Revista Brasileira de Educação do Campo
The Brazilian Scientific Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.v4e5906
Tocantinópolis/Brasil
v. 4
e5906
10.20873/uft.rbec.v4e5906
2019
ISSN: 2525-4863
1
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Desruralização escolar: um estudo sobre o fechamento de
escolas do campo em um município do Estado do Rio de
Janeiro
Vanessa Lima Sanches
1
, Marcia Lisbôa Costa de Oliveira
2
1
Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Faculdade de Formação de Professores. Rua Francisco Portela, 1470,
Patronato. São Gonçalo - RJ. Brasil.
2
Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ.
Autor para correspondência/Author for correspondence: nessa.sanches@hotmail.com
RESUMO. O artigo apresenta um estudo sobre a desativação e
a extinção de escolas do campo situadas no Município de
Cachoeiras de Macacu (região metropolitana do Estado do Rio
de Janeiro), enfocando também o impacto do projeto de
construção da barragem do Rio Guapiaçu nesse processo. Os
dados analisados demonstram que na região rural de Cachoeiras
de Macacu, entre 1983 e 2016, foram desativadas ou extintas 35
escolas, dentre as quais 8 estaduais e 27 municipais ou
municipalizadas. Partindo da discussão sobre a mudança do
perfil populacional e a perimetropolização do município,
analisamos o contexto em que se processa a desruralização
escolar. Constatamos que o transporte dos estudantes para áreas
urbanas configura uma estratégia administrativa de “otimização”
escolar e que o projeto da barragem do Rio Guapiaçu acentuou
essa orientação na região da Serra Queimada. Considerando que
“a identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação
às questões inerentes à sua realidade” (Brasil, 2012),
entendemos que o fechamento de escolas do campo assinala a
invisibilização das populações campesinas, cujos saberes e
modos de vida são tomados como inexistentes. Dessa forma,
elas são radicalmente excluídas da sociedade civil (Santos,
2007).
Palavras-chave: Educação do Campo, Fechamento de Escolas,
Transporte Escolar, Relações Campo-Cidade, Barragem.
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School desruralization: a study on the closure of rural
schools in a municipality of the State of Rio de Janeiro
ABSTRACT. This paper presents a study about the deactivation
and the extinction of rural schools located in the municipality of
Cachoeiras de Macacu (Rio de Janeiro State Metropolitan
Region), focusing on the impact of the construction of the
Guapiaçu River dam in this process. The data analyzed show
that in the rural region of Cachoeiras de Macacu, between 1983
and 2016, 35 schools were deactivated or extinguished, of which
8 were administered by the state and 27 by the municipality.
Starting from the discussion of the changing of the population
profile and the perimetropolization of the municipality, we
analyze the school desruralization process. We noticed that the
transportation of students to urban areas constitutes an
administrative strategy for school “optimization” and that the
Guapiaçu River dam project accentuated this orientation in the
Serra Queimada region. Considering that "the identity of the
rural school is defined by its connection with the issues inherent
to its reality" (Brazil, 2012), we understand that the closure of
rural schools indicates the invisibility of peasant populations,
whose knowledge and way of life are taken as nonexistent. In
this way, they are radically excluded from civil society (Santos,
2007).
Keywords: Rural Education, Closing of Schools, School Bus,
Field-City Relations, Dam.
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Desruralización escolar: un estudio sobre el cierre de
escuelas del campo en un municipio del Estado de Río de
Janeiro
RESUMEN. El artículo presenta un estudio de caso sobre la
desactivación y la extinción de escuelas del campo situadas en el
Municipio de Cachoeiras de Macacu (región metropolitana del
Estado de Río de Janeiro), enfocando el impacto del proyecto de
construcción de la represa del Río Guapiaçu en ese proceso. Los
datos analizados demuestran que en la región rural de
Cachoeiras de Macacu, entre 1983 y 2016, fueron desactivadas o
extintas 35 escuelas, de las cuales 8 eran administradas por el
estado y 27 por el municipio. Partiendo de la discusión sobre el
cambio del perfil poblacional y la perimetropolización del
municipio, analizamos el proceso de desruralización escolar.
Constatamos que el transporte de los estudiantes para la ciudad
configura una estrategia de “optimización” escolar y que el
proyecto de la represa del Río Guapiaçu acentuó esa orientación
en la Serra Queimada. Considerando que "La identidad de la
escuela del campo es definida por su vinculación a las
cuestiones inherentes a su realidad" (Brasil, 2012), entendemos
que su cierre señala la invisibilización de las poblaciones
campesinas, cuyos saberes y modos de vida se toman como
inexistentes. De esta forma, son radicalmente excluidas de la
sociedad civil (Santos, 2007).
Palabras clave: Educación del Campo, Cierre de Escuelas,
Transporte Escolar, Relaciones Campo-Ciudad, Represa.
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Introdução
Escola rural
As carteiras são feitas para anõezinhos
De pé no chão
Há uma pedra negra
Com sílabas escritas a giz
A professora está de licença
E monta guarda a um canto numa vara
A bandeira alvi-negra de São Paulo
Enrolada no Brasil.
Oswald de Andrade.
(1971, p. 99).
O poema de Oswald de Andrade que
escolhemos como epígrafe representa a
escola do campo como um espaço alheio à
modernidade e improdutivo. Os
“anõezinhos de no chão”, crianças
campesinas, e a professora ausente, estão
enquadrados num cenário estático, vigiado
pela bandeira do Estado, que se sobrepõe
ao estandarte nacional. Nesse quadro, as
tensões entre rural e urbano, modernidade
e atraso, formam um pano de fundo que
bem a medida do modo como as escolas
rurais/escolas do campo eram vistas pela
população urbana nas primeiras décadas do
século XX.
As permanências contemporâneas
dessa representação podem explicar, em
parte, o processo que analisaremos nesse
artigo, no qual investigamos o progressivo
processo de fechamento das escolas do
campo situadas no Município de
Cachoeiras de Macacu, pertencente à
região metropolitana do Estado do Rio de
Janeiro.
Identificamos que no município
analisado está em curso um processo
paulatino que denominamos de
desruralização escolar, em que o principal
argumento utilizado no fechamento de
escolas é a redução da população escolar
na região considerada rural, fenômeno
decorrente, entre outros fatores, da
transformação do espaço rural em zona
periurbana no município.
Concebemos o termo desruralização
escolar como o movimento de
reorganização da rede escolar pela
desativação e pela extinção de escolas do
campo, com consequente transferência dos
estudantes para escolas polo ou urbanas.
Nesse processo, observamos que o
transporte escolar funciona como
instrumento de “otimização” da oferta de
vagas, que são concentradas em escolas
mais centrais, nas quais a demanda
constante de alunos concorre para a
redução dos custos operacionais.
Baseamos a expressão no conceito
desenvolvido pelo geógrafo português
Álvaro Domingues (2011, n. p.), para o
qual:
A desruralização assinala a
desconstrução dupla da ruralidade: da
agricultura enquanto economia e da
cultura camponesa tradicional
enquanto cultura. Perdida a
centralidade das duas, a metamorfose
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da paisagem assinalará a
transformação da produção agrícola
(transformação em resíduo ou
intensificação tecnológica) ou o seu
desaparecimento. Quando a
economia não é agrícola e a cultura
não é camponesa, “rural” é uma
palavra sem sentido, porque habitada
pelos vários sentidos que perdeu.
Alentejano (1999, p. 50), aborda o
conceito por outro viés e afirma, com
relação ao Estado do Rio de Janeiro, que
“O processo de desruralização, entendido
como esvaziamento econômico e
demográfico e perda de peso político e
cultural, foi tão intenso no estado que entre
1940 e 2000, a população rural decresceu
de 1.400.000 pessoas (38,8% do total em
1950) para 570.000 pessoas (4% do total
em 1996).”
