Revista Brasileira de Educação do Campo
The Brazilian Scientific Journal of Rural Education
THEMATIC DOSSIER / ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-4863.2018v3n4p1316
Tocantinópolis
v. 3
n. 4
p. 1316-1344
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2018
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Práticas de leitura e escrita de mulheres camponesas:
reflexões a partir de algumas histórias de apropriação
Sônia Maria Alves de Oliveira Reis
1
, Carmem Lúcia Eiterer
2
1
Universidade do Estado da Bahia - UNEB. Departamento de Educação. Avenida Universitária Vanessa Cardoso e Cardoso de
Lira, S/N. Ipanema. Guanambi - BA. Brasil.
2
Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG.
Autor para correspondência/Author for correspondence: sonia_uneb@hotmail.com
RESUMO. Este texto objetiva apresentar práticas de leitura e
escrita de mulheres camponesas com pouca escolarização. O
estudo insere-se no quadro de pesquisas sobre os modos de
participação nas práticas culturais relacionadas à leitura e à
escrita por meio de distintas instâncias de socialização. Ele
surgiu do pressuposto de que não existe uma cultura escrita
dada, mas sim uma diversidade de culturas do escrito que
variam em função do contexto de uso e aprendizagem e não são
exclusivamente dependentes da língua escrita baseada no
sistema alfabético. A metodologia de investigação seguiu uma
orientação dos pressupostos qualitativos de pesquisa. Utilizou-se
história oral, diário de campo constituído a partir dos eventos de
letramento observados nas CEBs e entrevistas, com a finalidade
de identificar formas de acesso e apropriação de materiais
escritos. Além disso, apresentam-se os significados, os papéis e
as concepções que as deres das CEBs atribuem à leitura e à
escrita, especificamente a partir de algumas histórias de
apropriação. Por intermédio dos procedimentos adotados na
análise dos dados, foi possível interpretar que as diferentes
formas de participação nas culturas do escrito dessas mulheres
se pautam na mediação entre o oral e o escrito.
Palavras-chave: Mulheres Camponesas, Culturas do Escrito,
Letramento, CEBs, Participação Cidadã.
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Reading and writing practices of peasant women:
reflections from some appropriation stories
ABSTRACT. This text aims to present practices of reading and
writing of peasant women with little schooling. The study is part
of the research on the ways of participating in cultural practices
related to reading and writing through different instances of
socialization. It arose from the assumption that there is no
written culture yet, but rather a diversity of writing cultures that
vary according to the context of use and learning that are not
exclusively dependent on written language based on the
alphabetic system. The research methodology followed an
orientation of the qualitative research presuppositions. We used
oral history, a field diary made up of the literacy events
observed in the CEBs and interviews, in order to identify forms
of access and appropriation of written materials. In addition, the
meanings, roles, and conceptions that CEB leaders attribute to
reading and writing are presented, specifically from some
appropriation histories. Through the procedures adopted in the
analysis of the data it was possible to interpret that the different
forms of participation in the writing cultures of these women are
based on the mediation between the oral and the written.
Keywords: Peasant Women, Writing Cultures, Literacy, CEBs,
Citizen Participation.
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Prácticas de lectura y escrita de mujeres campesinas:
reflexiones a partir de algunas historias de apropiación
RESUMEN. Este texto objetiva presentar prácticas de lectura y
escritura de mujeres campesinas con poca escolarización. El
estudio se inserta en el marco de investigaciones acerca de los
modos de participación en las prácticas culturales relacionadas a
la lectura ya la escritura por medio de distintas instancias de
socialización. El surgió del supuesto de que no existe una
cultura escrita ya dada, sino una diversidad de culturas del
escrito que varían en función del contexto de uso y aprendizaje
que no son exclusivamente dependientes de la lengua escrita
basada en el sistema alfabético. La metodología de investigación
siguió una orientación de los presupuestos cualitativos de
investigación. Se utili historia oral, diario de campo
constituido a partir de los eventos de letramento observados en
las CEBs y entrevistas, con la finalidad de identificar formas de
acceso y apropiación de materiales escritos. Además, se
presentan los significados, los papeles y las concepciones que
las líderes de las CEBs atribuyen a la lectura ya la escritura,
específicamente a partir de algunas historias de apropiación. Por
intermedio de los procedimientos adoptados en el análisis de los
datos fue posible interpretar que las diferentes formas de
participación en las culturas del escrito de esas mujeres se basan
en la mediación entre lo oral y lo escrito.
Palabras clave: Mujeres campesinas, culturas del escrito,
letramento, CEBs, participación ciudadana.
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Introdução
O desejo de conhecer as trajetórias
de vida de mulheres camponesas e seus
percursos de formação e atuação se ancora
em minha própria história de vida
i
, pois
cresci acompanhando a rotina diária de
mulheres líderes de CEBs que atuavam na
zona rural do município de Candiba,
interior da Bahia, distante 825 km da
capital baiana. Com elas, tive meus
primeiros contatos com os materiais
impressos. O exercício de liderança se
imiscuía nos afazeres domésticos e nas
atribuições de mãe, esposa, filha e
trabalhadora rural. Esse contexto, quando
ainda era pequena, ensinou-me não só a
valorizar o trabalho comunitário, mas
também a pensar nos diversos papéis
assumidos diariamente pelas lideranças
que atuam na zona rural. As reminiscências
das práticas culturais de leitura vivenciadas
nas noites de lua cheia ou nas reuniões ao
redor da fogueira e a “contação” de
histórias nas rodas coletivas realizadas na
casa de farinha ainda hoje permanecem
vivas em mim. Muitas foram as narrativas
sobre lobisomem e mula sem cabeça, as
histórias bíblicas e os causos, como os de
Pedro Malasarte, que ouvi.
Quanto ao mundo da escrita, a
presença de livros ou de outros materiais
impressos, em minha infância
ii
, restringia-
se aos didáticos de distribuição gratuita da
escola ou aos materiais impressos
religiosos, como jornais, boletins e
cartilhas, cartazes e folhetos das
Campanhas da Fraternidade, livros de
cantos e catecismos
iii
. As práticas de leitura
e escrita foram motivadas pelas conversas
e mediadas pela oralidade no espaço da
família, da escola e da igreja. Essas
lembranças se entrelaçam, dialogam entre
si e compõem meu universo leitor, que
acolheu e envolveu o estudo aqui exposto.
De agora em diante, é utilizada a primeira
pessoa do plural para apresentar um
trabalho realizado a muitas mãos e a
muitas vozes.
As reflexões deste texto são um
recorte de uma pesquisa de doutorado a
respeito de como mulheres lideranças das
Comunidades Eclesiais de Base
iv
(CEBs)
da Diocese de Caetité/BA
v
, que pouco ou
nunca frequentaram a escola, constroem
seus modos de participação nas culturas do
escrito. Ressaltamos que não pretendemos
apenas descrever os modos de participação
de mulheres camponesas nas culturas do
escrito, mas entender como a pouca
instrução escolar, a origem camponesa, a
questão de gênero, o pertencimento
religioso e a leitura de impressos de
materiais religiosos que circulam nas CEBs
fazem parte da construção desses sujeitos
como leitores e escritores.
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Nesse contexto, a pesquisa indaga:
em que medida os modos e as estratégias
de leitura realizados nos encontros de
formação de lideranças, nas famílias ou
nos salões das comunidades influenciam a
apropriação da leitura e da escrita? Qual o
significado da leitura dos impressos para as
mulheres sem nenhuma ou com pouca
escolarização que atuam como líderes nas
CEBs rurais da Diocese de Caetité/BA?
Como determinado grupo de indivíduos,
pertencente ao meio rural, participa de
situações que demandam ler e/ou escrever?
Que instâncias favorecem a ampliação das
habilidades de leitura e escrita em contexto
rural? Essas questões surgiram a partir da
leitura de pesquisas sobre modos de
participação de indivíduos nas culturas do
escrito, pouco abordados nas publicações
consultadas, e das observações realizadas
no Movimento de Mulheres Camponesas
da Diocese de Caetité.
Ao analisarmos os perfis de seis
mulheres camponesas, constatamos que foi
longa a trajetória trilhada por elas até a
conquista do espaço público e religioso.
