Revista Brasileira de Educação do Campo
The Brazilian Scientific Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.v4e5242
Tocantinópolis/Brasil
v. 4
e5242
10.20873/uft.rbec.v4e5242
2019
ISSN: 2525-4863
1
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Um olhar sobre o ensino nas classes multianos
Geralda Maria de Bem
1
,
Cícero Nilton Moreira da Silva
2
1
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN. Campus Avançado Profa. Maria Elisa de Albuquerque Maia -
CAMEAM. BR 405, Km 153, Arizona. Pau dos Ferros - RN. Brasil.
2
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN.
Autor para correspondência/Author for correspondence: geraldabem@hotmail.com
RESUMO. Ao abordarmos as classes multianos, precisamos
relacioná-las ao espaço rural, uma vez que esse é o território no
qual existe a prática da organização escolar sob esta estrutura e
funcionamento, ou seja, apresentando em uma mesma sala de
aula, discentes de diferentes faixas etárias e níveis cognitivos
igualmente diversos. Embora se apresentem em outros cenários,
no entanto, é no campo que se constitui a identidade das classes
multianos, sendo sua presença viva no cenário educacional
brasileiro. Este artigo, portanto, objetiva refletir acerca desta
problemática, utilizando como procedimento metodológico a
pesquisa bibliográfica. Para tanto, a fim de possibilitar uma
revisão teórica sobre o tema, buscaremos aporte em autores,
como Arroyo e Fernandes (1999), Tardif (2002), Santos e
Moura (2010), Azevedo e Queiroz (2010), dentre outros, que
tratam da temática em estudo. Em síntese este trabalho nos
evidenciou a necessidade de aprofundarmos a reflexão acerca do
ensino nas escolas com classes multianos e os saberes docentes
que permeiam a prática pedagógica dos professores que
lecionam nessa modalidade de ensino.
Palavras-chave: Classes Multianos, Ensino, Saberes Docentes.
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A look at teaching in multi-years classrooms
ABSTRACT. When we approach the multi-years classrooms,
we need relate them to the rural location, since this is the place
in which there is the school organization practice under this
structure and functioning, that is, showing in the same
classroom, students of different age groups and cognitive levels.
Although it is presented in others scenes, however, it is in the
field that the identity of the multi-years classrooms is
constituted, being its presence alive in the Brazilian educational
scene. This article, however, aims at reflecting about this issue,
using as methodological procedure the bibliographical research.
Therefore, in order to allow a theoretical review about the
theme, we will seek contributions in authors, such as Arroyo and
Fernandes (1999), Tardif (2002), Santos and Moura (2010),
Azevedo and Queiroz (2010), among others, who discuss the
thematic at issue. In short, this work has showed us the need to
deepen the reflection about the teaching at schools with multi-
years classrooms and teaching knowledge that permeates
pedagogical practice of teachers who teach this modality of
teaching.
Keywords: Multi-years Classrooms, Education, Teaching
Knowledge.
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Una mirada sobre la enseñanza en clase multianos
RESUMEN. Al abordar las clases multianos, necesitamos
relacionarlas al espacio rural, ya que ese es el territorio en el que
existe la práctica de la organización escolar bajo esta estructura
y funcionamiento, o sea, presentando en una misma aula,
discentes de diferentes grupos de edad y niveles cognitivos
igualmente diversos. Aunque se presentan en otros escenarios,
sin embargo, es en el campo que se constituye la identidad de las
clases multianos, siendo su presencia viva en el escenario
educativo brasileño. Este artículo, por lo tanto, objetiva
reflexionar acerca de esta problemática, utilizando como
procedimiento metodológico la investigación bibliográfica. Para
ello, a fin de posibilitar una revisión teórica sobre el tema,
buscaremos aporte en autores, como Arroyo y Fernandes (1999),
Tardif (2002), Santos y Moura (2010), Azevedo y Queiroz
(2010), entre otros, que tratan de la temática en estudio. En
síntesis este trabajo nos evidenció la necesidad de profundizar la
reflexión acerca de la enseñanza en las escuelas con clases
multianos y los saberes docentes que permean la práctica
pedagógica de los profesores que enseñan en esa modalidad de
enseñanza.
Palabras clave: Clases Multianos, Enseñanza, Conocimientos
Docentes.
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Introdução
Ao abordarmos as classes multianos
i
,
devemos identificá-las como turmas onde
existe um único professor assumindo,
muitas vezes, múltiplas funções. Portanto,
as classes multianos, ou unidocentes, nos
permitem pensar as contradições que
permeiam o campo, na atualidade, pois
funcionam em escolas compostas por um
reduzido número de alunos, em cada ano
escolar, de modo que o ensino, nessas
classes, requer do professor um grande
esforço, bem como habilidades
pedagógicas para lidar com as
especificidades dessas turmas.
