Revista Brasileira de Educação do Campo
The Brazilian Scientific Journal of Rural Education
THEMATIC DOSSIER / ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-4863.2018v3n4p1268
Tocantinópolis
v. 3
n. 4
p. 1268-1293
set./dez.
2018
ISSN: 2525-4863
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Experiências educativas e empoderamento das mulheres
indígenas Kaingang: formação de professoras/es em
educação do/no campo
Moises Marques Prsybyciem
1
, Almir Paulo dos Santos
2
, Rejane Fernandes da Silva Vier
3
, Rosemari Monteiro Castilho
Foggiatto Silveira
4
1
Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS. Departamento de Educação. RS-135, 200, Zona Rural. Erechim - RS. Brasil.
2
Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS.
3
Universidade Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR.
4
Universidade
Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR.
Autor para correspondência/Author for correspondence: moises.prsybyciem@uffs.edu.br
RESUMO. Este trabalho tem o objetivo de compreender o
contexto das mulheres indígenas Kaingang no Curso
Interdisciplinar em Educação do Campo: Ciências da Natureza -
Licenciatura da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS),
Campus Erechim, discutindo aspectos como as experiências
educativas da participação feminina na construção do
conhecimento científico e o empoderamento da mulher indígena
com sua inserção na educação superior. A metodologia utilizada
tem abordagem qualitativa de natureza interpretativa e a
pesquisa, em relação aos procedimentos técnicos, é bibliográfica
e documental. Os dados foram construídos com a utilização da
Proposta Pedagógica do Curso (PPC), da observação das
experiências e do Registro Acadêmico da UFFS. Os principais
resultados evidenciam que as mulheres indígenas-Kaingangs
possuem uma elevada representatividade no curso de
Licenciatura em Educação do Campo na formação de
professoras/es na área de Ciências da Natureza, percebendo,
assim, que a inserção da mulher Kaingang na educação superior
contribui para a construção da autonomia, para o
empoderamento e a resistência dos povos indígenas. Tais
resultados apontam para a importância da participação feminina
indígena na construção do conhecimento científico e sua
ressignificação, levando em consideração as dinâmicas sociais e
culturais dos povos do/no campo.
Palavras-chave: Mulheres Indígenas Kaingangs, Formação de
Professores, Empoderamento, Educação do Campo, Ciências da
Natureza.
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Educational experiences and empowerment of Kaingang
indigenous women: teacher training in rural education
ABSTRACT. This work aims to understand the context of
Kaingang indigenous women in the Interdisciplinary Course in
Rural Education: Natural Sciences - Licentiate of Federal
University of Southern Border (UFFS), Campus Erechim,
discussing aspects such as the educational experiences of female
participation in construction of scientific knowledge and the
empowerment of indigenous women with their inclusion in
higher education. The methodology used has a qualitative
approach of an interpretive nature and the research, in relation to
the technical procedures, is bibliographical and documentary.
The data were constructed using the Pedagogical Proposal of the
Course (PPC), the observation of the experiences and the UFFS
Academic Registry. The main results show that the Kaingangs
indigenous women have a high degree of representation in the
course in Rural Education in the training of teachers in the area
of Natural Sciences, thus realizing that the insertion of Kaingang
women in higher education contributes to the construction of
autonomy, empowerment and resistance of indigenous peoples.
These results point to the importance of indigenous female
participation in the construction of scientific knowledge and its
re-signification, taking into account the social and cultural
dynamics of the peoples of the countryside.
Keywords: Kaingangs Indigenous Women, Teacher Training,
Empowerment, Rural Education, Natural Sciences.
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Experiencias educativas y empoderamiento de las mujeres
indígenas Kaingang: formación de profesoras/es en
educación del/en el campo
RESUMEN. Este trabajo tiene el objetivo de comprender el contexto
de las mujeres indígenas Kaingang en el Curso Interdisciplinario en
Educación del Campo: Ciencias de la Naturaleza - Licenciatura de la
Universidad Federal de la Frontera Sur (UFFS), Campus Erechim,
discutiendo aspectos como las experiencias educativas de la
participación femenina en la construcción del conocimiento científico
y el empoderamiento de la mujer indígena con su inserción en la
educación superior. La metodología utilizada tiene un enfoque
cualitativo de naturaleza interpretativa y la investigación, en relación a
los procedimientos técnicos, es bibliográfica y documental. Los datos
fueron construidos con la utilización de la Propuesta Pedagógica del
Curso (PPC), de la observación de las experiencias y del Registro
Académico de la UFFS. Los principales resultados evidencian que las
mujeres indígenas Kaingangs poseen una elevada representatividad en
el curso de Licenciatura en Educación del Campo en la formación de
profesoras/es en el área de Ciencias de la Naturaleza, percibiendo así
que la inserción de la mujer Kaingang en la educación superior
contribuye a la construcción de la autonomía, al empoderamiento ya la
resistencia de los pueblos indígenas. Tales resultados apuntan a la
importancia de la participación femenina indígena en la construcción
del conocimiento científico y su resignificación, teniendo en cuenta
las dinámicas sociales y culturales de los pueblos del campo.
Palabras clave: Mujeres Indígenas Kaingangs, Formación de
Profesores, Empoderamiento, Educación del Campo, Ciencias de la
Naturaleza.
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Introdução
Os cursos de Licenciatura em
Educação do Campo LEdoC no contexto
brasileiro vêm se fortalecendo,
contribuindo, assim, para o
desenvolvimento educacional e social das
comunidades do/no campo em todas as
regiões do Brasil. Existem, atualmente, 36
(trinta e seis) instituições de educação
superior que oferecem os cursos de
LEdoC, a maioria por área de
conhecimento 32 (trinta e duas)
instituições federais e 4 (quatro)
instituições estaduais (Brasil, 2018). São
61 (sessenta e um) cursos de graduação de
LEdoC em diferentes campi das referidas
instituições. Dessas instituições federais,
29 participaram do Edital 02/2012, do
Programa Nacional de Educação do
Campo - PRONACAMPO, que visava
desenvolver um conjunto de ações e de
procedimentos para a melhoria do ensino,
principalmente em relação à formação de
professoras/es para as escolas do/no campo
(Brasil, 2010).
Assim, ora se apresentam algumas
universidades federais por região que
oferecem LEdoC, sendo: i) no Centro-
Oeste: Universidade de Brasília UnB; ii)
no Nordeste: Universidade Federal do
Maranhão UFMA; iii) na região Norte:
Universidade Federal do Tocantins UFT;
iv) na região Sudeste: Universidade
Federal do Espírito Santo UFES; e v) na
região Sul: Universidade Federal da
Fronteira Sul − UFFS.
A UFFS, Campus Erechim, desde a
sua criação, defendeu a construção de uma
universidade pública e popular, voltada
para a superação das desigualdades sociais,
especialmente em relação à população
mais excluída do campo e da cidade. O
Curso Interdisciplinar em Educação do
Campo: Ciências da Natureza -
Licenciatura CIEdoCCN-Licenciatura,
emergiu das ações de incentivo do
Programa de Apoio à Formação Superior
em Licenciatura em Educação do Campo
PROCAMPO e tem como proposta a
formação de professoras/es na área de
Ciências da Natureza para atuarem em
escolas do/no campo. O referido curso
conta, atualmente, em sua maioria, com
estudantes indígenas, sendo,
predominantemente, a presença e
representatividade das mulheres indígenas
Kaingangs e de mulheres não indígenas.