Filhas de pequenos agricultores, nasceram
e viveram na zona rural; nela, aprenderam
desde cedo as lidas do campo. Suas
infâncias foram marcadas pela
religiosidade popular, pelas dificuldades de
sobrevivência e pelo difícil acesso à escola.
Os baixos níveis de escolaridade de
Margarida e Dália
vi
(terceira série do
Ensino Fundamental), Acácia, Jasmim e
Íris (quarta rie do Ensino Fundamental),
e Hortênsia (sexta série do Ensino
Fundamental), não são uma questão da
chegada tardia à escola. Percebemos que a
distribuição do acesso à cultura escrita para
essas mulheres, além de ter sido regulada
pela escolarização, foi limitada pelos
fatores referentes ao âmbito social, à
etnia/raça e ao gênero.
A pesquisa foi realizada em seis
Comunidades Eclesiais de Base, situadas
na Paróquia Nossa Senhora das Dores,
localizada no município de Candiba/BA
vii
e vinculada à Diocese de Caetité/BA. A
coleta de dados ocorreu mediante
utilização da história oral, diário de campo
constituído a partir dos eventos de
letramento observados nas CEBs e
entrevistas, com a finalidade de identificar
formas de acesso e apropriação de
materiais escritos - o que, por que, como e
quando essas mulheres leem e escrevem. A
análise documental possibilitou
contextualizar e caracterizar as instituições
envolvidas nesse processo de investigação,
situando-as no passado e no presente.
A metodologia de investigação
seguiu uma orientação dos pressupostos
qualitativos de pesquisa (Flick, 2004). A
compreensão dos dados fundamentou-se
nos pressupostos da abordagem qualitativa,
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a qual tem estas características: interação
entre o pesquisador e o objeto investigado,
ênfase no processo, permissão da
modificação de técnicas de coleta, releitura
de questões, localização de novos sujeitos,
revisão de toda a metodologia durante o
desenrolar do trabalho, preocupação em
retratar a visão pessoal dos participantes,
trabalho de campo, descrição e indução.
Tal perspectiva visa, assim, à descoberta
de novos conceitos, novas relações, novas
formas de entendimento da realidade
(Green et al., 2005).
No texto que desenvolvemos a
seguir, apresentamos estudos, pesquisas e
relatos de experiências que discorrem
sobre um modo de ser mulher, de
participar das culturas do escrito e das
práticas religiosas e sociais. Além disso,
descrevemos algumas histórias de
apropriação de práticas de leitura e escrita
vivenciadas por mulheres camponesas,
destacando como se deu sua inserção no
mundo da escrita por meio de momentos
distintos de interação com o objeto escrito.
Mulheres, culturas do escrito e
participação cidadã
Este estudo insere-se no quadro de
pesquisas a respeito dos modos de
participação nas práticas culturais
relacionadas à leitura e à escrita por meio
de distintas instâncias de socialização.
Partimos do pressuposto de que não existe
uma cultura escrita dada, mas sim uma
diversidade de culturas da escrita, que
variam conforme o contexto de uso e
aprendizagem. A propósito, para Marinho
(2010, p. 75), “cultura escrita envolve as
práticas do escrito que não são
exclusivamente dependentes da língua
escrita baseada no sistema alfabético”.
Na perspectiva proposta por Galvão
(2010, p. 218-220), é polêmico e complexo
conceituar cultura escrita, que o termo
implica pensar algumas consequências,
como o fato de essa cultura não ser
homogênea. A autora afirma ser relevante
pensar em culturas do escrito, pois, dessa
forma, é possível entender e abarcar as
diversidades de práticas e usos que
envolvem o fazer cotidiano, bem como
perceber os usos das culturas do escrito
presentes em uma comunidade, sem,
contudo, priorizar uma prática em
detrimento de outras. Assim, não se trata
de conceber o mundo da escrita, as práticas
letradas, apenas como aquisição da
habilidade de escrever; o conceito deve se
estender a “todo evento ou prática que
tenha como mediação a palavra escrita”.
(Galvão, 2010, p. 219). A pesquisadora
considera a cultura escrita como “lugar
simbólico e material que o escrito ocupa
em/para determinado grupo social,
comunidade ou sociedade” (Galvão, 2010,
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p. 218). Entende que não existe uma
cultura escrita dada a priori, mas que é
possível pensar em uma diversidade de
culturas escritas que se alternam a
depender das necessidades e das funções
do contexto de uso e aprendizagem.
A pesquisa de mestrado da primeira
autora deste artigo, realizada no Programa
de Pós-Graduação da Faculdade de
Educação da Universidade Federal de
Minas Gerais (FaE/UFMG), no período de
2007 a 2009, evidencia, por meio das
práticas educativas e das tensões sociais
presentes no cotidiano da Educação de
Jovens e Adultos (EJA), o sistema de
valores, hábitos e atitudes que permeia as
vivências de homens e mulheres que
buscam a escolarização, traduzindo o papel
e o lugar de cada um naquele espaço (Reis,
2009). Algumas mulheres, por exemplo,
queixam-se das diferentes condições das
quais pessoas pouco escolarizadas dispõem
para retomar a trajetória de escolarização
interrompida. Outras descrevem as formas
de pensar e viver, analisando os ritmos, as
permanências ou as mudanças em suas
trajetórias pessoais e institucionais,
conforme ilustra este relato:
porque eu fui pra escola, meu
marido se separou de mim. Eu falei
pra ele: “Quando eu era criança, meu
pai não me deixou estudar, agora
outro homem [marido] não vai
impedir”. Para meu marido e meu pai
era mais importante que aprendesse a
usar minhas mãos que minha cabeça.
Porque eu não fiquei só usando as
mãos, ou seja, lavando, passando,
cozinhando, etc., o meu marido
achou ruim e me largou com dois
filhos. (Madalena, 32 anos). (Reis,
2009, p. 175).
A situação relatada nesse depoimento
também está presente nas pesquisas
realizadas no campo da EJA. As mulheres
referem-se ao adiamento do sonho da
educação por conta das práticas de cuidado
da família e sustentação da vida que lhes
são, por vezes, impostas (Bastos, 2011;
Feitosa, 2005; Fonseca 2005; Nogueira,
2003).
Nossa hipótese é que, apesar de todas
as restrições e as imposições de uma
sociedade patriarcal, existem práticas
criativas e alternativas abraçadas por
muitas mulheres, seja trabalhando ao lado
de seus maridos ou assumindo sozinhas as
responsabilidades da família e dos filhos.
Além disso, para conseguir permanecer na
escola, durante o processo de
alfabetização, elas elaboram táticas
viii
para
o enfrentamento das reações de seus
companheiros, que as ameaçam com
expulsão de casa, espancamento,
constrangimentos e tentativa de
desmoralização (Reis, 2009). Muitas
mulheres buscam a escolarização
preocupadas em obter autonomia para
realizar atividades diárias que exigem
leitura, visando a acabar com os
constrangimentos e a dependência de outra
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pessoa e romper com a relação de
dominação-exploração-submissão. Assim,
vão construindo a ruptura possível.
Nas Comunidades Eclesiais de Base,
no Movimento de Mulheres Camponesas
(MMC) e no Movimento de Educação de
Base de Iniciativa Católica (MEBIC)
ix
, as
mulheres se deparam com enfrentamentos
e táticas que alteram o estado da não
submissão. Como diz Certeau (1999), elas
mudam sua maneira de fazer quando se
apropriam dos espaços de outra forma, por
exemplo, participando dos movimentos
sociais, da Igreja e da associação de
moradores. De acordo com Galvão e Di
Pierro (2007, p. 16), “especialmente as que
conquistaram posição de liderança
comunitária e a possibilidade de fala
pública, preservam a autoestima, recusam a
tutela e reafirmam sua capacidade de
discernimento”. Esclarecedor, nesse
sentido, é o comentário desta mulher:
Ser alguém eu já sou! Já sou alguém,
...mas eu quero ser alguém que sabe
falar direito, porque, se a gente não
sabe ler, falar e escrever sem erros,
no mundo de hoje, a gente sofre...,
principalmente as pessoas que são
líderes de comunidade, como eu sou,
e têm que ir nas repartições públicas
para resolver problemas dos
moradores, têm que lidar com
documentos como atas, regimentos,
projetos, lista de presença, tem que
dar muitas assinaturas, etc., ... temos
que ter a palavra fácil, ainda mais
quando a líder e animadora da
comunidade é negra, pobre e mulher,
etc. Tem que ter sabedoria pra se
virar! (Priscila, 40 anos). (Reis, 2009,
p. 162).
