Revista Brasileira de Educação do Campo
The Brazilian Scientific Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.v4e5676
Tocantinópolis/Brasil
v. 4
e5676
10.20873/uft.rbec.v4e5676
2019
ISSN: 2525-4863
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Paulo Freire e a alfabetização de jovens e adultos no
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
Elisiani Vitória Tiepolo
1
1
Universidade Federal do Paraná - UFPR. Departamento de Linguagem e Comunicação. Rua Jaguariaíva, 512. Matinhos - PR.
Brasil.
Autor para correspondência/Author for correspondence: elisianivt@gmail.com
RESUMO. Esse texto é parte de uma pesquisa sobre a
alfabetização de jovens e adultos no Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O Movimento tem
como um de seus fundamentos a pedagogia de Paulo Freire e
compreende a alfabetização para além da decodificação e do
mero conhecimento do sistema alfabético, mas como processo
de conscientização. Nesse sentido, se apropriar da escrita é se
apropriar de um instrumento de luta necessário para a
emancipação. Porém, em seu percurso, o MST foi estabelecendo
parcerias que pudessem garantir a implementação de seus
projetos de educação, e essas parcerias também trouxeram para
dentro do Movimento outros referenciais teóricos.
Recentemente, a adoção do método cubano Sim, Eu Posso!
(SEP), cujo vínculo é com a perspectiva tradicional de
alfabetização, trouxe um elemento de tensionamento e a
necessidade de que se investigue em que medida os pressupostos
freireanos continuam fundamentando as práticas alfabetizadoras
do MST. Para essa investigação, se recorreu à pesquisa
bibliográfica, à análise de materiais produzidos pelo MST e à
pesquisa de campo.
Palavras-chave: Alfabetização de Jovens e Adultos,
Alfabetização, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
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Paulo Freire and the literacy of young people and adults in
the Landless Workers Movement (MST)
ABSTRACT. This text is part and a survey on the literacy of
young people and adults in the Landless Workers Movement
(MST). The Movement has as one of its foundations in the
pedagogy of Paulo Freire understands literacy beyond the
decoding and the mere knowledge of the alphabetical system,
but as a process of awareness. In this sense, ownership of the
writing is appropriate for an instrument of struggle necessary for
the emancipation. However, in your route, the MST has been
establishing partnerships that could ensure the implementation
of its education projects, and these partnerships also brought
into the Movement other theoretical references. More recently,
the adoption of the Sim, Eu Posso! (SEP), Cuban method, whose
link is with the traditional literacy perspective, has brought a
further element of tension and the need to investigate the extent
to which Freirean assumptions continue to underpin MST
literacy practices. For this investigation, bibliographical
research, the analysis of materials produced by the MST and
field research.
Keywords: Young People and Adults, Literacy, Landless
Workers Movement (MST).
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Paulo Freire y la Alfabetización de jóvenes y adultos en el
MST (Movimiento de los Trabajadores Rurales Sin
Tierra)
RESUMEN. Este texto es parte y una investigación sobre la
alfabetización de jóvenes y adultos en el Movimiento de los
Trabajadores Rurales Sin Tierra (MST). El Movimiento tiene
como uno de sus fundamentos la pedagogía de Paulo Freire y
comprende la alfabetización más allá de la decodificación y del
mero conocimiento del sistema alfabético, sino como proceso de
concientización. En ese sentido, apropiarse de la escritura es
apropiarse de un instrumento de lucha necesario para la
emancipación. Sin embargo, en su recorrido, el MST fue
estableciendo alianzas que pudieran garantizar la
implementación de sus proyectos de educación, y esas alianzas
también trajeron dentro del Movimiento otros referentes
teóricos. Más recientemente, la adopción del método cubano
Sim, Eu Posso! (SEP), cuyo vínculo es con la perspectiva
tradicional de alfabetización, trajo otro elemento de tensión y la
necesidad de que se investigue en qué medida los supuestos
freireanos continúan fundamentando las prácticas
alfabetizadoras del MST. Para esa investigación, se recurrió a la
investigación bibliográfica, al análisis de materiales producidos
por el MST ya la investigación de campo.
Palabras clave: Alfabetización de Jóvenes y Adultos,
Alfabetización, Movimiento de los Trabajadores Rurales Sin
Tierra (MST).
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Introdução
Este texto é parte de uma pesquisa
que investiga a alfabetização de jovens e
adultos no Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST), buscando a
presença dos pressupostos da pedagogia de
Paulo Freire na Campanha Nacional de
Alfabetização, que adota o método cubano
Sim, Eu Posso! (SEP)
i
. A pesquisa de
campo foi realizada no Extremo Sul da
Bahia, com o acompanhamento de duas
Campanhas, em 2015 e 2017. Além da
pesquisa de campo, foram analisados
materiais produzidos pelo MST, assim
como realizada pesquisa bibliográfica,
especialmente em Paulo Freire, tendo em
vista que, desde seus primórdios, o
Movimento se fundamenta na obra desse
educador.