Nesse contexto, apesar das inúmeras
e constantes discussões que permeiam o
cenário acadêmico, assim como inúmeros
estudos relacionados à questão de gênero,
esta pesquisa sobre a mulher indígena vai
ao encontro de uma questão complexa,
pois, além da dificuldade histórica da luta
das mulheres por espaço em seus diversos
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contextos sociais, também envolve um
número maior de mulheres indígenas na
educação superior, oriundas de
comunidades indígenas, que, além de
fortalecer seu reconhecimento social,
econômico e político, fortalece também a
autonomia da mulher que luta pelos
direitos, por seu espaço em suas
comunidades.
Muito além da discussão sobre o
acesso às universidades, este estudo sugere
a necessidade de uma reflexão sobre a
possibilidade de retorno do trabalho
desenvolvido pela academia nas
comunidades a que pertencem essas
mulheres e as possíveis contribuições
efetivas dos conhecimentos ali produzidos
para a população, uma vez que as mulheres
indígenas Kaingangs participam da
construção do conhecimento científico na
universidade.
Este trabalho tem, portanto, o
objetivo de compreender o contexto das
mulheres indígenas Kaingangs no
CIEdoCCN-Licenciatura, da UFFS,
Campus Erechim, discutindo aspectos
como as experiências educativas da
participação feminina no cenário científico,
a resistência e o empoderamento da mulher
indígena com sua inserção na educação
superior.
Cenário da inserção indígena na
educação superior brasileira
A inserção indígena na Educação
Superior e o modo como as universidades
vêm respondendo a essa demanda é uma
das questões centrais para a compreensão
da participação e do empoderamento das
mulheres indígenas Kaingangs na LEdoC.
Ao adentrar na história, em seu espaço
geográfico, seus costumes e tradições,
vamos compreendendo as inquietações, os
rumores e as lutas dos indígenas pelo
espaço territorial que lhe foi usurpado as
transformações culturais ocasionadas pelo
desenvolvimento capitalista, como a
necessidade de encontrar caminhos
diferenciados de sobrevivência, não mais
possível somente pela natureza: “A gente
tem que ser como um rio. Não
empecilho no mundo que faça sair do seu
percurso. Ele caminha lento, mas
constantemente. Ninguém consegue
apressar o rio. A natureza tem um tempo e
nós devemos seguir o mesmo tempo dela”
(Munduruku, 2004, p. 2). A entrada na
Educação Superior da população indígena
foi uma conquista, um caminho possível de
esclarecimento sem perder seu percurso
natural.
No processo de colonização feita
pelos invasores europeus, registram-se
inúmeros fatos desastrosos e bárbaros
contra os povos que aqui habitavam.
Denominados pelos europeus de “índios”,
as mais diferentes etnias eram vistas como
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seres inferiores comparados aos
parâmetros científicos europeus da época.
Alves (2004) explicita que, ao olharmos
para a história, é possível identificar que
sempre foi analisada aquela história escrita
do ponto de vista do dominador, que
considerava o seu domínio uma etapa
gloriosa de conquista de uma civilização
superior. Essas conquistas e invasões pelos
colonizadores foram marcadas por
massacres, destruição de suas moradias,
escravidão, expulsão de suas terras, dentre
outras. Muitos indígenas foram mortos por
não aceitarem as mais cruéis imposições e
outros escravizados. A resistência e vida
naturalizada fazem do índio uma das
marcas importantes de preservação de sua
cultura e tradição, onde a “... enxada nunca
se firmou na mão do índio, nem seu de
nômade se transformou em de boi
paciente e sólido”. (Freire, 1999, p. 95).
Os invasores europeus, ao chegarem
às terras brasileiras, encontraram indígenas
destituídos de pudor. Segundo Ribeiro
(1995), as indígenas foram utilizadas pelos
portugueses, tanto para a satisfação sexual,
como para a expansão do “cunhadismo”
“Ao engravidar uma indígena, isso tornava
o estrangeiro parente dos outros indígenas
da tribo. Dessa forma, aumentava a força
de trabalho para carregar o pau-brasil que
produzia o enriquecimento econômico”
(Ribeiro, 1995, p. 80). Utilizavam-se do
corpo e da alma da mulher indígena sem a
preocupação de as estarem machucando ou
de estarem impondo a degradação
feminina: “Quantas vezes essas mulheres
choraram sem entender a brutalidade dos
'deuses barbudos' e 'fétidos' descidos das
barcas misteriosas e distribuindo objetos
interessantes”. (Ribeiro, 1995, p. 81).
Nessa realidade de mortalidades dos
povos indígenas durante a invasão
europeia, muitas crianças ficaram órfãs,
como muitas mulheres se tornaram viúvas
e muita sabedoria cultural, identidade,
tradição foi ceifada. Uma das
características culturais que segue na
história é o respeito aos que têm mais
idade. Trata-se da sabedoria ancestral, que
é algo vital e de grande relevância para a
memória indígena, preservando a
manutenção de sua identidade. Essas
características culturais perpassam as vidas
das crianças e das mulheres, sendo essas
mulheres consideradas “... próximas da
mãe terra e muito preciosas por terem o
dom de gerar a vida em si, perpetuando seu
povo”. (Kauss & Peruzzo, 2012, p. 35) e as
crianças ocupavam um espaço privilegiado
na sociedade indígena, por integrar-se
facilmente a seu ambiente natural,
aprendendo desde a infância a ser parte da
cultura, tradição e costumes da
comunidade indígena.
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O primeiro contato com o ensino
escolar aos indígenas ocorreu com a
chegada dos jesuítas no Brasil no ano de
1549. Ribeiro (1995) explicita que a
primeira reivindicação pela instrução
feminina no Brasil partiu de uma indígena,
que pediu ao Padre Manoel da Nóbrega
que ensinasse. Para os indígenas, as
mulheres eram companheiras e não havia
razões para não dar oportunidades
educacionais a elas. Essa iniciativa, porém,
não progrediu nos séculos seguintes por
causa da cultura europeia sem essa visão
de igualdade.
Somente com a criação do Serviço de
Proteção ao Índio SPI, em 1910, que
surgiu uma rede de escolas para ensinar as
primeiras letras aos índios, mas em
português. Esse quadro se alterou
posteriormente, 1967, com a criação da
Fundação Nacional do Índio FUNAI,
pois foram criadas escolas bilíngues, com
professores índios ministrando aulas da
língua e cultivando também as tradições
étnicas indígenas.
Quanto à educação superior,
Paladino (2013) explicita que os principais
movimentos indígenas pela educação
superior se dão pela necessidade de
formação de professores indígenas nesse
nível. Bergamaschi, Doebber e Brito
(2018) explicitam que as práticas
educativas e o cenário escolar têm se
modificado com ampliação do número de
escolas em terra indígenas e com
professores pertencentes às comunidades,
formados em cursos superiores com
propostas curriculares e didáticas que
contemplaram os saberes originários de
cada comunidade.