Em termos metodológicos, na fase
inicial do estudo realizamos uma revisão
da bibliografia e da legislação sobre
escolas do campo no Brasil, bem como
sobre as questões culturais e identitárias
que perpassam a concepção de educação
do/no campo e a dinâmica das relações
rural-urbano no entorno de metrópoles,
para entendermos o macrocontexto da
pesquisa.
Os procedimentos de geração de
dados incluíram a consulta a documentos e
mapas municipais, o levantamento e a
análise de dados censitários, com vistas à
verificação quantitativa do processo acima
apontado. Realizamos também a
observação participante no contexto local,
interagindo com os sujeitos afetados pelo
processo de desruralização escolar, que
tentamos compreender.
Os dados analisados demonstram que
num período de trinta e três anos, entre
1986 e 2016, ocorreu o fechamento de
trinta e cinco escolas públicas na região
rural de Cachoeiras de Macacu e que o
projeto da futura barragem levará à
extinção de cinco escolas, duas das quais já
foram desativadas. Constatamos que no
município estudado uma tendência à
substituição das escolas do campo pelo
transporte escolar, que conduz os
estudantes para escolas polo, muitas das
quais situadas em espaço urbano. Essa
tendência foi acentuada na região da Serra
Queimada pelo projeto de barragem do Rio
Guapiaçu.
Em Cachoeiras de Macacu, a
desativação de uma unidade escolar
costuma preceder sua extinção definitiva,
que ocorre, em média, após dez anos de
fechamento. Quando uma escola é
desativada, os documentos institucionais e
o “arquivo morto” são transferidos para a
Secretaria Municipal de Educação, sob os
cuidados da inspeção escolar, enquanto os
documentos referentes aos estudantes
ativos passam a ficar arquivados na
secretaria da escola que os recebe. Feitas
as matrículas na escola de destino, deveria
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ser criada uma nova rota para o transporte
escolar, porém problemas nesse
processo, como discutiremos mais adiante.
Apresentaremos um panorama das
escolas desativadas e extintas no
município, buscando refletir sobre a
desruralização da rede escolar de
Cachoeiras de Macacu e seus reflexos na
escolarização da população campesina.
Focalizaremos em nossa análise os
seguintes fatores: a mudança do perfil
populacional do município; o impacto da
barragem do Rio Guapiaçu na área a ser
alagada e o (des)investimento nas escolas
do campo no município, associando-os ao
processo gradual e contínuo de desativação
e extinção de escolas e discutindo o papel
assumido pelo transporte escolar nesse
movimento. Refletiremos, nas
considerações finais, sobre o modo como o
fechamento de escolas do campo assinala a
invisibilização das populações campesinas
e a desvalorização de seus saberes e modos
de vida.
Mudança populacional,
perimetropolização e construção de uma
barragem em Cachoeiras de Macacu:
impactos na desruralização escolar
Os sentidos contemporâneos da
Educação do Campo apresentam vários
avanços em relação às concepções que se
construíram historicamente nessa área.
Dessa forma, conforme o parecer do
Conselho Nacional de Educação acerca das
Diretrizes Operacionais para a Educação
Básica nas Escolas do Campo, emitido
pela relatora Edla de Araújo Lira Soares, a
concepção amplia-se, ultrapassando
definições territoriais:
A educação do campo, tratada como
educação rural na legislação
brasileira, tem um significado que
incorpora os espaços da floresta, da
pecuária, das minas e da agricultura,
mas os ultrapassa ao acolher em si os
espaços pesqueiros, caiçaras,
ribeirinhos e extrativistas. O campo,
nesse sentido, mais do que um
perímetro não-urbano, é um campo
de possibilidades que dinamizam a
ligação dos seres humanos com a
própria produção das condições da
existência social e com as realizações
da sociedade humana. (Parecer CNE
nº 36/2001 In Brasil, 2012, p. 7-8).
Reconhecemos que as fronteiras
entre rural e urbano são cada vez mais
fluidas, sendo difícil estabelecer limites
rígidos entre esses espaços, que se
organizam num continuum marcado por
tensões e complementaridades, no entanto,
consideramos importante analisar alguns
dados que nos permitem dimensionar a
ocupação territorial do município de
Cachoeiras de Macacu, para entender as
transformações em andamento no que
respeita à distribuição da população e à
ocupação econômica do território.
Para a análise das mudanças
ocorridas, tomaremos por base a Tabela 1,
que apresenta a distribuição quantitativa e
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a mudança do perfil da população do
município ao longo de sessenta anos,
sistematizando dados do IBGE.
Tabela 1 - Evolução da população de Cachoeiras de Macacu RJ, 1950 2010.
Ano
População
Urbana
População
Rural
População
Total
Variação da População
total
%
total
%
total
%
Urbana
Rural
%
n.
%
n.
1950
3.451
21,8
12.731
78,2
16,272
100
-
-
-
-
1960
7.736
28,6
19.328
71,4
27,064
100
124,2
4285
51,8
6597
1970
10.402
30,8
23.391
69,2
33,793
100
34,5
2666
21
4063
1980
19.099
53,2
16.772
46,8
35,871
100
83,6
8697
- 39,5
- 6619
1991
32.036
79,7
8.172
20,3
40.208
100
67,7
12937
- 105,2
- 8600
2000
41.117
84,7
7.426
15,3
48.543
100
28,3
9081
- 10
- 746
2010
46.944
86,5
7.329
13,5
54.273
100
14,8
5827
- 1,3
- 97
Fonte: Reproduzida de Machado (2013, p. 49).
No período registrado na Tabela 1,
podem ser observados os movimentos
simultâneos de crescimento da população
urbana e redução da população rural, tanto
em termos absolutos quanto em termos
percentuais. Assim, constata-se que o
município, o qual experimentou grande
crescimento rural em meados do século
passado, perdeu progressivamente essa
característica.
A ruralização do município na
metade do século XX se explica, em parte,
pelo fato de na região do município de
Cachoeiras de Macacu ter sido realizada
uma reforma agrária, que implantou o
núcleo colonial de Papucaia, em
30/12/1951 (INCRA, 2017).
A criação do Projeto Integrado de
Colonização (PIC) em Papucaia se deu no
bojo dos investimentos feitos no governo
de Getúlio Vargas, que construiu grandes
estradas e projetos agropecuários com
recursos financeiros e incentivos fiscais
para a ocupação dos espaços livres e não
produtivos, gerando a procura por terras
não tituladas em âmbito nacional. Isso
causou uma modificação da distribuição da
população, que começou a ocupar as áreas
geográficas mais afastadas do centro
urbano, consideradas rurais (Pessoa, 2006).
Analisando a Tabela 1, observa-se
que, entre as décadas de 50 e 70 do século
XX, o município caracterizava-se por um
perfil rural, que o percentual da
população residente no campo ao longo
desses decênios oscilou entre 78,2%, em
1950, e 69,2%, em 1970 (Cf. Tabela 1,
linhas 3 a 5, população rural total). Nesse
período, embora seja perceptível a
diminuição do intervalo percentual entre as
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populações rural e urbana, havia nítida
predominância da primeira e “o índice de
urbanização do município era inferior à
média regional”. (Machado, 2013, p. 48).
A oferta de empregos no campo,
gerada pela expansão da agricultura foi um
fator importante no aumento da população
rural, que, com a melhoria dos acessos
rodoviários, o município passou a
participar mais facilmente do
abastecimento do mercado urbano da
cidade do Rio de Janeiro, localizada
pouco mais de cem quilômetros, e dos
municípios vizinhos (Machado, 2013).
Na década de 1980, porém,
observando-se a mesma Tabela, já se
constata o equilíbrio entre os dois grupos
populacionais, com discreta maioria da
população urbana, que cresceu muito e de
forma constante, enquanto a população
rural apresenta decréscimo de quase
quarenta por cento no período (Cf. Tabela
1, linha 7, variação da população rural).
É importante notar que nos anos 80
ocorreu o assentamento de centenas de
famílias na região”. (Machado, 2013, p.