Para o MST, a construção de um
novo projeto educacional e social é
condição para a formação e transformação
das relações sociais historicamente
construídas no mundo rural, em que
“uma vinculação direta da condição de
pobreza, do latifúndio e da desigualdade
social com a existência de pessoas que não
sabem ler nem escrever” (Caldart et al.,
2012, p. 284) e lutar contra o
analfabetismo é uma das condições para o
acesso a terra e ao saber. O próprio
Movimento pode ser considerado como um
sujeito pedagógico (Caldart, 2000) e
uma “pedagogia em marcha, que vai além
da escola, na própria história, nas lutas
sociais, na prática produtiva e política”.
(Arroyo, 2012, p. 15). Na pedagogia do
Movimento, a produção do conhecimento
pode ser entendida como forma de
intervenção no mundo. Ou seja, a luta pela
educação é parte indissociável da própria
história da luta pela terra. Por isso,
A preocupação em formar lideranças
de base, militantes e dirigentes
sempre esteve presente na vida do
MST desde a sua criação. Com
objetivo de ser um movimento
autônomo e independente político e
ideologicamente autonomia
entendida aqui como capacidade de
pensar, tomar decisões e andar por
conta própria, auto-organização, sem
se isolar e descuidar das relações
sociais, políticas e culturais que se
estabelecem com outras forças e
segmentos sociais que contribuem
com o crescimento e fortalecimento
do Movimento. O MST elabora uma
concepção própria de formação,
adaptada às suas demandas e
características. (Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra,
2001, p. 107-108).
Fruto dessa luta, foram
conquistadas 2.250 escolas públicas nos
acampamentos e assentamentos em todo
país, mais de 4 mil professores foram
formados no Movimento e em torno de 10
mil professores atuam nessas escolas; mais
de 100 mil Sem Terra, entre crianças,
jovens e adultos foram alfabetizados;
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aproximadamente 5 mil trabalhadores
rurais do MST estudam em 50 instituições
públicas em cursos técnicos de nível
médio, superior e especializações (MST,
Quem Somos, s./d). Luta que se inicia no
mesmo ano do nascimento do MST, em
1984, quando os posseiros, atingidos por
barragens, migrantes, meeiros, parceiros,
pequenos agricultores, enfim, os
trabalhadores rurais sem terra traçaram três
objetivos principais: lutar pela terra, lutar
pela reforma agrária e lutar por mudanças
sociais no país (MST, Surge o MST, s./d).
Ou seja: produzir alimentos, cultura e
conhecimentos.
Em 1987, no Encontro Nacional de
Professoras dos Assentamentos, o Setor de
Educação foi formalizado, com o objetivo
de investir na construção de um sistema
próprio de educação que pudesse
desenvolver a consciência crítica dos
educandos; possibilitar o acesso a
conteúdos que levem à reflexão e à
construção de um mundo mais justo e
solidário; transmitir a história e o
significado da luta pela conquista da terra e
da reforma agrária; desenvolver atividades
que visem à capacidade técnica dos alunos
para experiência de trabalho (MST, Nossa
História, s./d). Porém, o embrião desse
Setor estava no acampamento
Encruzilhada Natalino, na Fazenda
Annoni, no Rio Grande do Sul, em 1981,
quando uma equipe de professores
começou a ensinar as crianças do
acampamento. Além dos professores, pais,
alunos e lideranças assumiram o
compromisso de articular as questões
práticas para o funcionamento da escola.
O MST e a alfabetização de jovens e
adultos
De acordo com a PNAD, 2012
(Pesquisa Nacional de Amostra por
Domicílios, do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística - IBGE), a maioria
da população de analfabetos está na área
rural. A taxa de analfabetismo nesses
locais chegava a 19%. Por isso, alfabetizar
jovens e adultos sempre foi um passo
importante para formação dos militantes e
intelectuais do próprio Movimento, sendo
indissociável da luta pela terra, pois a sua
concentração gera desigualdade em todos
os setores:
Quanto maior a concentração de
terra, maior a concentração de
investimento, de maquinário, que vai
se expandindo para diferentes
setores. A modernização da
agricultura não demonstrou melhora
na condição de vida da população.
Números preliminares mostram que
os municípios com maior
concentração têm nível maior de
pobreza. Quando olhamos para a
América Latina, onde atuamos
mais de 50 anos, no estudo específico
do Brasil percebemos que o tema da
terra é a expressão máxima da
desigualdade. Porque se tem 1% de
propriedade controlando 50% da área
rural da região. É um número muito
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forte quando se pensa na importância
da terra para o desenvolvimento de
um país. Quando se fala de terra se
fala de pessoas, de controle de
recursos naturais, de
desenvolvimento econômico, social,
da questão cultural. A terra expressa
muito o que é uma sociedade e a
América Latina é a região com maior
desigualdade na concentração de
terra no mundo. E um olhar sobre o
Brasil mostra que ele tem 0,95 % de
propriedades rurais controlando 45%
de nossa área rural. São números que
expressam a que ponto chegou a
desigualdade no nosso país.
(Gonzalez, 2016, s/p).