Com a Constituição Federal de 1988
CF/1988, os indígenas conquistaram
legalmente o respeito quanto ao seu modo
de ser, à sua diversidade cultural e o direito
de se organizarem socialmente. Essa
conquista promoveu diversas mudanças na
vida dos indígenas, principalmente na
educação escolar. Os aspectos legais
contidos na Carta Magna romperam
oficialmente com as “... políticas de tutela
e integração, reconhecendo pela primeira
vez o direito às formas de organização
social dos povos originários, às línguas,
aos usos e aos costumes, assim como o
direito à educação escolar bilíngue e
diferenciada”. (Bergamaschi, Doebber &
Brito, 2018, p. 38). A promulgação da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação de 1996
LDB/1996, possibilitou aos índios o
direito de fato a uma educação escolar
específica, com articulação dos sistemas de
ensino para a oferta de educação escolar
bilíngue e intercultural aos povos
indígenas, fortalecendo as suas práticas
culturais e os processos próprios de
aprendizagem. A LDB/1996 propiciou,
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com isso, a possibilidade de recuperação
de suas memórias históricas e “... a
reafirmação de suas identidades étnicas, a
valorização de suas nguas e ciências e o
acesso às informações e aos conhecimentos
técnicos e científicos da sociedade nacional
e das demais sociedades indígenas”.
(Santos, Gobbi & Lopes, 2017, p. 72).
A década de 1990 é marcada por
diversas discussões no âmbito da educação
brasileira e por temas como
multiculturalismo e interculturalidade,
temas esses fundamentados por políticas
internacionais. No bojo desse debate, as
políticas de acesso a educação superior de
populações historicamente excluídas
tornam-se de extrema relevância. O
interesse dos povos indígenas pela
educação superior está relacionado ao
enfrentamento de suas condições de vida e
à luta pela sobrevivência, não sendo
possível pelos meios naturais da sua antiga
tradição. A inserção na educação superior é
mais uma das “... ferramentas para
promover suas próprias propostas de
desenvolvimento, por meio do
fortalecimento de seus conhecimentos
originários e do incremento de suas
capacidades de negociação, dentro e fora
de suas comunidades”. (Luciano, Oliveira
& Hoffman, 2010, p. 8). Na verdade, no
entanto, ações que de fato propiciaram o
ingresso de estudantes indígenas na
educação superior surgiram por meio de
convênios entre a Fundação Nacional do
Índio FUNAI e algumas instituições
privadas e comunitárias.
No início da década de 2000 surgiu a
“... primeira licenciatura indígena do país
pela Universidade do Estado do Mato
Grosso UNEMAT de forma intervalar”.
(Davi, Melo & Malheiro, 2013, p. 114).
Logo depois, em 2004, surgiu o Programa
Universidade para Todos ProUni, do
governo federal, importante porta de
entrada para as instituições de educação
superior privadas. Através da Lei Federal
12711/2012, as Universidades Federais
e os IFES passaram a garantir o acesso de
estudantes indígenas a educação superior
através de cotas étnicas, o que deixou de
ser apenas uma vontade política, passando
a ser uma garantia de acesso. Atualmente,
ainda muito incipiente, denota-se que a
demanda pela educação superior para a
formação de professores em licenciatura
intercultural indígena vem se ampliando.
Assim, dois pontos nos parecem
centrais: um que faz referência à CF/1988
para o cumprimento da educação
diferenciada e bilíngue e o outro, a
necessidade de aparato jurídico para a
questão da luta pela terra. Faustino, Novak
e Cipriano (2013) afirmam que a primeira
universidade federal brasileira a
estabelecer ações afirmativas para a
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educação superior indígena foi a
Universidade de Brasília UnB, no
formato de cotas e vagas suplementares
para indígenas. Também merece destaque
a Universidade do Estado de Mato Grosso
UNEMAT, que, no ano de 2001, criou o
Curso de Licenciatura Intercultural de
nível superior, como uma das primeiras
iniciativas de acesso diferenciado de
indígenas a educação superior público do
país. Em 2005, o governo federal lançou o
Programa de Apoio à Formação Superior e
Licenciatura Indígena PROLIND,
programa divulgado pelo Edital 5
SESU/SECAD/MEC, convocando as
instituições de educação superior do país a
apresentarem propostas de projetos de
curso de licenciatura específicos para a
formação de professores indígenas.
O objetivo do PROLIND foi apoiar
projetos desenvolvidos em conjunto com
as comunidades indígenas, tendo seu
principal foco na formação em licenciatura
para professores interculturais,
proporcionando a permanência de
estudantes indígenas em diferentes cursos.
Faustino, Novak e Cipriano (2013)
exemplificam que o Projeto Trilhas do
Conhecimento no Museu Nacional
analisou 213 instituições públicas de
educação superior e registrou que 20%
dessas instituições apresentam alguma
forma de ação afirmativa para o ingresso
de indígenas na graduação, sendo que 28
delas são estaduais e 15, federais. Esses
projetos focalizam estudos direcionados ás
línguas indígenas, questões relacionadas à
gestão, com a valorização de suas culturas
e a inserção no mercado de trabalho.
Bergamaschi, Doebber e Brito (2018)
apresentam que, em 2004, o montante da
população indígena que cursava a
educação superior era de 1.300 (mil e
trezentos) estudantes em instituições
privadas, com apoio da FUNAI. Em 2013,
cresce a participação das universidades
públicas, com 72 instituições que oferecem
cursos de graduação e de pós-graduação,
numa estimativa de 10 (dez) mil indígenas
na educação superior.
Observa-se que, nas últimas décadas,
ocorreu um crescimento do número de
indígenas na educação superior. Embora
tenhamos investimentos e ações
governamentais, o maior movimento
provém dos povos originários, que elegem
a educação superior como um espaço de
afirmação e de resistência e muitas
universidades estão aliadas a essa luta.
Paladino (2013) apresenta que no Brasil
existem 26 cursos de licenciatura
interculturais nas universidades públicas
para a formação de professores, como
bacharelados específicos. Bergamaschi e
Kurroski (2013) afirmam existir um
descompasso regional acentuado no
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oferecimento no número de vagas e de
cursos para a educação superior indígena.
Na região Norte do Brasil, onde vive
grande parte dos indígenas brasileiros,
apenas 35% de universidades oferecem
vagas para estudantes indígenas. na
região Sul do Brasil, com uma população
indígena menor, 61% das universidades
contam com a presença de estudantes
indígenas, com 210 etnias de povos
originários.
