Revista Brasileira de Educação do Campo
The Brazilian Scientific Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.v4e6123
Tocantinópolis/Brasil
v. 4
e6123
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2019
ISSN: 2525-4863
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Contextos e linguagens na Educação do Campo: uma
discussão sobre a formação docente em matemática
Valdomiro Pinheiro Teixeira Junior
1
1
Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará - UNIFESSPA. Instituto de Ciências Humanas. Avenida Folha 31, Quadra 07,
Lote Especial, s/n. Nova Marabá. Marabá - PA. Brasil.
Autor para correspondência/Author for correspondence: valdomiro@unifesspa.edu.br
RESUMO. A Educação do Campo tem como princípios a
valorização do contexto campesino e a consequente defesa da
contextualização do conteúdo a partir de contextos locais, mas
também defende o ensino do conhecimento formal. Entretanto,
no ensino de matemática percebe-se problemas para satisfazer
estas condições, como relacionar os contextos locais com a
rigidez do conteúdo matemático formal. Nesse sentido, este
artigo apresenta reflexões a partir de declarações de estudantes
do Curso de Educação do Campo, na habilitação em
Matemática, sobre o que pensam destes contextos (contexto do
campo e a matemática formal) e as linguagens praticadas em
atividades educacionais, como os usos de algoritmos e
problemas contextualizados. Utiliza-se a filosofia da linguagem
de Wittgenstein (1999) e os conceitos de jogos de linguagem e
semelhanças de família para analisar as falas dos alunos. O
discurso de defesa da contextualização a partir do cotidiano se
mostra presente nas falas dos alunos, bem como defendem a
importância do conteúdo formal. Os alunos ainda demonstram
preferir o uso de algoritmos a problemas contextualizados.
Palavras-chave: Realidade Campesina, Conteúdo Matemático,
Jogos de Linguagem, Formação Docente, Educação do Campo.
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Contexts and languages in Rural Education: a discussion
on teacher education in mathematics
ABSTRACT. The Peasant Education is based on the
valorization of the peasant context and consequent defense of
the contextualization of the content from local contexts, also
defends the teaching of the formal knowledge. However, in
mathematics teaching problems are perceived to satisfy these
conditions, such as relating local contexts to the rigidity of
formal mathematical content. In this sense, this article presents
reflections from the statements of students of the Peasant
Education Course, in the habilitation in Mathematics, about
what they think of these contexts (Peasant context and formal
mathematics) and the languages practiced in educational
activities, such as uses of algorithms and contextualized
problems. Wittgenstein's (1999) philosophy of language and the
concepts of language games and family resemblances are used
to analyze students' speeches. The discourse of the defense of
the contextualization from the daily life is shown present in the
speeches of the students, as well as defend the importance of the
formal content. The students still demonstrate to prefer the use
of algorithms to contextualized problems.
Keywords: Peasant Reality, Mathematical Content, Language
Games, Teacher Education, Peasant Education.
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Contextos y lenguajes en la Educación Rural: una
discusión sobre la formación docente en matemáticas
RESUMEN. La Educación Rural tiene como principios la
valorización del contexto campesino y la consecuente defensa
de la contextualización del contenido a partir de contextos
locales, y también defiende la enseñanza del conocimiento
formal. Sin embargo, en la enseñanza de las matemáticas se
percibe problemas para satisfacer estas condiciones, cómo
relacionar los contextos locales con la rigidez del contenido
matemático formal. En este sentido, este artículo presenta
reflexiones a partir de declaraciones de estudiantes del Curso de
Educación Rural, en la habilitación en Matemáticas, sobre lo
que piensan de estos contextos (contexto del campo y las
matemáticas formales) y los lenguajes practicados en
actividades educativas, como los usos de algoritmos y
problemas contextualizados. Se utiliza la filosofía del lenguaje
de Wittgenstein (1999) y los conceptos de juegos de lenguaje y
semejanzas de familia para analizar las palabras de los alumnos.
El discurso de defensa de la contextualización a partir de lo
cotidiano se muestra presente en las palabras de los alumnos, así
como defienden la importancia del contenido formal. Los
alumnos todavía demuestran preferir el uso de algoritmos a
problemas contextualizados.
Palabras clave: Realidad Campesina, Contenido Matemático,
Juegos de Lenguaje, Formación Docente, Educación Rural.
