Revista Brasileira de Educação do Campo
The Brazilian Scientific Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e6018
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e6018
10.20873/uft.rbec.e6018
2020
ISSN: 2525-4863
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As memórias discursivas que emergem do discurso do
Projeto Pedagógico de um curso técnico vinculado ao
Pronatec Campo no IFTO, Campus Araguatins-TO
Jorlan Lima Oliveira
1
1
Faculdade Integrada de Araguatins - FAIARA. Coordenação de Iniciação à Pesquisa e Extensão. Avenida Araguaia, 1105,
centro. Araguatins-TO. Brasil.
Autor para correspondência/Author for correspondence: jorlan.oliveira.jlo@gmail.com
RESUMO. A pesquisa tem como objetivo analisar os efeitos de
sentido (memórias discursivas) que emergem do discurso do
Projeto Pedagógico do Curso de Auxiliar Técnico em
Agropecuária, ofertado pelo Instituto Federal do Tocantins,
Campus Araguatins, entre os anos de 2013 e 2014, como parte
integrante do Pronatec Campo. Tal curso de curta duração tinha
como foco oferecer conhecimentos básicos - referentes às
atividades agropecuárias - aos camponeses pertencentes aos
assentamentos localizados no município de Araguatins-TO e
proximidades. Foi utilizada como fundamentação metodológica
a Análise de Discurso com base nos estudos de Pêcheux (1999),
Achard (1999) e Orlandi (1999). A partir deste estudo, destaca-
se que os enunciados remetem a memórias discursivas que
evocam a formação tecnicista, além de vincular o exercício da
cidadania à produtividade em um ambiente capitalista.
Palavras-chave: Pronatec Campo, Formação do Camponês,
Políticas Públicas.
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The discursive memories that emerge from the discourse
of the Pedagogical Project of a technical course linked to
Pronatec Campo at the IFTO, Campus Araguatins-TO
ABSTRACT. The aim of this research is to analyze the effects
of meaning (discursive memories) that emerge from the
discourse of the Pedagogical Project of the Technical Auxiliary
Course in Agriculture, offered by the Federal Institute of
Tocantins, Campus Araguatins between the years of 2013 and
2014, as part member of Pronatec Campo. This short course
focused on providing basic knowledge regarding agricultural
activities to peasants belonging to the settlements located in the
municipality of Araguatins-TO and nearby Discourse Analysis
was used as methodological foundation based on the studies of
Pêcheux (1999) and Orlandi (1999). From the analysis it is
highlighted that the statements refer to the discursive memories
that evoke the technicist formation, in addition to linking the
exercise of citizenship to productivity in a capitalist
environment.
Keywords: Pronatec Countryside, Formation of the Peasant,
Public Policies.
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Las memorias discursivas que emergen del discurso del
Proyecto Pedagógico de un curso técnico vinculado al
Pronatec Campo en el IFTO, Campus Araguatins-To
RESUMEN. La investigación tiene el objetivo de analizar los
efectos de sentido (memorias discursivas) que emergen del
discurso del Proyecto Pedagógico del Curso de Auxiliar Técnico
en Agropecuaria, ofrecido por el Instituto Federal de Tocantins,
Campus Araguatins entre los años 2013 y 2014, como parte y en
el caso de las mujeres. Tal curso de corta duración tenía como
foco ofrecer conocimientos básicos en cuanto a las actividades
agropecuarias a los campesinos pertenecientes a los
asentamientos ubicados en el municipio de Araguatins-TO y
cercanías. Se utilizó como fundamentación metodológica el
Análisis de Discurso basado en los estudios de Pêcheux (1999),
Achard (1999) y Orlandi (1999). A partir del análisis se destaca
que los enunciados remiten a memorias discursivas que evocan
la formación tecnicista, además de vincular el ejercicio de la
ciudadanía a la productividad en un ambiente capitalista.
Palabras clave: Pronatec Campo, Formación del Campesino,
Políticas Públicas.
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Introdução
Este artigo é parte da dissertação de
mestrado cujo tema principal é
“PRONATEC e a Educação do Campo: a
disputa de projetos no interior de uma
política de formação do camponês
i
”. Este
estudo tem como finalidade analisar os
efeitos de sentido (memórias discursivas)
que emergem no discurso do Projeto
Pedagógico do Curso (PPC) de Auxiliar
Técnico em Agropecuária elegido como
corpus de análise deste trabalho.
A motivação desta pesquisa se deu
a partir das vivências e inquietações
levantadas durante a participação do
pesquisador como professor do Programa
Nacional de Ensino Técnico e Emprego
(PRONATEC). Programa encampado pelo
Instituto Federal e Tecnológico do
Tocantins (IFTO), Campus de Araguatins,
Estado do Tocantins, que ofereceu cursos
profissionalizantes de curta duração para
os camponeses em diversos assentamentos
do município e cidades circunvizinhas. A
experiência neste programa durou dois
anos - entre 2013 e 2014 - e neste período
foram ministradas as seguintes disciplinas:
associativismo, cooperativismo e
comercialização de produtos
agropecuários.
Durante essa rotina educacional,
vários assentamentos foram visitados,
nesse percurso foi percebido que o
discurso defendido - de formá-los
tecnicamente para assim melhorar seus
afazeres do campo - talvez não fosse a
única maneira de fazer com que aqueles
sujeitos pudessem ser protagonistas de sua
história. Com o passar do tempo, foi
observado que a realidade dos
assentamentos não cabia na dinâmica do
ensino profissional influenciado pelo
mercado, ou seja, pode-se observar nos
discursos dos sujeitos e na prática do
cotidiano das aulas nos assentamentos a
disputa de projetos educacionais que
envolvem os movimentos sociais do campo
e os que são inerentes da iniciativa
capitalista.
Entende-se que esses projetos
educacionais nascem sob forte influência
política e ideológica e estas disputas
ocorrem de diversas formas, inclusive
podem ser evidenciadas na malha
discursiva.
Este artigo tem na primeira seção
uma discussão a respeito da influência dos
novos ordenamentos produtivos que
nasceram do regime de produção
capitalista, denominado regime flexível e a
noção de competência. Na segunda seção,
apresentam-se as características do
PRONATEC enquanto política pública de
acesso à educação profissionalizante. Em
seguida são abordados os aspectos
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metodológicos da pesquisa e, por fim, a
análise de excertos do discurso do PPC.
Regime de acumulação flexível: a
“nova” estratégia do capital
O regime de acumulação flexível
surgiu como uma forma de adaptação do
capitalismo em resposta à crise econômica,
que sucedeu a partir da década de 1960 e
pelas inovações tecnológicas e científicas
que surgiram a partir desse período. Essa
nova forma de atuação do capital exigiu
transformações nas políticas educacionais
de formação do trabalhador, com foco na
preparação do sujeito para um mercado
competitivo e de alta rotatividade de
empregos. Nesse sentido, Kuenzer (2007)
ressalta que esse processo de formação
serviu para aprofundar a dualidade
educacional
ii
que de maneira intrínseca, faz
parte do modelo capitalista.
Nesse contexto, o regime de
acumulação flexível também possui um
sistema de produção e de organização do
trabalho que serviu como materialidade
desse processo: o toyotismo. De acordo
com Peinado e Graeml (2007), a ideia do
sistema Toyota de produção - como ficou
conhecido - surgiu no Japão, após a
Segunda Guerra Mundial, dentro da
própria fábrica da Toyota Motors
Company. Esse programa de qualidade na
produção tinha algumas particularidades e
objetivos, a saber,
O sistema surgiu como resposta ao
elevado nível de complexidade e
precisão exigido pelo sistema
tradicional ... O objetivo era tornar
simples e rápidas as atividades de
programação, controle e
acompanhamento da produção em
lotes, em relação à complexidade
trazida pelo uso de computadores na
indústria. (Peinado & Graeml, 2007,
p. 449).