É nesse contexto que a Universidade
Federal Fronteira Sul, a partir do Edital
PRONACAMPO/2012, criou o
CIEdoCCN-Licenciatura, com a proposta
de formação de professores para atuarem
em escolas do/no campo na área de
Ciências da Natureza, priorizando a
diversidade das populações do campo que
ainda não tiveram oportunidade de
ingressar na educação superior. A primeira
turma iniciou no segundo semestre do ano
de 2013. Nos últimos anos, um número
cada vez maior de indígenas (a maioria
mulheres indígenas) tem ingressado no
curso, graças ao impacto positivo das
políticas afirmativas fomentadas pelo
governo federal, bem como dos
movimentos dos próprios indígenas em
ocupar um espaço que deveria ter iniciado
há muito tempo.
A participação feminina na construção
do conhecimento científico e a formação
de professoras/es na área de Ciências da
Natureza para escolas do/no campo
Sabe-se, historicamente, que a
Ciência sempre foi caracterizada como
uma atividade predominantemente
masculina (Chassot, 2004). Apenas
algumas mulheres exerciam papéis de
destaque, porém o acesso às discussões que
aconteciam nas academias científicas era
considerado restrito aos homens. Essa
situação sofreu algumas modificações no
século XVIII, com o acesso das mulheres
nessa atividade. Entretanto, essas mulheres
eram esposas ou filhas de homens que
produziam Ciência (Leta, 2003). Para
Chassot (2004, p. 13), "... ainda nas
primeiras décadas do culo XX, a Ciência
estava culturalmente definida como uma
carreira imprópria para a mulher, da
mesma maneira que, ainda na segunda
metade do século XX, se dizia quais eram
as profissões de homens e quais as de
mulheres”.
Após a segunda metade do século
XX é que se evidencia uma mudança
caracterizada pela necessidade de recursos
humanos e com o momento social de luta
pela igualdade de direitos entre os homens
e mulheres (Leta, 2003). Fazendo uma
leitura sobre esse histórico, Chassot (2004)
questiona o fato de que nos dias de hoje,
em pleno terceiro milênio, ainda são
demarcados os espaços públicos e quais
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profissões podem ser assumidas ou não
pela mulher. Estudos apresentados por
Leta (2003) destacam a participação
feminina nas universidades e a conquista
de um importante espaço no campo da
Ciência e Tecnologia, apresentando que
houve uma mudança na universidade
brasileira em relação à frequência da
mulher, pois as mulheres atualmente são a
maioria em boa parte dos cursos de
graduação e pós-graduação no país.
Apesar de todas as conquistas sociais
das mulheres, ainda uma necessidade de
reivindicação de espaços e de condições
igualitárias, principalmente na valorização
da carreira e do trabalho da mulher no
campo das Ciências. Diante desse
contexto, pensar na formação de
professoras/es de Ciências da Natureza
para as escolas do/no campo é também
pensar na formação do indivíduo numa
perspectiva crítica e participativa, levando
em consideração as necessidades e as
especificidades dos povos do/no campo
(Arroyo, Caldart & Molina, 2004).
Partindo da necessidade de atender
às atuais demandas sociais e culturais dos
sujeitos do/no campo, a formação dos
sujeitos se constitui uma preocupação
central na formação de professoras/es. O
ensino de Ciências, segundo Krasilchik e
Marandino (2007), é caracterizado pela
oscilação entre a necessidade acadêmica de
transmitir os conteúdos e os conceitos
necessários para a formação do cidadão e a
utilização dos conteúdos e conceitos na
vida das pessoas.
Conforme Prsybyciem, Santos e
Sartori (2017), o projeto de Educação do
Campo sempre expressou a necessidade de
formar professoras/es capazes de
compreender as contradições científicas,
culturais, ideológicas, tecnológicas,
sociais, políticas, éticas e econômicas
enfrentadas pelos sujeitos que vivem do/no
campo, desenvolvendo práticas educativas
e organizacionais que preparem esses
professores/as para enfrentar essas diversas
contradições, o que vai além da simples
transmissão de conteúdos.
Para Pozo e Crespo (2009), a
necessidade de se atender a novas
demandas de formação do sujeito, ou seja,
de proporcionar aos futuros cidadãos
procedimentos e capacidades de
aprendizagem que atendam às atuais
demandas sociais de forma contextualizada
e interdisciplinar.
Prsybyciem, Santos e Sartori (2017)
explicitam que, no CIEdoCCN-
Licenciatura, ainda se encontram muitas
demandas a ser melhoradas, tanto no
ensino quanto na pesquisa e na extensão,
porém ressalta-se que tanto os professores
quanto os estudantes buscam construir
conhecimento integrado com a realidade.
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Inicia-se conhecendo a realidade de cada
sujeito e de sua comunidade, para depois
dialogar com os conhecimentos científicos
e saberes e práticas populares, visando
desenvolver e construir o conhecimento.
Dessa forma, vale ressaltar a
importância de promover reflexões sobre a
formação de professoras/es para a área de
Ciências da Natureza, uma vez que, para
atender aos desafios, é necessário que o/a
professor/a também passe por um processo
de formação condizente com as
necessidades enfrentadas nas LEdoC. É
muito importante que a formação de
professoras/es dialogue com várias
realidades, seja na busca da qualidade
formativa e seja na transformação social,
tão necessária.
Todavia, “... o ensino de ciências
esteve dirigido, principalmente, a
transmitir o corpus conceitual das
disciplinas, os principais modelos e teorias
gerados pela ciência para interpretar a
natureza e seu funcionamento”. (Pozo &
Crespo, 2009, p. 46). Dessa forma, para a
formação de professoras/es em uma
LEdoC é necessário ir além, articulando os
aspectos culturais, ideológicos, políticos,
éticos, dentre outros e não apenas o corpus
conceitual. O papel do/a professor/a na
formação na área de Ciências da Natureza
é complexo, pois envolve, além de
conceitos, leis e teorias, a linguagem
científica a ser utilizada, todos os aspectos
e contextos. Sendo assim, essa tarefa
demanda, do/a professor/a, um processo de
formação crítico e reflexivo (Ribeiro &
Benite, 2013).
Assim, é necessário que a formação
dos/as professores/as contemple não
apenas os conhecimentos científicos, mas
que potencialize a compreensão do mundo
físico, como a formação para a cidadania e
a participação de forma consciente do meio
em que está inserido. Tais professores
precisam estar formados para participar das
tomadas de decisão coletivas na sociedade
e, assim, de fato, se sentirem incluídos nela
pela participação ativa, com argumentação
no meio social.
De acordo com Krasilchik e
Marandino (2007) muitas/os professoras/es
e pesquisadoras/es defendem que o ensino
de Ciências da Natureza deve ter por
objetivo a formação do cidadão
cientificamente alfabetizado e preparado
para enfrentar os desafios de seu cotidiano
a partir da reflexão e do uso de
conhecimentos específicos.
Entende-se que a construção de
conhecimentos começa durante a
formação acadêmica, quando o
professor desenvolve o hábito de
refletir sobre a própria formação, não
àquela adquirida em sala de aula,
mas àquela aprendida em suas
pesquisas, leituras, discussões e
participações em eventos. Nesse
momento, o professor está formando
seu repertório de conhecimentos que
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carregará ao longo de sua vida, com a
necessidade de aprimoramento
constante (Seixas, Calabró & Sousa,
2017, p. 290).
