer diferente”.
Cumpre destacar que as dificuldades
impostas pelos contextos das salas
multisseriadas contribuem para mascarar
pontos frágeis dos programas de formação
de professores. Em linhas gerais, aponta-se
que o fracasso escolar evidenciado junto ao
corpo discente deve-se à heterogeneidade
dos grupos. Uma série de trabalhos de
pesquisa realizados em países como o
Brasil, Uruguai e Argentina, bem como,
em países da Europa que também se
defrontam com esta realidade, indicam que
esta problemática estaria ancorada em
dificuldades na base da formação dos
docentes. Recentemente, Barbosa & Rosset
(2017) ressaltaram uma série de avanços e
uma gradual consolidação da educação do
campo na América latina. Esses avanços
são caracterizados pela ruptura das
barreiras locais e regionais e pelo
estabelecimento de um diálogo orientado
às aprendizagens e movimentos sociais.
Contudo, reconhece-se que muitas das
dificuldades evidenciadas ainda dependem
de se revisitar a formação atribuída aos
professores.
Isto posto, iniciou-se uma reflexão
sobre as demandas efetivas sobre a
formação de professores na cidade de
Eldorado/SP. Em especial, almejou-se uma
proposta de formação em roda a qual teve
como ponto de partida apontamentos
realizados pelos próprios professores
acerca de seus dilemas cotidianos e sobre
as possíveis contribuições dos colegas
mais experientes para a resolução de seus
problemas.
Proposta de formação do professor em
roda
Na perspectiva da educação do
campo, a formação continuada deve ser
voltada aos interesses sociais, culturais e
econômicos dos povos que habitam o
campo, acolhendo suas diferentes histórias,
conforme Batista e Costa (2010).
segundo Freire (2008, p. 14):
É neste sentido que reinsisto em que
formar é muito mais do que treinar o
educando no desempenho de
destrezas, e por não dizer também, da
quase obstinação com que falo de
meu interesse por tudo o que diz
respeito aos homens e mulheres,
assunto de que saio e a que volto com
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o gosto de quem a ele se dá pela
primeira vez.
A formação vai muito além do puro e
simples treino de alguma habilidade, e o
educado deve ter clareza disso. O ato de
formar é uma ação que exige
responsabilidade ética, sendo esta de
natureza humana (Freire, 2008).
Como fora abordado
anteriormente, a proposta de formação em
roda tem por objetivo atender à demanda
de formação continuada dos docentes que
atuam em salas multisseriadas. A
expectativa em relação à formação em roda
é a oportunidade de “formar-se ao formar”
nesse processo, ao discutirmos sobre a
formação de professores educadores em
Roda, uma experiência que pode ser
recriada e reinventada em outros contextos
(Albuquerque & Galiazzi, 2011).
À vista disso, Freire (1987) sinaliza
que, na teoria dialógica de ação, os sujeitos
se encontram para juntos transformarem o
mundo em colaboração. Assim, ainda de
acordo com Freire (1987, p. 96), “não há,
portanto, na teoria dialógica de ação, um
sujeito que domina pela conquista e um
objeto dominado. Em lugar disso,
sujeitos que encontram a pronúncia do
mundo, para a sua transformação”.
O entendimento é o de que é
necessário superar o individualismo pelo
acolhimento de posturas e modos de vida
mais coletivos, apoiados em experiências
de docentes que socializam condutas no
propósito de somarem com práticas
pedagógicas de outros professores, que
também buscam o sucesso de seus alunos
em salas multisseriadas.
Trazemos Albuquerque e Galiazzi
(2011, p. 388) que nos dizem que:
As Rodas de Formação se destacam
pela qualidade das partilhas entre os
participantes. Nessa Roda, todos têm
algo a ouvir e algo a dizer. Essa
configuração, com o objetivo de
formar-se formando, nos mostra a
possibilidade de construção de um
espaço em que as aprendizagens se
constroem por meio da relação entre
os sujeitos.