51). Nesse contexto, foram implantadas
escolas rurais de ensino fundamental, as
quais atendiam às séries iniciais, do
primeiro ao quinto ano escolar.
Na cada seguinte, no entanto,
ocorreu um movimento inverso. A redução
do quantitativo de alunos nas escolas
rurais, decorrente da forte redução
populacional no campo, iniciou-se em
meados de 1990. Nesse período, a análise
dos dados apresentados na Tabela 1
demonstra que a população urbana
aumentou em 21.634 habitantes, enquanto
a população rural diminuiu em 15.219
pessoas (Cf. Tabela1, linhas 6 e 7,
população urbana total e população rural
total).
Julgamos importante destacar que,
mesmo com essa redução da população
campesina, o município ainda é um
importante produtor agrícola e a produção
de base familiar instalada na região inclui
frutas, legumes, verduras, tubérculos e
pequenos animais. Destacamos que ainda
resistem em Cachoeiras de Macacu dois
assentamentos rurais, cujas características
apresentamos na Tabela 2:
Tabela 2 - Assentamentos rurais no Município de Cachoeiras de Macacu RJ em 2017.
Nome
Capacidade
Famílias
assentadas
Área
Data de
criação
PA São José da Boa Morte
428
385
3903,03
26/01/1982
PIC Papucaia
894
15
18531,83
30/12/1951
Fonte: INCRA (2017).
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Estudos recentes apontam para a
perimetropolização - entendida como a
extensão dos núcleos urbanos
metropolitanos em direção à área rural
periférica”. (Machado, 2013, p. 52) - do
município de Cachoeira de Macacu. Este
até 2013 pertencia à Região Serrana do
Estado do Rio de Janeiro, mas passou a
integrar a Região Metropolitana, conforme
determinação da Lei Complementar 158
(26/12/2013). Essa decisão decorreu não
somente do fato de o Complexo
Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro
(COMPERJ) estar localizado no município
vizinho, Itaboraí, gerando impactos em
Cachoeiras de Macacu, mas também de sua
inserção no contínuo urbano que interliga
os municípios situados no entorno do Rio
de Janeiro.
A urbanização de espaços
anteriormente rurais, inclusive antigas
colônias agrícolas, criadas por projetos de
reforma agrária, foi consolidada no Plano
Diretor Municipal, o qual define a
ocupação do território do município.
Segundo Machado,
Áreas adjacentes aos núcleos urbanos
de Papucaia e Japuíba e à RJ-116
também estão sendo reservadas para
uma esperada expansão urbana, uma
vez permitido o reparcelamento de
terrenos que ainda mantêm função
agrícola. Outros efeitos diretos do
avanço da metrópole se observam à
medida que terras agrícolas passam a
ser mais procuradas como área de
sítios de lazer, como já se esboça na
expansão de loteamentos ao sul do
município nos limites com Itaboraí.
Segundo o Plano Diretor Municipal,
artigo 111, essas áreas são
reconhecidas como de transição
urbana e são ocupadas por chácaras,
associadas ou não a atividades
agrícolas e à criação de animais, mas
sendo utilizadas predominantemente
para o lazer. (Machado, 2013, p. 52).
Dessa forma, a mudança do perfil
populacional e a transformação das formas
de ocupação do território, sob o influxo do
processo de perimetropolização,
pressionam os espaços ainda dedicados à
produção agrícola e levam à redução da
população rural. Em paralelo, políticas
públicas que parecem ter como meta o
esvaziamento das escolas do campo e sua
consequente desativação ou extinção,
contribuem para o desenraizamento das
comunidades que vivem em torno de
atividades agrícolas de base familiar. A
barragem do Rio Guapiaçu é mais um
problema enfrentado pela população local,
que levará ao fechamento de outras escolas
do campo.
Conforme informações apresentadas
no “Relatório sobre a proposta de
construção da Barragem no Rio Guapiaçu
Cachoeiras de Macacu, Rio de Janeiro”
(Paludo et al., 2014), elaborado pelo Grupo
de Trabalho em Assuntos Agrários da
Associação dos Geógrafos Brasileiros (GT
Agrária - AGB), a barragem foi uma
exigência da Secretaria de Estado do
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Ambiente (SEA) e do Instituto Estadual do
Ambiente (INEA) à Petrobrás para a
liberação da licença ambiental com vista à
construção do Complexo Petroquímico do
Rio de Janeiro (COMPERJ), no município
de Itaboraí. De acordo com esse relatório,
foram propostas muitas ações de
compensação ambiental para a redução do
impacto da construção do complexo, no
entanto, algumas dessas ações promoverão
novos impactos socioambientais.
O Instituto Estadual do Ambiente
(INEA), por exemplo, estabeleceu que a
Petrobrás deveria financiar novas formas
de captação de água para a região leste do
Rio de Janeiro, especialmente para as
“cidades dormitórios” vizinhas a esse
grande empreendimento, que receberão e
alojarão uma quantidade grande de
pessoas, como trabalhadores e suas
famílias. Muitas dessas pessoas, oriundas
de estados distantes, exerceriam atividades
remuneradas durante grande parte do dia
no município de Itaboraí e no COMPERJ
(CONCREMAT Engenharia, 2007).
Para o Instituto Estadual do
Ambiente (INEA - RJ), a construção de
uma barragem seria a ação mais apropriada
para aumentar o volume de água do
sistema Imunana-Laranjal, administrado
pela Companhia Estadual de Águas e
Esgotos (CEDAE), de modo a garantir o
fornecimento diante da grande explosão
demográfica prevista para a região. Essa
afirmação, no entanto, é contraditada pelo
relatório do GT Agrária da AGB em que
nos referenciamos, o qual, além de
evidenciar os impactos socioambientais da
barragem, apresenta alternativas de menor
impacto para o abastecimento de água na
região (Paludo et al., 2014).
Um aspecto muito importante da
argumentação contra a construção da
barragem é o fato de que a produção na
região é uma das maiores do Estado,
abastecendo a região metropolitana do Rio
de Janeiro com o equivalente a 1.650
toneladas de produtos agrícolas todos os
meses, além de produzir “108.000 litros de
leite por mês, mais de 8.000 kg de pescado
por ano e cerca de 3.000 kg de carne de
por mês”. (Paludo et al., 2014, p. 41).
No que concerne às consequências
socioeconômicas do projeto da barragem
do rio Guapiaçu, segundo informações do
Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária,
Cachoeiras de Macacu é o sexto
município em extensão territorial e o
quinto maior produtor agrícola do
Estado. A área alagada pela barragem é
uma das regiões fluminenses com mais
intensa produção agrícola de base
familiar. Estima-se que a barragem
atingirá cerca de 2000 hectares de terra,
o que corresponde a dois mil campos de
futebol. Aproximadamente 330 famílias
serão desalojadas, entre assentados
arrendatários e proprietário sendo 216
propriedades indenizadas. A maioria dos
agricultores mora na região várias
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décadas, sendo que grande parte destes
foi assentados pelo próprio Incra, em
lotes do antigo projeto de colonização
PIC Papucaia, criado em 1951, e do
assentamento consolidado São José da
Boa Morte, criado em 1982. (INCRA,
2017).
Quanto à área atingida, além dos dois
mil hectares de terras produtivas que serão
alagados, os entornos da barragem também
serão desapropriados como medida de
segurança. Essas terras serão
transformadas em área de preservação
ambiental (APA) ou em área de proteção
permanente (APP), o que aumenta a área
afetada para cinco mil hectares de terras,
aproximadamente. A desapropriação inclui
os prédios públicos, como escolas rurais e
postos de saúde.
Na área alagada e em seu entorno
serão atingidas cinco escolas, duas das
quais foram desativadas, conforme
listamos na Tabela 3:
Tabela 3 - Escolas atingidas pela barragem do Rio Guapiaçu.