Este artigo é um recorte da
dissertação de mestrado intitulada: A
prática docente na Educação do Campo:
um estudo em classes multianos de Pau dos
Ferros/RN, do programa de Pós-Graduação
em Ensino PPGE, da Universidade do
Estado do Rio Grande do Norte UERN,
em cujo trabalho dissertativo, objetivamos
refletir acerca da problemática das classes
multianos na educação básica. Adotamos
como abordagem metodológica a pesquisa
bibliográfica, estudando os autores: Arroyo
e Fernandes (1999), Tardif (2002), Santos
e Moura (2010), Rocha e Hage (2010),
Azevedo e Queiroz (2010), dentre outros,
que tratam da temática em estudo. O
ensino nas classes multianos requer um
esforço maior por parte dos professores,
que, na maioria das vezes, são
pressionados para que as crianças sejam
alfabetizadas no decorrer do ano, numa
realidade escolar, em que um único
professor se responsabiliza para que ocorra
a aprendizagem.
Este artigo de revisão teórica
encontra-se ancorado na pesquisa
bibliográfica que, segundo Severino
(2007), é aquela que se realiza a partir do
registro disponível, decorrente de
pesquisas anteriores, em documentos
impressos, tais como: livros, artigos, teses,
dentre outros. Utiliza-se de dados ou de
categorias teóricas trabalhadas por
outros pesquisadores e devidamente
registrados. Na primeira seção, discutimos
sobre o ensino nas classes multianos,
abordando o processo histórico da sua
constituição como perspectiva de ensino;
na segunda seção, fizemos uma leitura a
respeito das classes multianos como um
desafio para a formação docente; na
terceira parte, abordamos os saberes que
permeiam a prática docente em classes
multianos, visto que os saberes docentes
são de grande relevância na prática
pedagógica; e finalizamos nosso trabalho
com as considerações finais.
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Ao abordarmos as classes multianos,
precisamos relacioná-las ao espaço rural,
uma vez que esse é o território no qual
existem tais turmas concretamente.
Embora se apresentem em outros cenários,
no entanto é no campo que se constitui a
identidade das classes multianos, sendo sua
presença viva no cenário educacional
brasileiro.
Conforme Dilza Atta (2003, apud
Rocha & Hage, 2010, p. 41), “as classes
multisseriadas surgiram, no Brasil, após a
expulsão dos jesuítas, vinculadas ao
Estado, ou sem esse vínculo, mas
convivendo no tempo, com professores
ambulantes, que, de fazenda em fazenda,
ensinavam as primeiras letras”. Dessa
forma, essas escolas foram surgindo,
paulatinamente, nas pequenas vilas e
povoados, onde professores ensinavam as
crianças a ler, escrever e contar; tal
direcionamento sendo entendido como
suficiente para a aprendizagem das
crianças, naquele momento histórico.
As classes multisseriadas ou
unidocentes, segundo Santos e Moura
(2010), são caracterizadas pela junção de
alunos de diferentes níveis de
aprendizagem, geralmente submetidos à
responsabilidade de um único professor.
Em 1827, com a promulgação da Lei Geral
do Ensino, pelo Governo Imperial, adotou-
se o ensino mútuo ou monitorial. Foi
trazido para o Brasil como grande
novidade o método Lancasteriano,
assumido como um avanço na educação
brasileira do culo XIX. Com a República
e, mais fortemente a partir da década de
1920, foram se popularizando os grupos
escolares. Como afirmam Santos e Moura
(2010, p. 41), ... nas vilas e povoados e na
zona rural permanecem funcionando as
escolas isoladas” para atender a questões,
de ordem demográficas e densidade
populacional, fato que permanece ainda
hoje em parte do campo brasileiro. Tal
processo ocorreu ao longo de 1900,
passando por uma expansão e
interiorização dos Grupos Escolares. Ainda
de acordo com Santos e Moura (2010), a
partir da década de 1970 surgiu a
perspectiva de organização escolar sob o
formato da multisseriação, ou seja, a
junção de várias séries simultaneamente,
em uma única se de aula.
Assim, criadas as classes
mutisseriadas no Brasil, atualmente
denominadas de multianos, conforme Lei
11.274, de 06 de fevereiro de 2006 e
Parecer do Conselho Nacional de
Educação e Câmara de Educação Básica
CNE/CEB 11/2010, foi-se percebendo a
sua popularização, com o surgimento dos
grupos escolares, organizados de forma
seriada, por idade, por série e nível de
aprendizagem. Porém, nas vilas, povoados
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e, principalmente, na zona rural,
permanecia a existência das escolas
isoladas, multianos, atendendo a problemas
de ordem demográfica, em locais de baixa
densidade populacional. Essa realidade, em
parte ainda vem ocorrendo até os dias
atuais, no cenário rural brasileiro.
De acordo com Santos e Moura
(2010, p. 42),
Os Grupos Escolares são criados
dentro de uma política de
modernização educacional e se
organizam, primeiramente, nas
capitais e depois nas cidades do
interior, através da reunião de escolas
multisseriadas - pequenas escolas que
funcionavam em espaços
improvisados - em prédios escolares
maiores, construídos especialmente
para esse fim.
Ainda conforme Santos e Moura
(2010), em alguns municípios do interior
da Bahia encontram-se, atualmente,
edifícios construídos, na década de 1950,
com a denominação de “Escolas
Reunidas”, demonstrando assim a política
de extinção das “escolas isoladas”, as quais
funcionavam num regime multisseriado.