Como elucida Priscila, sua atuação
no campo religioso e na associação de
moradores demonstrou-lhe a importância
de buscar, na idade adulta, novas formas de
estruturar o discurso oral e o escrito. Seu
intuito era qualificar sua participação
cidadã, integrar-se em diferentes
atividades, desempenhar papéis e interagir
com diversas tecnologias e instrumentos
culturais.
Ela reconhece que “saber falar
direito, saber ler, falar e escrever sem
erros, lidar com documentos, ter a
palavra fácil, faz diferença na maneira de
usar a leitura, a escrita e a oralidade em um
contexto social de crescente
marginalização de grupos que não sabem
ou pouco sabem ler e escrever, dada a
centralidade da escolarização e do
necessário domínio da língua escrita em
sociedades crescentemente
“grafocêntricas”. Porém, ao dizer que tem
que ter sabedoria pra se virar”, ela
constata que a escolarização não é a via
única de acesso ao patrimônio cultural
legítimo. Isso implica pensar “que passar
pela escola não garante o desenvolvimento
tipicamente escolar, assim como não
passar por ela não impede que isso
aconteça”. (Oliveira, 2009, p. 238).
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Independentemente dos anos de
escolarização, Priscila acredita que as
lideranças - quando dominam o uso da
leitura, da escrita e da oralidade - possuem
habilidades e atitudes necessárias para uma
participação cidadã ativa e competente em
situações em que práticas de leitura e/ou de
escrita têm uma função essencial. Além
disso, mantêm com os outros e com o
mundo que as cerca formas de interação,
atitudes e competências discursivas que
lhes conferem determinado e diferenciado
estado ou condição de conhecimento em
uma sociedade letrada.
O relato de Priscila e de outras
mulheres entrevistadas no decorrer da
pesquisa de mestrado - as quais, em sua
maioria, são negras, originárias de
comunidades rurais, líderes das CEBs e das
associações, e pouco ou nunca
frequentaram a escola suscitaram-nos
algumas reflexões que, por sua vez,
contribuíram para pensarmos sobre a
percepção das lideranças, sobre os modos
como aprendem a ler, sobre as formas
como, de fato, leem. Além disso, buscamos
identificar os valores que atribuem ao ato
de ler, observar que atitudes são
construídas em suas experiências como
leitoras da Bíblia e dos materiais impressos
religiosos dentro e fora da comunidade.
Vale ressaltar que, como mulheres com
pouca ou nenhuma escolarização, elas se
relacionam com autonomia e curiosidade
com os usos e as práticas da leitura e da
escrita.
O estudo de Paz Albuquerque (2007)
sobre a trajetória de participação e
emancipação feminina de mulheres pobres
na Diocese de Goiás revela que as
vivências e as experiências de mulheres
atuantes nas CEBs são singulares e pouco
exploradas. O autor evidencia que as
transformações religiosas da Teologia da
Libertação contaram com a participação
das mulheres. Reconhece que tal
participação favoreceu, objetivamente, a
criação de um processo pedagógico que
contribuiu com mudanças subjetivas e
objetivas na vida das mulheres pobres,
transformações relativas à autonomia e à
valorização. Dando voz a esses sujeitos, o
estudo identifica um olhar e uma história
feminina sobre a Diocese de Goiás e a
Teologia da Libertação, reconhece a visão
das participantes desse movimento. Mesmo
mostrando as dificuldades encontradas
pelas mulheres pobres em instituições
milenarmente machistas, como a família e
a Igreja Católica, os resultados da pesquisa
revelam também as conquistas alcançadas
por elas.
De acordo com Galvão (2010, p.
231), são quase ausentes os estudos sobre
as igrejas como instâncias de difusão do
escrito. As práticas religiosas exercem, no
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entanto, como vêm mostrando alguns
trabalhos, um papel fundamental na
aproximação entre indivíduos e cultura
escrita. Souza (2007, 2009) mostra, por
exemplo, que na pequena comunidade
rural que tem estudado, localizada no
Norte de Minas Gerais, as únicas instâncias
de circulação do escrito, além da escola,
são as práticas religiosas da Igreja
Católica. Silva e Galvão (2007), por sua
vez, expõem o quanto a inserção em
práticas religiosas pentecostais da
Assembleia de Deus contribuiu para
aproximar seus líderes da cultura escrita.
Galvão (2010, p. 239) afirma: “Esses
estudos sinalizam a necessidade de
conhecer as práticas de sujeitos que são
decisivos nos processos de produção e
difusão do escrito e os processos de
aproximação da cultura escrita de
indivíduos comuns”.
Estudos desenvolvidos pelo grupo de
pesquisadores de Santa Bárbara,
pertencente à Universidade da Califórnia,
“concebem o letramento como um
fenômeno social que é situacionalmente
definido e redefinido por meio da interação
de diferentes grupos sociais incluindo
grupos de leitura, famílias, salas de aula,
escolas, comunidades e grupos sociais”
(Castanheira et al., 2001, p. 354). Como
processo, o fenômeno do letramento
pode ser percebido nas ações dos sujeitos,
nas orientações de suas atitudes, nas
expectativas dos indivíduos e, por último,
na forma como eles interagem, interpretam
e constroem os textos.
As mudanças nas práticas
socioculturais dos indivíduos têm suscitado
discussão sobre o que significa ser letrado.
Com relação a esse debate, Street (1984)
defendia 30 anos que letramento é mais
do que a capacidade de decodificar para
compreender sentidos expressos em uma
página, em uma tela de computador ou,
ainda, em uma prática social situada.
Barton e Hamilton (1998) consideram que
o letramento permite ao indivíduo
apoderar-se de um conjunto de habilidades
e conhecimento e participar, efetivamente,
de todos os eventos da comunidade a qual
pertence e das tradições, dos hábitos e dos
costumes com os quais se identifica.
Também o levantamento sobre
“Letramento e Alfabetização de Jovens e
Adultos”, feito por Vóvio e Kleiman
(2013) na primeira década do milênio,
assinala que muitos estudos e pesquisas
sobre “letramento e alfabetização” e
“letramento e escolarização” e poucos
trabalhos relacionados com o letramento
fora do âmbito escolar ou ligados a grupos
específicos, práticas situadas e locais. As
autoras mostram que “as práticas de
letramento que os sujeitos compartilham e
as aprendizagens que desenvolvem nem
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sempre resultam na ampliação de modos
de ação e de inserção em sociedades
grafocêntricas”. (Vóvio & Kleiman, 2013,
p. 193).
Diante da complexidade inerente aos
sentidos e aos modos como programas de
alfabetização de jovens e adultos têm se
concretizado no Brasil, esta pesquisa tem
como propósito entender como sujeitos
tradicionalmente associados à oralidade
constroem, ao longo de suas trajetórias de
vida, modos de participação nas culturas
do escrito. Por isso, ao centralizar o foco
deste estudo em processos educativos não
escolares, geramos subsídios para melhor
compreender o papel ocupado pelas
instâncias religiosas populares (no caso, as
católicas) na formação de mulheres e seus
processos de aproximação com a leitura e a
escrita.
De acordo com Souza (2007),
estudos que atualmente se ocupam da
descrição dos modos de uso do escrito, das
formas de participação de sujeitos, famílias
e grupos sociais na cultura escrita, e das
implicações dessa participação têm se
esforçado em compreender, por exemplo, o
que as pessoas fazem com a escrita. Nessa
direção, pesquisas realizadas no Brasil por
Galvão (2001, 2004) evidenciam formas
particulares de participação de indivíduos
no mundo da escrita. A autora chama a
atenção para percursos de sujeitos
singulares, cujo contato e experiência com
a escrita ocorrem fora do processo de
escolarização, como as “experiências de
leitura coletiva e em voz alta de folhetos de
cordel” e as leituras de “legendas do
cinema”. (Galvão, 2004, p. 147).