Escola
Localidade
Matrículas
Motivo
E. E. M. Colônia Agrícola Knust
Serra Queimada
6 - Educação Infantil
18 - Séries Iniciais
Represa
E. E M. Quizanga
Quizanga
16 - Séries Iniciais
10 - Educação Infantil
Represa
E. M. Vecchi
Vecchi
10 - Educação Infantil
22 - Séries Iniciais
Represa
E. E. M. Euclides da Cunha
Anil
Desativada
APA ou APP
E. M. Boa Sorte
Boa Sorte
Desativada
APA ou APP
Fonte: Pesquisa dos autores (2018).
Um argumento não menos
importante na discussão sobre a barragem
do rio Guapiaçu é o risco que será criado
por essa construção, que formará um lago
com patamar máximo de 25,20 metros de
altura no projeto apresentado, que prevê o
represamento da água a jusante, ou seja,
próximo à foz do rio (Paludo et al., 2014).
Esse gigantesco lago imporá à população
um risco constante, o qual não deve ser
subestimado, especialmente considerando-
se as terríveis perdas humanas e os
desastres ambientais provocados pelas
rupturas da Barragem de Fundão, em
Mariana (2015) e da Barragem do Córrego
do Feijão, em Brumadinho (2019), ambas
ligadas à mineradora Vale S./A. e
localizadas no Estado de Minas Gerais.
Nos dois casos, tratava-se de barragens de
rejeitos de mineração, daí o severo impacto
ambiental, no caso que estamos
discutindo, o imenso volume de água a ser
potencialmente represado pela barragem
do Guapiaçu justifica a preocupação com
um eventual desastre.
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Tendo em vista os impactos do
projeto da barragem do rio Guapiaçu,
desde o anúncio do projeto, através das
reuniões dos produtores de Serra
Queimada, que ocorrem geralmente em
escolas, galpões, igrejas ou na sede de uma
antiga fazenda da comunidade, as
informações obtidas por diferentes atores
sociais são compartilhadas. Muitas pessoas
de outras comunidades rurais, que também
serão atingidas pela construção da
Barragem do rio Guapiaçu como, por
exemplo, as comunidades de Quizanga,
Anil e Vecchi, são também mobilizadas e
participam das discussões.
Como ficam distantes uma das
outras, as reuniões também permitem que
as comunidades se encontrem para discutir
problemas comuns, tais como os aspectos
concernentes à escolarização de crianças e
adolescentes campesinos no município,
que discutiremos a seguir.
O (des)investimento nas escolas do
campo em Cachoeiras de Macacu
Um velhíssimo
armário.
Canastras
tacheadas.
Um pote d’água.
Um prato de ferro.
Uma velha caneca
coletiva,
enferrujada.
(Coralina, 1978, p.
42).
No município de Cachoeiras de
Macacu 43 instituições públicas de
ensino, sendo 09 escolas estaduais, 29
escolas municipais (uma das quais é
dedicada ao ensino profissionalizante, a
Escola Municipal Profissionalizante Sara
Bocaiuva Bulcão), 04 creches municipais,
01 Centro de Recurso Educacional
Especializado Municipal.
Das escolas do município
consideradas rurais, apenas 11
permanecem em funcionamento, as quais
listamos na Tabela 4:
Tabela 4 - Escolas Rurais em Funcionamento no Município de Cachoeiras de Macacu RJ.
Escola
Localidade
E. E. M. Bertholdo Duarte Filho (antiga E. E.
Raiz da Serra)
Comunidades da Serra de Bertholdo/ Patis/Japuíba.
E. E. M. Colônia Agrícola Knust
Comunidades de Serra Queimada/ Ilha Vecchi.
E. M. Vecchi
Comunidade do Vecchi/ Coco Duro/ Sebastiana/ Boa
Sorte
E. E. M. Quizanga
Comunidade de Quizanga/ Anil.
E. E. M. Ernestina Ferreira Campos
Comunidades de Guapiaçu/ Santo Amaro/ Areal/
Estreito/ Boa Sorte
E. E. M. Tiradentes
Comunidades do Estreito/ Areal
E. M. Rio das Pedras
Comunidade de Agro-Brasil/ Derribada
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E. E. M. Amazonas
Comunidades do Marubaí/ Gleba Ribeira
E. E. M. Professor Carlos Brandão
Comunidades de Faraó de Cima e Faraó de baixo
E. E. M. Bom Jardim
Comunidades de Bom Jardim do Faraó/ Faraó e os
Hervanos
E. M. Engenheiro Elias Faraht
Comunidade de São José da Boa Morte/ Toco da Braúna/
Bonanza
Fonte: Pesquisa dos autores (2018).
Com relação à distinção entre escolas
rurais e escolas urbanas no município, o
cenário atual é fruto do processo de
mudança de ocupação do espaço. Como se
tratava de um território eminentemente
agrário, a maior parte das escolas, ou
mesmo todas, caracterizava-se como rural.
Com o processo de urbanização inicial,
quando ruas foram asfaltadas e rodovias
construídas, permaneceram classificadas
como rurais apenas as escolas localizadas
em áreas mais distantes, com acesso por
“estradas de chão”.
A partir de 2011, regulamentou-se no
município a gratificação de difícil acesso,
por quilometragem, para as escolas “ditas
rurais”. Ou seja, a remuneração adicional
para os professores passou a ser calculada
com base na distância da escola em relação
à estrada ou à rodovia asfaltada mais
próxima. Assim, docentes lotados em
escolas localizadas entre 10 a 15
quilômetros de distância de uma estrada
principal, vicinal ou rodovia recebem
atualmente 60% de gratificação; entre 5 a
10 quilômetros, recebem 50% e aqueles
que trabalham até 5 quilômetros de
distância, recebem 40%. Na maioria das
escolas “de difícil acesso” não
transporte público disponível.
No entanto, essa classificação por
quilometragem apresenta peculiaridades,
que algumas escolas localizadas em área
rural, por estarem situadas próximas a
rodovias e oferecerem transporte público,
são caracterizadas como “urbanas”, como
ocorre, por exemplo, nos casos da E. M.
Funchal e da E. E. M. Sete de Setembro.
Apenas uma escola administrada
pelo Estado do Rio de Janeiro, o Colégio
Estadual São José, localizado na rodovia
RJ 122 - Km 18, está situada na área rural
do município (Subaio - Terceiro Distrito de
Cachoeiras de Macacu) e atende aos
estudantes do Ensino Fundamental - do
ao 9º Ano, do Ensino Médio e da Educação
de Jovens e Adultos. Por um acordo entre a
Secretaria Municipal de Educação e o
Estado, o colégio funciona como uma
escola polo para a área rural. Essa escola
pertence à rede estadual, mas o município
oferece transporte para os alunos do campo
e os professores nela lotados recebem a
gratificação por difícil provimento, que
equivale ao valor de quatrocentos reais e
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configura uma tentativa de contenção da
rotatividade de professores.
No Censo Escolar 2016 (INEP,
2017), as matrículas rurais correspondiam
a cerca de um quarto das urbanas, havendo
10.380, 7.967 matrículas urbanas e apenas
2.413 rurais, das quais 1.850 na rede
municipal.
Os números apresentados no Censo
Escolar 2017 com relação ao município de
Cachoeiras de Macacu indicam claramente
a concentração de matrículas de educação
básica na área urbana, que registra 12.792
matrículas nas redes estadual, municipal e
privada de educação básica, incluindo
ensino Regular, ensino especial e EJA.
Desse total, 5.451 são matrículas na rede
municipal (INEP, 2018). A zona rural
registra 2.435 matrículas, pouco menos de
um quinto do total de matrículas urbanas,
das quais 1.926 na rede municipal de
ensino. 2.431 matrículas nos anos
iniciais no município, dentre as quais 1.091
na zona rural.
Comparando os dados dos censos
realizados em 2016 e 2017, constatamos
que, embora tenha havido um aumento de
2.412 matrículas na educação básica no
município, na zona rural esse aumento não
se reflete na mesma proporção,
observando-se um acréscimo de apenas 22
matrículas no total. No tocante às
matrículas rurais na rede municipal de
ensino, o aumento quantitativo foi de 76
matrículas.