Abordar a reflexão sobre a formação
de professoras/es de Ciências da Natureza
considerando um contexto específico,
como é o caso da mulher indígena
Kaingang, é uma tarefa que vai ao
encontro das discussões referentes à
formação para a participação social na
tomada de decisão, levando em
consideração, nas discussões, os aspectos
relacionados ao gênero, à discriminação e à
desigualdade social na construção do
conhecimento científico.
É de se enfatizar, então, que esses
desafios complexos exigem dos/as
professores/as, em sua prática pedagógica,
o rompimento com conceitos de Ciência
dogmatizados, lineares, fragmentados e
descontextualizados da realidade dos
estudantes do/no campo (Prsybyciem,
Santos & Sartori, 2017). A formação de
professores de Ciência precisa ir ao
encontro da realidade dos sujeitos, para
que possa ser transformada a partir dos
conhecimentos científicos. Tanto a
realidade dos estudantes como o
conhecimento científico devem caminhar
juntos, na formulação de novos saberes e
conhecimentos.
Conforme os estudos de Grubits
(2014) sobre a educação e políticas
públicas relacionadas às mulheres
indígenas do Centro Oeste brasileiro,
houve, nas últimas décadas, um
significativo aumento do número de
mulheres indígenas que buscam as
universidades, mas que ainda mantêm
contato com suas comunidades. Essas
mulheres, além de manterem as suas
tradições, contribuem para que outros
membros de suas famílias também tenham
acesso ao ensino e participem ativamente
da tomada de decisões em seu meio.
Assim, considerando a importância
do papel das mulheres indígenas
Kaingangs perante as suas comunidades,
acredita-se que o processo de formação de
professoras/es deve ser comprometido com
as suas realidades, visando à contribuição
de fato para atender às necessidades e as
demandas de suas comunidades. O ensino
de Ciências da Natureza é a possibilidade
de tratar de questões presentes na vida do
sujeito e permitir sua participação na
sociedade na qual está inserido, o que pode
possibilitar a quebra de quaisquer barreiras
relacionadas ao gênero ou à etnia.
Conforme Prsybyciem, Santos e
Sartori (2017), os principais desafios de ser
professor/a em escola do/no campo se
referem à construção da identidade
profissional, à responsabilidade político-
social, como também à necessidade de
compromisso com a transformação social,
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visando torná-la mais justa, mais
igualitária, inclusiva, humana e com menos
preconceitos em relação a fatores como
etnia, gênero, cor e orientação sexual.
Aspectos metodológicos
A abordagem metodológica utilizada
na presente pesquisa é qualitativa, de
natureza interpretativa (Moreira & Caleffe,
2008). Em relação aos procedimentos
técnicos, a pesquisa é bibliográfica e
documental. É bibliográfica porque a
fundamentação teórica básica empregada
deriva de livros e de artigos publicados em
periódicos sobre o tema. A pesquisa
também é documental, uma vez que se
utilizou de documentos e de registros (Gil,
1991).
Este estudo emergiu e foi
desenvolvido no grupo de pesquisa
intitulado "Educação e Desenvolvimento
Social do Campo UFFS", fazendo parte
do projeto de pesquisa: “Concepções dos
acadêmicos do curso Interdisciplinar em
Educação do Campo: Ciências da Natureza
sobre Ciência, Tecnologia e Sociedade”,
aprovado pelo Parecer
2.393.063/Comitê de Ética da UFFS.
Para o desenvolvimento desta
pesquisa foram vários os pressupostos
teóricos que o orientaram, cabendo referir
Arroyo, Caldart e Molina (2004),
Prsybyciem, Santos e Sartori (2017),
Chassot (2004 e 2006), Krasilchik e
Marandino (2007), Paladino (2013),
Bergamaschi, Doebber e Brito (2018),
Santos, Gobbi e Lopes (2017), Luciano
(2010), Faustino, Novak e Cipriano (2013),
Davi, Melo e Malheiro (2013), Leta
(2003). Esses fundamentos foram postos a
dialogar com os dados e as experiências
enfrentadas na LEdoC pelas mulheres
indígenas Kaingangs e por mulheres não
indígenas.
Os dados foram construídos com a
utilização da Proposta Pedagógica do
Curso PPC (2013) e do Registro
Acadêmico da UFFS/Campus Erechim
(2017). Para o desenvolvimento deste
trabalho, esta pesquisa foi estruturada em
três momentos: no primeiro momento
ocorreu o levantamento dos dados do
registro acadêmico em relação ao número
de turmas, número de estudantes, número
de mulheres não indígenas e número de
mulheres indígenas Kaingangs na LEdoC.
O segundo momento foi o de organização
das experiências educativas e das vivências
das mulheres no CIEdoCCN-Licenciatura.
E o último momento serviu para confrontar
as ideias, as experiências e os dados,
confronto do qual decorreram as reflexões
e os resultados desta pesquisa.
A análise ocorreu pela leitura e
releitura dos dados construídos no processo
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de desenvolvimento da LEdoC/Erechim
sobre as mulheres indígenas Kaingangs.
Eles foram sistematizados por unidades de
significado, observando as concordâncias e
as discordâncias (Bardin, 1991). Dessa
análise surgiram as duas categorias de
análise: i) compreendendo o contexto das
mulheres indígenas Kaingangs na LEdoC
da UFFS/Erechim e ii) perspectivas de
contribuições das mulheres Kaingangs na
comunidade: experiências educativas e
empoderamento.
Resultados e Discussões
Compreendendo o contexto das
mulheres indígenas Kaingangs na
LEdoC da UFFS/Erechim
A UFFS possui uma estrutura
multicampi, com unidades localizadas na
cidade de Chapecó/SC (sede), Erechim/RS,
Cerro Largo/RS, Passo Fundo/RS,
Realeza/PR e Laranjeiras do Sul/PR. O
CIEdoCCN-Licenciatura do Campus
Erechim/RS visa atender à necessidade de
formação de professoras/es do/no campo
na área de Ciências da Natureza para as
escolas da região. Esse projeto de
universidade pública e popular foi pensado
visando a presença das classes populares e
trabalhadoras na universidade e na
construção de um projeto de
desenvolvimento sustentável e solidário,
tendo como seu eixo estruturador a
agricultura familiar e camponesa, buscando
a transformação da realidade, opondo-se à
reprodução das desigualdades que
provocaram o empobrecimento da região
(PPC, 2013).
Assim, com os compromissos
assumidos pela UFFS na luta pela
superação das desigualdades sociais e
regionais, foram construídas políticas
diferenciadas de acesso ao CIEdoCCN-
Licenciatura, por meio de edital específico
(Edital 526/GR/UFFS/2018 -
https://www.uffs.edu.br/atos-
normativos/edital/gr/2018-0526),
possibilitando o acesso à educação superior
da população regional que mais precisa de
políticas públicas. A LEdoC conta com a
presença de povos tradicionais (indígenas
Kaingang e Guarani), filhos de pequenos
agricultores (agricultura familiar), do
Movimento dos Atingidos por Barragens
(MAB), do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) e dos acampados
e assentados de projeto de reforma agrária.