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Introdução
Este artigo apresenta reflexões sobre
declarações de estudantes na habilitação
em matemática em um Curso de
Licenciatura em Educação do Campo em
uma universidade federal no Brasil. Aqui
se encontra parte de um projeto de
pesquisa realizado na instituição, que vem
sendo desenvolvido desde 2015, que tem
como intuito compreender as relações entre
a Educação Matemática e a Educação do
Campo. A pesquisa busca alcançar esse
objetivo a partir de pesquisa bibliográfica,
com estudantes do curso de Educação do
Campo e com professores e alunos que
estão nas escolas do campo. Este artigo,
em particular, traz dados de uma das fases
deste projeto, que foi a pesquisa com os
licenciandos do curso.
A intenção é refletir sobre como os
estudantes percebem os contextos e as
linguagens da matemática formal e da
realidade do campo, dado que esta relação
é um dos princípios da Educação do
Campo, como fica claro em documentos
como a Lei de Diretrizes e Bases (LDB),
de 1996, os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN) de 1998, as Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica do
Campo de 2002, bem como referenciais
teóricos utilizados na área, como Freire
(1970, 1988, 1999), Arroyo (2007), Molina
(2006), Caldart (2004), Arroyo, Caldart e
Molina (2004), entre outros. Estes
defendem uma valorização do contexto
campesino e um ensino que preze por esse
princípio, onde se busque ensinar
conteúdos científicos relacionados com os
contextos locais. Isso tem levado a uma
defesa de um ensino que contextualiza o
cotidiano e a cultura do campo, como
forma de valorização deste modo de vida,
bem como segue um preceito da educação,
como um todo, que defende esta prática
como um potencializador do ensino.
Molina (2014, p. 14) mostra que a
docência por área de conhecimento,
realizada pelos Cursos de Educação do
Campo, pretende promover formação para
professores trabalharem preferencialmente
no Ensino Médio nas escolas do campo, e
visa contemplar o domínio de conteúdos da
área de habilitação “muito articulada ao
domínio dos conhecimentos sobre as
lógicas do funcionamento e da função
social da escola e das relações que esta
estabelece com a comunidade do seu
entorno”, ou seja, defende a relação entre o
conteúdo construído historicamente e a
relação com a comunidade local.
A contextualização, a partir do
cotidiano, tem estado presente na
Educação Matemática. Os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN) de
matemática defendem um ensino a partir
da realidade. Maioli (2012) e Reis e
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Nehring (2017) apresentam diversas
pesquisas que se utilizam da
contextualização, que demonstra essa
característica da área. Giardinetto (1999)
chega a considerar que uma
supervalorização do cotidiano em algumas
pesquisas de Educação Matemática.
As pesquisas que tratam do ensino de
disciplinas específicas na Educação do
Campo têm crescido ultimamente, mas
ainda apresentam um número reduzido.
Brick, Pernambuco, Silva e Delizoicov
(2014) revelam que a literatura é escassa
no que diz respeito ao Ensino de Ciências e
Educação do Campo, assim como, Bizerril
(2014) e Barbosa, Carvalho e Elias (2014),
mostram que eventos na área de
matemática têm raras discussões sobre
Educação do Campo.
Nesse sentido, é importante analisar
como a relação entre o conteúdo formal da
matemática e o cotidiano é percebido por
futuros professores de matemática da
Educação do Campo, buscando se
aprofundar sobre a relação com estes
contextos, considerando a linguagem
matemática formal e a “informalidade” do
cotidiano, que busca se apresentar por
meio de atividades contextualizadas e em
problemas escritos. A pesquisa com os
estudantes do curso se deu a partir de
aplicação de questionários abertos.
Buscou-se, assim, verificar um padrão
sobre a percepção destes quanto à relação
cotidiano/matemática, revelado em suas
falas, em declarações que surgiram nos
questionários.
Inicialmente, apresenta-se o percurso
da pesquisa, com dados sobre o curso e a
metodologia empregada. Segue-se com a
fundamentação teórica e a análise das
visões dos estudantes do curso sobre a
relação entre os contextos e as linguagens
do cotidiano e da matemática formal,
utilizando a filosofia da linguagem de
Wittgenstein (1999) e os conceitos de
jogos de linguagem e semelhanças de
família para analisar as falas destes.
O percurso da pesquisa
A Licenciatura em Educação do
Campo em que aconteceu esta pesquisa
tem duração de 4 anos e é dividida por
áreas de conhecimento, em 4 habilitações,
Letras e Linguagens, Ciências Agrárias e
da Natureza, Ciências Humanas e Sociais e
Matemática. Nos três primeiros semestres,
e no oitavo, apenas disciplinas comuns.