A situação das escolas rurais do
município de Cachoeiras de Macacu
também está registrada nas informações do
Censo Escolar 2017, no qual baseamos as
informações apresentadas nos parágrafos
seguintes, articulando-as às observações
realizadas no campo da pesquisa. Os dados
revelam que grande parte das escolas rurais
não possui sistema de esgoto, apenas
sumidouros, que recebem os efluentes
produzidos pelos banheiros, pelas cozinhas
e áreas de serviço. A maioria não possui
coleta de lixo, sendo os resíduos sólidos
queimados em uma área do terreno
reservada para esse fim.
Em termos de infraestrutura, as
escolas rurais não atendem a muitos
requisitos obrigatórios, os quais estão
disponíveis nas escolas urbanas do
município, tais como: biblioteca, sala de
leitura, auditório, refeitório, quadra de
esportes, laboratório de informática,
parque infantil, banheiros adequados para
educação infantil e para alunos com
deficiência ou mobilidade reduzida, com
chuveiro.
O espaço físico das escolas rurais
não atende tampouco à demanda dos
professores que trabalham nas mesmas,
pois não existe sala de diretoria e sala de
professores, há apenas a secretaria, onde
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são guardados todos os materiais, o
estoque, os arquivos e os documentos.
Em relação aos equipamentos, a
maioria das escolas não possui
computadores, nem para uso dos alunos,
nem para uso dos professores, assim como
não copiadoras ou impressoras. Não
conexão com a internet ou sinal de celular
na maioria das comunidades rurais do
município e nem nas escolas nelas
situadas.
No tocante à educação inclusiva,
houve, a partir de 2016, a oferta de
mediadores, auxiliares e de intérpretes de
Libras na rede municipal de Cachoeiras de
Macacu. No ano de 2017, com a chegada
de mais professores concursados no quadro
de servidores, o número de mediadores
aumentou bastante, entretanto a maioria
das escolas rurais, mesmo tendo alunos
com necessidades especiais, não dispõe de
uma quantidade suficiente desses
profissionais. Além disso, apesar da
obrigatoriedade definida na legislação em
vigor, algumas escolas rurais do município
ainda não possuem acessibilidade para
alunos com necessidades especiais.
Embora tenha sido implementado um
polo de atendimento aos alunos com
necessidades especiais e com dificuldades
de aprendizagem na zona rural de
Cachoeiras de Macacu, localizado na
Escola Estadual Municipalizada Ernestina
Ferreira Campos, os alunos oriundos das
comunidades de Quizanga, Anil, Serra
Queimada e Vecchi não têm acesso a esse
atendimento, pois não transporte
público, eles não possuem passe escolar e
as famílias não têm recursos financeiros
para chegar ao polo de atendimento.
O município aderiu ao Programa
mais Educação, que foi criado e
regulamentado pelo Decreto n. 7.083/10
como uma estratégia do Ministério da
Educação para introduzir a agenda de
educação integral nas escolas municipais e
estaduais de ensino fundamental,
ampliando para no nimo sete horas
diárias a permanência dos estudantes nas
escolas públicas, por meio de atividades e
oficinas, tais como: aulas de reforço em
português e matemática, oficinas de
capoeira, esporte, lazer e recreação,
oficinas de artesanato, que compõem a
cultura e as artes, educação ambiental e
cultura digital como aulas de informática
(MEC, 2018).
O Mais Educação - que foi
substituído em 2016 pelo Programa Novo
Mais Educação - contemplou escolas rurais
com mais de 50 alunos, em geral as que
possuem dois turnos, porém a maioria das
escolas que estão situadas dentro da área
da futura barragem do Rio Guapiaçu não
foram incluídas, pelo fato de o quantitativo
de alunos ser pequeno.
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No município, somente a partir de
2016 foi enviado um professor de
educação física itinerante para atender às
escolas rurais que ainda não tinham essa
disciplina em seu currículo. Até então, os
professores que lecionavam nas turmas
multisseriadas faziam também a parte de
recreação e de jogos de competição, que é
tão importante para a socialização dos
alunos. Assim, a disciplina era incluída nos
diários, relatórios e históricos dos alunos
como trabalhada paralelamente a outras
disciplinas, mesmo sem a existência de um
professor especializado.
Em 2017, algumas escolas rurais
foram contempladas com a oferta de
educação infantil, em turmas
multisseriadas. Isso constituiu uma grande
vitória para as comunidades atendidas, pois
anos as mães que trabalham nas
lavouras reivindicavam o atendimento às
crianças de 4 a 6 anos incompletos, que
não tinham garantido seu direito à
educação e permaneciam em casa até
completarem 6 anos.
A exigência da oferta de educação
infantil está na Constituição Federal desde
11 de novembro de 2009, pela emenda
constitucional 59/2009, que determinou a
idade mínima de 4 anos para o ingresso na
educação básica, ampliando a
obrigatoriedade, que anteriormente
começava a partir de 6 anos.
Mesmo com esses pequenos avanços,
nota-se ainda muito pouco investimento
estrutural e a falta de manutenção
adequada nas instalações físicas das
escolas rurais, cujos prédios se degradam
sem que haja ações efetivas dos gestores
municipais. Esse quadro de abandono se
reflete em uma certa desvalorização da
escola rural por parte de famílias, que
acabam aceitando a transferência de seus
filhos para escolas polo, geralmente
escolas urbanas melhor aparelhadas, com o
uso do transporte escolar.
O processo de fechamento e extinção de
escolas do campo em Cachoeiras de
Macacu
A reorganização da rede escolar, por
meio do fechamento de escolas, é
conhecida como nucleação escolar ou,
como é nomeado no município de
Cachoeiras, “aglutinação de escolas”. A
aglutinação ocorre quando uma escola é
desativada e seus alunos são transferidos
para uma unidade próxima, como no caso
da Escola Municipal Euclides da Cunha,
na comunidade do Anil, a qual foi
aglutinada à Escola Estadual
Municipalizada Quizanga.
A Escola Estadual Municipalizada
Ernestina Ferreira Campos, na comunidade
do Guapiaçu e a Escola Municipal
Funchal, na comunidade do Funchal, são
consideradas escolas núcleo, por
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possuírem do ao ano do ensino
fundamental e por ficarem localizadas em
pontos estratégicos da zona rural do
município. Essas escolas receberam os
alunos de pequenas escolas rurais que
foram fechadas nas comunidades de Santo
Amaro, Santa Maria, Itaperiti, Duas
Barras, Areal, Boa Sorte e Sebastiana,
entre outras.
Com relação ao fechamento e à
extinção de escolas, a Lei no. 12.960, de
27 de março de 2014, emendou o artigo 28
da Lei 9.394/96, que estabelece as
Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
incluindo um parágrafo acerca dos
procedimentos que devem anteceder o
fechamento de escolas do campo,
indígenas e quilombolas, definindo o
seguinte:
Parágrafo único. O fechamento de
escolas do campo, indígenas e
quilombolas será precedido de
manifestação do órgão normativo do
respectivo sistema de ensino, que
considerará a justificativa
apresentada pela Secretaria de
Educação, a análise do diagnóstico
do impacto da ação e a manifestação
da comunidade escolar.
A inclusão desse parágrafo constitui
um importante amparo legal no que tange à
participação democrática das comunidades
escolares no processo decisório, no
entanto, verificamos que, no munícipio
analisado, nem sempre a população
atingida pelo fechamento de uma escola
participa de forma esclarecida e plena das
análises indicadas na Lei.
Constatamos na consulta aos dados
do Censo Escolar referentes ao município
que, ao todo, 35 escolas rurais foram
desativadas ou extintas nas últimas
décadas, sendo 8 escolas estaduais e 27
municipais ou municipalizadas, entre 1983
e 2016.
As escolas rurais estaduais foram
todas extintas ou desativadas no município.