Acima, cita-se uma particularidade
técnica que evidencia os motivos que
propiciaram a sua idealização, ou seja,
contrapor-se ao sistema tradicional
(Fordismo), disseminado pela Europa e
Estados Unidos. Do ponto de vista
produtivo, a principal estratégia desse
modelo era fabricar o máximo possível de
produtos visando reduzir os custos de
produção. Isso gerou altos níveis de
estoque que dependiam de iniciativas de
fomento, tanto das empresas, quanto do
Estado para criar potenciais consumidores.
Por outro lado, as crises econômicas
começaram a ocorrer com mais frequência,
a exemplo da crise do petróleo de 1973,
momento em que os mercados entraram
em queda e países em recessão econômica.
Ademais, o Japão estava devastado desde a
Segunda Guerra, sua economia passava por
reestruturações por parte dos países
vencedores, como os Estados Unidos.
Estes e outros fatores complexos foram
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motivadores para o surgimento do
toyotismo no Japão (Ohno, 1997).
O surgimento da microeletrônica
impulsionou novos padrões de trabalho e
produtividade, de acordo com Kuenzer
(2007, 2018) esse sistema de produção
pediu um novo tipo de trabalhador, o
multitarefa, aquele que não se atinha
somente a um tipo de atividade, mas
analisava e atuava em vários processos.
Com isso houve mudanças nos padrões de
formação profissional, que pediam: um
sujeito preparado para execução de
atividades envolvendo trabalho em equipe,
realização de diagnósticos, correção dos
problemas identificados, que realizaria
capacitações constantes, isto é, um
profissional que exercesse todas as
competências necessárias para o bom
andamento da indústria.
Partindo desse enfoque, esse sistema
possuía algumas características transitórias
herdadas do fordismo: treinamento com
diferenciação para operadores e chefias,
controle do tempo, aprimoramento dos
movimentos e eficiência na execução das
atividades. Intensificou-se no seu processo
de readequação a redução dos postos de
trabalho e houve um enxugamento do
corpo funcional das empresas, os gerentes
ou proprietários buscavam a todo custo
reduzir o efetivo, sobrecarregando com
multitarefas boa parte dos trabalhadores.
O fato é que o mercado internacional
recebeu muito bem a perspectiva que
nasceu no território oriental. As práticas
administrativas, econômicas e de produção
toyotistas foram ajustadas nos países
desenvolvidos como solução para a crise
que se encontrava com base no fordismo.
Harvey (1992, p. 140-141) definiu o que
seria o regime de acumulação flexível e
afirma a emergência desse novo modelo
econômico, social e político de impactos
significativos para o mundo.
A acumulação flexível como vou
chamá-la, é marcada por um
confronto direto com a rigidez do
fordismo. Ela se apoia na
flexibilidade dos processos de
trabalho, dos mercados de trabalho,
dos produtos e padrões de consumo.
Caracteriza-se pelo surgimento de
setores de produção inteiramente
novos, novas maneiras de
fornecimento de serviços financeiros,
novos mercados e, sobretudo, taxas
altamente intensificadas de inovação
comercial, tecnológica e
organizacional. A acumulação
flexível envolve rápidas mudanças
dos padrões do desenvolvimento
desigual, tanto entre setores como
entre regiões geográficas, criando,
por exemplo, um vasto movimento
no emprego no chamado setor de
serviços, bem como conjuntos
industriais completamente novos em
regiões a então subdesenvolvidas.
(Harvey, 1992, p. 140-141).
De acordo com a ideia supracitada, o
pesquisador identifica que o excesso de
mão de obra disponível no mercado causou
importante fragmentação no sindicalismo,
reforçada principalmente pela crise
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econômica. Essa realidade abriu um leque
de possibilidades para o toyotismo se
alicerçar nas economias capitalistas.
Saviani (2007, p. 159) assevera que
no toyotismo as atividades de manutenção,
reparos, ajustes técnicos eram necessárias
para o funcionamento das máquinas na
linha de produção, atividades que surgiram
do próprio processo de automação
industrial. Para isso, os trabalhadores
necessitavam de formação que até então a
escola básica não dispunha. Para atender a
esse preparo intelectual e manual
específico se instituíam os cursos
profissionais, que poderiam ser
organizados tanto pelas empresas que
necessitavam de formações específicas ou
pelos “sistemas de ensino, tendo como
referência o padrão escolar, mas
determinados diretamente pelo processo
produtivo”.
No meio desse embate, o trabalhador
se encontrava em um processo de profunda
transição: de um sistema de locação de
mão de obra maciça com foco em
atividades mecânicas, individualistas, com
longas horas de trabalho, para um sistema
volátil, pautado em atividades multitarefas,
de prestação de serviços temporários, com
carga horária reduzida, além da
necessidade de formação educacional tanto
técnica, quanto teórica, estas oferecidas de
forma seletiva.
Tanto o regime rígido quanto o
flexível influenciaram na criação de
matrizes ideológicas de caráter
educacional, que se pautavam em
desenvolver formas de disciplinamento do
trabalhador. As estratégias utilizadas foram
criar novas terminologias e noções para
gerar no imaginário das pessoas a noção de
modernidade, artifício que acompanhou o
aprimoramento tecnológico e das relações
de trabalho. A concepção de competência,
termo bastante utilizado nas últimas
décadas, representa essa estratégia. Requer
um novo tipo de trabalhador, aquele que
terá que adequar-se a padrões de formação
pré-determinados pelo mercado, tendo que
desenvolver conhecimentos, habilidades e
atitudes específicas, sem os quais não
conseguirá adentrar no mercado de
trabalho competitivo.
O trabalhador competente: a nova
exigência da acumulação flexível
As novas demandas comerciais,
educacionais e de trabalho criadas a partir
do aprimoramento das tecnologias foram
incorporadas pelo capitalismo e, como
estratégia, foi necessário criar um
imaginário que representasse essa
modernidade e de certa forma apagasse as
iniciativas que não deram certo, nada
melhor que inventar novos termos para
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repaginar ações que no seu interior
possuem a mesma dinâmica.
Bourdieu e Wacquant, citados por
Frigotto e Ciavatta (2006), demonstram as
transformações que ocorreram nos
vocábulos, conceitos ou noções a partir dos
últimos anos do século XX, descrevendo
como nova língua as constantes mudanças,
repaginações e substituições de conceitos
por outros. Frigotto e Ciavatta (2006)
afirmam que essas novas vulgatas surgiram
com a (des)ordem mundial e da ideologia
neoliberal
iii
.
Ademais, os autores afirmam que os
altos funcionários de empresas, jornalistas,
intelectuais apresentaram nos últimos anos
um vocabulário novo: “globalização,
flexibilidade, multiculturalismo,
empregabilidade” e competências entre
outros, termos que até então não existiam,
criando assim o “novo”, algo que poderia
representar as novas tendências mundiais.
Vocábulos como “capitalismo, classe,
exploração, dominação, desigualdade
tornam-se obsoletas neste novo contexto
mundial”. (Bourdieu & Wacquant, apud
Frigotto & Ciavatta, 2006, p. 56).
Essa imposição simbólica está
entranhada nas mais diversas camadas das
classes sociais, isto é, não é representada
somente pelos adeptos liberais, mas por
intelectuais, políticos e educadores,
estando enraizada até nos movimentos que
lutam contra o capitalismo.