Segundo Abreu (2002), se, por um
lado, conhecemos bem como são os
modos de ler, o acesso a materiais escritos,
os motivos pelos quais se e os espaços
dados à leitura dos grupos culturais de
prestígio - se temos consciência da
história dos livros canônicos e do modo
como acontece a aprendizagem e a
disseminação da leitura escolar -, por
outro, não foram pesquisadas, de modo
satisfatório, as formas de contato com os
livros e os materiais escritos. Além do
mais, pouco sabemos sobre os objetos e as
práticas de leitura em circulação entre
grupos desprestigiados, a exemplo das
populações camponesas. Dessa forma,
parece-nos importante entender como a
pouca instrução escolar, a origem
camponesa, a questão de gênero e o
pertencimento religioso contribuem nos
modos de participação nas culturas do
escrito de mulheres camponesas líderes das
CEBs.
Práticas de leitura e escrita de mulheres
camponesas
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As práticas de leitura e escrita
desenvolvidas nas CEBs, no sindicato, na
Pastoral da Criança, na associação, no
Movimento de Mulheres Camponesas, em
suas residências com seus filhos e em
tantos outros espaços abrangem as
inúmeras vivências das mulheres
camponesas. Essas experiências não se
relacionam apenas ao espaço escolar, pois
suas atividades de leitura e escrita se
constituem considerando as diferentes
demandas sociais.
Acácia e Íris, por exemplo,
vivenciam, na Pastoral da Criança,
diversificadas práticas de letramento
regularmente implementadas. Estas dizem
respeito aos usos da leitura e da escrita
com os seguintes objetivos: comunicar;
organizar e requerer a execução de ações; e
atribuir significados às atividades que
desenvolvem durante a visita domiciliar,
ao atendimento às crianças menores de 6
anos, à celebração da vida, ao
acompanhamento das famílias e da
comunidade, à reunião de reflexão e à
avaliação das atividades realizadas.
Outras experiências do ler e do
escrever realizadas por Acácia referem-se
ao acompanhamento das gestantes da
Pastoral da Criança por meio do
instrumento “Laços de amor”. A cada mês,
as gestantes recebem uma cartela com as
principais informações sobre o
desenvolvimento do bebê, as alterações no
corpo da mulher e os incentivos para que
façam seu pré-natal. São mensagens que
melhoram a autoestima da futura mãe e
fazem com que ela acompanhe, mês a mês,
o desenvolvimento de seu filho e tenha em
vista os cuidados que deve ter com sua
gestação.
Vale lembrar que as atividades da
Pastoral da Criança são fortemente
marcadas pela oralidade, pela leitura e pela
escrita, além de ser representadas de modo
intenso por um fazer que se aprende e se
adquire com o outro, em contextos
culturais específicos, que requerem
participação, atividade e ação. Citamos a
seguir uma prática registrada no diário de
campo, realizada no Centro Comunitário
São José:
Hoje é dia de “Celebração da Vida”.
Neste dia, as famílias e as líderes se
reúnem para avaliar o
desenvolvimento de suas crianças,
trocar experiências e celebrar os
resultados alcançados. A comunidade
organizou a celebração no salão
comunitário, ao ar livre, debaixo das
árvores. As líderes pesam as crianças
e compartilham um lanche em clima
de festa. Enquanto as crianças são
pesadas, o peso é registrado na
caderneta da criança, para controle da
família, e no Caderno do Líder, para
posteriormente ser enviado à
Coordenação Nacional da Pastoral da
Criança. O encontro é enriquecido
com brincadeiras com as crianças. A
espiritualidade está presente por meio
da mística. (Diário de campo, 26 ago.
2012).
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Todas as atividades realizadas por
Acácia e Íris e por demais líderes são, ao
final de cada visita domiciliar, anotadas e
registradas em relatórios que, em seguida,
são endereçados à equipe paroquial da
Pastoral da Criança para, posteriormente,
alimentar os dados da Coordenação
Nacional da Pastoral da Criança e para
comprovar os serviços prestados. Em se
tratando de eventos de letramento, a
construção desses relatórios, resultado das
atividades realizadas, constitui-se em uma
prática situada, inerente ao âmbito social
do trabalho dessa associação. A efetivação
desse tipo de prática se instaura como um
evento de letramento que, na visão de
Barton e Hamilton (1998), assume caráter
formal por se efetivar por meio de
procedimentos adotados por uma agência
de assistência social, neste caso, as equipes
da Pastoral da Criança.
Na comunidade de Jasmim,
observamos a realização de um círculo
bíblico coordenado por ela. A temática do
encontro foi “O problema das divisões
dentro da Comunidade”. Inicialmente,
Jasmim fez uma introdução dizendo que,
na primeira carta aos Coríntios, o que mais
preocupa Paulo são as divisões no interior
da comunidade. Segundo ela, essa
inquietação percorre toda a carta, mas
recebe uma atenção especial nos quatro
capítulos iniciais. Contextualizando a
leitura, ela disse que o mesmo problema
ocorre hoje em muitas das nossas
comunidades. Enfatizou que tensões e
divisões que dificultam a vida de muitas
pessoas bem-intencionadas. Porém, para
ela, o que chama a atenção na carta de
Paulo é o carinho e, ao mesmo tempo, a
firmeza no jeito de ensinar que utiliza para
discutir o problema das divisões em busca
de uma solução. Ressaltou que o jeito de
Paulo pode nos ajudar na busca de uma
solução para os problemas que hoje
enfrentamos nas nossas comunidades.
Após a introdução do encontro,
solicitou aos participantes que
localizassem, na Bíblia, o trecho “1Cor
1,1-16”. A leitura foi feita em voz alta por
uma das pessoas presentes; enquanto isso,
as demais acompanharam a narração
silenciosamente. Depois, Jasmim propôs
aos participantes uma reflexão sobre a
leitura a partir do método Ver, Julgar e
Agir. Tendo como pressuposto o Ver,
questionou: Olha de perto, o que estava
acontecendo na comunidade de
Corinto?”. Houve vários comentários
fundamentados no texto. Jasmim, então,
provocou o grupo perguntando: Hoje, nas
nossas comunidades acontece algo
semelhante?. Após as falas, Jasmim
dividiu o grupo em duplas e propôs a troca
de ideias a partir destas interrogações: 1.
Estes problemas de divisão acontecem em
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nossa comunidade e/ou em nossas
famílias? 2. Por que será que nascem
tantas divisões, quando todos parecem
querer o bem comum? 3. O que nós
estamos fazendo para criar mais
unidade?.
Depois da partilha feita pelas duplas,
iniciou-se o segundo momento do círculo
bíblico, chamado de Julgar, que, para
Jasmim, é a ocasião de iluminar a situação
da comunidade a partir do texto bíblico.
Desse modo, ela propôs novamente a
leitura lenta e atenta do 1Cor 1,1-16. Pediu
que, enquanto lessem, ficassem com esta
questão na cabeça e no coração: Quais as
sugestões de Paulo para superar as
divergências nas nossas comunidades e
nas nossas famílias?. Houve um
momento de silêncio e, posteriormente,
Jasmim sugeriu aos participantes que
trocassem ideias em grupo para descobrir
qual a luz do texto bíblico para a
atualidade a partir das indagações: 1. O
que mais chamou sua atenção nas
palavras de Paulo? 2. Quais as sugestões
de Paulo para superar as divergências? 3.
Qual a luz que encontramos para iluminar
os problemas da nossa comunidade?.
Assim que os participantes acabaram
de falar, Jasmim fez a seguinte reflexão:
Ler e meditar as cartas de Paulo pra
mim é buscar caminhos para
evangelizar e viver o hoje com
coragem e sabedoria ... Muitas
pessoas deixaram a roça e foram
morar na cidade, atraídos pela
propaganda e pelos sonhos de uma
vida melhor. Na roça, a vida não é
fácil, o trabalho na agricultura é
pesado, mas acho que a vida aqui não
é pior do que na cidade ... A fé aqui é
transmitida dentro da família,
solidariedade entre nós, e os filhos
acompanham os pais na vida e na
religião ... Para os que saem da roça e
vão pra cidade cheios de esperanças,
a vida na cidade se torna um
pesadelo. Tudo é muito apressado.