Portanto, no limiar do século XX, no
Brasil, com a modernização educacional,
os Grupos Escolares foram responsáveis
pela difusão de um modelo curricular
seriado, popularizando-se pelo interior de
todo o País, por intermédio das ações dos
governos estaduais, uma vez que, até antes
da década de 1970, a responsabilidade pela
instrução pública era atribuída aos
governos estaduais.
Ainda conforme Santos e Moura
(2010), a partir dessa década,
paulatinamente os municípios vão
assumindo a educação, nesse nível de
ensino, surgindo alguns programas federais
que foram pensados para estruturar a
educação municipal; são assim criados os
órgãos municipais de educação. Todavia,
essas ações vão se ampliando a partir do
surgimento da Constituição Federal de
1988, pois essa lei oferece maior
autonomia aos municípios, dando-lhes
oportunidades de criar seu próprio sistema
de ensino.
No que concerne ao trabalho
docente, Azevedo e Queiroz (2010, p. 70)
abordam que “um dos aspectos que chama
a atenção é o fato de os professores
considerarem, no processo de ensino-
aprendizagem, a diversidade
socioeconômica e cultural, o que, como
desenvolvimento integral da criança, se
constitui um requisito pedagógico
fundamental”. Dessa forma, as classes
multianos constituem uma especificidade
da realidade educacional do campo, sendo
essencial, pois, considerar os saberes
docentes produzidos no contexto escolar e
na interação com os alunos, por meio do
diálogo que contribui essencialmente para
a aprendizagem dos mesmos.
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De acordo com Tardif (2002, p. 51),
Os saberes docentes obedecem,
portanto, a uma hierarquia: seu valor
depende das dificuldades que
apresentam em relação à prática. Ora,
no discurso docente, as relações com
os alunos constituem o espaço onde
são validados, em última instância,
sua competência e seus saberes. A
sala de aula e a interação cotidiana
com as turmas de alunos constituem,
de um certo modo, um teste referente
tanto ao ‘eu profissional’ quanto aos
saberes veiculados e transmitidos
pelo docente.
Esses saberes são essenciais à
socialização de educadores e educandos,
como também dos demais profissionais da
instituição, havendo uma troca de
conhecimentos, que poderão contribuir
para o processo de aprendizagem de forma
coletiva. Isso nos mostra que, diante de
uma turma de alunos, o professor precisa
ter conhecimento dos conteúdos que serão
trabalhados, fazendo um diálogo com esses
alunos, uma vez que saber conduzir uma
sala de aula e estabelecer uma relação com
os alunos é de suma importância para o
trabalho docente. Assim também,
parafraseando Tardif (2002), ratificamos a
compreensão de que, cotidianamente, os
professores no âmbito de espaço escolar,
partilham seus saberes uns com os outros,
através das trocas de experiências
compartilhadas no contexto escolar.
O ensino, nas classes multianos,
requer um esforço maior por parte dos
professores que, na maioria das vezes, são
pressionados para que as crianças sejam
alfabetizadas no decorrer do ano, numa
realidade em que um único professor se
responsabiliza para que ocorra a
aprendizagem. Nesse sentido, Barros et al.
(2010) ressaltam que esses professores
sentem dificuldades para atender às
crianças, principalmente aqueles que não
sabem ler e escrever, ocasionando, assim, a
repetência das crianças; aspecto este que
contribui como um dos fatores
responsáveis pela faixa etária diferenciada
nas salas de aula dessas escolas.
Para Barros et al. (2010, p. 27),
Os professores se sentem
sobrecarregados ao assumirem outras
funções nas escolas multisseriadas,
como: faxineiro, der comunitário,
diretor, secretário, merendeiro,
agricultor, etc. Essa multiplicidade de
funções que adquire é vista como
negativa para sua atuação
profissional, necessitando de uma
equipe para somar e dividir esforços
no trabalho escolar.
Convém ressaltar que o ensino nas
classes multianos, diante dessa
problemática enfrentada pelos professores
nas escolas, necessita de uma readequação
para caracterizar a prática docente, em
virtude das dificuldades encontradas no
processo pedagógico, por se tratar de uma
junção de anos concomitantemente.
Ainda de acordo com Barros et al.
(2010), as classes multianos, ou
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unidocentes, nos permitem pensar as
contradições que permeiam o campo, na
atualidade. Essas escolas são compostas
por um pequeno número de alunos, em
cada série escolar, os quais, posteriormente
à conclusão das séries iniciais básicas, têm
que concluir o ensino básico nas escolas da
cidade. Tal realidade, adicionada à precária
política agrícola, contribui para que os
jovens demonstrem interesse em migrar
para o espaço urbano, deixando seu lugar
de origem. Por esse viés, é preciso
compreender a prática docente dentro de
um universo plural, enfocando as relações
sociais, econômicas e culturais da
sociedade, sem perder de vista as
possibilidades e limites da realização de
uma proposta educacional para essas
escolas que não vise à conformidade dos
sujeitos ao mundo, mas que os tornem
capazes de transformar sua realidade.
Segundo Azevedo e Queiroz (2010,
p. 70),
É unânime também considerar que o
trabalho com turmas multisseriadas
requer dos professores um grande
esforço e habilidades pedagógicas
para lidar com essa particularidade.