Noam Chomsky ... consagrado
lingüista e hoje um dos mais
importantes intelectuais críticos do
capitalismo das megacorporações, ao
analisar o sentido histórico e humano
do II Fórum Social Mundial 2002
mostra como o termo globalização,
que na tradição da I e II Internacional
Socialista tem o sentido de
internacionalismo, de solidariedade
entre os seres humanos e de partilha
dos bens do mundo, é apropriado
pelos detentores do grande capital na
perspectiva dos processos
predatórios, em nome do lucro.
(Frigotto & Ciavatta, 2006, p. 57).
O modo como o capitalismo se
apropriou de determinados termos para
criar efeitos de sentido do novo repercutiu
também nas práticas pedagógicas, as quais
pretendem formar o tipo de sujeito que
caberia nessa realidade. Deste modo, trata-
se da noção de “competência”. Essa noção
que atravessa a prática pedagógica
influencia novamente a formação do
trabalhador, pois parte de um pressuposto
que define os critérios básicos para o seu
desenvolvimento e potencialidades das
pessoas, atendendo os moldes do trabalho
moderno.
Como assevera Araújo (2004, p. 498-
499), a emergência da noção de
competência é por si só complexa e levanta
vários entendimentos. Ao investigar os
possíveis pontos de partida que
influenciaram a emergência desse conceito,
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o autor levanta alguns acontecimentos: a
crise dos regimes de acumulação rígida e
flexível, “a resistência operária ao trabalho
fragmentado e repetitivo; a globalização da
economia; o progresso das tecnologias de
produção e de processamento das
informações, o aumento das políticas
neoliberais” e gostaríamos de incluir nessa
relação o foco na informação.
Chiavenato (2010) afirma que esses
acontecimentos geraram significativas
mudanças nos requisitos da força de
trabalho e consequentes alterações nas
formações educacionais. As organizações
tendem a ajustar de forma constante sua
atuação no mercado, seja para adequar-se
às mudanças sociais, políticas e
tecnológicas ou para criar novas
tendências, tais oscilações afetam
diretamente a classe trabalhadora.
Em uma perspectiva empresarial, o
conceito de competência é utilizado como
um dos principais parâmetros para
direcionar os processos formativos e de
gestão de pessoas. Contudo, o
compartilhamento do conhecimento ainda
é seletivo, somente poucos possuem
acesso. Por outro lado, têm-se as
informações técnicas de nível prático e de
pouco aprofundamento teórico necessárias
ao desenvolvimento das competências que
são disseminadas principalmente para o
trabalhador.
Diversos pesquisadores trabalham
sobre o tema, entre eles Gil (2001), Fleury
e Fleury (2004) e Chiavenato (2010),
evidenciando em seus trabalhos que a
competência está ligada ao conjunto de
conhecimentos, habilidades e atitudes
(CHA) que determinado profissional deve
desenvolver para execução de suas
atividades no trabalho.
Para Fleury e Fleury (2004, p.185), o
conceito de competência,
... é pensado como conjunto de
conhecimentos, habilidades e atitudes
(isto é, conjunto de capacidades
humanas) que justificam um alto
desempenho, acreditando-se que os
melhores desempenhos estão
fundamentados na inteligência e
personalidade das pessoas. Em outras
palavras, a competência é percebida
como estoque de recursos, que o
indivíduo detém. Embora o foco de
análise seja o indivíduo, a maioria
dos autores americanos sinalizam a
importância de se alinharem as
competências às necessidades
estabelecidas pelos cargos, ou
posições existentes nas organizações.
Os autores afirmam que o foco é o
“ajuste do indivíduo”, que está vinculado
diretamente aos padrões estabelecidos
pelas empresas nas três dimensões do
CHA, vejamos: os conhecimentos são
desenvolvidos com base nos processos
formativos que são disponibilizados por
meio das diversas formas de educação; as
habilidades estão na esfera das práticas e
são aprimoradas com o tempo de trabalho
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e, por fim, as atitudes podem ser definidas
a partir das iniciativas proativas do
trabalhador frente aos problemas que
surgem (Gil, 2001; Chiavenato, 2010).
Deste modo, o trabalhador exerce
sobre si mesmo uma pressão contínua para
adequar-se a esses padrões de referência
profissional, tomando a responsabilidade
de aprimorar-se de forma constante. O
discurso reiterado é que o mercado
absorve os considerados melhores, ou seja,
aqueles que se adéquam aos padrões
propostos. Para isso o mercado elegeu
áreas de saber que são importantes para o
sucesso ou fracasso empresarial.
Essa forma de se pensar um
trabalhador competente carrega ideologias
que orientam suas ações, realidade
discutida por Araújo (2004), momento que
a pedagogia das competências, termo mais
amplo para designar esse emaranhado de
práticas profissionais e educacionais, sofre
influência direta do racionalismo e do
individualismo. Essas marcas ideológicas
possuem raízes profundas presentes desde
os estudos de Frederick Taylor (1856-
1915) durante a primeira revolução
industrial, que se redefinem e se realinham
conforme as mudanças que ocorrem a nível
social, econômico, político e cultural.
Como exemplo o surgimento na década de
1970 “da corrente tecnicista baseado na
Teoria do Capital Humano... na cada
1990 como neotecnicismo, inspirado nos
Círculos de Controle de Qualidade”.
(Araújo, 2004, p. 502).
O racionalismo está subjacente
também nas ões de formalização
das competências, nas práticas que
visam os objetivos formativos
comprometidos com a máxima
eficiência dos sistemas educacionais
tendo em vista o atendimento das
demandas dos setores produtivos. Na
medida em que torna públicos os
objetivos e os critérios de
competência, essa orientação
racionalista abre espaço para o
controle das ações de autoformação e
auto-avaliação dos indivíduos. A
idéia de racionalização também vem
inspirando práticas de avaliação que
se propõem medir objetiva e
rigorosamente as competências de
alunos e trabalhadores. Em tais
práticas, onde se empregam métodos
e técnicas supostamente científicas,
são utilizados procedimentos de
objetivação, de classificação e de
medida das competências requeridas,
das competências adquiridas e do
percurso profissional. (Araújo, 2004
p. 503).
Como podemos evidenciar, essa
expressão carrega em seu interior
características que atestam a imbricação
dos modelos rígido e flexível. Tais
modelos receberam uma repaginação de
moderno a fim de tentar esconder suas
contradições, mas seus objetivos estão
claros: disciplinar o trabalhador ao máximo
e moldá-lo conforme as demandas
econômicas que surgirem.
Percebe-se que diferentes formas de
ensino foram criadas para adequar-se aos
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objetivos daqueles que estão no poder,
permanecendo a dualidade educacional
evidenciada. Importante ressaltar que no
desenvolvimento do processo industrial o
mercado não deixou de investir na
formação do trabalhador, aliás, com o
aprimoramento da tecnologia houve
necessidade de aumentar as exigências e
formações para o trabalho, inserindo o
trabalhador numa dinâmica frenética de
autoformação, para assim, aliar-se aos
padrões de competência exigidos pelo
mercado de trabalho. Na próxima seção
debateremos sobre o PRONATEC,
materialidade dessa dinâmica de formação
direcionada ao camponês.