Não sobra tempo para conversar e
conviver. Na cidade, quem não tem
trabalho não tem dinheiro. Sem
dinheiro numa cidade se morre de
fome. Por outro lado, com dinheiro
se consegue tudo aquilo que a cidade
oferece em termos de consumo. A
cidade produz uma mudança na
cabeça das pessoas. Os filhos se
adaptam mais rápido que seus pais à
vida da cidade e o aceitam mais o
modo de viver e de agir deles. Não
seguem mais o comportamento
religioso dos pais. Abandonam a fé e
buscam novas formas de viver a
religião. E numa cidade o que não
falta são propostas religiosas e
Igrejas. Na verdade, a cidade é um
grande mercado religioso, onde as
pessoas escolhem a religião que mais
lhes agrada ... (Síntese das anotações
da fala de Jasmim. Diário de campo,
30 jun. 2012).
No terceiro momento do círculo
bíblico, denominado Agir e Celebrar,
Jasmim solicitou ao grupo a sistematização
em uma frase ou palavra do que havia sido
refletido no encontro. Por fim, os
participantes formularam preces
espontâneas com a intenção de agradecer a
Deus pela vida, pelas aprendizagens
daquele dia e pelos compromissos
assumidos. Alguns deles escreveram as
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preces em papeizinhos, uns as leram em
voz alta, enquanto outros as depositaram
em uma caixinha. Todos rezaram um
salmo na Bíblia e encerraram a reunião
com a oração do Pai Nosso e do canto
final.
Ao focalizar o letramento no espaço
religioso, concebemo-lo como um
fenômeno não apenas situado, mas também
como múltiplo, visto que sua efetivação é
motivada pelos inúmeros usos da leitura e
da escrita estabelecidos em atendimento às
demandas de comunicação que ocorrem
em uma prática religiosa de letramento.
Notamos que tal prática, em contextos
rurais, está presente nas comunidades com
os modos de participação que a Igreja
propõe e com a orientação cristã. Esta é
dada pelo representante da Igreja, como
participante da equipe de liturgia, e
principalmente pelo padre, os dois
assumem a voz dessa instituição,
respaldada no texto escrito “sagrado”.
O culto dominical, o evento religioso
mais frequente na Igreja Católica e na
comunidade, consiste na leitura do folheto
“O Domingo”, produzido pela editora
Paulus, que tradicionalmente publica
textos católicos. Esse folheto de quatro
páginas contém leituras litúrgicas para
cada domingo, proposta de reflexão, cantos
do hinário litúrgico da CNBB e artigo com
o tema do dia ou o acontecimento eclesial.
Observamos a celebração do culto
dominical na comunidade de Hortênsia. Na
ocasião, segundo ela, havia cinco equipes
de liturgia, e ela participava de uma destas.
A leitura do folheto é feita pelos membros
da equipe de liturgia, que assumem os
papéis de leitores, comentaristas e
dirigentes, de acordo com sua organização.
A assembleia participa do culto conforme a
indicação feita no próprio folheto, assim
como o faz no momento dos cantos. As
práticas de letramento, nesse contexto,
estão convencionadas por um ritual, o qual
requer modos de participação específicos e
práticas regulares em torno do texto
escrito.
Outro evento religioso do qual
Hortênsia participa é a catequese. Esta
acontece semanalmente, e dela participam
crianças, adolescentes, jovens e adultos. As
pessoas da própria comunidade,
voluntariamente, prestam serviço à
catequese. Segundo Hortênsia, em geral,
mais catequistas mulheres que homens.
Elas são preparadas em alguns encontros
na paróquia e cada uma trabalha com um
grupo separado por faixa etária. Adota-se
um livro predeterminado pela paróquia, o
qual norteia o trabalho. A propósito, a
seguir, descrevemos um encontro realizado
com 33 crismandos, com idades entre 14 e
20 anos, no dia 10 de novembro de 2012.
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Inicialmente Hortênsia propôs um
momento de oração espontânea e, logo
após, apresentou oralmente a temática do
quinto encontro: “Deus Chama Abraão”.
No primeiro momento, chamado “Olhando
a vida”, expôs, em um cartaz, a imagem do
Brasil ilustrando o latifúndio (Figura 1) e
perguntou aos crismandos: Qual a
realidade dramática que o desenho
exposto quer mostrar?”.
Figura 1 - Latifúndio no Brasil.
Fonte: Adaptado de Bucciol (2004, p. 17).
Em seguida, apresentou outro cartaz
organizado da seguinte forma pela
catequista:
Figura 2 - Maneira de dividir as terras no Brasil.
Fonte: Adaptado de Material da catequista.
Após isso, a catequista Hortênsia
convidou os crismandos para cantar e
prestar atenção às palavras da música “Não
há, ó gente, ó não/ Luar como este do
sertão”. Quando terminaram de cantar,
perguntou ao grupo: Entre
distribuição da terra e da renda, injustiças
sociais, pobreza, etc., e migração, existe
ligação? Por quê?”. Houve significativa
participação dos jovens, que realizaram
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inferências, por meio do conhecimento
prévio, dos saberes da experiência de
migração na família e na comunidade, para
interpretar os textos apresentados; pediram
esclarecimento sobre questões
desconhecidas e anotaram as informações
apresentadas.
No segundo momento do encontro,
intitulado “Procurando na Bíblia”, foi
distribuído e lido de forma compartilhada
um texto escrito com a história de Abraão.
Após a leitura deste, Hortênsia introduziu a
terceira parte da reunião, chamada
“Voltando à vida”, convidando os
crismandos para conversar em grupos, por
15 minutos, a partir das seguintes questões:
1. O que nos pode ensinar a história
de Abraão? 2. Será que Deus gostaria
de dar a cada lavrador uma terra
como a Abraão? 3. Então, por que
existem tantos lavradores sem terra?
4. Quais as dificuldades da vida que
mais desanimam a gente? 5.
Procuramos, às vezes, resolver as
dificuldades esquecendo de Deus? 6.
A nossa passou por alguma
provação? E a ficou mais forte ou
mais fraca? (Diário de Campo, 10
nov. 2012).
A socialização da conversa na
plenária foi participativa. Utilizando o
livro Canta Povo de Deus (Bucciol, 2007),
entoaram o canto “O Senhor me chamou a
trabalhar”. Por fim, a catequista apresentou
e discutiu os compromissos da semana.
Figura 3 - Compromissos dos Crismandos.
Fonte: Adaptado de Bucciol (2004, p. 19).
Diante do exposto, compreendemos
que os eventos de letramento promovidos
pela Igreja Católica podem ser definidos
como práticas de letramento, uma vez que
são regulares na comunidade e contribuem
para a construção de padrões culturais de
uso da leitura e da escrita (Barton, 1994).
O culto e a catequese, além de serem uma
prática de letramento regular, contribuem
para a manutenção de uma identidade
religiosa local. Hortênsia relatou que, em
sua comunidade, as pessoas participam
do culto nos finais de semana e, também,
da catequese, porque ali se sentem um
grupo, um nós.
Outra prática de leitura observada
ocorreu no encontro de crismandos e foi
realizada por Margarida no dia 11 de
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novembro de 2012, na comunidade de
Dourado, como retratado no seguinte
trecho do diário de campo:
Inicialmente, Margarida fez um
momento de relaxamento com o
grupo de crismandos. Em seguida,
invocou o Espírito Santo de Deus e
pediu sua ajuda. Margarida explicou
que segue os passos aprendidos com
as freiras. No primeiro momento,
cada um dos crismandos pegou sua
Bíblia e leu com calma o texto
bíblico; leu, releu, tornou a ler, até
conhecer bem o que estava escrito,
até assimilar o próprio texto. Depois,
fecharam a Bíblia e fizeram um
momento de silêncio interior,
lembrando-se do que leram. Os
jovens partilharam oralmente suas
impressões em relação ao texto
repetindo palavras, frases, versículos
... Margarida disse: agora não é
mais o que o texto diz, mas o que
esta Palavra está dizendo a cada um
de nós dentro da realidade em que
estamos vivendo. O que Deus falou
no passado e o que está falando hoje,
através deste texto? O que o texto
diz? [pediu aos jovens para levar o
texto para a própria vida e para a
realidade pessoal e social] O que
Deus está me falando?.