Em 1991, o MST implantou o
Projeto de Alfabetização de Jovens e
Adultos, no Rio Grande do Sul, com 100
turmas em todo o Estado. Paulo Freire
esteve presente no lançamento das turmas,
e afirmou:
Esta tarde é o começo de algo que
começou. Começou até o momento
mesmo das primeiras posições de
lutas que vocês assumiram, mas esta
tarde marca o começo mais
sistematizado, de um novo processo
ou de um desdobramento do
primeiro, de um grande processo de
luta que é um processo político, que é
um processo social e que também é
um processo pedagógico. Não
briga política que não seja isso. Mas
o começo mais sistemático a que me
refiro que ainda hoje inicia, tem a ver
exatamente com dois direitos
fundamentais, entre outros, mas dois
direitos fundamentais q1ue poucos
têm e polos quais temos que brigar.
O direito de conhecer, o conhecer o
que se conhece, e o direito a
conhecer o que ainda não se conhece.
(Freire, 1997, s/p).
Nesse mesmo ano, foi publicado o
Caderno Grito de Liberdade:
Alfabetização. O primeiro seminário de
Educação de Jovens e Adultos aconteceu
em 1993 e, em 1994, foram publicados o
Caderno da Educação 04,
Alfabetização de Jovens e Adultos:
Didática da Linguagem, e o Caderno de
Educação nº 05, Alfabetização de jovens e
adultos: educação matemática. Desde
então, são inúmeros os materiais
produzidos e os encontros e formações, em
diferentes níveis, realizados em todo o
Brasil, tendo os fundamentos de Paulo
Freire embasando a alfabetização na
Educação de Jovens e Adultos (EJA) de tal
forma que o lema freireano “Sempre é
tempo de aprender” está presente nos
assentamentos e acampamentos das mais
diversas formas, não só em materiais de
apoio, mas nas místicas, nas canções, nos
nomes de brigadas, nas conversas do dia a
dia.
Para Freire (1997), o analfabetismo é
fruto de estruturas sociais desiguais e não
resultado de histórias individuais de
fracasso social e escolar. Essa concepção
significa uma radicalidade na compreensão
de que alfabetizar é muito mais do que
ensinar a tecnologia da escrita, mas é
possibilitar que as pessoas compreendam-
se como oprimidas e elas mesmas lutem
para a superação dessa condição. Nessa
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perspectiva, a escrita é um direito e uma
arma de luta. Por isso, o encontro entre o
MST e Paulo Freire é um encontro de
concepção de mundo, de fundamentação
teórica, de método e de práxis
revolucionária.
O livro Pedagogia do Oprimido,
escrito em 1968, quando Freire
encontrava-se exilado no Chile, contém
dois conceitos que são fundamentais para
pedagogia de luta do MST: a
conscientização e libertação. A libertação é
a “vocação ontológica da humanidade”,
enraizamento na opção de transformação
da situação real e opressora em que vivem
os oprimidos, “práxis da busca; pelo
conhecimento e reconhecimento da
necessidade de lutar por ela”. (Freire,
1983, p. 31). Além disso, Freire aponta
algumas características que são
fundamentais e estão presentes na
dinâmica educativa do MST: a
colaboração, a união, a organização e a
síntese cultural.
A educação é um ato de
conhecimento, uma forma de aproximação
crítica e transformadora da realidade. No
livro Conscientização, escrito na década de
70, essa é a palavra geradora de toda a
discussão, explicitada no título; e em
seus livros posteriores ela continua sendo
fundamento, mesmo quando não aparece
de forma explícita. Sendo um ato de
intervenção no mundo, a educação
libertadora é aquela pela qual os sujeitos
tomam consciência de suas escolhas,
sabendo que a realidade pode ser mudada.
Ou seja, um ato de ação-reflexão-ação. A
partir da década de 1990, Freire irá incluir
às dimensões política e epistemológica a
dimensão estética (intuição, emoção,
prazer, amorosidade e a alegria, etc.).
Por isso, a alfabetização pode ser
compreendida, na perspectiva freireana,
enquanto compromisso histórico, pois
implica em fazer e refazer a história. Ou
seja, a alfabetização deve contribuir para o
desvelamento dos processos de opressão e
dominação no mundo do trabalho e das
desigualdades das condições da vida, caso
contrário, pode até instrumentalizar, mas
não liberta, pelo contrário, reforça a
opressão. Nesse sentido, a alfabetização
precisa trazer a discussão dos temas
centrais do cotidiano dos educandos e suas
contradições; se pautar pela práxis, pela
articulação entre o pensar, o falar, o fazer e
o agir, o escrever o vivido e o pensado; se
fundamentar na pesquisa sociológica
(escolha das palavras), na tematização
(palavras geradoras) e na problematização
(transição da consciência ingênua para a
consciência crítica); ser dialógica,
construída a partir das histórias de vida, do
questionamento e da reflexão acerca da
realidade, de forma a que cada sujeito
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encontre suas próprias respostas e
desenvolva a consciência de classe.
Celso de Rui Beisiegel, que conviveu
e debateu os temas da educação com Paulo
Freire, afirmou, em entrevista para com
a Revista Lusófona de Educação (2013):
No que diz respeito à profundidade,
não nenhum exemplo melhor do
que a proposta de Paulo Freire para
entender a teoria formulada por Marx
para a educação, muito mais do que o
modo como os famosos educadores
soviéticos a explicam. Cada um deles
é notável, mas a proposta de Paulo
Freire é muito mais ampla.