Nos semestres 4, 5, 6 e 7 prevalecem as
disciplinas específicas de cada habilitação.
O curso acontece em regime presencial,
tendo a alternância pedagógica como um
dos princípios orientadores, onde os
educandos têm atividades acadêmicas
presenciais (Tempo Universidade - TU) ao
longo dos meses de janeiro-fevereiro e
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julho-agosto e realizam atividades de
docência-pesquisa e atividades
complementares ao longo dos meses de
março-junho e setembro-dezembro (Tempo
Comunidade - TC).
A habilitação em matemática tem 11
disciplinas específicas de conteúdo
matemático, além de disciplinas de cunho
teórico-pedagógico que abordam a
matemática, como Didática da Matemática,
Informática Aplicada à Matemática, Física,
além das disciplinas de Metodologia,
Pesquisa e Socialização (que são referentes
ao Tempo Comunidade e aos estágios). Há
uma disciplina de Epistemologia da
Educação Matemática que acontece no
segundo semestre, comum a todos os
estudantes.
A pesquisa foi realizada com
aplicação dos questionários, que ocorreu
no Tempo Universidade de
janeiro/fevereiro de 2017. Havia três
turmas na habilitação em matemática, as
turmas de 2013, 2014 e 2015. A primeira,
com 8 estudantes, estava no último
semestre e em processo de produção de
TCC; a turma 2014, com 9, estava na
metade do curso; e a turma 2015, com 12,
ia entrar na área de matemática naquele
semestre. Como todos responderam, no
total foram 29 questionários. Os estudantes
serão denominados no texto com um
código, que identifica o ano e uma
ordenação numérica, escolhida
aleatoriamente: os estudantes da 2013, vão
de 13-1 a 13-8, da 2014, 14-1 a 14-9, e os
da 2015, 15-1 a 15-12.
Essa pesquisa é baseada sob a
modalidade qualitativa, a partir dos dados
do questionário aberto, que permitiram
uma visão mais sintética dos discursos e de
percepções dos estudantes sobre os temas
colocados, para que a partir disto se
pudesse vislumbrar padrões de discursos
que revelam a forma de ver o tema, e assim
formular interpretações que possam
suscitar reflexões sobre tais.
Os questionários tinham 16
perguntas abertas, mais diretas possíveis. O
uso de questionário se deu para evitar
interações entre pesquisador e pesquisado,
sendo que estes tinham contato fora do
ambiente da pesquisa. E esta é uma das
grandes vantagens do uso de questionário
(Carmo & Ferreira, 1998).
Elaborou-se o questionário seguindo
indicações de Carmo e Ferreira (1998),
como a semelhança de tema entre questões
em lugares diferentes, questões em número
reduzido (também foi dado bastante tempo
para as respostas), questões diretas, onde
se evitou duas ou mais perguntas e
ambiguidades. As questões abertas, de
acordo com Carmo e Ferreira (1998),
favorecem o pensamento livre e a
originalidade, aparecem respostas mais
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variadas, respostas mais representativas e
fiéis de opinião do inquirido e permite
recolher variadas informações sobre o tema
em questão. É difícil categorizar as
respostas devido à diversidade, mas
possibilita uma maior complexidade na
análise.
Os temas abordados foram o curso e
a habilitação em matemática em particular,
a formação na Educação Básica, os
conteúdos de matemática que eles mais se
interessavam, as dificuldades com os
conteúdos, tipos de atividades matemáticas
que preferiam fazer, como eles veem a
relação da matemática e o contexto local
deles, e o que entendem e propõem a
respeito da contextualização. Foi solicitado
que os estudantes respondessem de forma
mais ampla possível e não precisaram se
identificar.
Foi possível organizar os dados em
três categorias que serão abordados no
tópico sobre os resultados. Primeiramente
analisa-se a concepção e relação dos
estudantes com a matemática, em seguida
com a contextualização a partir do
cotidiano e, por fim, com as linguagens
utilizadas.