Essa perspectiva traduz, por parte dos
professores, o esforço para assegurar
a qualidade do processo ensino-
aprendizagem.
Cabe ressaltar que os professores das
classes multianos, ao planejarem suas
atividades, participam do planejamento
com grupos de professores de uma
determinada série; resultando num
amontoado de planos copiados de outrem;
tais planos acabam sendo iguais para toda a
rede, e produzidos sem reflexão. Isso
demonstra, de forma explícita, uma política
de regulação e racionalização do trabalho
pedagógico, em que essas práticas
mostram a desvalorização da prática
pedagógica dos professores das classes
multianos. Desse modo, conforme explicita
também Santos e Moura (2010, p. 44), fica
evidenciado que: “o paradigma seriado
urbanocêntrico influencia,
predominantemente, na organização do
espaço, do tempo e do conhecimento da
escola multisseriada do campo,
precarizando o seu processo pedagógico e
aumentando o fracasso escolar e a exclusão
das populações do campo”.
Desse modo, é possível observar que,
sendo essas escolas fortemente
influenciadas pelo paradigma curricular
seriado, voltado para a educação urbana,
não podemos desconsiderar uma pedagogia
que está atrelada às classes multianos,
advinda das práticas pedagógicas
construídas no decorrer das experiências e
dos saberes dos professores que lecionam
cotidianamente nessas classes.
De fato, a escola do campo não está
direcionada a um sujeito; ela integra
uma educação para todos: homens,
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mulheres, crianças e jovens. É por isso que
o professor precisa ter uma visão ampla
dos aspectos educacionais que pautam essa
modalidade de ensino, respeitando os
educandos em todos os seus aspectos:
histórico, social e cultural. Conforme
Arroyo e Fernandes (1999), o homem, a
mulher, a criança tem, no campo, sua
identidade; e assim como o (a) professor
(a), que tem sua identidade, sua formação,
sua história e sua diversidade, baseados em
concepções de gênero, etnia, religião,
sexualidade, esses sujeitos são também
seres em construção.
Cabe à escola incluir, na proposta
pedagógica, esses fatores que contribuem
para a formação dos sujeitos do campo, de
modo que os professores possam refletir
sobre sua prática, no que diz respeito ao
ensino nessas escolas, buscando conhecer a
história de vida dos educandos; esses são,
portanto, aspectos essenciais da Educação
Básica do Campo. Nesse sentido, é preciso,
conforme afirmam Arroyo e Fernandes
(1999, p. 25); “... valorizar as pessoas,
respeitar suas diversidades, seus direitos.
Então, a primeira característica: vincular a
educação com os direitos e vinculando a
educação com os direitos, vincular a
educação com os sujeitos. Os sujeitos
concretos, históricos, tratados como gente
na escola”.
É preciso compreender, portanto, que
é na escola que os alunos buscam
conhecimentos através dos conteúdos,
para, sob a mediação dos professores, fazer
uma ligação entre os conhecimentos
informais e o conhecimento formal.
Compreender também que sendo os
saberes escolares adquiridos no contexto
das escolas os quais são um direito da
mulher e do homem do campo, esses
saberes precisam estar em sintonia com os
saberes, os valores, a cultura, e a formação,
existentes também fora do cotidiano
escolar.
Conforme apresenta Caldart (2011,
p. 126),
Se é verdade que vemos o mundo de
acordo com o chão em que pisamos,
então um professor ou uma
professora que nunca sai dos limites
de sua escola terá uma visão de
mundo do tamanho dele/dela e não
terá as condições humanas
necessárias para fazer a leitura das
ações educativas que acontecem fora,
e nem sempre assim tão próxima, da
escola.
Assim sendo, o professor precisa
sair dos “muros da escola” em busca de
novos conhecimentos que são
indispensáveis para sua formação, pois não
pode viver isolado na escola, sendo
necessário dialogar com os demais
docentes em busca de métodos inovadores
que contribuam para o ensino nas classes
multianos, já que essas turmas requerem
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uma atenção maior por parte do professor.
Segundo Castro e Carvalho (2013, p. 147),
... o professor vai compreendendo cada
vez mais que, no ato de ensinar, está a
organização de conhecimentos que deverão
propiciar a apreensão de saberes que
tornarão os sujeitos mais aptos para
viverem socialmente”. Ainda conforme as
autoras, o papel do professor como
mediador do processo ensino
aprendizagem é o de coordenador e
problematizador.
É no decorrer das aulas que os alunos
discutem, dialogam e justificam suas
ideias. Dessa forma, o professor deve
mobilizar os alunos a pensarem, ao invés
de pensar por eles, pois, agindo dessa
forma, o professor estará favorecendo o
aluno para que este adquira sua autonomia
intelectual e contribuindo para a formação
dos educandos, de forma que eles possam
valorizar sua história e sua cultura.
De acordo com Brasil (2009, p. 30),
A escola é, assim, para as gerações, e
em particular para a Educação do
Campo, o principal lugar de acesso
ao conhecimento sistematizado, à
riqueza cultural, às conquistas
científicas. É através da apropriação
da cultura geral, do domínio das
teorias e de sua função social que se
desenvolve a mente e as funções
intelectuais superiores.