Falou aos
crismandos que a leitura e a
meditação da Palavra se transformam
em um encontro íntimo e pessoal
com Deus. Prosseguindo, perguntou
aos crismandos: O que o texto
bíblico e a realidade de hoje nos
motivam a rezar”. Nesse momento,
propôs a oração pessoal, expressão
espontânea de nossas convicções e
sentimentos mais profundos. E
perguntou: O que o texto me faz
dizer a Deus? [Rezar suplicar,
louvar, dialogar com Deus, orar...]”.
Após esse momento, Margarida
sugeriu a contemplação, que, para
ela, não é algo que se passa na
cabeça, mas é um agir novo que
envolve todo nosso ser. Encerrou o
momento de leitura orante da Bíblia
com os questionamentos: a partir
deste texto como devo olhar a vida,
as pessoas, a realidade... O que devo
fazer de concreto? O que ficou em
meu coração e me desperta para um
novo modo de ser e agir?”. Solicitou
aos crismandos que registrassem no
caderno e, por fim, sugeriu que
escolhessem uma frase para
memorizar. (Diário de campo, 11
nov. 2012).
Margarida relatou que, com os
padres, as freiras e as companheiras de
caminhada, aprendeu a fazer a leitura
orante da Bíblia, prática que realiza
individual e coletivamente, principalmente
em momentos de retiro e adoração. É
pertinente destacar a importância que o tio,
as freiras e os padres tiveram na história de
vida de Margarida, instigando-a,
sobretudo, por meio do exemplo a
aprofundar-se na prática da leitura. O
trecho a seguir ilustra bem nossas
afirmações: Não esqueço do meu tio
Abílio, que aprendeu a ler sozinho e foi
quem alfabetizou os filhos e muitos
sobrinhos e outras pessoas da
comunidade. Era um homem sábio. De
acordo com a fala de Margarida,
entendemos que a relação entre as práticas
de leitura e escrita ensinadas e as
adquiridas não se de forma linear, mas
sim ocorre em função do contexto religioso
em que elas aparecem.
Para Acácia, uma das originalidades
das CEBs é articular a leitura da Bíblia e as
celebrações com as lutas populares e os
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movimentos de melhoria das condições de
vida e trabalho do povo, principalmente,
no campo e na periferia. De acordo com a
entrevistada, os desafios atuais da Igreja
nos convidam a redescobrir o gosto de
compartilhar a vida com o outro na
dinâmica da alteridade, fazendo da
comunidade cristã o espaço para fortalecer
a amizade, a partilha e a comunhão
fraterna. Vejamos a fala de Acácia:
Rezar não é rezar ao levantar, ao
dormir, vai muito além: é transmitir a
vida para outras pessoas no dia a dia.
Falar com o companheiro pra dividir
a marmita com quem não tem
almoço, isso é rezar ... Eu rezo
quando na Igreja e quando
denunciando as injustiças e o salário
baixo, porque aí não rezo só pra mim,
mas rezo pra outros... Reunião do
Círculo Bíblico é oração, quando a
gente consegue uma vitória, é oração
... O amor e o louvor a Deus não
devem ser expressos no culto, mas
na vida de cada dia... Na minha
opinião, de nada adianta muita reza
se não nos ajudamos uns aos outros,
por isso vejo a necessidade de
participar de associações, de
sindicato e politicamente. Se, por um
lado, esta é a parte mais difícil, a
mais delicada e a mais arriscada, a
que pode gerar mais divisões e
conflitos, por outro lado, é a mais
importante, por causa do bem
coletivo que através dela a gente
pode conseguir.
Recorrendo a Chartier (2001),
compreendemos que essas “figuras de
leitura” dizem respeito a estilos próprios
que revelam as relações existentes entre o
leitor e o objeto lido. Podemos contrastar
essas formas de ler, nas quais as
quantidades de acesso à leitura e as
diversas formas de apropriação
determinam suas especificidades e seus
resultados. Chartier define esse estilo de
leitura, que se de forma repetida,
memorizada, reconhecida, como prática de
“leitura intensiva”. Para o autor, há uma
relação atenta e diferente entre o leitor e
aquilo que este lê, “incorporando em seu
ser mais íntimo a letra do que leu” (2001,
p. 86-89). A leitura intensiva é, pois,
entendida como “uma maneira de ler que
assegura eficácia ao texto, graças a um
trabalho de apropriação lento, atento e
repetido” (2001, p. 89).
É comum nas CEBs, nos sindicatos,
no Movimento de Mulheres Camponesas,
nas associações e nos outros espaços
observados durante a pesquisa, uma ênfase
em outros modos de práticas
comunicativas, como expressões visuais,
sonoras, táteis entre outras, que se unem à
palavra escrita ou falada. É o evento da
multimodalidade, que mostra, por meio de
diferentes modos de representação
discursiva, novas possibilidades para as
diferentes ordens de comunicação.
Desse modo, as práticas de
letramento ganham corpo, materializam-se
nos diversos eventos de letramento dos
quais as mulheres líderes das CEBs
participam cotidianamente. Os textos
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multimodais
x
, entre eles os retratados nas
Figuras 4 e 5, apresentados na
comemoração dos 25 anos da Pastoral da
Criança na Diocese de Caetité/BA
proporcionaram interação entre os
participantes e seus processos
interpretativos. Com essas exposições, os
espaços internos das Igrejas e salões
comunitários ganham vida por meio dos
textos multimodais e desafiam os
participantes a repensar as concepções
enunciativas de produção e leitura de
enunciados.
Figura 4 - Foto do Aniversário dos 25 anos da Pastoral
da Criança na Diocese de Caetité/BA.
Figura 5 - Foto do Aniversário dos 25 anos da Pastoral
da Criança na Diocese de Caetité/BA.
Fonte: Arquivo da pesquisa (2/06/2012).
Fonte: Arquivo da pesquisa (2/06/2012).
As figuras 4 e 5 expõem um evento
de letramento em que o texto escrito não
aparece sozinho, autonomamente, como
linguagem, está relacionado a símbolos e
imagens que contribuem para a atribuição
de significados. No ato da construção de
um dado texto - seja ele escrito, oral e/ou
imagético -, o autor pode fazer uso de uma
vasta quantidade de recursos linguísticos
multimodais provenientes tanto do plano
verbal como do visual. Todos esses
distintos modos de construir um texto
acarretam modificações substanciais na
forma como as pessoas elaboram sentido e
significação, transcendendo, dessa
maneira, a primazia dada à palavra. A
multimodalidade propicia, então, o
irromper de diversificados recursos de
construção de sentido.
Nesse contexto, a multimodalidade
refere-se às mais distintas formas de
representação utilizadas na construção
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linguística de uma dada mensagem, tais
como: palavras, imagens, cores, formatos,
marcas/traços tipográficos, disposição da
grafia, gestos, padrões de entonação,
olhares etc. Segundo Rojo (2012), ela não
é apenas a soma de linguagens, mas
também é a interação entre linguagens
diferentes em um mesmo texto.
A multimodalidade abrange,
portanto, a escrita, a fala e a imagem. Cabe
mencionar que em todos os salões
comunitários onde as mulheres
entrevistadas realizam e/ou participam de
encontros e celebrações quadro de
avisos nos quais são expostas a
programação da comunidade e a prestação
de contas de entradas e saídas dos recursos
do dízimo e demais ofertas. Observamos
também a exposição de cartazes e varal,
nos quais são expostas algumas atividades
produzidas pelas crianças, pelos
adolescentes e pelos jovens da catequese, o
que interpretamos como uma forma de
valorização de seus trabalhos.
As mulheres entrevistadas nesta
pesquisa lidam com textos cada vez mais
multimodais, que exigem delas estratégias
de escrita e leitura que estejam de acordo
com a multiplicidade de linguagens que
compõem o texto. Jasmim explicou que o
uso de filmes nos encontros da
comunidade desperta ou até mesmo conduz
o “leitor” para a realidade vivida por
aquelas pessoas neles retratadas, citou
como exemplo o filme Anel de Tucum
(Berning, 1994). Rojo e Moura (2012)
afirmam que o desenvolvimento das
tecnologias da comunicação, com suas
práticas sociais específicas de leitura e
escrita, exige que as instâncias formadoras
se foquem nessa realidade e partam dela
para ensinar.