Fundamentação teórica
Wittgenstein (1999), em sua fase
madura (a partir de 1930) se afasta e critica
a noção de essência, e defende que não
uma linguagem única, mas o mundo é
formado por diferentes realidades,
contextos linguísticos, que ele chama de
Jogos de Linguagem, que não possuem
uma essência comum, mas, no máximo,
semelhanças. O filósofo considera que não
existe uma essência que perpassa os fatos
do mundo, mas este é composto por
diferentes práticas, diferentes jogos de
linguagem, que são “a totalidade formada
pela linguagem e pelas atividades com as
quais ela vem entrelaçada”. (Wittgenstein,
1999, p. 30), são diferentes práticas e
contextos onde há linguagem, em que a
linguagem é empregada.
Não uma essência entre os
diferentes contextos, mas apenas possíveis
Semelhanças de Família, que se trata de
outro conceito cunhado por Wittgenstein.
Esse conceito serve “para designar a
semelhança entre os usos de palavras ou
conceitos, não por sua posse comum de um
conjunto de características essenciais ou
definidoras, mas por uma relação geral de
similaridade entre os diferentes usos”.
(Silva & Silveira, 2013, p. 128).
Nesse sentido, o contexto cotidiano
não apresenta extensões da matemática ou
não é “outra forma de dizer” o que diz a
linguagem matemática. De acordo com
Wittgenstein (2003, p. 245), “A gramática,
para nós, é um cálculo puro (não a
aplicação de um cálculo à realidade)”. Para
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Wittgenstein (1999), existe semelhança
entre o cálculo e os jogos de linguagem,
porque ambos seguem regras, e estas são
estabelecidas pela regularidade de juízos, e
não por um acordo de opiniões. A
matemática é um jogo de linguagem, pois é
uma criação humana, assim como qualquer
prática elaborada pela humanidade.
A partir do conceito jogos de
linguagem, a contextualização do conteúdo
matemático a partir da realidade pode ser
compreendida sob outro prisma, em que o
contexto da matemática passa a ser visto
como um outro jogo de linguagem, e que
sua relação com o contexto cotidiano não
se de forma imediata, não possuem uma
essência. Wittgenstein (1999) ainda
defende que as proposições matemáticas
desempenham uma função
fundamentalmente normativa e não apenas
descritiva, como se pensava nas filosofias
tradicionais. Dessa forma, a matemática é
como uma gramática, é um conjunto de
regras, ou seja, é a partir das proposições
matemáticas normativas que é possível
organizar nossas experiências no mundo
real e não o contrário, e assim não pode
haver preocupação das proposições
matemáticas entrarem em conflito com a
experiência, pois não são falseáveis por
ela.
Isto leva a uma compreensão mais
profunda sobre as formas de linguagem e
comunicação. Os problemas matemáticos
em suas diferentes formas (problemas
escritos, exercícios de algoritmos,
investigações, problemas contextualizados,
entre outros) são formas diferentes de
problemas, pois são de diferentes jogos de
linguagem. Não se trata de um mesmo tipo
e assim como se deve praticar com
algoritmos para aprendê-los, também é
necessário que se pratique com problemas
escritos, por exemplo.
Utiliza-se a filosofia da linguagem de
Wittgenstein (1999), pois esta permite
possibilidades de compreensão de
diferentes contextos, compreendidos como
jogos de linguagem, seja o cotidiano ou o
científico, e as linguagens geralmente
alinhadas a estes contextos, entre outros.
Matemática, contextualização e
linguagens na visão dos estudantes
Os dados foram organizados em três
categorias, para apresentação e análise das
concepções, iniciando pela matemática,
seguindo para a contextualização a partir
da realidade e finalizando com as
linguagens.
Na primeira categoria, percebe-se
que o número de estudantes que escolhem
matemática tem sido o menor entre as 4
habilitações do Curso de Educação do
Campo, e apenas cerca de 10% dos
ingressantes escolhem matemática.
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Portanto, é notória uma rejeição da maioria
pela matemática.
No entanto, os dados do questionário
evidenciam que a maioria (18 de 29
estudantes) daqueles que foram para a área
escolheu matemática porque gostava da
disciplina. Quando perguntado “Por que
você escolheu a matemática?”, o estudante
15-1 respondeu: Sempre gostei de
matemática, apesar de não ter tanto
domínio, mas sempre gostei”. A despeito
de muitos admitirem que tinham
dificuldades, salientaram que se
consideravam capazes de aprender. Uma
parte apontou outros motivos, como
possibilidades profissionais maiores na
área (mais necessidade nas zonas rurais de
professores de matemática), maior carga
horária na Educação Básica, ou por não ter
no curso a área de preferência, no caso,
Educação Física, apontado por um
estudante.