Warschauer (2001) chama-nos
atenção para a partilha de experiências
quando afirma que o movimento de
partilhar é aquele que promove a
distribuição, seja de informação, do saber-
fazer ou das experiências. Assim sendo,
entende-se que seja fundamental promover
espaços de estudo, de aprendizagens
compartilhadas e que considerem o saber
docente real e indicado pelo grupo de
docentes, almejando um momento de
reflexão coletiva.
Ainda em consonância com
Warschauer (2001), defender a formação
de professores por meio de momentos de
partilha entre os pares no espaço escolar,
não exclui os pesquisadores, que seriam
também o suporte teórico necessário a todo
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o processo, dando embasamento às rodas
de conversas, alimentando as práticas
docentes.
Resultados e discussão
Os resultados apresentados
referem-se ao processo de reflexão sobre o
exercício da docência nas escolas do
campo; bem como à elaboração de uma
proposta de intervenção. Ela correspondeu
a uma formação em roda e resultou na
materialização dos resultados em um diário
coletivo, baseado nos registros do processo
de formação. A construção do referencial
teórico apoiou-se em pesquisa
bibliográfica, artigos, entre outros, com
referência nos autores: Freire (1996),
Caldart (2011), Molina (2008), Hage
(2010), Arroyo (2011), Tardif (2002) e
Warschauer (2002), entre outros.
A proposta de formação em roda de
conversa teve como propósito atender aos
apontamentos dos professores da rede do
município de Eldorado que participaram da
pesquisa. Em geral, os docentes
participantes da pesquisa, em seu total de
seis, sinalizaram que as formações atuais
não contemplam as necessidades
pedagógicas apresentadas em uma sala
multisseriada. Mais especificamente, os
mesmos identificaram que no início não
eram identificadas ações sistematizadas de
apoio aos professores, o que resultava num
sentimento de isolamento. Isto pode ser
constatado pela argumentação do professor
Na minha época...nem falavam em
multisseriada...foi na prática mesmo,
ouvindo os colegas e tentando criar
métodos para me ajudar (P2, 2º/3º
ano).
Além disso, identificou-se também
que, informalmente, os próprios
professores buscavam alguma forma de
cooperar e de se organizar. Este fator foi
considerando marcante na fala do
professor 2.
La atrás.... quando eu comecei.. foi
uma amiga que foi me dando uns
toques de como funcionava a sala
multisseriada, pois a gente fica
isolada e sem ninguém para apoiar
a gente com as dúvidas do
pedagógico, mas eu tive sorte de ser
acolhida por ela que tinha muito
mais tempo com sala multisseriada e
facilitou muito minha prática em sala
de aula (P2, 2º/3º ano).
Todos eles também revelaram que
um dos pontos aspectos positivos presentes
em suas práticas foi a orientação de
colegas mais experientes. Ao se propor a
formação continuada em formato de roda,
pretendeu-se considerar esses dois
aspectos, pensando em uma alternativa de
formação e legitimando o que acontecia,
promovendo um momento de troca de
experiências, isto é, partilha de boas
práticas.
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Evidenciou-se ainda que, a interação
com colegas mais experientes é de suma
importância. Outro aspecto abordado pelos
docentes foi que se sentiram mais
apropriados do projeto, uma vez que a
heterogeneidade das turmas, entre outras
questões inviabilizaria orientar um
programa de formação com base nos
preceitos das escolas urbanas. Em outras
palavras, parece existir no grupo um
sentimento de apropriação em relação ao
projeto pedagógico e uma preocupação em
relação ao aprendizado do aluno, bem
como, o quanto isto é importante para
dignificar o professor.
Boa vontade e querer que seus
alunos aprendam... e dizer: eu dou
conta e meus alunos dão conta...tem
que trabalhar sua auto estima e a
auto estima dos alunos (P3, 1º/2º/3º
ano).