Com essa compreensão, a escola
deve procurar fazer parceria com a
comunidade da qual faz parte, por meio
das atividades curriculares relacionadas à
vida diária dos educandos, como também
considerar os aspectos históricos, sociais, e
culturais dos educandos e da comunidade
na qual eles estão inseridos.
Evidentemente, as escolas que realizam o
ensino em classes multianos requerem, por
parte do professor, uma formação voltada
para a realidade desse ensino, haja vista
que não pode haver um distanciamento
entre o conhecimento empírico do aluno e
os conhecimentos sistematizados pela
escola.
Classes multianos: desafios para a
formação docente
Sabemos que a educação é um dos
fatores fundamentais na formação do ser
humano na sua totalidade social. Partindo
desse pressuposto, devemos ressaltar que
se faz necessária uma formação inicial e
continuada para os educadores das escolas
do campo; por isso as instituições de
ensino superior deverão ofertar cursos de
licenciaturas que atendam às
especificidades dos educandos do campo.
Foi a partir do ano de 2004, segundo
Rocha e Martins (2011), que a Faculdade
de Educação, da Universidade Federal de
Minas Gerais, recebeu uma demanda
advinda dos Movimentos dos
Trabalhadores Rurais sem Terra (MST),
ocasião em que construíram uma parceria,
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que tinha como objetivo a criação do curso
de Pedagogia, tendo como apoio o
Programa Nacional de Educação na
Reforma Agrária (PRONERA).
Desse modo, surge o interesse de
criar um curso que pudesse habilitar o
egresso para a docência nas séries iniciais e
finais do Ensino Fundamental, cujo curso
foi direcionado aos sujeitos do campo,
tendo em vista as necessidades presentes
no cenário das escolas do campo brasileiro,
que exigem um profissional que tenha uma
formação mais ampla, ou seja, que possua
uma visão mais totalizante, já que esses
profissionais são responsáveis por uma
série de dimensões educativas presentes no
contexto escolar dessas escolas.
Assim, sintetiza Rocha e Martins
(2011, p. 41):
... a demanda de formação do
Docente Multidisciplinar exige um
repensar do modelo de formação
presente nas Universidades
brasileiras, centrado em licenciaturas
disciplinares. As licenciaturas,
baseadas num modelo de
especialização, não permitem que
esse educador seja capaz de intervir
globalmente no processo de
formação de seus alunos. Por outro
lado, o curso de Pedagogia não
prepara o educador para coordenar o
processo de formação nos últimos
anos do ensino fundamental e no
ensino médio.
Nesse sentido, a formação docente
deverá ser direcionada para atender às
especificidades dos diferentes contextos
educacionais, para que os professores
possam aperfeiçoar seus conhecimentos e
contribuir para o processo ensino
aprendizagem dos educandos.
Ressaltamos, ainda, que essa formação é
condição necessária para que eles possam
atuar na sua prática pedagógica.
Gonçalves, Rocha e Ribeiro (2010, p. 53)
afirmam que “o docente que atua nesse
contexto é responsável por um espaço
distinto do que usualmente se aprende a
lidar nas formações dos cursos de
magistérios e licenciatura”.
Diante desse contexto, surge o
Programa Escola Ativa (PEA), que foi
implantado no Brasil a partir do ano de
1997, sendo conveniado com o Banco
Mundial (BM) e que, de acordo com
Gonçalves, Rocha e Ribeiro (2010), tem
como objetivo a melhoria do rendimento
dos alunos pertencentes às classes
multianos inseridos na zona rural. Este
programa visa a dois aspectos importantes:
a formação dos professores e a melhoria da
infraestrutura das escolas situadas no
campo, tendo sido elaborado através de
experiência do Programa Escuela Nueva
(PEN) e foi desenvolvido na Colômbia, na
década de 1980, se constituindo como um
modelo internacional de reforma para a
educação rural.
No Brasil, o Programa Escola Ativa
(PEA) foi implantado com a intenção da
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melhoria no ensino rural, expandindo-se,
inicialmente, nos estados de Sergipe e
Alagoas, logo após passou a ser apoiado
pelo Fundescola, sendo implantado em
outros estados do Nordeste e do Centro-
Oeste. Para que as escolas do campo
possam seguir este programa, é preciso que
os municípios façam sua adesão a ele.
Conforme encontramos em Brasil
(2009, p. 27-28),
O Programa Escola Ativa, enquanto
estratégia de organização do trabalho
da(o) educadora(or) e da escola com
classes multisseriadas, incorpora os
fundamentos e os princípios da
Educação do Campo. Seu objetivo é
criar condições para a aprendizagem
voltada para a compreensão da
realidade social na qual a criança está
inserida. Para isto, busca estimular
vivências que objetivam a
aprendizagem, a participação, a
colaboração, o companheirismo e a
solidariedade, envolvendo,
reconhecendo e valorizando todas as
formas de organização social.
Como sabemos, o Programa Escola
Ativa está voltado para a valorização do
profissional da educação escolar no campo,
propondo o reconhecimento das diferenças
e das diversidades étnicas, culturais,
políticas e religiosas dos sujeitos residentes
no campo. Devemos destacar que os
princípios que pautam o programa Escola
Ativa estão relacionados às teorias como
também às concepções de ensino
aprendizagem que norteiam o trabalho em
classes multianos.