(Beisiegel, 2013, p. 170).
Assim, a pedagogia de Paulo Freire e
o MST se identificam na luta pela
transformação da sociedade capitalista em
uma sociedade não hegemonizada pelo
capital, rumo a uma sociedade mais
humana. Segundo Roseli Caldart, Freire
foi o educador que abriu caminho para o
diálogo entre a educação e os movimentos
sociais, pois:
construiu sua reflexão em torno do
processo de produção do ser humano
como sujeito, e da potencialidade
educativa da condição de oprimido e
do esforço em tentar deixar de sê-lo,
o que quer dizer, de tentar
transformar as circunstâncias sociais
desta sua condição, engajando-se na
luta pela sua libertação. (Caldart,
2000, p. 203).
No dia 17 de abril de 1997, apenas
alguns dias antes do seu falecimento,
Freire concedeu entrevista anunciando seu
posicionamento frente às mobilizações
desencadeadas pelos movimentos sociais,
em especial, pelo MST:
Eu estou feliz por estar vivo ainda e
ter acompanhado essa marcha, como
outras marchas históricas, revela o
ímpeto da vontade amorosa para o
mundo essa marcha chama Sem
Terra. Eu morria feliz se eu visse o
Brasil em seu tempo histórico cheios
de marchas ... Os Sem Terra
constituem pra mim hoje uma das
expressões mais fortes da vida
política e da vida cívica deste país.
Por isso mesmo é que se fala contra
eles e até de gente que se pensou
progressista” ... “Eu fiquei com Marx
na mundalidade na procura de Cristo
na transcendentalidade. (Freire,
1997, s./p.).
Para Ademar Bogo, a grande
descoberta de Paulo Freire, no final da
década de 1950, foi que aprendemos a ler o
mundo que nos cerca, antes mesmo das
palavras e frases. A partir daí ele tornou-se
o grande pedagogo, amigo e militante das
lutas sociais”. (Bogo, 2013, p. 1). Afinal,
para Freire:
... aprender a ler e a escrever se faz
assim uma oportunidade para que
mulheres e homens percebam o que
realmente significa dizer a palavra:
um comportamento humano que
envolve ação e reflexão. Dizer a
palavra, em sentido verdadeiro, é o
direito de expressar-se e expressar o
mundo, de criar e recriar, de decidir,
de optar. (Freire, 1983, p. 35).
Mais do que uma metodologia de
alfabetização, Paulo Freire construiu uma
concepção de educação como processo de
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humanização, ou seja, de libertação-
emancipação. Emancipação subjetiva e
coletiva, que se constrói junto com o
Movimento, operando a sua modificação e
por ele sendo modificado. Neste sentido, o
MST proporciona aos seus militantes a
conquista da cidadania, resgatando um dos
princípios fundamentais de toda República,
que é o direito à educação. E a base desse
acesso está na alfabetização, já que, em
uma sociedade letrada e informatizada,
dominar a linguagem escrita é condição
para que as pessoas possam não
defender seus direitos expressos na
Constituição, mas, além disso, possam
construir outros mundos possíveis, que
rompam com a lógica da separação entre
um saber letrado e um popular, entre saber
erudito e escolar, em contraposição ao
saber popular.
O MST e o Sim, Eu Posso!
O Yo, Puedo foi construído pela
pedagoga cubana Leonela Relyz Diaz (que
atuou como alfabetizadora durante a
revolução cubana) para a Venezuela, em
2003, durante a presidência de Hugo
Chaves, levando o país a ser declarado
como “território livre do analfabetismo”,
pela Organização das Nações Unidas para
a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO). Leonela Inés Relys Díaz era
doutora em ciências da educação,
professora da Universidade de Havana e
assessora acadêmica do Instituto
Pedagógico Latino Americano y Caribeño
(IPLAC). Ela faleceu em 2015. Seu
método alfabetizou mais de oito milhões
de pessoas em todo o mundo, sendo
premiado pela UNESCO; porém, nunca foi
usado em Cuba, território livre do
analfabetismo desde 1961.
O Brasil foi o primeiro país em que o
SEP foi adaptado para outro idioma. A sua
entrada foi favorecida pelo protocolo
internacional de cooperação com Cuba,
realizado pelo Governo Federal, em 2005.
Em 2006, o Movimento decidiu fazer uma
experiência piloto no Maranhão, Sergipe,
Ceará, Pará, Pernambuco, Piauí, Paraná e
Bahia. Em 2008, adotou o SEP na
Campanha Nacional de Alfabetização,
especialmente nos estados da Região
Nordeste.
O material, de baixo custo, é
composto por uma cartilha e 65 vídeo-
aulas, para ser trabalhado em cinco dias da
semana, com uma hora e trinta minutos
para cada encontro, em um período de três
meses. Organiza-se a partir da relação
entre números e letras, sendo que para cada
letra há um número correspondente. Em
entrevista, Diaz afirmou que:
Estamos conscientes que o “Sim, eu
posso” proporciona os códigos
linguísticos necessários para aprender
a ler e escrever. Em nenhum
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momento, pensamos que o programa
é para fazer um exame de ingresso
em uma universidade. É para dar os
primeiros passos, é para enlaçar uma
letra com outras e formar palavras,
para unir palavras e formar ideias, é
como o jardim de infância, o pré-
escolar, onde se desenvolvem
habilidades, destrezas, hábitos e
conhecimentos que permitem a
começar e seguir. (Macedo &
Mazilão Filho, 2013, p. 253).