No período de produção de material
empírico para esta pesquisa, observamos
vários eventos de letramento em que as
mulheres utilizavam filmes para discutir
algumas temáticas nos encontros. Segundo
Jasmim, essa prática, além de evocar
sentimentos e sensações nos participantes,
possibilita conhecer determinada
experiência, dando a impressão de
integração a essa vivência.
No dia 19 de agosto de 2012, por
exemplo, acompanhamos, na comunidade
de Jasmim, a exibição do filme O Anel de
Tucum (Berning, 1994), que retrata o
cotidiano dos homens e das mulheres que
fazem das Comunidades Eclesiais de Base
e dos movimentos populares uma
realidade. O longa-metragem se passa em
1992, mesmo ano em que ocorreu o oitavo
Encontro Intereclesial de Comunidades de
Base em Santa Maria/RS, inferimos esse
dado a partir da cena em que o personagem
principal, André, aparece em um orelhão e,
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ao fundo, estão expostos os cartazes do
encontro.
O filme pode ser dividido em dois
momentos, que se misturam no transcorrer
da exibição. O primeiro é uma narrativa
ficcional com personagens e roteiros
criados. o segundo é formado por partes
documentais; os integrantes destas
pertenciam aos movimentos populares e às
Comunidades Eclesiais de Base, eram
lideranças religiosas e ganhavam voz
(Diário de campo, 19 ago. 2012).
Antes da exibição, Jasmim fez uma
breve contextualização, visando motivar o
grupo. Após essa apresentação, houve um
momento de debate a partir das seguintes
questões:
de acordo com o filme, quem está por
trás da mobilização do povo nas
pastorais comprometidas nessa
caminhada de libertação que marcou
a Igreja do Brasil, da América
Latina? A Igreja deve se preocupar
com o lado espiritual ou com as
necessidades materiais do povo? O
pensar e o agir politicamente que o
filme coloca é um desafio não do
momento histórico em que foi
gravado, mas também dos dias atuais.
A Igreja, os padres e os fiéis devem
se negar a participar do debate
político? Devem somente tratar dos
males que afligem a alma? (Diário de
campo, 19 ago. 2012).
No salão comunitário onde foi
exibido o filme, foram expostos em
cartazes vários fragmentos das falas dos
personagens e recortes dos depoimentos
das falas de Dom Luciano e Dom Pedro
Casaldáliga. Um dos participantes, por
exemplo, ao refletir sobre a poesia e
retomar as discussões motivadas pelo
material Anel de Tucum, disse: o
Evangelho prioriza o direito dos pobres e
o capitalismo não, o Evangelho propõe a
solidariedade e o capitalismo a
competitividade .... Ele concluiu
afirmando que o Evangelho é um texto e
uma prática radicalmente anticapitalista e
que, se Jesus vivesse hoje, seria
caracterizado como “de esquerda”, porque,
em sua época, foi contra o poder político e
religioso (Diário de campo, 19 ago. 2012).
Nesse contexto, Jasmim falou de seu
desejo de ver uma verdadeira revolução na
Igreja Católica, a começar pela aplicação
das decisões do Concílio Vaticano II, que
ocorreu há mais de 50 anos e ainda hoje
não foram implementadas. Estas
envolvem, por exemplo, maior
democratização da Igreja; dessa forma, o
povo de Deus seria protagonista e não
ovelha a ser tosquiada. Além disso,
Jasmim espera que se acabe com o celibato
obrigatório, sejam permitidos o sacerdócio
das mulheres e a reinserção no ministério
sacerdotal dos padres casados que queiram
voltar e se faça uma profunda revisão da
moral sexual da Igreja (Diário de campo,
19 ago. 2012).
Reis, S. M. A. O., & Eiterer, C. L. (2018). Práticas de leitura e escrita de mulheres camponesas: reflexões a partir de algumas
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Jasmim lembrou que, quando a
Teologia da Libertação e as CEBs eram
mais valorizadas pela Igreja no Brasil, os
templos estavam cheios. Depois que
começaram a ser discriminadas e
reprimidas, dando lugar ao espiritualismo
do aleluia, aleluia”, os templos
começaram a esvaziar. Então, perguntou:
quem tem culpa? Quem está esvaziando a
Igreja? A Teologia da Libertação ou essa
Igreja espiritualista que fica de frente para
Deus e de costas para os pobres?(Diário
de campo, 19 ago. 2012).
Jasmim disse que olha
constantemente para a lua, as estrelas, o
crucifixo, e afirmou:
Sei que Deus me conhece e sabe
quem eu sou, isso me basta ... A
gente Deus com os olhos
interiores ... Deus é como o ar que
respiramos, a gente não vê Deus, mas
sente; e sem o ar não podemos viver,
também a gente não pode viver sem
Deus. Acho que toda vez que a gente
sente entusiasmo de levantar de
manhã e ter de começar o dia, ter
capacidade de estender a mão ao
outro... Deus está ali, porque Deus
não é um objeto, Deus é uma
suprema paixão, suprema energia... É
muito bom ter um Deus dentro, que
nos ama e caminha com a gente.
(Jasmim, 53 anos).
Jasmim lamentou, ainda, o aumento
do poder de pressão e da influência dos
evangélicos na seara política. Ela teme que
alguns destes, não todos, estejam
chocando o ovo da serpente”. que eles
não podem impor, por meio de sua
pregação, sua moral e seus costumes ao
conjunto da população; então, buscam o
poder político, porque pela lei podem
tornar qualquer decisão universal (Diário
de campo, 19 ago. 2012).
Nessa direção, outro participante do
grupo expressou seu desejo de ver
acontecer uma reforma política profunda
no Brasil: precisamos deixar de ser
objetos de campanhas eleitorais de dois
em dois anos, e passar a ser
protagonistas. Reconheceu a importância
dos direitos pessoais concedidos pelo
governo, como a facilidade de crédito e o
acesso à moto e ao carro, mas lamentou a
não obtenção dos direitos sociais, que
basicamente consistem em segurança,
alimentação, moradia, saúde e educação
(Diário de campo, 19 ago. 2012).
Acácia e Íris utilizam, nos
encontros da Pastoral da Criança, os
materiais radiofônicos que recebem:
programa Viva a Vida; entrevistas; spots,
vinhetas e jingles; CD com músicas da
Pastoral da Criança; e jornal de
apresentação da Pastoral da Criança. O
programa de rádio Viva a Vida é semanal,
possui 15 minutos de duração e veicula
temas sobre saúde, nutrição, educação,
direitos, organização comunitária, entre
outros assuntos de interesse de seu público
(Diário de campo, 3 mar. 2012).
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Diante do exposto, compreendemos
as práticas de letramento como atividades
que devem ser pensadas de forma ampla.
Consideramos que os usos das tecnologias
permitem que atividades aparentemente
orais sejam marcadas por representações
próprias da escrita. Ouvir uma notícia em
um programa de rádio, por exemplo, como
aborda Kleiman (2008), é um evento de
letramento, tendo em vista que o texto
ouvido tem as marcas típicas da
modalidade escrita.
Para analisar a forma como os
membros das comunidades estudadas
utilizam a escrita, tivemos que identificar e
caracterizar os diversos contextos
situacionais nos quais esses indivíduos
fazem uso da escrita. No âmbito religioso,
notamos os usos que os membros das
CEBs fazem da escrita dentro do ambiente
de sua comunidade. Kleiman (2008)
explica que, a partir do momento em que
os estudos deixam de tomar como
universais os efeitos das práticas de uso da
escrita e passam a analisar esses efeitos por
meio de práticas sociais e culturais de
diferentes grupos, ocorre um alargamento
do conceito de letramento.
Considerações finais
Os resultados da pesquisa revelaram
que as mulheres encontraram nas
participações dos movimentos sociais, das
CEBs da Igreja Católica, dos partidos
políticos e dos sindicatos, sentido, motivos
e mesmo condições para enfrentarem as
discriminações de gênero, as desigualdades
de poder existentes na família e no espaço
público dos movimentos sociais e da
Igreja. A experiência de participação das
líderes das CEBs nesses espaços
formativos apresenta-os como possíveis
agências de letramento.
Nesse contexto, as Comunidades
Eclesiais de Base surgem como espaços de
fortes laços de solidariedade e de formação
da consciência crítica das camadas pobres.