PRONATEC: Um “novo” projeto de
formação do trabalhador
As políticas públicas instituídas no
Brasil a partir da década de 1990,
principalmente as que estão relacionadas à
formação do trabalhador, foram
influenciadas pelas novas relações de
trabalho que emergem junto às exigências
do mercado internacional e da ideologia
neoliberal. Essas políticas em sua maioria
feita às pressas sem levar em consideração
as reais demandas sociais e econômicas do
país, são justificadas pela constante
necessidade de “qualificar” a mão de obra
ociosa e não produtiva. Essa estratégia
tempos utilizada pelo mercado e pelos
governos para manter essa dinâmica em
funcionamento.
Na primeira década do século XXI,
de forma específica entre os anos 2003 a
2010, período de governo do então
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
várias mudanças no cenário político,
econômico e social emergiram. Foi um
momento de políticas que ampliaram a
distribuição de renda, de ajustes nas metas
de inflação, de valorização do salário
mínimo, por consequência, novos grupos
sociais aumentaram sua parcela no
consumo de bens e serviços, isto é, houve
um pico de crescimento da economia
(Ribeiro, 2014).
Segundo Ribeiro (2014), durante
esse período a formalização de empregos
diretos com carteira assinada atingiu
índices significativos, várias pessoas
passaram a integrar essa esfera, seja no
âmbito da cidade ou do campo. O aumento
da arrecadação tributária beneficiava as
políticas de valorização salarial; as
iniciativas empreendedoras cresciam
deixando o mercado frenético, alguns
economistas citavam que o regime de
acumulação flexível, de fato, havia
emplacado no país.
Todavia, esse momento histórico que
parecia consagrar as influências do
capitalismo, é interrompido por uma crise
mundial ao final da década de 2000. No
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meio dessa transição o governo da então
Presidenta Dilma Rousseff recebeu os
problemas gerados pela política econômica
e social implantada, além da crise
econômica que assolava o mundo
capitalista: desemprego em massa, política
de proteção e incentivos fiscais, estimulo
às empresas, formalização forçada dos
setores informais foram as medidas
emergenciais enfrentadas pelo novo
governo (Nascimento, 2016).
Diante desse panorama surge o
PRONATEC, como mais uma iniciativa no
meio de tantas idealizadas e
descontinuadas a cada novo governo.
Neste caso, bastante influenciada pelas
duas últimas políticas de formação
profissional instituídas no país: o Plano
Nacional de Educação do Trabalhador
(PLANFOR) do governo Fernando
Henrique e o Plano Nacional de
Qualificação (PNQ), do governo Lula. Para
articular a implementação do PRONATEC,
o governo fundiu numa única Lei, várias
outras que destinavam a utilização de
recursos públicos e da iniciativa privada,
exemplo do Fundo de Amparo ao
Trabalhador (FAT), Seguridade Social,
Fundo de Financiamento do Ensino
Superior, Programa Nacional de Inclusão
de Jovens (PROJOVEM), com intuito de
padronizar e articular melhor as ações nas
diversas esferas públicas e privadas que
ofertariam os cursos (Silva, 2014).
Iniciativa instituída pelo governo
federal no ano de 2011, por meio da Lei
11.513, de acordo com o documento, seu
principal objetivo é “expandir, interiorizar
e democratizar a oferta de cursos de
educação profissional e tecnológica no
país, além de contribuir para melhoria da
qualidade do ensino médio público”
(Brasil, 2011). A proposta era
disponibilizar formação técnica em médio
e curto prazo, visando atender as demandas
do mercado. Outro ponto está na parceria
com várias instituições: Rede Federal,
Estadual, Municipal, em especial do
Sistema “S”, entidades privadas
experientes no treinamento profissional,
assistencial social, consultoria, pesquisa e
assistência técnica, formadas pelo: SENAI,
SESC, SESI, SENAC, SENAR, SEST e
SESCOOP.
O programa possui como público
alvo e prioritário os seguintes
beneficiários: estudantes do ensino médio
da rede pública, inclusive da Educação de
Jovens e Adultos; trabalhadores, que
incluem agricultores familiares,
silvicultores, aquicultores, extrativistas e
pescadores, entre outros; beneficiários dos
programas federais de transferência de
renda, estudantes bolsistas. Participaram
indígenas, quilombolas, adolescentes e
Oliveira, J. L. (2020). As memórias discursivas que emergem do discurso do Projeto Pedagógico de um curso técnico vinculado ao
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jovens em cumprimento de medidas
socioeducativas e mulheres beneficiárias
de programas de transferência de renda,
nos cursos de bolsa-formação (Brasil,
2011).
Várias são as ações que fazem parte
do leque de atuação do programa, estas dão
continuidade às diversas iniciativas de
ampliação de vagas para formação
profissional. Como exemplo do projeto de
expansão da rede Federal de ensino e rede
estadual: oferta de bolsas de estudo para
estudantes e trabalhadores, em especial os
beneficiários de programas sociais, entre
outros.
Neste sentido, Castioni (2013) afirma
que a atuação principal do MEC se pautava
na organização do sistema escolar, mas ao
assumir a responsabilidade de organizar o
PRONATEC, cujo foco principal é a
formação para o trabalho, lhe faltou
organicidade e experiência. Segundo o
pesquisador, as parcerias feitas com o
sistema “S” tomaram duas perspectivas
distintas: a primeira benéfica do ponto de
vista técnico, pois o programa se alia a
entidades que possuem experiência
significativa e histórica sobre o tema
(formação do trabalhador), além de possuir
boa estrutura e número expressivo de
professores.
Em contrapartida, essa parceria
fragmentou as iniciativas com a rede
pública, castigada há décadas com baixo
investimento. Essas iniciativas, para se
firmarem, necessitam de muito mais
investimentos em estrutura e professores
para garantir a absorção de toda a demanda
idealizada pelo programa, isto é, acredita-
se que em pouco tempo os recursos
tenderão a ser reduzidos e direcionados
para a rede privada.
A partir do seu entendimento sobre
as parcerias público-privadas envolvendo a
formação profissional, Lima (2012) afirma
que tendem a surtir efeitos danosos ao
processo educacional no Brasil, tendo em
vista que o Estado se coaduna
ideologicamente com o neoliberalismo.
Essa atitude deixa margem para atuação da
iniciativa privada, permitindo que
compartilhem a responsabilidade de formar
o trabalhador da sua maneira e quase sem
intervenção do Estado, intensificando por
consequência a mercantilização da
educação.
Acreditamos que essa
mercantilização pode ser vislumbrada
na formação humana com base em
dois indicadores: 1) a fragmentação e
a desarticulação curricular, que
indicam a aceleração dos tempos
formativos, fruto do pragmatismo, do
utilitarismo pedagógico que tende a
implantar configurações curriculares
que desprezam os vínculos
epistêmicos existentes entre teoria e
prática, entre formação geral e
formação específica; 2) as novas
formas de esvaziamento da
intervenção do Estado, que pseudo
criam direitos validados pela via
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meritocrática sustentada pelo
financiamento público de bolsas de
estudos que reiteram as parcerias
público-privadas. (Lima, 2012, p.
77).
Além disso, segundo a Cartilha do
Pronatec Campo (2011), os cursos
oferecidos pelo programa se escalonam nas
seguintes modalidades, primeiro de
formação inicial e continuada, conhecidos
com cursos de Formação Inicial
Continuada (FIC), que são considerados de
curta duração com carga horária mínima de
160 horas, direcionado para aqueles
beneficiários do seguro-desemprego e de
programas inclusivos do governo federal.
Os alunos interessados podem estar
cursando ou nem ter concluído o ensino
fundamental, situação que caracteriza a
formação direcionada de forma exclusiva
para atender as demandas do mercado,
realidade que não garante o emprego, mas
reforça a necessidade de fomentar a
indústria da certificação.