16 estudantes disseram que
escolheram a área porque esperavam
aprender mais e uma pequena parte (5)
informou que pretendia aprender, enfim,
matemática, tomando o curso como a
possibilidade de aprendizagem desse
conhecimento. Os estudantes gostam de
matemática, mas revelam também ter
dificuldades, que, de acordo com eles, se
deve ao Ensino Básico, Fundamental e
Médio. 17 estudantes responderam que o
Ensino Básico foi regular, para 3 foi
péssimo, para 6 foi bom e para 3 foi
excelente, ou seja, para 20, do total de 29
estudantes, o Ensino Básico foi regular ou
péssimo. Percebe-se uma crítica quase
unânime ao Ensino Básico que tiveram, e o
fato de 17 estudantes dizerem que o ensino
foi regular, pode até ser compreendido
como uma suavização ou até mesmo
incompreensão de sua formação.
Na pergunta “Como você considera
que foi seu ensino em matemática (Ensino
Fundamental e Médio)?”, o estudante 13-3
representa em sua resposta a maior parte
dos problemas reportados em outras
respostas:
Estudei em escolas no campo, no
sistema de ensino multisseriado e
modular, e uma das principais
dificuldades foi a falta de professor
na área de Matemática. As aulas
eram totalmente fora da realidade, os
professores eram leigos, as condições
físicas da escola eram ruins.
O estudante não especificou em que
momento ocorreram estas dificuldades,
mas, sabe-se que em partes das escolas do
campo, o Ensino Fundamental funciona
com Sistema Multisseriado, em que alunos
de diferentes séries (ou anos) estudam em
uma mesma sala, no mesmo período.
Geralmente o Ensino Médio funciona com
Sistema Modular, que é o sistema por
disciplinas blocadas, onde boa parte dos
professores é de outras localidades.
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casos de escolas terem professores de
outras disciplinas ministrando aulas em
disciplinas em que falta professor ou de
professores sem formação universitária que
trabalham, como informa o Censo Escolar
de 2018, quando diz que pelo menos um
terço das disciplinas na educação básica no
Brasil são ministradas por professores sem
formação específica (Brasil, 2019). O
estudante 13-3 possivelmente elencou esta
série de situações que ela passou em sua
formação básica.
As respostas apresentam um discurso
comum na Educação Matemática: “o
problema está na base”, ou seja, o
problema está em alguns fundamentos que
os estudantes não dominam. se tornou
até um jargão, na educação em geral, dizer
que os alunos não têm base, mas é um fato
que se mostra muito claramente no curso, e
que impede avanços em algumas
disciplinas. Santos (2014, p. 245) aponta
este problema quando analisa sua
experiência como professor de matemática
na Educação do Campo na Universidade
de Brasília (UnB):
Com frequência, os alunos têm
chegado à Faculdade trazendo
conhecimentos equivocados com
relação à resolução de problemas de
Matemática, como na resolução de
equações ou na simplificação de
expressões aritméticas. Alguns
algoritmos em Matemática básica
têm sido esquecidos por eles, ou lhes
ensinado de forma errada, como pude
verificar em suas tarefas escritas e
apresentações de seminários.
O autor prossegue dizendo que isso
manifesta a necessidade de se melhorar a
Educação no Campo. Pode-se até entender
a falta de habilidade com partes mais
abstratas, como as algébricas, mas
problemas básicos deixam muito clara a
precarização em uma grande parte do
ensino de matemática no campo. Entre as
justificativas dadas pelos estudantes está o
fato de terem estudado em escolas públicas
com péssima infraestrutura, em sistemas
multisseriados e/ou modular, com
professores fora da especialidade, além de
apontarem terem tido um ensino sem
contextualização, que havia sido um ensino
mecanizado e/ou tradicional. Em outra
pergunta quando se pede aos estudantes
que apontem soluções para os problemas
no Ensino Básico, estas questões que lhes
faltaram são repetidas como soluções.
Portanto, a relação com o conteúdo
matemático é prazerosa, ou seja, aqueles
que vão para a área em sua maioria, de
alguma forma, se identificam com a
disciplina, e reconhecem que têm
problemas devido ao ensino que tiveram, e
veem a contextualização pelo cotidiano,
entre outros pontos, como uma solução. No
entanto, eles parecem presos a uma
matemática mais simples que se torna mais
afastada quando passa a se mostrar por
outras linguagens, seja a algébrica, seja em
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problemas escritos, como se na
sequência.