A ideia de apropriação em relação à
proposta, inexoravelmente, está
sintonizada com uma intervenção que
implica numa ruptura com o modelo
tradicional e que conduz a uma reflexão
sobre as finalidades do projeto como um
todo.
Esses dados corroboram as premissas
que nos levam a refletir sobre a
necessidade de insubordinação ao modelo
seriado urbano. Assim, como propõe Hage
(2011), discutir o enfrentamento de
problemas que envolvam as classes
multisseriadas implica em desenvolver
uma intervenção sem recorrer à
implantação de modelos de realidades
urbanas, assumindo a heterogeneidade
presente nas turmas.
Ao construir preposições que
envolvam o sujeito do campo e classes
multisseriadas, Hage (2011) aponta que
esta disposição:
Implica, também, realizar uma
“escuta sensível” ao que os
professores e estudantes vêm
realizando no cotidiano da escola,
destacando as atividades bem-
sucedidas, valorizando as boas
práticas educativas, e refletindo sobre
as experiências que não se efetivaram
adequadamente, para ressignificar,
com eles, os sentidos de currículo,
projeto pedagógico, educação,
escolas (Hage, 2011, p. 108).
De modo geral, os participantes,
entenderam que o programa de formação
foi desenvolvido de uma forma acolhedora,
a qual levou em conta os apontamentos dos
professores e as suas respectivas
experiências docentes. Cumpre ressaltar
ainda, o reconhecimento de que as ações
de formação devam ser mesmo baseadas
em discussões sobre os contextos
cotidianos. Esta reflexão pode ser
percebida a partir da análise das
impressões do professor 1.
Em minha opinião, as capacitações
voltadas às séries multisseriadas
teriam que ser voltadas às ações,
para melhorar a prática em sala de
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aula, como divisão do tempo,
estratégias para administrar
diferentes matérias de cada aluno,
plano de aula elaborado
aproximando-se de temas e assuntos
semelhantes, iguais... ou que seja,
sequência de currículo, um número
mínimo de alunos. Falta de tempo na
escola para socializar com os
colegas das mesmas séries e
elaborar conteúdos (P1, 1º/2º,
ano.
Ao mesmo tempo, os professores
entendem a necessidade de que mudanças
estruturais aconteçam como um todo na
própria instituição escolar. Tais mudanças
envolveriam a gestão dos tempos e espaços
e a própria organização dos planos de
ensino dos docentes.
O formato adotado possibilitou a
partilha, pois a bagagem profissional de
professores mais experientes foi de muita
valia em sua prática. Para elucidar essa
questão, Tardif (2002, p. 113) explica que:
“os professores de profissão possuem
saberes específicos que são mobilizados,
utilizados e produzidos por eles no âmbito
de sua tarefa cotidiana”.
Ao trazer essa questão da experiência
docente que aborde os desafios dos
professores em salas multisseriadas e a
formação continuada que entenda a
realidade do campo, a pesquisa apresentou
a possibilidade de refletir sobre essas
experiências e de alguma forma partilhá-
las por meio de um referencial que leve em
conta os depoimentos que ilustram uma
prática tão rica em um trabalho de troca de
experiência, que sai da informalidade e
passa para um registro (diário coletivo),
ganhando o notório reconhecimento. De
acordo com Araújo e Guarnieri (2010),
estratégias permanentes de interação entre
os docentes são formas de capacitação dos
professores em serviço.
Tardif (2002) defende, ainda, que o
saber do professor é heterogêneo, isto é,
diversificado e que envolve o próprio
exercício do trabalho, não se reduzindo a
uma fonte só, mas a diversas, provenientes
de variadas fontes, ao postular “nesse
sentido, o saber profissional está, de certo
modo, na confluência de vários saberes
oriundos da sociedade, da instituição
escolar, dos outros atores educacionais, das
universidades, etc.” (Tardif, 2002, p. 16).