Como ressaltam Gonçalves, Rocha e
Ribeiro (2010, p. 54),
O PEA tem como estratégias
metodológicas: a aprendizagem ativa,
centrada no aluno e em sua realidade
social; o professor como facilitador e
estimulador; a aprendizagem
cooperativa; a gestão participativa da
escola; a avaliação contínua e
processual e a promoção flexível ...
incentiva, também, a participação da
comunidade e procura promover a
formação permanente dos
professores.
Assim sendo, fica explícito que são
diversas as ações estratégias a serem
desenvolvidas no contexto da escola,
conforme a proposta do Programa Escola
Ativa, cujo conhecimento é levado aos
professores através de estudos, discussões
e oficinas. Tais ações podem gerar novos
saberes que são trabalhados na sala de
aula, enriquecendo a prática docente.
Devemos ressaltar, ainda, além do
Programa Escola Ativa, um dos programas
governamentais de formação continuada
para os professores brasileiros de classes
multianos no campo, o Pacto Nacional de
Alfabetização na Idade Certa/PNAIC, que
expressa o compromisso assumido pelo
governo federal, estados e municípios,
tendo como finalidade a plena
alfabetização de todas as crianças de até
oito anos de idade e que se encontram no
1º, e anos do Ensino Fundamental,
abrangendo escolas seriadas e multianos.
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Este programa é direcionado para a
formação docente e visa à melhoria dos
resultados educacionais, cuja formação
consiste em encontros de estudos e
atividades práticas, mediadas pelos
professores orientadores das Secretarias de
Educação, visando a uma melhoria no
Ensino Fundamental.
Evidentemente, a formação dos
educadores das escolas do campo não pode
perder de vista a construção de uma
educação que seja vinculada aos interesses
de todos que se preocupam em lutar em
prol de uma melhoria para o campo.
Conforme Caldart (2004, p. 22), “construir
a Educação do Campo significa formar
educadores e educadoras do campo para
atuação em diferentes espaços educativos”.
Assim, a formação desses profissionais
precisa ser repensada, através dos cursos
de formação continuada, uma vez que os
conhecimentos acumulados, no decorrer
das experiências, precisam ser
sistematizados e trabalhados, valorizando a
diversidade cultural dos alunos.
Dessa forma, para compreendermos
o espaço da escola na Educação do Campo,
Caldart (2004) ressalta que é preciso
entender o tipo de sujeito que a escola vem
formando no campo atualmente. É preciso
que a escola possa cumprir, de forma
universal, o processo de humanização
desses sujeitos, estando atenta para atender
às peculiaridades dos processos sociais do
seu tempo histórico e contribuir para a
formação das novas gerações dos
trabalhadores militantes e sociais que estão
inseridos no campo.
No que tange à formação dos
professores do campo, conforme Zárate
(2011), essa deve ser entendida como uma
sólida formação científica e cultural capaz
de proporcionar uma formação crítica que
seja relevante para a melhoria da prática
pedagógica dos professores que atuam nas
escolas do campo. E, ainda de acordo com
essa mesma autora, o professor que atua no
ensino do campo necessita de uma
formação específica, capaz de
compreender a necessidade de práticas
educativas que estejam de acordo com a
realidade daquele contexto de ensino.
Para isso, se faz necessária uma
formação docente multidisciplinar que
garanta uma visão ampla da realidade que
permeia a problemática do campo; a
exemplo dos Cursos de Pedagogia da
Terra, que se destinam à formação de
professores em nível superior, com curso
de licenciatura plena, para atuarem
principalmente na educação do/no campo.
A Educação do Campo é, pois,
desafiadora, por promover reflexões no
que diz respeito aos processos históricos
vivenciados pelos sujeitos, nos diversos
aspectos sociais, políticos, econômicos e
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culturais, conduzindo os sujeitos do campo
a se valorizarem como pessoas, como
também a valorizarem o ambiente em que
vivem. Desse modo, a formação dos
professores deve ser considerada como um
dos componentes de mudanças no contexto
escolar.
De acordo com Nóvoa (1995, p. 28),
... a formação não se faz antes da
mudança, faz-se durante, produz-se nesse
esforço de inovação e de procura dos
melhores percursos para a transformação
da escola”. Nessa perspectiva, a formação
docente contribui para a prática educativa,
no contexto escolar, através das inovações
ocorridas durante as aulas, como também
para as mudanças, em nível organizacional,
através da colaboração dos professores e
de toda a comunidade escolar na
construção da proposta pedagógica voltada
para a melhoria do ensino.
Os saberes que permeiam a prática
docente em classes multianos
Ao abordarmos os saberes docentes,
devemos ressaltar a relevância da formação
continuada, como sendo um dos aspectos
presentes na carreira profissional do
educador. Em consonância com Tardif
(2002), concordamos que, atualmente, o
mercado de trabalho exige cidadãos
capacitados para atuar no mundo
globalizado, e, por isso, é necessário
buscarmos uma qualificação profissional,
para a melhoria da qualidade do trabalho
docente; e, sem dúvidas, os cursos de
capacitação, seminários, reuniões
pedagógicas, dentre outros, muito
contribuem para a formação continuada
dos professores, a fim de que eles possam
mediar uma aprendizagem que seja
significante na formação dos educandos.