Os cursos de média duração
oferecidos aos alunos que frequentam os
médios técnicos (integrados) nas
Instituições Públicas Federais e Estaduais a
carta horária chega a mais 800 horas-aulas.
O ponto forte do programa está nos cursos
de curta duração, que reforça o caráter
compensatório e de dualidade educacional
tempos inserido no panorama
educacional brasileiro.
Para nós, não resta dúvida de que se
trata de um programa inserido no
contexto da acumulação flexível
capitalista brasileira,no momento em
que as taxas de desemprego são as
mais baixas da história brasileira. É
um programa inserido em um quadro
no qual o governo trata de trazer para
o mercado de empregos
trabalhadores até então excluídos por
variadas razões econômicas, sociais,
políticas e culturais. Um programa de
inclusão dos excluídos, com objetivo
de garantir a oferta de mão de obra
com baixos salários, no intuito de
reduzir a pressão por elevações
salariais e de tornar viável a
expansão das relações capitalistas no
país. (Ribeiro, 2014, p. 17).
O embate envolvendo a
profissionalização no Brasil é pauta de
reivindicações, tanto dos movimentos
sociais e intelectuais que lutam por uma
educação igualitária e ampla, quanto pelo
mercado que busca utilizá-la para a
formação de sua mão de obra. Na maioria
das vezes, os interesses dos grupos
econômicos são atendidos, pois pressionam
governos a atuarem em seu favor na
elaboração de leis que propiciam a
massificação da força de trabalho. Essa
ação não é novidade olhando numa
perspectiva histórica e o PRONATEC é
um exemplo disso (Silva, 2014).
Ao final desta seção, pode-se
evidenciar que o PRONATEC, além de
refletir contradições inerentes ao processo
capitalista de formação para o trabalho,
apresenta em sua formulação caráter
assistencialista e de efeito temporário, fato
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que se repete a cada “crise” de mão de obra
quando a formação para o trabalho passa a
ser direcionada somente aos sujeitos
considerados excluídos do processo
produtivo.
Instituto Federal do Tocantins, campus
Araguatins e o PRONATEC Campo
Entre os anos de 2013 a 2014, o
Instituto Federal do Tocantins passou a
ofertar cursos de curta duração vinculados
ao PRONATEC. Enfatiza-se que o
PRONATEC Campo é uma das
modalidades pertencentes ao conjunto de
estratégias de atuação do PRONATEC,
criada para atuar na formação
profissionalizante do camponês. Nesta
modalidade os cursos de FIC são o foco
principal. Essa modalidade surgiu em
atendimento ao descrito no parágrafo I, do
artigo da lei que instituiu o
PRONATEC, ou seja, disponibilizar
formação também para os trabalhadores do
campo, cujo objetivo principal é:
Promover espaços de qualificação
profissional de agricultores e
agricultoras, integrando às demais
políticas de desenvolvimento rural
sustentável e solidário. Objetivos
específicos: qualificar o acesso às
políticas de inclusão social e
produtiva do meio rural; Oportunizar
a inclusão sócio produtiva e
econômica dos/as agricultores/as
familiares, priorizando as juventudes
do compõe focando na integração da
formação com as estratégias de
desenvolvimento rural sustentável e
solidário; Estimular o intercâmbio de
conhecimentos, adotando os
princípios da agroecologia como
modelo de desenvolvimento rural
sustentável; Apoiar o
desenvolvimento de metodologias
para promover processos de
diversificação da produção e a
transição agroecológica; Priorizar a
produção para garantir a segurança
alimentar e nutricional da família e
comunidade...; Criar oportunidades
para o/a jovem permanecer no
campo e fortalecer os processos de
sucessão na agricultura familiar;
Qualificar a gestão das unidades de
produção familiar, cooperativas e
agroindústrias e Promover a
organização social, produtiva e o
acesso a mercados institucionais e
privados. (Brasil, 2011, grifo nosso).
Os objetivos direcionados ao
PRONATEC Campo parecem amplos e
focam em formações de média e longa
duração, integradas ao ensino médio, que
num primeiro momento são ofertados por
instituições da rede Federal. Entretanto,
existe um problema que escapa na malha
ideológica do programa e demonstra seu
real propósito: influenciar os camponeses
nos moldes capitalistas de mão de obra
para o mercado de trabalho na ideologia da
acumulação flexível.
Estes cursos, geralmente são nas
áreas técnica em agropecuária, silvicultura,
auxiliar técnico em agropecuária,
apicultura, cooperativismo entre outros.
Todos os cursos são interessantes, no
entanto, o formato de curto prazo é oposto
à política de Educação do Campo pensada
pelos movimentos sociais, que veem a
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formação profissional pertencente a um
contexto amplo, conectada a outros
aspectos educacionais e informais, ao
contrário dos cursos de curta duração com
viés mercantilista, com intuito a fomentar
somente o aumento de certificação.
Sendo assim, percebe-se que essa
mesma dinâmica de reprodução está sendo
transferida para dentro dos assentamentos
rurais: de criar uma força de trabalho
homogênea, que entende a atividade do
campo como negócio, competitivo e
especializado. Realidade que tende a
desconstruir a cultura do homem do
campo, o rotulando como desqualificado,
que não possui conhecimento técnico, que
este não consegue manter-se em sua terra
por incompetência e necessita ser
qualificado (Fernandes & Molina, 2004).
Ao analisar esse contexto sob o
ponto de vista econômico produtivo,
infere-se que o Estado propõe por meio
dessas ações que o camponês
profissionalize-se para adentrar o mercado
de trabalho, a cada dia mais competitivo.
Porém, essa fórmula não funciona quando
se observa o histórico de lutas e embates
do camponês contra esse tipo de iniciativa.
No caso das populações do campo,
no âmbito dos cursos oferecidos, por mais
que seja direcionada as suas demandas, a
forma que é aplicada é semelhante à da
zona urbana, ou seja, de forma padronizada
e com foco para o mercado de trabalho,
não conciliando com as práticas do campo
em que estes sujeitos estão inseridos
(Fernandes & Molina, 2004).
No Tocantins, o PRONATEC iniciou
sua atuação pela Secretaria do Trabalho e
da Assistência Social, designado como:
Tocantins Sem Miséria em 2013,
acompanhando o mesmo formato do
projeto governamental Brasil Sem Miséria.
Nas reuniões iniciais junto aos gestores
municipais, foram apresentados o projeto e
as formas de adesão aos cursos e
informado sobre seu funcionamento
(Tocantins, 2013).
O documento base do programa
orientava as estratégias de Adesão e de
habilitação dos municípios interessados
nos cursos. Inicialmente, a organização do
processo em sua maioria era de
responsabilidade da Secretaria Municipal
de Assistência Social de cada município,
que se responsabilizava por realizar o
levantamento da necessidade de formação,
os cursos em geral eram direcionados ao
público urbano. Com as novas formas de
organização do programa, outras
instituições públicas fizeram parte, como
veremos.
O IFTO/Campus Araguatins foi a
primeira instituição federal a oferecer
cursos do PRONATEC Campo no estado
do Tocantins, atendendo as demandas do
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Ministério do Desenvolvimento Agrário
(MDA) em conjunto com o Instituto
Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (INCRA). No início do primeiro
semestre de 2013, o campus Araguatins
havia certificado 300 alunos. Destes, 120
alunos no curso de Auxiliar Técnico em
Agropecuária vinculado ao PRONATEC
Campo (IFTO, 2013).