A formação docente não tem uma
única fonte e o processo de formação é
imprescindível na prática do professor. Os
docentes não podem parar de buscar novos
saberes para a sua profissão, estudarem
teorias novas e relacioná-las à sua prática
construída dia a dia, uma vez que não se
pode pensar um profissional pronto sem a
troca de experiência nesse processo
contínuo de formação. De acordo com
Caldart (2011, p. 120), a escola é um
espaço de formação humana:
Quando os educadores se assumem
como trabalhadores do humano,
formadores, muito mais do que
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apenas professores de conteúdos de
alguma disciplina, compreendem a
importância de discutir sobre suas
opções pedagógicas e sobre que tipo
de ser humano estão ajudando a
produzir e a cultivar.
Os professores devem se perceber
como sujeitos de formação e
transformação social, entendendo a escola
como um espaço de formação humana, não
somente um local de educação formal, mas
um local que compreende o ser humano
em suas diversas dimensões como um ser
reflexivo. Conforme Perrenoud (2002)
refletindo sobre a prática docente,
realizamos uma ampla análise por fatores
como família, cultura, prazeres e
desprazeres, enfim, sobre nossa própria
história.
Considerações Finais
De modo geral, o trabalho
organizado por meio de rodas de conversa
parece ter sido bastante efetivo no processo
de formação de professores para o trabalho
com salas multisseriadas, visto que os
mesmos se sentiram acolhidos, bem como,
perceberam a importância da troca de
experiências. Além disso, os professores
novatos sentiram-se mais seguros diante da
oportunidade de trocar experiências com
outros mais antigos.
Em parte, as contribuições desta
proposta de formação são percebidas por
meio de argumentos acerca da apropriação
do projeto pedagógico, distanciando-se de
uma realidade típica da escola urbana, bem
como, a partir da possibilidade de
intensificar com docentes mais
experientes.
Cumpre destacar que, em parte, o
sucesso de um programa de formação
baseado em roda de conversa depende
fundamentalmente de um importante tema
disparador, o qual deve contribuir para o
estabelecimento de sentido e significado às
práticas dos professores, bem como,
devem vir acompanhados de um registro
sistemático dos resultados das discussões,
o que configura, além de um material para
possíveis futuras pesquisas e
compartilhamentos, mais um recurso
importante de reflexão acerca da sua
prática.
Finalmente, entende-se que a roda de
conversa corresponde a um importante
mecanismo de suporte à formação docente
para o trabalho com salas multisseriadas,
sobretudo ao se considerar que os
programas de formação voltados à
educação do campo, partem de uma
concepção de formação urbana e de um
paradigma linear, o qual, efetivamente não
atende às demandas de contextos de
inclusão social.
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Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 23/04/2018
Aprovado em: 09/07/2018
Publicado em:07/12 /2018
Received on April 23th, 2018
Accepted on July 09th, 2018
Published on December 07th, 2018
Contribuições no artigo: Os autores foram responsáveis
pela elaboração, análise e interpretação dos dados;
escrita e revisão do conteúdo do artigo, e aprovação
da versão final publicada.
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Conflitos de interesse: Os autores declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Flaviana Maria de Oliveira
http://orcid.org/0000-0003-4427-8859
Roberto Gimenez
http://orcid.org/0000-0002-4953-5941
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Oliveira, F. M., & Gimenez, R. (2018). Educação do
Campo: uma proposta de formação de professores para
classes multisseriadas em formato de roda. Rev. Bras.
Educ. Camp., 3(3), 1084-1104. DOI:
http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-4863.2018v3n2p1084
ABNT
OLIVEIRA, F. M.; GIMENEZ, R. Educação do Campo:
uma proposta de formação de professores para classes
multisseriadas em formato de roda. Rev. Bras. Educ.
Camp., Tocantinópolis, v. 3, n. 3, set./dez., p. 1084-1104-
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