Para a desativação, concorreu o processo
de municipalização, que comentaremos a
seguir. As Tabelas 5 e 6 indicam as escolas
estaduais rurais fora de funcionamento:
Tabela 5 - Escolas Rurais Estaduais Extintas em Cachoeiras de Macacu - RJ (1997-2005).
Escola
Localidade/comunidade
Ano de desativação
E. E. Padre Anchieta
Areia Branca, Japuíba
1997 a 2000
E. E. Quadros
Faraó, Japuíba
1997 a 2000
E. E. Duque de Caxias
RJ 116, Km 30, Taboado
2005
Fonte: Pesquisa dos autores (2018).
Tabela 6 - Escolas Rurais Estaduais Desativadas em Cachoeiras de Macacu - RJ (2005).
Escola
Localidade/Comunidade
Ano de desativação
E. E. Ararama
Cavada, Japuíba
2005
E. E. Bengalas
Bengalas, Japuíba
2005
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E. E. Derribada
Faz Santa Rita, Derribada, Agro-brasil
2005
E. E. Santa Marta
Posto da Pena, Boca do Mato
2005
E. E. Senador Alfredo Neves
Faz dos Ipês, Km 38 RJ 116
2005
Fonte: Pesquisa dos autores (2018).
As extinções de escolas rurais
municipais ocorreram também em
sequência. A resolução número 5 da
Secretaria Municipal de Cachoeiras de
Macacu, publicada em 13 de novembro de
2009, desativou nove escolas que tiveram
suas atividades encerradas entre 2005 e
2008. A Resolução número 6, do mesmo
órgão, publicada também em 13 de
novembro de 2009, extinguiu seis escolas
desativadas há dez anos ou mais, entre
1983 e 1999. No ano seguinte, a resolução
número 8, publicada em 12 de julho de
2010, desativou mais cinco escolas de
comunidades rurais distintas, conforme
apresentamos na Tabela 7:
Tabela 7 - Escolas Rurais Municipais e Municipalizadas Extintas em Cachoeiras de Macacu - RJ (1983 - 1999).
Escola
Localidade/Comunidade
Ano de desativação
E. M. Tiradentes
RJ 116, Forno Velho, Japuíba
1983
E. M. São Joaquim
RJ 116, Km 39, Valério
1989
E. M. São Miguel
o Miguel, Guapiaçu
1991
E. M. Nova Miracema
Estrada De Patis, Japuíba
1996
E. M. Rio do Mato
Rio Do Mato, Papucaia
1998
E. M. Subaio
Subaio, Boa Sorte
1999
Fonte: Pesquisa dos autores (2018).
Todas as desativações publicadas no
Diário Oficial do município apresentam as
mesmas justificativas. A seguir destacamos
justificativas comuns às resoluções citadas:
A necessidade de normas que
contribuam para o compromisso do
Sistema de ensino com a educação
escolar de qualidade para crianças,
jovens e adultos;
O quantitativo reduzido de crianças
matriculadas nas Unidades de ensino;
O quantitativo reduzido de crianças
em idade escolar que residem nas
proximidades dessas Unidades de
Ensino;
O oferecimento de transporte
escolar, por parte desta secretaria;
A possibilidade de desmultisseriar
turmas, garantindo melhor qualidade
de ensino aglutinando Unidades de
ensino próximas;
A garantia de que não ficará
nenhuma criança, em idade escolar,
fora de escola;” (Secretaria
Municipal de Educação de
Cachoeiras de Macacu, Resolução n
o.
8/2010. Grifos nossos).
No entanto, observamos no trabalho
de campo que existem crianças em
comunidades mais isoladas que não são
atendidas pelo transporte escolar, como
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ocorre, por exemplo, na comunidade de
Imbira, próxima à estrada do Anil. A
Escola Estadual Municipalizada Euclides
da Cunha, que era a mais próxima desta
comunidade, foi desativada em 2010.
Nessa época havia no local um pequeno
quantitativo de crianças, porém atualmente
o cenário não é mais o mesmo, com o
aumento de natalidade na região.
Chama-nos à atenção o fato de o
processo de fechamento de escolas
municipais ter se acentuado a partir de
2006, ano em que ocorreu a
municipalização das unidades que
atendiam às séries iniciais do ensino
fundamental, cuja oferta cabe aos
municípios. A Tabela 8 sistematiza as
desativações ocorridas após a
municipalização:
Tabela 8 - Escolas Rurais Municipais e Municipalizadas Desativadas em Cachoeiras de Macacu - RJ (2005 -
2010).
Escola
Localidade/Comunidade
Ano de desativação
E. E. M. Massena
RJ 122, km 28, Funchal
2005
E. E. M. Castro Alves
Rio Do Mato, Km 19,5 - Rj 122
2006
E. E. M. Sebastiana
Sebastiana, Boa Sorte
2006
E. E. M. Santa Maria
Faz Santa Maria, Santa Maria
2007
E. E. M. Belém
Gleba Ribeira, Belém , Papucaia
2008
E. M. Machado De Assis
RJ 122, Km 26, Vecchi
2008
E. E. M. Nilo Peçanha
Gleba Colégio, Papucaia
2008
E. E. M. Nova Ribeira (antiga E. M.
Jardim Primavera)
Gleba Nova Ribeira, Papucaia
2008
E. E. M. Pindorama
Duas Barras, Guapiaçu
Indefinido
E. E. M Santo Amaro
Estrada Santo Amaro, Santo Amaro
2008
J I M. Pequeninos do Guapiacu
Estrada do Guapiaçu, Guapiaçu
Aglutinou com a
E. E. M. Ernestina
Ferreira Campos
E. E. M. Eng. José Carlos da Costa
Martins
RJ 122, Km 17, São José da Boa Morte
2010
E. E. M. Euclides da Cunha
Estrada do Anil, Quizanga
2010
E. E. M. Faraó de Cima
Estrada do Faraó de Cima, Japuíba
2010
E. E. M. Fazenda Brasil
RJ 116, Km 45, Valério
2010
E. M. Papucainha
Estrada do Soarinho, Papucaia
2010
Fonte: Pesquisa dos autores (2018).
A Tabela 9 mostra as escolas que
foram desativadas entre 2013 e 2016, nela
é possível observar que o processo de
desativação das escolas rurais é concreto e
contínuo em Cachoeiras de Macacu.
Tabela 9 - Escolas Rurais Municipais e Municipalizadas Desativadas de 2013 a 2016.
Escola
Localidade/ Comunidade
Ano
1. E. M. Faz Duas Barras
Estrada do Guapiaçu, Km 10, Itaperiti
2013
2. E. M. Roberto de Mesquita
Estrada do Ipiranga, Papucaia
2014
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ISSN: 2525-4863
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3. E. M. Candido Rondon
Centro Tratorista Granada, Papucaia
2015
4. E. M. Jose Vidal Sobrinho
Estrada do Areal, Areal
2015
5. E. M. Boa Sorte
Estrada do Guapiaçu, Km 8 , Boa Sorte
2016
Fonte: Pesquisa dos autores (2018).
No mapa apresentado na figura 1,
estão localizadas as escolas rurais
municipais desativadas e extintas, as
escolas estaduais rurais desativadas e
extintas e as escolas rurais municipais em
funcionamento.
Figura 1 - Mapa de Escolas Rurais do Município de Cachoeiras de Macacu RJ.
Fonte: Mapa elaborado pela Secretaria Municipal de Planejamento, Geoprocessamento e Habitação do
Município de Cachoeiras de Macacu a partir de dados levantados por Vanessa Lima Sanches e Silmar de
Oliveira Barcelos em janeiro de 2019.
Sanches, V. L., & Oliveira, M. L. C. (2019). Desruralização escolar: um estudo sobre o fechamento de escolas do campo em um
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O mapa demonstra que o fechamento
e a extinção de escolas rurais fizeram com
que amplos territórios ficassem
desprovidos de oferta escolar,
prejudicando crianças e adolescentes que
habitam áreas mais distantes e de mais
difícil acesso.