Os cursos ofertados pela Instituição
foram selecionados por uma
combinação de esforços e de
informações, de acordo com as
demandas identificadas pelos
demandantes nacionais e pelas
necessidades apresentadas pela
população local por meio de
pesquisas nas cidades e de reuniões
com prefeituras das respectivas
cidades e por demanda apresentada
pelo Governo Estadual, por meio da
Secretaria de Educação e de
Assistência Social e pelo Ministério
do Desenvolvimento Agrário através
de sua Delegacia Regional no
Tocantins. (IFTO, 2013, p. 4).
No ano de 2014, o IFTO Araguatins
havia pactuado junto com as instituições
demandantes incluindo solicitações de
vários cursos do PRONATEC, inclusive os
do PRONATEC Campo -, a oferta de 676
vagas em 17 ofertas de cursos FIC que
variavam entre 160 e 240 horas. Os cursos
foram: pedreiro, auxiliar de crédito e
cobrança, piscicultor e vendedor” (IFTO,
2013, p. 6-7).
Os cursos de horticultor orgânico,
apicultor, auxiliar em agropecuária e
agente de desenvolvimento cooperativista
foram ministrados diretamente nos
assentamentos. Neste mesmo ano também
foi disponibilizado o curso Técnico de
Informática para Internet concomitante
com o ensino médio, que teve carga
horária de 1.000 horas (IFTO, 2013).
Em alguns casos, a dificuldade para
o deslocamento dos professores era
significativa, pois para chegar a
determinados assentamentos os professores
percorriam de moto ou caminhonete, a
exemplo deste pesquisador que para chegar
no assentamento “Mártires da Terra”
formado por camponeses do Movimento
Sem Terra (MST), localizado no município
de São Bento, que fica a 60 km de
Araguatins, percorreu de moto 33 km de
estrada de chão, totalizando 93 km até o
assentamento. Além das adaptações para
ministrar a aula no barracão. Os cursos
foram ministrados em outras cidades, além
de Araguatins, totalizando 06 municípios
(IFTO, 2013).
A partir destes dados, podemos
inferir que o foco nos cursos de curta
duração foi o marco desse programa,
possivelmente pela maior disponibilidade
financeira por parte do governo federal,
além da facilidade logística da sua
execução, exceto os cursos que ocorriam
em assentamentos. O orçamento pactuado
para realização de todos os cursos pela
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instituição no ano de 2014 “chegou a R$
1.100.341,45; destes, os valores
efetivamente pagos foram de R$
979.500,30” (IFTO, 2013, p. 19).
Após dois anos de experiência em
cursos do PRONATEC, o IFTO passou a
compartilhar experiências para os demais
Campi do estado, principalmente na
estratégia logística e de ensino que foi
aprimorada no tratamento dos cursos FIC
nos assentamentos. A demanda para cursos
em assentamentos para o ano de 2015 era
ainda maior, com previsão para mais de 10
assentamentos e acampamentos.
No entanto, devido às constantes
mudanças que ocorreram no âmbito das
políticas públicas nesse segmento, o
governo federal reduziu consideravelmente
a pactuação e financiamento dos cursos do
PRONATEC Campo, findando totalmente
as atividades no campus em 2016. Os
recursos foram destinados gradativamente
para o sistema “S”, que na região está
representado pelo Serviço Nacional de
Aprendizagem da Agricultura (SENAR),
que até o presente momento da produção
deste trabalho realiza cursos destinados aos
assentados com pactuações com o governo
federal, mantendo-se a dinâmica de
prevalência de investimentos em
instituições privadas com foco no mercado
e no disciplinamento do trabalhador do
campo.
Metodologia
A proposta em análise é de
interpretar os efeitos de sentido (memórias
discursivas) que emergem no discurso do
Projeto Pedagógico do Curso de Auxiliar
Técnico em Agropecuária, ofertado pelo
Instituto Federal do Tocantins, campus
Araguatins, vinculado ao PRONATEC
Campo, destinado aos camponeses de
vários assentamentos pertencentes à cidade
de Araguatins, estado do Tocantins.
Para tanto, elegeu-se como norteador
desse processo a Análise de Discurso
Francesa (AD), com base nos estudos de
Pêcheux (1999), Achard (1999) e Orlandi
(1999), os quais discutem sobre memória
discursiva, interdiscurso e efeitos de
sentido. Pois se entende que tal projeto
reflete memórias que articulam
designações relacionadas à concepção do
sujeito trabalhador num ambiente
capitalista.
O termo memória discursiva remete
a um discurso que está implícito, que é
retomado pelo sujeito de forma não
intencional, geralmente são materializados
pela paráfrase: uma forma de apresentar
um já dito anterior que emerge da memória
histórica do enunciador. Para Achard
(1999, p. 14), “De outro modo, o passado,
mesmo que realmente memorizado,
pode trabalhar mediante as reformulações
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que permitem reenquadrá-lo no discurso
concreto face ao qual nos encontramos”.
O interdiscurso é um conjunto de
efeitos de sentido que estão ligados a uma
memória ou várias memórias discursivas
(Orlindi, 1999). Todos os efeitos de
sentidos que são postos na arena do dito
emergem, necessariamente não foram ditos
explicitamente e podem ter relação direta
com o não dito, podemos dizer que
apareceram por conta da existência de
questões sociais e históricas que afetam o
discurso.
Resultados e discussões
Na seção anterior, buscou-se
explicitar o principal dispositivo teórico
que foi utilizado para o desenvolvimento
desta análise: a noção de memória
discursiva. Pêcheux (1999, p. 51) reforça
que “a memória deve ser entendida não no
sentido de memória individual, mas nos
sentidos entrecruzados da memória mítica,
da memória social escrita em práticas, e da
memória construída pelo historiador”.
Portanto, a pesquisa tem como objetivo
demonstrar no corpus do PPC, que serviu
de objeto desse estudo, o momento em que
esse dispositivo é acionado.
O sujeito competente no exercício da
cidadania
Enunciado 1: “...preparar indivíduos
para o exercício da cidadania,
promover a consciência social,
formar técnicos competentes e
atuantes na sociedade”. (IFTO,
2013, p. 4, grifo nosso).
Neste primeiro momento, as
seguintes marcas discursivas retiradas do
corpus de análise são: técnicos
competentes e exercício da cidadania. Os
motivos históricos, sociais e econômicos
que influenciaram na produção desse
discurso carregam em si posições
ideológicas conflitantes e que de certo
modo aparecem no discurso do PPC como
se estivessem condicionadas umas as
outras.
Para analisar o enunciado competente
em seu sentido polissêmico, é interessante
apresentá-lo de outro modo, para isso se
buscou uma definição do ponto de vista
formal. Com a ajuda do dicionário
organizado por Scottini (1998, p. 122),
entende-se que competente é o: “capaz,
idôneo, bastante, suficiente, preciso e
indispensável”. Em perspectiva
complementar, na pesquisa relacionada à
reforma da educação profissional no
Brasil, do ponto de vista das competências,
Araújo (2002, p. 4) a define como a
“capacidade pessoal de articular
autonomamente os saberes (saber, saber-
fazer, saber-ser e saber-conviver) inerentes
a situações concretas de trabalho”.
Dentro dessa perspectiva, essa
“nova” roupagem toma a noção de
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competência e a interliga a memórias
históricas que buscam aliá-la ao
“desenvolvimento das capacidades
humanas, ao progresso econômico, a
redução da desigualdade, a felicidade dos
trabalhadores”, condicionantes que ajudam
na inserção do indivíduo nos processos
democráticos e ao exercício da cidadania
capitalista (Araújo, 2002 p. 6). Esses
sentidos podem ser observados claramente
nos enunciados descritos nas seções que
tratam da justificativa e do perfil do
egresso do curso, a saber: “melhor
qualidade de vida; trabalho decente, mão
de obra qualificada, administrar
propriedades rurais, monitorar sistemas de
produção, planejar, executar,
acompanhar...”. (IFTO, 2013, p. 8).