Assim sendo, a formação continuada
é um processo permanente de busca por
qualificação em que os professores
necessitam estar atualizados para
acompanharem as mudanças que vêm
ocorrendo no sistema educacional
brasileiro, como também ampliarem seus
conhecimentos acerca da prática docente.
De acordo com Tardif (2002, p. 262),
Os saberes profissionais são
temporais num terceiro sentido, pois
são utilizados e se desenvolvem no
âmbito de uma carreira, isto é, de um
processo de vida profissional de
longa duração do qual fazem parte
dimensões identitárias e dimensões
de socialização profissional, bem
como fases e mudanças.
Os saberes docentes são, portanto, de
grande relevância na prática pedagógica,
uma vez que, advindos de diversas fontes e
de contextos diferentes são provenientes de
sua história de vida e de sua cultura
escolar, e adquiridos nos cursos de
capacitação, na sua formação enquanto
aluno universitário, bem como na
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instituição escolar, lócus de troca de
experiências com os colegas de trabalho,
onde ocorre a interação para discutirem as
temáticas que permeiam o cotidiano da
escola.
Saber conviver, pois, no espaço
escolar é fundamental para todos os
profissionais, tendo em vista que os
saberes produzidos, nessa relação de
interação, contribuem para a prática
pedagógica. É, portanto, pertinente reiterar
que os professores, ao trabalharem com os
alunos na sala de aula, devem refletir sobre
sua prática, para que possam atender à
diversidade existente no contexto escolar.
Segundo Tardif (2002, p. 263),
... a prática profissional dos
professores é heterogênea ou
heterônoma no tocante aos objetivos
internos da ação e aos saberes
mobilizados. Por exemplo, quando
observamos professores trabalhando
em sala de aula, na presença dos
alunos, percebemos que eles
procuram atingir, muitas vezes de
forma simultânea, diferentes tipos de
objetivos: procuram controlar o
grupo, motivá-lo, levá-lo a se
concentrar numa tarefa, ao mesmo
tempo em que dão uma atenção
particular a certos alunos da turma,
procuram organizar atividades de
aprendizagem, acompanhar a
evolução da atividade, dar
explicações, fazer com que os alunos
compreendam e aprendam, etc. Ora,
esse conjunto de tarefas evolui
durante o tempo da aula de acordo
com uma trama dinâmica de
interações humanas entre professores
e alunos.
Isso nos mostra que o trabalho
docente requer uma variedade de
habilidades e competências, de modo que o
professor possa interagir com os
educandos, buscando uma metodologia de
trabalho relevante na aprendizagem destes,
fazendo com que os alunos respeitem as
diferenças culturais existentes no contexto
escolar. Assim, o professor deve procurar
mobilizar os alunos na aula, a fim de que
eles possam buscar conhecimentos que
contribuam para que sejam cidadãos
capazes de lutar por um mundo com menos
desigualdades sociais.
Conforme Charlot (2013, p. 114),
Ensinar é, ao mesmo tempo,
mobilizar a atividade dos alunos para
que construam saberes e transmitir-
lhes um patrimônio de saberes
sistematizados legado pelas gerações
anteriores de seres humanos.
Conforme os aportes de Bachelard, o
mais importante é entender que a
aprendizagem nasce do
questionamento e leva a sistemas
constituídos. É essa viagem
intelectual que importa. Ela implica
que o docente não seja apenas
professor de conteúdos, isto é, de
respostas, mas também, e em
primeiro lugar, professor de
questionamento.
Dessa forma, reiteramos, o professor
deve tentar entender o contexto do aluno e
buscar compreender como se constrói sua
história, no seu cotidiano, fazendo com que
as atividades trabalhadas na sala de aula
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tenham relevância na formação desses
educandos.
Tendo em vista a importância dos
saberes docentes, conforme fora abordado
por Tardif (2002), como sendo temporal e
plural, esses saberes são adquiridos através
de experiências e socializados com os
grupos nos quais os professores estão
inseridos. Assim, no tocante ao ensino nas
classes multianos, em cuja experiência os
professores usam seus saberes para
lecionar, atendendo a uma diversidade de
anos, simultaneamente, exige-se um
esforço maior por parte destes, por ter que
planejar para diversos níveis de
aprendizagem. Em sua ação docente, esses
saberes são fundamentais, por permitirem
que o professor que trabalha nessa
modalidade de ensino tenha o domínio de
conteúdos diversificados para poder
mediar à aprendizagem dos educandos,
levando em consideração a diversidade de
cada grupo, sejam eles: ribeirinho,
agricultores; quilombolas, entre outros,
cujos alunos precisam ser respeitados em
sua própria identidade.