As 65 aulas são divididas em três
etapas:
- treinamento, em que são realizados
exercícios psicomotores e familiarização
com o material didático, como segurar o
lápis, etc.;
- ensino da leitura e da escrita, focado
no código escrito;
- a partir da 46ª aula, introdução às
operações fundamentais da matemática;
- consolidação das letras, redação de
parágrafos e a avaliação final, realizada a
partir da escrita de uma carta na última
página da cartilha.
A base do SEP é a memorização de
letras retiradas de palavras previamente
apresentadas nas vídeo-aulas, em uma
espécie de “novela de alfabetização”. O
educador é entendido como um aplicador e
facilitador do método. Na Campanha
Nacional de Alfabetização, os três meses
do SEP deveriam ser seguidos por mais
cinco meses com material de apoio
produzido pelo próprio Movimento, tendo
por referência os Círculos de Cultura de
Paulo Freire. Assim, O MST passou a
chamar a Campanha de Sim, Eu Posso!
Círculos de Cultura, concretizando algo
que João Pedro Stédile anunciava em
2007:
O projeto cubano é uma grande
sacada. Nem deve ser chamado de
cubano, porque no fundo eles uniram
a pedagogia do Paulo Freire com a
mídia de massas, pra poder
massificar. Se não for assim, vira
esse negócio de ONG: junta três, leva
um ano e não aprende. Quem
traduziu o método e passou pro
português fomos nós. (Stédile, 2007,
s/p)
Depois desses oito meses em que
estudam nas áreas do MST com
educadores do próprio Movimento, os
educandos são estimulados a dar
continuidade aos estudos no sistema
regular oferecido pelo Estado, na EJA. A
Campanha se configura, assim, como um
momento de mobilização para a
conscientização sobre a importância da
educação e do estudo, em que a
alfabetização é apenas o início da
caminhada:
Sim, Eu Posso! - este é o primeiro
passo do processo de alfabetização.
Um método, que através do uso de
uma novela de alfabetização,
possibilita ao jovem ou adulto, se
apropriar dos códigos da leitura e
escrita no período de três meses. O
educador será um facilitador do
processo de aprendizagem, estando
sempre presente. Aprender a ler e
escrever é um passo importante,
porém nosso dever é a continuidade
no processo de alfabetização durante
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mais cinco meses, para assim avançar
no nível de estudo e de escolarização.
_ Depois do Sim, Eu Posso!, o
educando deverá continuar seus
estudos durante cinco meses,
orientado pelo educador e com o
apoio de um material didático
organizado por temáticas que
dialogam, problematizam,
questionam e projetam
transformações na realidade local e
global das famílias assentadas e
acampadas.
_ Após o período de oito meses
devemos incentivar os educandos a
continuar os estudos, garantindo que
os mesmos ingressem na Educação
de Jovens e Adultos - EJA da rede
regular de ensino. (MST, 2007, p.
13).
Paulo Freire e Sim, Eu Posso!
A decisão de adotar o Sim, Eu Posso!
provocou uma série de discussões dentro
do próprio Movimento e fora dele. Isso
porque se trata de uma metodologia
engessada em passos a serem seguidos por
um monitor e que reduz a alfabetização
quase que ao seu nível de decodificação.
Aparentemente, ao assumir o SEP, o
Movimento estaria negando a pedagogia
conscientizadora freireana. Porém, o que
esta pesquisa mostrou é que o SEP ganhou
outros contornos quando foi assumido pelo
MST. Ou seja, mesmo que o SEP se
apresente como uma metodologia de
alfabetização que a restringe como o
domínio mecânico do código, um processo
de transferência desse código em situações
criadas artificialmente para isso e que
demandariam apenas um executor do
pacote pré-estabelecido, esse pacote cai
nas mãos de educadores formados no
Movimento e com profundo enraizamento
na pedagogia emancipadora de Paulo
Freire. Trata-se, antes de tudo, de um
educador progressista, que, nas palavras do
próprio Freire:
é aquele que trabalha numa sociedade
burguesa de classe como a nossa, por
exemplo, e tem o sonho que o
transcende, que vai mais além de fazer
a escola melhor, mas que é preciso
fazer, porque ele sonha é mesmo com a
transformação radical da sociedade
burguesa, numa sociedade socialista.
(Freire, 1985, p. 34).
Um educador que supera as
condições concretas de sua formação
precária, assim como da precariedade das
condições nas quais seu trabalho acontece.
Os educadores do MST aprenderam bem
esta lição:
Não devemos chamar o povo à escola
para receber instruções, postulados,
receitas, ameaças, repreensões e
punições, mas para participar
coletivamente da construção de um
saber, que vai além do saber de pura
experiência feito, que leve em conta
as suas necessidades e o torne
instrumento de luta, possibilitando-
lhe ser sujeito de sua própria história.
(Freire, 2001, p. 16).