O acesso dos estudantes às escolas
polo depende do transporte escolar, que é
oferecido à comunidade como alternativa à
escolarização nas proximidades de suas
áreas de residência. No entanto, as rotas de
transporte disponíveis no município não
atendem a todas as comunidades que foram
atingidas pelo fechamento de escolas.
Essa não é uma realidade exclusiva
de Cachoeiras de Macacu. Segundo
reportagem de Elisângela Fernandes
publicada pela Revista Nova Escola
(2012), cada vez mais alunos são
transportados por longas distâncias devido
ao fechamento de quase 41 mil escolas
rurais entre 2000 e 2011 em todo país e,
em alguns locais, como no Pará, são
transportados de barco, percorrendo
grandes distâncias. De acordo com essa
reportagem, o tempo gasto para ir e voltar
da escola é o mesmo que a criança passa
estudando. Os pais não conhecem os
professores de seus filhos e a distância
também dificulta a participação ativa nas
reuniões de pais e em comemorações.
Geralmente, as mães desses alunos têm
outros filhos menores, que ainda não
estudam, e não podem se ausentar de sua
casa para fazer o acompanhamento escolar
dos outros filhos, porém se a escola fosse
dentro de sua comunidade, poderiam estar
mais presentes (Fernandes, 2012). Além
disso, o transporte em barcos coloca
muitos alunos em risco e muitas vezes os
obriga a faltar, por não oferecer boas
condições de segurança. Esse tipo de
transporte contribui para que a taxa de
abandono do ensino fundamental aumente
mais na zona rural do que na urbana,
nessas regiões.
O transporte escolar das regiões
rurais para os centros urbanos foi instituído
em 1996, com recursos do governo federal,
através do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental
e Valorização do Magistério FUNDEF
(Atual Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação
- FUNDEB). A possibilidade de
deslocamento até escolas situadas em
zonas urbanas embora não seja essa a
indicação legal fez com que os alunos se
afastassem das atividades rurais e do
auxílio nas atividades econômicas da
família, permanecendo até a conclusão do
ensino fundamental em escolas distantes.
Atualmente, dois programas
federais que apóiam o transporte escolar,
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ambos custeados pelo FUNDEB e
operacionalizados pelo Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE). O
Programa Nacional de Apoio ao
Transporte Escolar (PNATE) destina-se
especificamente ao transporte escolar rural
e tranfere recursos diretamente aos estados
e municípios para custeio de despesas de
manutenção e regularização de veículos
utilizados no transporte escolar rural,
podendo também ser utilizado para
financiar a terceirização desse serviço.
(MEC, 2017) o Programa Caminho da
Escola, que prioriza áreas rurais e
ribeirinhas, busca garantir a segurança e a
qualidade do transporte escolar e, para
isso, investe na renovação, na
padronização e na ampliação da frota de
veículos das redes escolares municipais e
estaduais de educação básica pública,
oferecendo ônibus, lanchas e bicicletas. O
relatório técnico desse programa,
disponível no site institucional, indica que
98% dos municípios brasileiros oferecem
transporte aos estudantes de áreas rurais
(MEC, 2017).
Porém, é importante destacar que o
transporte de estudantes por longas
distâncias não não é recomendado,
como também é explicitamente indicado
que, quando ocorrer a nucleação, o
transporte de estudantes se dê entre escolas
rurais, e não em direção a centros urbanos,
conforme determina o artigo 4º. a
Resolução CNE/CEB 2/2008, que
“Estabelece diretrizes complementares,
normas e princípios para o
desenvolvimento de políticas públicas de
atendimento da Educação Básica do
Campo”:
Art. 4º Quando os anos iniciais do
Ensino Fundamental não puderem ser
oferecidos nas próprias comunidades
das crianças, a nucleação rural levará
em conta a participação das
comunidades interessadas na
definição do local, bem como as
possibilidades de percurso a pelos
alunos na menor distância a ser
percorrida. Parágrafo único. Quando
se fizer necessária a adoção do
transporte escolar, devem ser
considerados o menor tempo possível
no percurso residência-escola e a
garantia de transporte das crianças do
campo para o campo. (Brasil, 2012,
p. 54).
O transporte escolar de alunos da
zona rural de Cachoeiras de Macacu
apresenta inúmeras falhas. Ele é feito por
microônibus doados pelo governo federal
em 2013 - alguns dos quais sem a presença
de monitores - kombis ou vans
terceirizadas. Esses veículos muitas vezes
não apresentam a manutenção necessária
para circularem nas estradas que cortam a
região rural, que, em sua maioria, são
“estradas de chão” ou de “terra”, sem
asfaltamento. Além disso, com as chuvas
constantes nas regiões de mata, as estradas
ficam em condições muito ruins e chegam
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a se tornar quase intransitáveis, isso
também contribui para que os veículos
usados no transporte escolar apresentem
constantes problemas mecânicos, deixando
os estudantes sem acesso à escola.
Além desses problemas, ainda a
questão das rotas de transporte escolar, que
não atendem a todas as comunidades. Para
solucionar o problema das rotas
insuficientes, seria necessário aprimorar as
licitações, que a oferta atualmente opera
por quilometragem, considerando a
distância entre a escola e a residência dos
alunos. O traçado das rotas é licitado no
ano anterior e, por isso, acaba por excluir
as comunidades em que não quantidade
suficiente de crianças para a reabertura da
escola desativada, mas ainda não
transporte para escolas polo. Isso ocorre
porque, segundo a Secretaria Municipal de
Educação de Cachoeiras de Macacu, para
licitar o transporte e incluir os estudantes
de comunidades cuja escola foi fechada,
elas precisariam estar matriculadas na
escola municipal mais próxima, assim o
órgão teria algumas garantias para incluir
as quilometragens entre suas casas e a
escola na licitação do ano seguinte. Isso
gera um impasse, pois a população mais
carente não consegue custear a locomoção
por si própria até a solução indicada pela
secretaria acontecer.
Talvez a manutenção de uma escola
do campo requeira maior investimento das
políticas públicas, se comparada às
despesas com o transporte escolar, mas o
que não podemos negar é que o acesso e a
permanência na escola do campo precisam
ser pensados com muita responsabilidade,
pois a exclusão escolar causada pelo
processo de desruralização da rede, além
de ser perverso, configura desrespeito à
legislação vigente.
A exigência de um quantitativo
mínimo de estudantes para a manutenção
de uma escola pode até ser justificável em
termos administrativos, mas desconsidera o
fato de que o atendimento às
peculiaridades rurais deve ser entendido,
em termos pedagógicos, a partir da
proximidade entre o currículo, a cultura e
os saberes locais.
Entendemos que a valorização das
escolas rurais pelas políticas públicas
municipais, com a garantia de
escolarização mais próxima e adequada às
peculiaridades socioculturais locais,
evitaria o desgaste físico dos estudantes,
reduziria suas faltas às aulas e lhes
possibilitaria melhor desempenho escolar,
além de viabilizar uma participação mais
efetiva das famílias no cotidiano escolar.
Considerações finais
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Observamos no trabalho de campo
que o fechamento de uma escola é
angustiante e traumático. Algumas
comunidades chegam mesmo a se
extinguir quando a escola é desativada,
pois moradores se mudam para
comunidades em que escolas e o
comércio local - “as barracas” - perde
consumidores e tende a desaparecer
também.
Tudo perde o sentido sem a escola. A
comunidade, com o fechamento de uma
escola, perde não referências, mas
também a zona eleitoral e o ponto de
vacinação das crianças, uma vez que a
escola dentro das pequenas comunidades
rurais acolhe em seu prédio múltiplas
atividades, sendo também um importante
espaço comunitário.