Sabemos que é no contexto da escola
que a interação acontece, assim a
socialização entre professor e aluno é algo
que se constrói no cotidiano escolar, onde
o professor procura organizar as atividades
que são trabalhadas, mobilizando os alunos
para trabalharem em grupos de modo que
os mesmos passem a ser responsáveis pelas
suas atividades. De acordo com Tardif
(2002, p. 118), ... ensinar é desencadear
um programa de interações com um grupo
de alunos, a fim de atingir determinados
objetivos educativos relativos à
aprendizagem de conhecimentos e à
socialização”.
Sendo assim, o ensino é uma
atividade interativa, isto é, um trabalho
realizado entre pessoas, onde professores e
alunos interagem em busca do saber.
Concordamos com Tardif (2002, p. 239),
ao afirmar: “os saberes dos professores se
baseiam, em boa parte, em sua experiência
na profissão e em suas próprias
competências e habilidades individuais”.
Esses saberes devem estar articulados a
outras dimensões do ensino, da experiência
pessoal e das pesquisas que o professor
encontra para aprimorar sua prática; cujos
saberes são plurais e heterogêneos, sendo
fundamentais no próprio exercício do
trabalho docente.
Portanto, é no ato de ensinar que o
professor vai compreendendo como
acontece a organização dos conhecimentos
que deverão propiciar a apreensão de
saberes, contribuindo para o
desenvolvimento e aprendizagem dos
alunos.
Considerações finais
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Mediante o exposto, vimos que as
turmas multianos constituem uma
realidade do campo, em cujas turmas existe
um único professor, assumindo, muitas
vezes, múltiplas funções, no contexto
escolar. Essa junção de anos em uma
mesma turma contribui para a
fragmentação do trabalho pedagógico,
fazendo com que as atividades de
planejamento e avaliação sejam executadas
isoladamente.
As classes multianos constituem uma
especificidade da realidade educacional do
campo, sendo essencial, pois, considerar os
saberes docentes produzidos no contexto
escolar e na interação com os educandos,
através do diálogo que contribui
essencialmente para a aprendizagem dos
mesmos. Enfatizamos, ainda, a importância
dos saberes, que são essenciais, bem como
a socialização de educadores e educandos,
como também dos demais profissionais da
instituição, havendo uma troca de
conhecimentos, que poderão contribuir
para o processo de aprendizagem de forma
coletiva.
Em geral, isso nos mostra que, diante
de uma turma de alunos, o professor
precisa ter conhecimento dos conteúdos
que serão trabalhados, fazendo um diálogo
com esses alunos, uma vez que saber
conduzir uma sala de aula e estabelecer
uma relação com os alunos é de suma
importância para o trabalho docente. Esses
saberes são essenciais à socialização de
educadores e educandos, como também
dos demais profissionais da instituição,
havendo uma troca de conhecimentos, que
poderão contribuir para o processo de
aprendizagem de forma coletiva. Isso nos
mostra que o professor precisa ter
conhecimento dos conteúdos que serão
trabalhados, fazendo um diálogo com esses
alunos, uma vez que saber conduzir uma
sala de aula e estabelecer uma relação com
os alunos é de suma importância para o
trabalho docente.
Dessa forma, este trabalho surgiu
dessa necessidade de aprofundarmos a
reflexão acerca do ensino nas classes
multianos, e os saberes docentes que
permeiam a prática pedagógica desses
professores que lecionam nessa
modalidade de ensino. Realizamos
pesquisa de campo nas referidas
instituições: Unidade de Ensino V
Francelino Granjeiro; Unidade de Ensino
VIII José Alves Pereira; Unidade de
Ensino XII Narcísia Amélia do
Nascimento; e Unidade de Ensino XVIII
Manoel Chagas de Aquino, e constatamos
a dificuldade das professoras em trabalhar
nessas escolas, pela falta de
acompanhamento da equipe pedagógica
bem como de outras questões pertinentes
no âmbito do espaço escolar.
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Portanto, faz-se necessário um olhar
aguçado voltado para essas escolas, por
parte da equipe administrativa e
pedagógica, bem como estudos
direcionados para a formação continuada
dos professores, a fim de que eles possam
ampliar seus conhecimentos e compartilhar
seus saberes que são advindos de suas
experiências profissionais no decorrer de
sua formação escolar e cotidiana.
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Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 27/04/2018
Aprovado em: 06/09/2018
Publicado em: 17/04/2019
Received on April 27th, 2018
Accepted on September 06th, 2018
Published on April, 17th, 2019
Contribuições no artigo: Os autores foram os
responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final a ser publicada.
Author Contributions: The authors were responsible for
the designing, delineating, analyzing and interpreting the
data, production of the manuscript, critical revision of the
content and approval of the final version to be published.
Conflitos de interesse: Os autores declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Geralda Maria de Bem
http://orcid.org/0000-0001-8440-9687
Cícero Nilton Moreira da Silva
http://orcid.org/0000-0001-6773-7451
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Bem, G. M., & Silva, C. N. M. (2019). Um olhar sobre o
ensino nas classes multianos. Rev. Bras. Educ. Camp., 4,
e5242. DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e5242
ABNT
BEM, G. M.; SILVA, C. N. M. Um olhar sobre o ensino nas
classes multianos. Rev. Bras. Educ. Camp.,
Tocantinópolis, v. 4, e5242, 2019. DOI:
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e5242