Na UFFS/Erechim, no segundo
semestre de 2017, existiam 179 (cento e
setenta e nove) estudantes com matrículas
ativas no CIEdoCCN-Licenciatura. Desses,
147 (cento e quarenta e sete) são indígenas,
o que corresponde a 82% dos estudantes do
curso (Registro Acadêmico da UFFS,
2017). Atualmente, frequentam o curso
estudantes de aproximadamente vinte e
duas (22) comunidades indígenas da região
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do Alto Uruguai Gaúcho (Ronda Alta,
Nonoai, Cacique Dobre, Iraí, Charrua,
Erebango, Engenho Velho, Planalto, dentre
outros). Essas comunidades Kaingangs,
muitas vezes, encontram-se desassistidas
de políticas públicas, aumentando as
condições de vulnerabilidade social e
econômica, o que leva, por exemplo, ao
alcoolismo e a suicídios.
As mulheres indígenas Kaingangs
possuem uma elevada representatividade
no Curso de LEdoC (ver Quadro 2), com
cerca de 80 (oitenta) estudantes com
matrícula ativa. Elas também estão
buscando ocupar diferentes espaços em
suas comunidades e na universidade,
lutando e reivindicando políticas públicas
sociais e educacionais, acessando a
educação superior e atuando no magistério
em diversas escolas indígenas. Essas
mulheres estão ocupando esses espaços
para, elas mesmas, mostrarem o sofrimento
da violência e da marginalização a que
foram relegadas desde a construção desta
sociedade não indígena que começou na
invasão europeia e continua até os dias de
hoje (Kauss & Peruzzo, 2012). Esse grito
de indignação pode ser encontrado no
poema de Eliane Potiguara, no trecho:
Não sou violência
Ou estupro
Eu sou história
Eu sou cunhã
Barriga brasileira
Ventre sagrado
Povo brasileiro
Ventre que gerou
O povo brasileiro
Hoje está só…
A barriga da mãe fecunda
E os cânticos que outrora cantava
Hoje são gritos de guerra
Contra o massacre imundo.
(Potiguara, 2004, p. 34-35).
Nesse sentido, a mulher Kaingang
vem lutando pelo direito à educação, pelo
respeito à sua cultura e identidade e,
principalmente, denunciando esse processo
de marginalização que os indígenas
sofrem/ram. Assim, esse processo de
inserção do indígena Kaingang na
educação superior ocorreu pelas diversas
lutas e reivindicações, sempre com
participação das mulheres dos povos
indígenas por políticas públicas.
Muitas das mulheres indígenas
matriculadas no curso são estudantes-
mulheres-mães-indígenas, o que fica
evidente no cuidado com a criança
(filhas/os acompanham a mãe) durante as
aulas, bem como a sua força de mulher em
não deixar de estar na universidade
impressiona a todos. Com todas essas
dificuldades, elas não desistem e
perseguem seu sonho o de concluir a
educação superior e ajudar a sua
comunidade com o seu conhecimento. Ser
estudante-mulher-mãe-indígena tem
proporcionado sensações, vivências e
reflexões no anseio por estudar as origens,
as histórias de vida e compreender as
formas discriminatórias que a mulher
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indígena sofreu ao longo da história e
contribuído para que essas estudantes-
mulheres-mães fortaleçam o
empoderamento, no sentido de conquistar
seu espaço de mulher no contexto social,
político, cultural e econômico e de
resistência pela equidade de gênero,
igualdade de condições, discriminação,
dentre outros.
Esse envolvimento da mulher
indígena impressiona, pois outras mães
precisam enfrentar a distância física de
suas crianças sob os cuidados de outros
membros de suas comunidades para
estudar, gerando muito sofrimento,
afetando inclusive o desempenho
acadêmico. Schild (2016) apresenta que a
mulher indígena é responsável pela
educação das crianças, pelas atividades
domésticas, educação e saúde, e muitas são
as responsáveis pelas finanças em seus
lares, para isso trabalhando com artesanato.
Por isso é preciso vivenciar para
compreender e fortalecer os espaços de
discussão, ensino, pesquisa e extensão na
CIEdoCCN-Licenciatura. Schild (2016)
explicita que a altivez da mulher indígena
nos momentos mais críticos e de
discussões, mesmo com lágrimas nos
olhos, não fraquejou nas suas falas e
atitude.
Na CF/1988 e na LDB/1996, os
indígenas tiveram legalmente reconhecidas
as suas dinâmicas sociais e culturais, com
direito a uma educação escolar específica,
respeitando suas especificidades e
necessidades. Isso está em concordância
com as reflexões de Paladino (2013),
quando explicita que os principais
movimentos indígenas pela educação
superior ocorreram pela necessidade de
formação de professoras/es indígenas em
nível superior para atender às escolas de
suas comunidades.
Para Kauss e Peruzzo (2012), os
indígenas viviam/em em comunidades em
que a terra era/é de todas as pessoas que ali
habitam/vam e onde tudo era/é
compartilhado. Tudo era/é organizado
entre todos os membros da comunidade,
inclusive as tarefas do cotidiano são
divididas por idade e por gênero. A
atribuição de tarefas específicas não
significava inferioridade ou distinção de
poder, mas, sim, são simplesmente, tarefas
que precisavam ser feitas para o bem de
todos da comunidade.
Nas comunidades, as mulheres
indígenas Kaingangs desenvolvem
atividades como o artesanato (confecção de
cestas e balaios, fabricação de colares com
sementes, filtro dos sonhos, dentre outros)
e esses objetos são por elas
comercializados com ajuda de seus filhos.
Essa prática é um fator essencial para a
preservação da cultura, a geração de renda
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e a resistência social e cultural dos
indígenas Kaingang.
O artesanato faz parte da cultura
Kaingang, expressando sua visão de
mundo e a forma de se relacionar com o
meio. É uma atividade de caráter familiar,
resultado do trabalho manual feito a mão.
O artesão possui os próprios meios de
produção e desenvolve seu trabalho em
conjunto com a família em todas as etapas,
desde o preparo da matéria-prima até o
acabamento final, passado de geração em
geração (Ballivián, 2011).
Nesse contexto, além do artesanato,
as mulheres indígenas Kaingang
contribuem de outras maneiras para o
desenvolvimento de sua comunidade,
participando, assim, da organização
familiar e exercendo papel, muitas vezes,
de liderança. Na educação, cerca de quinze
(15) mulheres indígenas Kaingangs
(18,8%) que fazem o CIEdoCCN-
Licenciatura atuam como professoras em
escolas indígenas, contribuindo com
experiências educativas em relação à sua
formação na universidade. Como
explicitado, elas são 57,5% do total de
estudantes da LEdoC/Erechim, conforme
os dados apresentados no quadro.
Quadro 1. Turmas, gênero e número de estudantes do CIEdoCCN - Licenciatura, na UFFS, Campus Erechim,
com matriculas ativas em 2017.