De acordo com Miguel Arroyo:
Nessa prática-movimento de
educação, ou nessa prática ético-
política-educativa, foi sendo
elaborada essa concepção de
educação, baseada em leituras da
educação apreendidas de Paulo Freire
pelo coletivo de educadores e em
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leituras dos processos que acontecem
nas vivências da opressão e da
libertação dos oprimidos. (Arroyo,
2012, p. 25).
O perfil das e dos educadores - talvez
mais do que o das e dos educandos - foi
decisivo na adoção do SEP pelo MST, pois
eles compartilham com os educandos o
mesmo contexto imediato de vida. Macedo
e Mazilão Filho descrevem assim os
educandos do SEP, mas pode-se dizer que
este também é o perfil dos educadores:
Quanto aos educandos, percebemos
que, na maioria dos casos,
compartilham padrões semelhantes
de perfis e histórias de vida. São
pessoas oriundas de famílias pobres e
numerosas das zonas rurais onde,
desde cedo, ingressaram no mundo
do trabalho infantil, dificultando,
assim, o acesso e permanência na
escola, em idade regular, cujas breves
experiências quando ocorrem são
marcadas por vivências de
humilhação, castigo e fracasso
escolar. (Macedo & Mazilão Filho,
2013, p. 12).
Diante desse quadro, o SEP se
mostra positivo porque possui
instrumentos de acompanhamento das
turmas e planejamento coletivo
sistemático, oferecendo um material
simples que orienta o seu passo a passo.
Essas condições dão segurança ao
educador e ao educando em relação ao
percurso pedagógico, o que se mostrou
importante na reconquista da autoestima
dos educandos e na construção da
segurança pedagógica do educador.
Essa pesquisa acompanhou as turmas
da Campanha Nacional de Alfabetização
em 2015 e 2017, em assentamentos do
Extremo Sul da Bahia, coordenada pela
Escola Popular de Agroecologia e
Agrofloresta Egídio Brunetto, do MST,
localizada no Assentamento Jaci Rocha,
Zona Rural, às margens da BR101, Km
831, em Prado. A região é constituída por
três zonas com diferenças significativas
entre si: a Litorânea, a Central e a do
Oeste. O Extremo Sul abriga algumas das
mais belas praias brasileiras e, ao mesmo
tempo, sofre com as consequências do
latifúndio e do monocultivo. A zona
central, onde se localiza a Escola, é,
segundo dados do IBGE 2000, a mais
povoada, pois reúne três dos municípios
mais populosos da região: Teixeira de
Freitas, Eunapólis e Itamaraju. Em 2015, a
Escola Egídio Brunetto promoveu a
primeira Campanha de Alfabetização,
identificando educadores e coordenadores,
organizando a formação dos educadores e
coordenadores bem como fazendo a
elaboração e aquisição de materiais
didáticos pedagógicos, envolvendo 200
educandos. A segunda Campanha se
iniciou em janeiro de 2017, reunindo, na
aula inaugural, mais de 500 Sem Terra,
educadores e educadoras do campo,
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autoridades políticas e amigos do MST, no
Assentamento Margarida Alves, em
Itabela. Pude acompanhar in loco parte da
primeira Campanha e todas as fases da
segunda Campanha, participando das
reuniões com a coordenação da escola, das
formações dos educadores, visitando as
turmas, participando dos processos de
avaliação do processo. Foram matriculados
323 trabalhadores e trabalhadoras Sem
Terra, distribuídos em 30 turmas, de 11
assentamentos de Reforma Agrária.
Durante os três meses do SEP, por
iniciativa dos próprios educadores e das
próprias educadoras, foram sendo criados
materiais pedagógicos com o objetivo de
ampliar as atividades do SEP e criar
espaços de interação e reflexão. Os
materiais produzidos (tais como murais,
cartazes, jogos, uma espécie de cartilha)
mostraram como esses educadores foram
ganhando autonomia e criando soluções
para as questões de ensino-aprendizagem
para além da lógica do SEP. Nesse sentido,
o papel originalmente pensado para eles de
ligar e desligar a TV e orientar as
atividades da cartilha do SEP foi se
transformando e as situações a serem
enfrentadas foram exigindo intervenções
para além desse papel. Por exemplo, as
turmas eram bastante heterogêneas, sendo
comum as crianças acompanharem seus
pais. A-o educador-educadora acabava
criando formas para que as crianças se
integrassem no processo, levando materiais
específicos para elas e estimulando a sua
participação nas atividades desenvolvidas.
No outro extremo, era grande número de
idosos matriculados, o que desafiou os
educadores a lidar com problemas de
saúde, de adaptação à escola, de certa
impaciência, do comprometimento da
memória; ao mesmo tempo, os idosos
oportunizaram uma riquíssima experiência
de vida a ser compartilhada. Assim, os
diferentes níveis de aprendizagem, de
idade, de interesses, de ritmos de
aprendizagem foram ganhando soluções
para além do rigor dos passos do método
cubano.