A comunidade que perde sua escola
precisa submeter as crianças menores de
idade ao transporte escolar, às vezes,
precário e sem monitores responsáveis,
contando apenas com o motorista. Os
estudantes passam a enfrentar longas
viagens de ida e volta, e, por isso, precisam
acordar mais cedo e voltam mais tarde
para casa, resultando na perda parcial do
convívio familiar e ao abandono da cultura
rural. Esse afastamento contribui para o
desenraizamento e a mudança de valores e
de costumes dos alunos. Esses impactos
foram constatados por Kremer (2010), em
sua pesquisa sobre o processo de nucleação
escolar em Bom Retiro, Santa Catarina.
Mesmo assim, percebemos que a
Secretaria Municipal de Educação de
Cachoeiras de Macacu observa de forma
positiva o fechamento de escolas do
campo, pois, embora apresentem pequeno
quantitativo de estudantes, elas implicam
em maiores gastos. Isso porque o
estabelecimento de ensino precisa manter,
no mínimo, três funcionários no quadro (1
dirigente, 1 servente de apoio e 1 artífice
de cozinha), todos recebendo a gratificação
de difícil acesso, que pode variar de 40% a
70% do salário base, dependendo da
localização de cada escola, mais o auxílio
transporte. A esses custos, somam-se a
manutenção predial e o cuidado mínimo
estrutural, por isso, escolas desativadas
reduzem despesas. Assim, os argumentos
para a aglutinação das escolas se baseiam
na redução dos custos e na centralização
administrativa e encontram apoio na
fragilidade infraestrutural e pedagógica, a
qual, no entanto, é produzida pelo próprio
governo.
Evidencia-se no município analisado
uma tendência à dominação do urbano
sobre o rural, que gera o “esvaziamento do
rural como espaço de referência no
processo de constituição de identidades,
desfocando-se a hipótese de um projeto de
desenvolvimento apoiado, entre outros, na
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perspectiva de uma educação escolar para
o campo. (Brasil, 2012, p. 27).
Nesse contexto, negligenciam-se as
relações entre o urbano e o rural como
polos de um continuum, cujas
“especificidades se manifestam no plano
das identificações e das reivindicações na
vida cotidiana, desenhando uma rede de
relações recíprocas que reiteram e
viabilizam as particularidades dos citados
polos. (Brasil, 2012, p. 29).
Dessa forma, embora no artigo 14 do
Plano Diretor do Município de Cachoeiras
de Macacu afirme-se o compromisso com
a garantia do atendimento escolar à
população rural, a ideia de implantação de
“polos regionais definidos nesta Lei, de
fácil acesso e que permitam ampliar o
atendimento da população residente na
Zona Rural. (Prefeitura Municipal de
Cachoeiras de Macacu, 2006, p. 7) tornou-
se, de fato, mais uma motivação para o
fechamento de escolas, verificando-se que
o recurso à nucleação significou em muitos
casos o deslocamento de estudantes para
escolas em espaços urbanos do município,
como procuramos demonstrar ao longo
desse estudo.
Tendo em vista que o município
apresenta ainda importante território
agrícola - em torno de 13.413 hectares em
pastagens e 6.039 hectares de lavouras
temporárias, permanentes e forrageiras
(Machado, 2013) - entendemos que o
processo que denominamos de
desruralização escolar atinge e desenraiza
progressivamente as crianças que habitam
esses espaços, negando-lhes o direito a
uma educação que contemple, estrutural e
pedagogicamente, os seus saberes, as suas
necessidades e os seus modos de vida.
O uso do transporte escolar como
alternativa à manutenção da rede escolar
na zona rural parece-nos configurar uma
estratégia sutil e silenciosa, que desonera
os municípios e fragiliza as escolas rurais,
que contribui para que as crianças e
adolescentes recebam atendimento
educacional nos centros urbanos. Em
consequência, de um lado, esvaziam-se as
escolas do campo de modo a viabilizar sua
desativação e extinção e, de outro,
descaracteriza-se a educação dos
estudantes do meio rural, os quais
passaram a vivenciar uma escolarização
essencialmente urbana.
Constatamos que a desruralização
escolar representa a emergência de uma
forma de pensamento colonial, uma vez
que produz a invisibilidade e a inexistência
das formas de saber não legitimadas. Nesse
movimento, os conhecimentos que não
correspondem àqueles reconhecidos como
verdadeiros - científicos, filosóficos e
teológicos - são desacreditados e
desperdiçados pela monocultura
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hegemônica, que produz sua invisibilidade
e os situa do outro lado de uma linha
imaginária, excluindo-os radicalmente. Os
saberes dos camponeses, entre outros,
encontram-se nessa posição de exclusão
radicalda sociedade civil (Santos, 2007).
Assim, o processo de fechamento de
escolas rurais, embora esteja relacionado à
mudança do perfil populacional do
município e possa ser visto numa dimensão
gerencial como uma forma de
“otimização” de recursos, revela numa
dimensão ideológica a negação da
existência dos camponeses. Essa afirmação
de inexistência, inclusive, está reificada em
um documento referente à região atingida
pelo projeto da Barragem do Rio
Guapiaçu, no município de Cachoeiras de
Macacu. Trata-se do Relatório de Impactos
Ambientais do COMPERJ, que traduz em
palavras o que a observação empírica
revela sobre o modo como as populações
do campo são produzidas como
inexistentes no âmbito das políticas
públicas:
Uma eventual construção de uma
barragem-reservatório no vale do Rio
Guapiaçu é uma alternativa com
grande volume de água, e, portanto,
estratégica para o governo estadual,
pois essa bacia hidrográfica é a única
que ainda tem área preservada, sem
ocupação. (CONCREMAT
Engenharia, 2007, p. 41. Grifo
nosso).
Como destacamos na citação, o
relatório afirma que a área em que será
erguida a barragem e seu entorno não é
ocupada, no entanto, cerca de 330 famílias
(INCRA, 2017), totalizando mais de mil
pessoas, serão desalojadas pela construção
da barragem.
Compreendemos essa afirmação da
inexistência dos habitantes da região da
Serra Queimada, que está registrada em um
documento público, como um índice
discursivo de que o fechamento de escolas
rurais está relacionado à exclusão radical
dos camponeses e de seus saberes.
Considerando que a Educação do
Campo apresenta particularidades nas
dimensões organizacional e pedagógica
que devem ser contempladas nas políticas
públicas do município, o qual é
responsável pela oferta da Educação
Infantil e das séries iniciais do Ensino
Fundamental a todas as crianças e
adolescentes em idade de escolarização
obrigatória, entendemos que o
deslocamento de estudantes campesinos
para escolas distantes do território que
habitam neglicencia suas identidades e
saberes e constitui uma violência
simbólica.
Com esse artigo, almejamos
contribuir para a resistência a esse
processo e afirmar a importância da
manutenção das escolas rurais, com todas
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as suas peculiaridades, garantindo-se o
direito à educação para todas as crianças
do município de Cachoeiras de Macacu e
de todo o Brasil, tendo em vista o
compromisso com o desenvolvimento
social, economicamente justo e
ecologicamente sustentável expresso nas
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Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 14/09/2018
Aprovado em: 23/01/2019
Publicado em: 28/03/2019
Received on September 14th, 2018
Accepted on January 23th, 2019
Published on March 28th, 2019
Contribuições no artigo: Os autores foram os
responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final a ser publicada.
Author Contributions: The authors were responsible for
the designing, delineating, analyzing and interpreting the
data, production of the manuscript, critical revision of the
content and approval of the final version to be published.
Conflitos de interesse: Os autores declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Vanessa Lima Sanches
http://orcid.org/0000-0002-7590-9302
Marcia Lisbôa Costa de Oliveira
http://orcid.org/0000-0002-0141-4008
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Sanches, V. L., & Oliveira, M. L. C. (2019). Desruralização
escolar: um estudo sobre o fechamento de escolas do
campo em um município do Estado do Rio de Janeiro.
Rev. Bras. Educ. Camp., 4 e5906. DOI:
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e5906
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SANCHES, V. L.; OLIVEIRA, M. L. C. Desruralização
escolar: um estudo sobre o fechamento de escolas do
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2019. DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e5906