Gênero
2017.2
2016.1
2015.2
2015.1
2014.2
2014.1
de
estudantes
Feminino
22
25
17
21
10
8
103
Masculino
17
14
19
14
6
6
76
Total de
estudantes
39
39
36
35
16
14
179
Fonte: Autoria própria, construído com base nos dados fornecidos pela Secretaria Acadêmica - Campus
Erechim/RS (2017).
Esse processo mostra a
elementaridade das políticas públicas
sociais e educacionais para a ascensão e o
empoderamento da mulher indígena
Kaingang na construção do conhecimento
científico. Leta (2003), em seus estudos,
destaca a importância da participação das
mulheres nas universidades e na conquista
de espaço no desenvolvimento da Ciência
e Tecnologia. Para Chassot (2004), a
Ciência sempre foi caracterizada como
uma atividade masculina, ou seja, com
restrição da participação feminina. Por
isso, a necessidade de reivindicação de
espaços e de condições igualitárias para a
mulher, principalmente as mulheres
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indígenas, que sofrem/ram um longo
processo de violência e de marginalização
social e cultural.
Conforme Prsybyciem, Santos e
Sartori (2017), na construção do
conhecimento científico e tecnológico na
formação de professoras/es em Ciências da
Natureza exige-se a ruptura de conceitos
de Ciência lineares, fragmentados, como
verdades absolutas e descontextualizadas
da realidade dos estudantes do/no campo,
uma vez que as/os professoras/es
formadas/os em um LEdoC precisam
enfrentar diferentes contradições, levando
em consideração as necessidades e as
especificidades dos povos do/no campo
(Arroyo, Caldart & Molina, 2004).
A participação da mulher (ver
Quadro 2) na construção do conhecimento
científico na formação de professoras/es na
área de Ciências da Natureza para as
escolas do/no campo exige discussões
sobre gênero, sobre desigualdade social e
sobre empoderamento da mulher.
Quadro 2. Mulheres no CIEdoCCN Licenciatura, na UFFS, Campus Erechim, com matriculas ativas em 2017.
Raça
Indígenas
Kaingangs
Pretos
Pardos
Brancos
Não
declarado
Percentagem / de
alunas
77,67% (80)
1,94% (2)
3,88% (4)
15,54% (16)
0,97% (1)
Fonte: Autoria própria, construído com base nos dados fornecidos pela Secretaria Acadêmica - Campus
Erechim/RS (2017).
Assim, das cento e três (103)
mulheres com matrículas ativas no
CIEdoCCN-Licenciatura na UFFS/Campus
Erechim em 2017, oitenta (80) estudantes
são indígenas Kaingang, duas (2)
estudantes se autodeclaram pretas, quatro
(4) estudantes pardas, dezesseis (16)
estudantes brancas e uma (1) estudante não
declarada. Para Luciano, Oliveira e
Hoffman (2010), a inserção do indígena na
educação superior é uma ferramenta para o
empoderamento, para o fortalecimento dos
conhecimentos originários, para uma
educação voltada para as suas
especificidades, para a tomada de decisão e
para o desenvolvimento das comunidades.
Busca-se, portanto, um ensino de Ciência e
Tecnologia mais democrático e inclusivo,
visando a uma formação do cidadão
cientificamente alfabetizado (Krasilchik &
Marandino, 2007).
Perspectivas de contribuições das
mulheres Kaingangs na comunidade:
experiências educativas e
empoderamento
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A inserção da mulher indígena na
educação superior no CIEdoCCN-
Licenciatura, além de proporcionar um
enriquecimento no ensino, pesquisa e
extensão na universidade, pela interação
com os/as professores/as-estudantes/as-
comunidade, fortaleceu as experiências
educativas e o empoderamento da mulher
indígena Kaingang, em seu contexto social
e cultural, ressignificando os
conhecimentos, a linguagem, a autonomia
da mulher. O desenvolvimento dos
conhecimentos científicos, isso aliado aos
saberes populares indígenas, potencializa
experiências educativas e constitui na
mulher indígena um empoderamento, tanto
para reconstruir o respeito a identidade e
cultura indígena, como a formulação de
novos saberes, importante para os povos
do/no campo.
Villacorta e Rodríguez (2002)
entendem que o empoderamento é uma
perspectiva que permite, às pessoas
excluídas e discriminadas, a sua reinserção
nos processos de desenvolvimento e a
recuperação de poder para novamente
viver com autonomia e legitimidade.
Assim, no caso das pessoas e dos diversos
grupos sociais que se encontram excluídos
dos sistemas dominantes,reconstruir para
elas uma consciência política responsável
significa colocar o sistema financeiro e o
Estado para atender aos interesses e às
necessidades dessas pessoas e desses
grupos que mais precisam.
Nessa perspectiva, a inserção da
mulher na educação superior tem
contribuído para a construção da
autonomia e, de certa maneira, do
empoderamento, por ela conhecer-se e
reconhecer-se como sujeito do
conhecimento, reconstruindo a si mesma,
sua cultura e fortalecendo a identidade no
interior da comunidade indígena. Amaral
(2010) explicita que as mulheres indígenas
estão cada vez mais organizadas e
politizadas, procurando seu espaço social
com o objetivo de reafirmar sua identidade,
segurança, saúde e respeito. É o resgate das
lutas de nossos antepassados que nos faz
cada vez mais lutar por nossos direitos que
sejam justos.
Para Almeida (2015), a partir dos
anos 1990, os movimentos sociais
passaram a buscar o empoderamento de
pessoas e de diversos grupos sociais que
vivem em condições de extrema
desigualdade social, econômica e política.
Nessa mesma década ocorrem as primeiras
inserções indígenas na educação superior,
enquanto possibilidade de melhoria de sua
estrutura de subsistência. Todavia, no
processo de ensino-aprendizagem,
observa-se que a educação superior para os
indígenas lhe possibilitou compreender as
ideologias do sistema opressor, que
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historicamente lhe retirou sua cultura,
identidade e língua originária, bem como
possibilitou perceber a necessidade de
resgatar seu espaço social e sua identidade.
Kauss e Peruzzo (2012) afirmam que
as mulheres indígenas estão desenvolvendo
cada vez mais a seus conhecimentos. A
pesquisa, o ensino e a extensão são
instrumentos provindosda educação
superior importantes para a luta pelos
direitosda mulher indígena. Esse
empoderamento e as experiências
educativas construídas no processo
formativo na educação superior certamente
trazem, para a mulher indígena Kaingang,
o reconhecimento que lhe foi tirado
historicamente.
Conforme Villacorta e Rodríguez
(2002, p. 47), o empoderamento é um
processo que permite: a) “Assumir o
controle de seus próprios assuntos; b)
produzir, criar, gerar novas alternativas; c)
mobilizar suas energias para o respeito a
seus direitos; d) mudar as relações de
poder; e) poder discernir como escolher; f)
levar a cabo suas próprias opções”. Esse
processo de empoderamento da mulher
Kaingang pode ser estimulado com a sua
inserção na educação superior pelas
reflexões do seu papel como professora na
educação básica na área de Ciências da
Natureza e ou como cidadã em sua
comunidade, o que refletirá em sua prática
pedagógica em sala de aula e na vida.