A orientação do SEP é não
interromper as vídeo-aulas, mas os
educadores chegaram à conclusão de que
funcionava melhor interromper, explicar
novamente e dar mais tempo para a
atividade ser desenvolvida. O tempo
previsto de 15 minutos para conversar
sobre a palavra integradora geralmente não
era suficiente para todas as informações,
causos, relatos trazidos pelos educandos, e
esse tempo de interação foi sendo
ampliado. Por isso, alguns educadores
consideraram que o SEP, em determinado
momento, parecia “amarrar” o processo
pedagógico. Essa foi a conclusão das
análises produzidas pelos educadores ao
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final da Campanha de Alfabetização no
Extremo Sul da Bahia, durante o Seminário
de Avaliação e Síntese dos Processos de
Alfabetização, realizado nos dias 20 e 21
de novembro de 2017, no escritório Fidel
Castro, em Eunápolis.
Considerações finais
Constatou-se, a partir do
acompanhamento das Campanhas no
Extremo Sul da Bahia, que o SEP foi
eficaz ao levar educandos que sequer
conseguiam pegar no lápis a aprenderem
todas as letras, escrever o próprio nome, ler
palavras e pequenas frases. Para além do
próprio método, os-as educadores-as
avaliaram que esse resultado teve relação
com o planejamento coletivo semanal -
com a presença da coordenação -, assim
como com as formações ao longo do
processo.
Por outro lado, de acordo com os-as
educadores-as militantes, o que move as
pessoas são as necessidades, o que os-as
mantêm em movimento são os objetivos,
os princípios e os valores. E as educadoras
e os educadores do MST o movidos
pelos princípios da pedagogia de Paulo
Freire, expressão, segundo Miguel Arroyo,
de uma “concepção e prática pedagógicas
construídas e reconstruídas nas
experiências sociais e históricas de
opressão e nas resistências dos oprimidos,
dos movimentos sociais pela libertação de
tantas formas persistentes de opressão”.
(Caldart et al., 2012, p. 554). Uma
característica importante desses educadores
é que lutam para a organização política da
sociedade, participam das diferentes
atividades do Movimento, estão em
constante marcha revolucionária.
Vivenciam cotidianamente na organização
dos acampamentos e assentamentos a
experiência coletiva da relação entre leitura
do mundo e o engajamento para a luta por
outra sociedade.
É marca da caminhada do
Movimento na EJA que:
no intuito de superar o problema do
analfabetismo, os movimentos
sociais do campo têm desenvolvido
uma multiplicidade de experiências
metodológicas de alfabetização de
adultos. As referências teórico-
metodológicas buscaram de alguma
forma apoiar-se na vertente
pedagógica da educação popular;
mas é importante enfatizar que em
cada lugar, as comunidades rurais
e/ou o professor/alfabetizador, no
processo de organização das turmas,
desenvolveram experiências de
alfabetização utilizando-se de
diversos meios de proporcionar aos
jovens e adultos o aceso às primeiras
letras. (Caldart et al., 2012, p. 284).
Assim, o SEP foi se modificando a
partir das referências freireanas do próprio
Movimento e de seus educadores. Em sua
adaptação pelo MST, a aula passou a ter
duas horas, ampliando-se o tempo de
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interação entre educador e educandos e a
possibilidade de mais atividades orais e
escritas para além das previstas na vídeo-
aula e na cartilha. O MST abriu duas
importantes intervenções pedagógicas: o
trabalho com a palavra integradora (o que
amplia a ideia de palavra chave do Yo,
Puedo) e o tempo de diálogo. A palavra
integradora não tem a mesma natureza da
palavra geradora, uma vez que vem dada
na novela e não passa pelo processo de
construção dialógica e coletiva a partir da
realidade dos educandos, mas é uma
tentativa de dar sentido às palavras
trabalhadas no vídeo/cartilha,
reconhecendo a necessidade de que ela
seja, como indica Freire (1982) uma
palavramundo e que a leitura do mundo
preceda a leitura da palavra, tecida na
troca de saberes:
Partindo dos conhecimentos prévios
dos alfabetizandos acerca dessa
palavra, o alfabetizador deve
conduzir de forma descontraída,
porém intencional, abordagens que
permitam identificar o uso da palavra
a ser estudada na vídeo-aula. Isso
exige que o alfabetizador planeje essa
forma de dialogar, procurando
identificar e significar a palavra
trabalhada a partir da experiência do
cotidiano dos educandos,
conversando sobre ela, fazendo
questionamentos, possibilitando a
valorização e socialização dos
diferentes saberes. A concretização
do diálogo entre alfabetizandos e
alfabetizador, numa relação de
horizontalidade, permitirá a troca de
saberes entre os sujeitos envolvidos
no processo de ensino-aprendizagem.
(Movimento dos Trabalhadores
Rurais sem Terra, 2016-2017, s./p.).
Mesmo que de forma bastante
incipiente, se instala dentro do SEP um
micro-Círculo de Cultura, que vai trazendo
novos elementos na relação pedagógica.
A experiência com o SEP mostrou a
necessidade de subsidiar o trabalho do
educador não com cadernos de
orientações metodológicas, mas com
materiais destinados aos-às educandos-as.
Mostrou, também, que os educadores vão
superando o SEP e construindo outro
método, na perspectiva do inédito-viável
ii
,
pois, na medida em que “aplicam” o
método, se sentem tolhidos por ele,
fazendo emergir a necessidade de uma
prática mais freireana dentro do SEP.