Outra marca que ficou evidente no
discurso é a inclusão do enunciado,
exercício da cidadania, prática social que
inclui determinado sujeito dentro da
complexa rede de relações numa sociedade
democrática. Exercer a cidadania é ter
direitos e deveres numa determinada
sociedade. Segundo Scottini (1998, p.
114), cidadão é quem mora numa cidade,
quem possui todos os direitos civis e
políticos”.
Tomando por base o contexto que
influencia a produção discursiva do PPC,
esse enunciado remete a sentidos que
deduz para se exercer a cidadania o sujeito
deve estar inserido no mundo do trabalho,
isto é, ser produtivo. Evidencia-se de
forma complementar esses
sentidos/memórias nos enunciados:
“favorecendo o desenvolvimento da
economia, suprir a necessidade dos
empreendimentos por mão de obra.
(IFTO, 2013, p. 8).
Para debater essa questão, foram
utilizados ou utilizou-se o estudo de
Frigotto e Ciavatta (2006), que
desenvolveram uma pesquisa com objetivo
de analisar as contradições pertinentes aos
projetos de formação profissional
existentes no Brasil. Nesta pesquisa,
explicitam as diferentes concepções
ideológicas que permeiam as noções de
“cidadão” e “cidadania” no mundo
capitalista.
Uma memória histórica que atravessa
o enunciado é a integração da concepção
de cidadania ao trabalho produtivo. Essa
concepção fez com que significativa
parcela dessas populações, antes excluídas
das relações políticas, fosse inserida nesse
processo, o pelo seu direito
constitucional ou pelos embates sociais que
surgiram como forma de resistência, mas
pelo seu papel de gerador de riqueza numa
economia de mercado, que evidencia a
produtividade, a geração de competências
e a empregabilidade.
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Nesta relação os efeitos dos
investimentos educacionais tornaram-se
indispensáveis para a manutenção desse
sistema, ou seja, o sujeito passa a ser
responsável pelo seu sucesso ou fracasso,
sendo excluída a responsabilidade do
Estado e das constantes mudanças no
mercado de trabalho orientadas pelas
tendências do capitalismo.
Passa-se a ideia de que a
desigualdade entre nações e
indivíduos não se deve aos processos
históricos de dominação e de relações
de poder assimétricas e de relações
de classe, mas ao diferencial de
escolaridade e saúde da classe
trabalhadora. Associam-se, de forma
linear, a educação, o treinamento e a
saúde à produtividade... de
desenvolvimento e de busca do pleno
emprego. (Frigotto & Ciavatta, 2006,
p. 51).
Nesta concepção, a inserção na
sociedade está fadada à própria integração
do sujeito aos moldes estabelecidos pelas
convenções do mercado. A inserção do
trabalhador flexível nesta sociedade está
ligada ao seu nível de empregabilidade e
competências conquistadas pelas
constantes atualizações profissionais
adquiridas ao longo dos anos, ou seja,
nessa linha ideológica, somente quem
exerce a cidadania é o sujeito que se
emoldura dentro desses padrões.
A marca consciência social que
aparece no enunciado analisado age de
forma complementar ao exercício da
cidadania, isto é, a prática de exercer a
cidadania num ambiente favorável à
promoção de iniciativas que incluam o
sujeito ativo no ambiente socioeconômico
e político é de suma importância, pois
agrupar projetos sociais que geram tanto a
riqueza econômica, quanto a valorização
do humano são características que
representam a consciência social. No
entanto, essas concepções se confrontam
quando é retomada a memória da noção de
competência técnica como condição para o
exercício da cidadania.
Educação e trabalho: juntos, no entanto,
separados
Enunciado 2 “... O PRONATEC
representa, entretanto, mais do que, o
cumprimento de uma obrigação
formal... É também e acima de tudo o
instrumento de consolidação de uma
política pública visando a aproximar
mundo do trabalho do universo da
Educação”. (IFTO, 2013, p. 7).
As marcas discursivas, trabalho e
educação, sem dúvida são os principais
conceitos trabalhados nesta pesquisa, suas
noções sofreram modificações ao passar
dos tempos e tomaram novos rumos com o
desenvolvimento das práticas humanas.
O fato interessante é que o enunciado
remete a uma possível separação (histórica
e social) entre o trabalho e a educação.
Fato evidenciado no seguinte enunciado:
aproximar o mundo do trabalho do
universo da Educação. Dessa forma,
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percebeu-se que o uso do verbo aproximar
delimita essa separação se pode
aproximar-se de algo que está distante -, a
partir disso levantou-se o seguinte
questionamento: que condições de
produção atuam no discurso do PPC para
separá-los? Fez-se a mesma pergunta que
Pêcheux (1999, p. 53): que “implícitos
estão aí, onde residem?”.
A memória discursiva é fator
decisivo que influencia as condições de
produção do discurso e fazem com que
esse efeito de sentido (separação educação
e trabalho) seja materializado. Sobre o
conceito de condições de produção,
Orlandi (1999, p. 30) diz que:
Elas compreendem
fundamentalmente os sujeitos e a
situação. Também a memória faz
parte da produção do discurso ...
Podemos considerar as condições de
produção em sentido estrito e temos
as circunstâncias de enunciação: é o
contexto imediato. E se as
considerarmos em sentido amplo, as
condições de produção incluem o
contexto sócio-histórico, ideológico.
Sendo assim, com base nos estudos
da autora, todos os efeitos de sentido são
tomados por conta das influências
históricas, sociais e ideológicas e
materializados em determinado contexto
imediato: o IFTO, o curso do
PRONATEC, os sujeitos que estão
inseridos no processo, os discursos no
PPC, todos estão ligados numa mesma teia
e influenciados por memórias discursivas e
interdiscursos.
Várias são as marcas que rompem o
discurso e reforçam a separação entre os
enunciados, mundo que se refere ao
trabalho e universo, à educação. Essas
marcas remetem à conclusão de que essas
duas concepções teóricas estão muito
distantes e precisam aproximar-se por meio
do PRONATEC.
Em outra perspectiva, a forma de
escrever trabalho com inicial minúscula e
Educação com inicial maiúscula reforçam
suas diferenças e grau de importância,
pois, para dar ênfase à determinada palavra
utiliza-se a letra maiúscula para criar esse
limite. Estes deslizes estabelecem
explicitamente que a educação, neste caso,
possui um papel de maior importância em
relação ao trabalho, realidade que retoma
aspectos históricos e sociais históricos
debatidos neste trabalho. Deste modo,
infere-se que essas marcas discursivas
evocam uma questão debatida neste
trabalho: a dualidade educacional.
Essa concepção possui raízes
profundas e reforça a divisão entre
educação e trabalho que aparece no
discurso. Suas bases retomam os processos
históricos das primeiras sociedades, sendo
representada nas seguintes modalidades de
educação: de um lado, os dirigentes de
Estado e chefes militares e suas famílias,
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que recebiam formação com base numa
educação ampla, voltada para a cultura,
ciência e artes. Na outra parte, os sujeitos
responsáveis pelas atividades cotidianas e
de manutenção das cidades recebiam uma
educação para a prática, de caráter técnico,
com baixo ensinamento teórico, a escola
foi de fundamental importância na
propagação desse processo (Saviani,
2007).