Em trabalho recente, Prsybyciem,
Santos e Sartori (2017) evidenciam as
perspectivas e os desafios na formação de
professoras/es para as escolas localizadas
nas comunidades indígenas e nas escolas
do/no campo no CIEdoCCN-Licenciatura.
Esses autores alertam para necessidade de
articulação na área de Ciências da
Natureza com a identidade cultural dos
sujeitos, o choque de culturas (diferentes
povos do campo e diferentes
especificidades), a língua, os aspectos
pedagógicos relacionados à organização e
ao trabalho no regime de alternância
interação entre o Tempo Comunidade e o
Tempo Universidade.
Assim, as experiências educativas da
participação da mulher indígena Kaingang
na formação de professoras/es na Educação
do Campo referem-se à ressignificação da
construção do conhecimento nas Ciências
da Natureza, levando em consideração o
resgate da cultura, da culinária, dos
costumes, dos valores e da identidade das
comunidades indígenas.A confecção do
artesanato é "trabalhada" nos espaços
educativos (universidade-escola), sendo
utilizada como ferramenta para abordar os
conteúdos científicos, articulando com a
cultura, identidade e o modo ver o mundo
dos indígenas.
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No CIEdoCCN-Licenciatura busca-
se desenvolver os componentes
curriculares de maneira interdisciplinar,
utilizando, por exemplo, um ensino por
meio de “temas geradores” (Freire, 2009)
em alguns componentes. Com essas
experiências educativas, as mulheres
indígenas Kaingangs podem desenvolver
práticas pedagógicas que propiciem aos
estudantes de suas comunidades uma visão
mais crítica de mundo, acerca de situações
da realidade que abrangem professoras/es e
estudantes. Esses temas precisam ser
postos à reflexão dos sujeitos para a
respectiva tomada de consciência.
no III Seminário Internacional de
Educação do Campo e III Fórum de
Educação do Campo da Região Norte do
Rio Grande do Sul: Resistência e
Emancipação Social e Humana (III
SIFEDOC -
iiisifedocerexim20.wixsite.com/iiisifedoc/g
ts) realizado na UFFS/Erechim, foi a
primeira vez que se estruturou um grupo de
trabalho na área, intitulado “Povos
Tradicionais, Relações de Gêneros e
Feminismos no Campo”. Esse grupo de
trabalho visava discutir as condições e a
qualidade de vida das mulheres indígenas,
as desigualdades enfrentadas e as questões
de gênero em diferentes espaços.
Portanto, o que se busca na formação
de professoras/es na área de Ciências da
Natureza para as escolas do/no campo é
possibilitar uma alfabetização científica
crítica, humana e mais politizada, com a
participação ativa das mulheres indígenas
Kaingangs na construção do conhecimento
científico. Essa alfabetização é um
processo que busca a participação
democrática de todos os atores sociais,
principalmente a participação da população
mais excluída socialmente (indígenas,
quilombolas...) no processo de tomada de
decisão responsável, politizada e efetiva
em diferentes contextos (Hodson, 1998).
Considerações finais
No desenvolvimento desta pesquisa
percebeu-se que as mulheres indígenas
Kaingangs enfrentam diversas dificuldades
para frequentar a educação superior,
dificuldades como transporte no trajeto
Comunidade-Universidade e vice-versa, a
maternidade (filha/o acompanha a
mãe/estudante nas aulas) e o preconceito.
Mesmo assim, elas asseguram a maior
representatividade no Curso LEdoC de
formação de professoras/es na área de
Ciências da Natureza, Campus Erechim.
Tal representação se deve às políticas de
acesso construídas para educação superior
e pela autonomia desenvolvida pelas
mulheres, que estão buscando, cada vez
mais, ocupar seus espaços em diversos
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setores sociais e de liderança em suas
comunidades, denunciando as violências e
o processo de marginalização sofridos
pelos indígenas.
Percebe-se que a inserção da mulher
indígena na educação superior contribuiu
para o empoderamento da mulher e a
resistência dos povos indígenas, uma vez
que as experiências educacionais durante o
CIEdoCCNLicenciatura se refletem
positivamente na prática pedagógica da
futura professora em sala de aula,
formando estudantes mais críticos/as pela
discussão das diversas contradições
enfrentadas pelos povos do/no campo,
desenvolvendo, assim, sujeitos conscientes
e capazes de mudar sua realidade.
Além disso, observa-se a importância
da participação feminina na construção do
conhecimento científico, para a
ressignificação desse conhecimento,
levando em consideração as dinâmicas
sociais e culturais dos povos do/no campo.
Com a participação da mulher na
construção da Ciência e Tecnologia na
universidade, é possível desconstruir e
ressignificar o processo histórico em que a
Ciência era uma atividade basicamente
masculina, restrição que no mundo atual
não tem mais sentido.
Dessa forma, fica evidente, nas
experiências vivenciadas no curso em
relação à vinda das mulheres indígenas
Kaingangs para a universidade, que esse
processo tem provocado alguns impactos
dentro e fora da aldeia e que demandam
enfrentamentos conjuntos. Ainda assim,
suas lideranças e familiares acreditam e
continuam apoiando e incentivando essas
mulheres à experiência da educação
superior.
Há, portanto, a necessidade de as
mulheres indígenas continuarem ocupando
esses espaços, reivindicando condições
igualitárias e justas na construção e na
democratização da Ciência e Tecnologia,
principalmente para as pessoas e grupos
sociais excluídos e que mais precisam, o
que pode ser realizado com uma
alfabetização científica crítica humana e
mais politizada.
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Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 30/05/2018
Aprovado em: 12/09/2018
Publicado em: 23/12/2018
Received on May 30th, 2018
Accepted on September 12th, 2018
Published on December 23th, 2018
Contribuições no artigo: Os autores foram responsáveis
pela elaboração, análise e interpretação dos dados;
escrita e revisão do conteúdo do artigo, e aprovação
da versão final publicada.
Author Contributions: The authors were responsible for
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content and approval of the final version published.
Conflitos de interesse: Os autores declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Moises Marques Prsybyciem
http://orcid.org/0000-0001-8220-7416
Almir Paulo dos Santos
http://orcid.org/0000-0002-9283-3178
Rejane Fernandes da Silva Vier
http://orcid.org/0000-0001-9123-1725
Rosemari Monteiro Castilho Foggiatto Silveira
http://orcid.org/0000.0002-0432-5182
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Prsybyciem, M. M., Santos, A. P., Vier, R. F. S., & Silveira,
R. M. C. F. (2018). Experiências educativas e
empoderamento das mulheres indígenas Kaingang:
formação de professoras/es em educação do/no campo.
Rev. Bras. Educ. Camp., 3(4), 1268-1293. DOI:
http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-4863.2018v3n4p1268
ABNT
PRSYBYCIEM, M. M.; SANTOS, A. P.; VIER, R. F. S.;
SILVEIRA, R. M. C. F. Experiências educativas e
empoderamento das mulheres indígenas Kaingang:
formação de professoras/es em educação do/no campo.
Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 3, n. 4,
set./dez., p. 1268-1293, 2018. DOI:
http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-4863.2018v3n4p1268