Nos mais de 30 anos de história do
MST, foram muitas as parcerias e com elas
as mais variadas concepções de
alfabetização que foram adentrando o
cotidiano dos alfabetizadores da EJA, tal
como aconteceu com o SEP. Porém, a
presença dos fundamentos da pedagogia de
Paulo Freire se mantém firme. É o que se
pode perceber por meio da fala das e dos
educadores da Campanha, entrevistados
durante essa pesquisa. Uma delas afirma
sua formação no MST e o aprofundamento
que essas formações fazem da pedagogia
freireana:
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Porque antes eu passei a minha vida
inteira trabalhando com Geografia e
História. O que eu não aprendi em
dezoito anos na educação fora, eu
aprendi aqui em dois anos. Porque as
capacitações assim é voltada para
aquilo ali e a gente vai pra aquele
objetivo. Então, é muito gratificante.
E que fora você fica a vida inteira
dando historia e geografia, o trem
vem arrumadinho de lá, você
passa o conhecimento, né? ... Lá fora,
quando eu trabalhava lá fora, para lhe
ser sincera, eu conhecia Paulo Freire
porque eu já dei aula num colégio,
em Itamaraju, do município, que
tinha Paulo Freire. Mas eu não
conhecia nada daquele homem. Até
mesmo, toda vida eu dei geografia e
história e nunca me preocupei.
Quando eu vim aqui pro movimento,
eu ouvia tanto falar em Paulo Freire,
todo mundo falava de Paulo Freire,
eu falei: “Gente, agora eu curiosa.
Eu vou só comprar um livro desse
homem”. o primeiro livro do
Paulo Freire que eu comprei é aquele,
O menino que lia o mundo. Menina,
quando eu terminei, eu li o livro
assim, e uns três dias acabou. eu
falei: “Gente, esse homem tava no
caminho certinho”. É assim que a
coisa tem que acontecer. E aí, gente
eu comecei a ver assim, porque agora
esses dias eu estava até falando
assim. Eu falei: “Menina, eu se eu
tivesse assim, a coragem de Paulo
Freire, eu estava dando aula aqui, do
jeito dele, porque ele dava aula até
sem lápis”. Na época teve que sair do
Brasil, não sei o que, e aquela
história toda. (Entrevista concedida à
autora, 2017).
O MST, sujeito pedagógico
fundamentado na pedagogia do oprimido,
vai construindo práticas pedagógicas que
surgem como respostas às demandas de
cada realidade, recriando a pedagogia
freireana. Respostas que levam em conta o
imprevisível, pois, como bem resume o
Pastor Werner Fuchs: “Não é possível
organizar o imprevisível. Metodologia
alguma ensina isso. Para o imprevisível é
preciso uma opção clara, que pode ser
explicitada pela metodologia.”
iii
E os
princípios da pedagogia de Paulo Freire
são fundamentais para o Movimento
organizar suas ações na educação, diante
dos imprevistos, sem perder sua aquilo que
lhe é essencial e o define. Assim, um
intenso movimento de construções e
reconstruções pedagógicas que acontecem
no caldo de informações, concepções,
contradições onde se dá a alfabetização de
jovens e adultos no MST. E esse
movimento precisa ser constantemente
pesquisado, registrado e refletido, pois
contém ressignificações importantes da
pedagogia freireana, fundamentada na
ideia de que “o mundo não é, o mundo está
sendo”. (Freire, 1983, p. 46).
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18
i
O nome original do método é Yo, sí puedo.
ii
Trata-se de uma categoria freireana, usada pela
primeira vez em Pedagogia do Oprimido. Segundo
Ana Maria Freire, no verbete do Dicionário Paulo
Freire, O ‘inédito-viável’ é, na realidade, pois,
uma coisa que era inédita, ainda não claramente
conhecida e vivida, mas quando se torna um
‘percebido destacado’ pelos que pensam
utopicamente, o problema não é mais um sonho, ele
pode se tornar realidade. (Streck et al., 2010, p.
224).
iii
Entrevista da autora.
Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 24/07/2018
Aprovado em: 10/11/2018
Publicado em: 24/04/2019
Received on July 24th, 2017
Accepted on November 10th, 2018
Published on April, 24th, 2019
Contribuições no artigo: A autora foi responsável por
todas as etapas e resultados da pesquisa, a
saber: elaboração, análise e interpretação dos dados;
escrita e revisão do conteúdo do manuscrito e; aprovação
da versão final a ser publicada.
Author Contributions: The author was responsible for the
designing, delineating, analyzing and interpreting the data,
production of the manuscript, critical revision of the content
and approval of the final version to be published.
Conflitos de interesse: A autora declarou não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Elisiani Vitória Tiepolo
http://orcid.org/0000-0002-0436-6806
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Tiepolo, E. V. (2019). Paulo Freire e a alfabetização de
jovens e adultos no Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST). Rev. Bras. Educ. Camp., 4, e5676. DOI:
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e5676
ABNT
TIEPOLO, E. V. Paulo Freire e a alfabetização de jovens e
adultos no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST). Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v.
4, e5676, 2019. DOI:
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e5676