Nesses espaços, as pessoas começam a
expressar suas opiniões e angústias do dia
a dia. Como diz o refrão de um canto
bastante conhecido das CEBs: “De repente
nossa vista clareou, clareou, clareou.
Descobrimos que o pobre tem valor, tem
valor, tem valor” (Diário de campo, 29
abr.2012). A comunidade é o lugar da
autoestima; nela as pessoas se sentem
valorizadas e encorajadas a enfrentar seus
problemas pessoais de forma coletiva.
Como diz Durkheim (2002), o indivíduo
ganha sua força e sua vida no coletivo, sua
forma de religiosidade é fortemente
centrada nos aspectos coletivos.
As mulheres participam de novas
esferas de atividades e interagem com
diferentes usos da leitura e da escrita.
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Percebemos que as CEBs possuem um
papel importante para promover o acesso, a
circulação e o uso de um número variado
de atividades com textos. Os discursos e os
valores constituídos localmente sobre
demandas da leitura e da escrita
vivenciadas por elas e os sentidos que
atribuem a suas práticas geraram nelas um
processo gradual de “empoderamento”,
apoiado em práticas de letramento.
As mulheres líderes das CEBs são
agentes mobilizadoras de seus saberes e de
suas experiências, ambos refletem em seus
modos de fazer. Elas são promotoras e
mediadoras das práticas cotidianas de uso
da escrita para realizar as atividades
visadas. Conhecem os meios, as limitações
e as possibilidades, as fraquezas e as forças
de cada um dos membros do grupo e de
suas práticas locais. Conseguem, no
convívio em comunidade, identificar
pessoas que não são alfabetizadas, mas
compreendem os papéis sociais da escrita e
distinguem gêneros ou reconhecem as
diferenças entre a língua escrita e a
oralidade. Convivem também com pessoas
alfabetizadas que, mesmo dominando o
sistema da escrita, pouco vislumbram suas
possibilidades de uso.
Essas mulheres percebem que não
um padrão para todos os indivíduos, para
todos os tempos, pois, como afirmam
Barton e Hamilton (1998), as práticas de
letramento são culturalmente construídas.
Sob essa perspectiva, tais práticas podem
ser concebidas como um fenômeno
mutável e dinâmico, visto que estão
inseridas na sociedade, sendo passíveis de
mudança.
Cada pessoa tem experiências e
propósitos distintos para a leitura e a
escrita. No caso desta pesquisa,
observamos diferentes experiências das
mulheres das CEBs e diversas demandas
feitas a elas. Assim, notamos solicitações e
objetivos diferentes, em relação ao ato de
ler e escrever, para adultos e crianças, para
homens e mulheres, e para as instituições
sociais das quais participam.
Ao conhecer os modos de
participação nas culturas do escrito de
mulheres camponesas líderes das CEBs,
podemos descrever as Comunidades
Eclesiais de Base como um espaço de
evento de letramento, circulação de textos
e práticas de leitura e escrita. Já a família e
a religião, o Movimento de Mulheres
Camponesas, os sindicatos, o Movimento
de Educação de Base e os programas de
alfabetização de adultos são considerados
como instâncias formativas; e a escola e a
Igreja, como instâncias de difusão de
textos e práticas de leitura e de escrita.
Concluímos, pois, que os modos de
participação nas culturas do escrito são
diversos e podem ser determinados pelas
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instituições, pelas políticas escolares e não
escolares de alfabetização e pelos usos
religiosos ou comerciais, típicos de um
letramento situado na circulação. A escola
não é a única guardiã da transmissão da
escrita, embora sua forma escolar de lidar
com a escrita possa atingir outros espaços
sociais, mostrando que são múltiplas as
relações entre espaços e sujeitos. A
participação nos eventos e nas práticas de
letramento está muito mais ligada a nossas
experiências sociais e culturais do que ao
próprio conhecimento do saber
escolarizado.
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i
Inicio este relato usando a primeira pessoa do
singular (eu), pois este trecho está relacionado a
uma vivência pessoal com o objeto de pesquisa.
ii
Galvão e Di Pierro (2007, p. 68) destacam “que a
convivência com leitores na infância, a
disponibilidade de materiais de leitura, o hábito de
frequentar bibliotecas, a variedade de leituras e de
fontes de informação sobre temas da atualidade
influenciam no letramento da população”. Ler e
escrever envolve todo o meio social do sujeito.
iii
Sobre a ampliação e a circulação de impressos
católicos e espaços/situações de usos desse
material, ver estudo realizado por Souza (2009) em
uma comunidade rural do Norte de Minas Gerais.
iv
As CEBs são ligadas à Igreja Católica, as quais,
incentivadas pelo Concílio Vaticano II (1962
1965), espalharam-se, principalmente, entre 1970 e
1980 pela América Latina. Reúnem-se, geralmente
em função da proximidade territorial, e são
compostas, sobretudo, por membros das classes
populares (Betto, 1981).
v
A Diocese de Caetité/BA, localizada na
microrregião da Serra Geral, foi criada em 20 de
outubro de 1913. Possui uma área de 41.979,6 km²,
um total de 35 municípios e 33 paróquias,
divididas em 9 zonais pastorais. A população da
microrregião citada está estimada em 674.346
habitantes, dos quais 90% se consideram católicos
(IBGE 2010).
vi
Para preservar a identidade das mulheres, foram
utilizados nomes fictícios, indicados por elas.
vii
Candiba é um município da Região da Serra
Geral e da mesorregião da Região Centro-Sul da
Bahia. Tem 13.210 habitantes (IBGE, 2010). Na
área urbana, residem 7.725 pessoas; e, na rural,
5.485 pessoas. 6.815 homens e 6.395 mulheres.
Em relação ao Brasil, esse município inverte a
proporção usual dos gêneros.
viii
Tática, no sentido proposto por Michel de
Certeau (1999, p.94-95), “é a prática cotidiana
daquele que não tem poder ... É a astúcia de se fazer
algo diferente do que estava estabelecido, do que é
dado como pronto”.
ix
O Movimento de Educação de Base de Iniciativa
Católica é um de projeto de Alfabetização de
Jovens e Adultos que atende pessoas a partir dos 15
anos de idade ainda não alfabetizadas. Funciona nos
salões comunitários da Paróquia de Santo Antônio,
alocada no município de Guanambi/BA. Para saber
mais, ver estudo de Reis (2009).
x
Os textos multimodais ampliaram as
possibilidades de leitura, pois podem definir o
ponto de partida e de limite da leitura, a ordem em
que se vai ler, a conexão entre os textos. Além de
buscar variação de linguagens, devem criar relações
coerentes entre elas. Para saber mais, veja os textos
de Rojo (2009; 2012).
Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 31/05/2018
Aprovado em: 26/06/2018
Publicado em: 23/12/2018
Received on May 31th, 2018
Accepted on June 26th, 2018
Published on December 23th, 2018
Contribuições no artigo: As autoras foram responsáveis
pela elaboração, análise e interpretação dos dados;
escrita e revisão do conteúdo do artigo, e aprovação
da versão final publicada.
Author Contributions: The authors were responsible for
the designing, delineating, analyzing and interpreting the
data, production of the manuscript, critical revision of the
content and approval of the final version published.
Conflitos de interesse: As autoras declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Sônia Maria Alves de Oliveira Reis
http://orcid.org/0000-0003-0129-0719
Carmem Lúcia Eiterer
http://orcid.org/0000-0002-6978-155X
Reis, S. M. A. O., & Eiterer, C. L. (2018). Práticas de leitura e escrita de mulheres camponesas: reflexões a partir de algumas
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Reis, S. M. A. O., & Eiterer, C. L. (2018). Práticas de
leitura e escrita de mulheres camponesas: reflexões a
partir de algumas histórias de apropriação. Rev. Bras.
Educ. Camp., 3(4), 1316-1344. DOI:
http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-4863.2018v3n4p1316
ABNT
REIS, S. M. A. O.; EITERER, C. L. Práticas de leitura e
escrita de mulheres camponesas: reflexões a partir de
algumas histórias de apropriação. Rev. Bras. Educ.
Camp., Tocantinópolis, v. 3, n. 4, set./dez., p. 1316-1344,
2018. DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-
4863.2018v3n4p1316