Com o processo contínuo de
aprimoramento da indústria e do comércio,
as relações de trabalho e educação foram
modificadas de maneira significativa; a
incorporação de tecnologia nos processos
industriais e a necessidade de trabalhadores
especializados e capacitados para atender
as novas exigências do mercado motivaram
a criação de novas estratégias para incluir
ao mesmo tempo excluindo o trabalhador
nesses padrões. Para isso, a formação
técnica ganhou força como instrumento de
capacitação e oportunidade de mudanças
do padrão de vida dos trabalhadores
(Kuenzer, 2007).
No Brasil, esse processo culminou na
criação de políticas públicas que fizeram
com que surgissem as instituições de
ensino técnico, a exemplo do SENAI e o
sistema S que até hoje possuem grande
importância na formação dos
trabalhadores, ao mesmo tempo se investe
em escolas que prepara(va)m as elites com
modelo de ensino propedêutico com vistas
à universidade. Essa dinâmica percorre
todo o processo histórico do país e várias
políticas públicas foram instituídas visando
à formação do trabalhador, e todas
trouxeram em suas concepções ideológicas
a diferenciação ao acesso à educação.
O aparecimento da marca discursiva,
a consolidação de uma política pública,
reforça que outros passos tenham sido
dados para fundamentar a criação dessa
política. De certo modo, o PRONATEC
faz parte de uma série de iniciativas que
foram tomadas por vários governos, com
ênfase na formação para o mercado, que
deram continuidade no governo do
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva desde
2008, por meio da expansão da rede
Federal no país, com intuito de ampliar o
acesso ao ensino técnico, principalmente
nas localidades mais distantes dos grandes
centros, cita-se, por exemplo, a região
Norte. Para isso o PRONATEC seria a
iniciativa que concretizaria todo esse
projeto, como reforça o texto do IFTO
(2013, p. 5):
O Programa Nacional de Acesso ao
Ensino Técnico e Emprego
(Pronatec), compreende a mais
ambiciosa e compreensiva reforma
realizada na Educação Profissional e
Tecnológica (EPT) brasileira. Com a
meta de oferecer 8 milhões de vagas
a estudantes, trabalhadores diversos...
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De forma complementar a essa
afirmativa, - outro efeito de sentido
evocado no discurso - existe a presença de
características que elevam a atuação do
programa para além de seus objetivos, ao
afirmar que representa, entretanto, mais do
que, o cumprimento de uma obrigação
formal. O aparecimento do termo
comparativo mais do que evoca uma
questão dialética. Como se esse novo
programa de formação técnica fosse além
das suas premissas básicas de formação do
trabalhador, isto é, como se o PRONATEC
(antítese) surgisse para consolidar e
superar os demais modelos (tese) que antes
tinham características meramente formais,
que não se preocupavam com a inserção do
sujeito na sociedade e a partir dele
(PRONATEC), se criasse um novo modelo
de ensino profissional (síntese). Este
criaria um trabalhador totalmente
responsável pelo desenvolvimento da
região e que entende seu papel numa
sociedade democrática e cidadã, realidade
que o sujeito não formado ainda não está
totalmente inserido.
Considerações finais
Ao final deste artigo pode-se
entender é que o aprimoramento
tecnológico industrial e o advento dos
novos ordenamentos capitalistas
influenciaram diretamente na
transformação e precarização das relações
trabalhistas. A partir disto, aprofundou-se a
proletarização do trabalho e a divisão entre
o trabalho manual e o intelectual,
remetendo ao velho e pertinente problema
da dualidade educacional, questão não
superada pelo regime de produção flexível
defendido pelo mercado capitalista.
Ademais, essa dinâmica interfere de forma
significativa na formulação das políticas
educacionais no país, fazendo com que se
mantenham constantes investimentos em
cursos aligeirados de formação cnica, a
exemplo do PRONATEC.
Tais cursos beneficiam a rede
privada de educação, com intuito de
moldar o trabalhador para atender às
necessidades do mercado, mantendo-se
barreiras históricas que dificultam a sua
inserção em ambientes educacionais mais
complexos. Esta realidade aparece
discursivamente nos enunciados
analisados, que deixam escapar o grande
influenciador da criação do PRONATEC,
ou seja, a necessidade de atender ao
capitalismo.
Outra questão relevante que se pode
identificar a partir da análise do PPC se
pela subordinação da ideia de cidadania ao
cidadão produtivo, ou seja, aquele
competente, habilidoso e conhecedor das
técnicas administrativas exigidas pelo
mercado. Esta noção, aparentemente está
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ligada a memórias históricas, que
relacionam a qualificação como
condicionante para a inserção produtiva do
sujeito na dinâmica de consumo, social e
política, neste caso, o camponês assentado
na cidade de Araguatins.
Ao final desta pesquisa, pode-se
afirmar que o PRONATEC possui uma
significativa influência tecnicista, trazendo
em seu contexto histórico as marcas de
políticas anteriores, que serviram para
atender as demandas do mercado. Contudo,
essa iniciativa também demonstra em suas
contradições que estão atualizadas as novas
organizações de educação e trabalho, ou
seja, o mundo atual é complexo e a
inserção do camponês neste panorama se
faz necessário, porém, nunca
desvinculando suas raízes ideológicas de
luta e confronto contra o capital.
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i
Título da dissertação de Mestrado defendida no
ano de 2017, para obtenção de Mestre em
Dinâmicas Territoriais e Sociedade da Amazônia,
pela Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará
(UNIFESSPA).
ii
A autora entende por dualidade educacional,
como o tratamento educacional diferenciado entre
as classes abastadas e as pobres. O último recebe
Oliveira, J. L. (2020). As memórias discursivas que emergem do discurso do Projeto Pedagógico de um curso técnico vinculado ao
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uma educação fragmentada e técnica voltada para o
trabalho e a outra uma educação ampla e complexa,
voltada para cargos e atividades de liderança.
iii
Os referidos autores corroboram com a ideia
defendida por Harvey (2008), que trata o
Neoliberalismo como uma teoria econômica
sedutora que nasceu no pós-guerra e enraizou-se
nas diversas economias mundiais. Com um discurso
inovador, porém contraditório, pois esconde em sua
roupagem um viés ideológico conservador que
apoia o autoritarismo de neoconservadores, nessa
estratégia se reforça um mercado livre e a ação de
um Estado coercitivo aliado aos interesses
capitalistas. Essa base teórica possui como
expoentes as obras de Frederick Von Hayek e
Milton Friedman.
Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 08/10/2018
Aprovado em: 22/03/2019
Publicado em: 29/02/2020
Received on October 08th, 2018
Accepted on March 22th, 2019
Published on February, 29th, 2020
Contribuições no artigo: O autor foi o responsável por
todas as etapas e resultados da pesquisa, a
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escrita e revisão do conteúdo do manuscrito e; aprovação
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and approval of the final version published.
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nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
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Jorlan Lima Oliveira
http://orcid.org/0000-0002-4489-3934
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Oliveira, J. L. (2020). As memórias discursivas que
emergem do discurso do Projeto Pedagógico de um curso
técnico vinculado ao Pronatec Campo no IFTO, Campus
Araguatins-TO. Rev. Bras. Educ. Camp., 5, e6018.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e6018
ABNT
OLIVEIRA, J. L. As memórias discursivas que emergem
do discurso do Projeto Pedagógico de um curso técnico
vinculado ao Pronatec Campo no IFTO, Campus
Araguatins-TO. Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis,
v. 5, e6018, 2020.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e6018