Adentrando à segunda categoria, a
respeito de contextualização, quando
perguntados se conseguiam ver a
matemática em suas realidades, 28
estudantes disseram que sim; apenas um
licenciando revelou ver algumas
dificuldades nisso, por considerar que parte
da matemática escolar não se pode
perceber na realidade. Este é o estudante
13-5 e disse que o curso permitiu uma
visão mais ampla da matemática, e que de
fato, para ele, partes que não são úteis
em contextos cotidianos. O restante disse
que conseguia ver e deu exemplos
esperados e comuns, referentes a
transações comerciais, formas geométricas,
em tarefas quantitativas e de localização
espacial, e muitos davam exemplos de
atividades genéricas sem falar a relação
com a matemática propriamente dita, como
“preparação de alimentos”, “esportes”,
“construção”, etc. No entanto, não se viu a
relação com conteúdos mais complexos,
como álgebra, funções, cálculo etc.,
ficando restrito às partes básicas da
aritmética e geometria. Isto revela que a
percepção de contextualização está aliada a
estes conteúdos considerados básicos.
Na pergunta “O que você prefere, o
ensino da matemática que tenha alguma
relação com a vida do aluno ou o ensino
apenas do conteúdo?”, 20 estudantes
responderam que ambas são importantes e
9 apontam que apenas a contextualização a
partir do cotidiano é suficiente. Entre os
que responderam “ambas”, 5 (3 da 2013 e
2 da 2014) destacaram que alguns
elementos do ensino tradicional de
conteúdos são importantes e apontaram
que não acreditam ser possível
contextualizar todos os conteúdos, como se
com o estudante 14-8: O ensino deve
ser contextualizado com a realidade
sempre que possível, mas o que não dá
para contextualizar também deve ser
ensinado, pois não são menos
importantes”. Isso aponta um
posicionamento mais crítico deste
licenciando com a questão da
contextualização, sendo que este viu
conteúdos mais complexos, que não estão
presentes na realidade imediata.
Para os outros 15 que responderam
“ambas”, estes enalteciam a
contextualização em seus comentários, e
consideram que a contextualização permite
dar sentido ao conteúdo. A maioria dos
estudantes enxerga a realidade como
elemento fundamental no ensino. Percebe-
se que o princípio da Educação do Campo
de relacionar com a realidade se faz
presente com os estudantes do curso, pois a
questão não se referia à contextualização a
partir do cotidiano, mas foi apenas essa
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lembrada, como se vê nas seguintes
respostas: Sempre que possível considero
relevante buscar contextualizar os
conteúdos com a realidade dos estudantes.
Considerando que no processo de ensino,
o mais importante é o sujeito-
aprendizagem (13-7); Quando se
contextualiza facilita-se o aprendizado, e
devemos dar significado ao que
ensinamos. Utilidade da matemática na
resolução de ações do dia a dia (14-1);
Relacionando com a realidade do aluno,
pois fica mais fácil compreender (14-5);
Conteúdo é importante, mas se tiver
relacionado ao cotidiano ficará bem mais
fácil e o aluno compreenderá melhor os
assuntos ensinados em sala” (15-1).
A contextualização a partir da
realidade é um discurso presente na
educação de modo geral. Talvez com a
matemática, por conter conteúdos
abstratos, sendo baseada muitas vezes em
uma linguagem específica, uma
exigência maior de que seja
contextualizada, para que assim se
sentido para o aluno.
Na pesquisa bibliográfica, realizada
no primeiro ano do projeto (Teixeira
Junior, 2018), quando foram analisados 45
textos, percebeu-se uma visão sobre o
padrão de pesquisa em Educação
Matemática e Educação do Campo, com
um destaque dado à contextualização a
partir do cotidiano, que é notório na
Educação Matemática, e que se acentua
nos estudos na Educação do Campo.
Também se evidencia o interesse em
valorizar contextos campesinos, que é algo
que tem sido amplificado pela tendência
Etnomatemática.
Tendências teóricas provenientes de
alguns pensadores, como o Pragmatismo
de Dewey e o Construtivismo de Piaget,
tem influenciado a concepção de relação
com a cotidiano na educação. Algumas
perspectivas que foram consideradas
equivocadas, como o Movimento da
Matemática Moderna, que ressaltava o
formalismo na matemática, colaboraram na
defesa do oposto, de um ensino mais
voltado para a realidade. A
contextualização de conceitos matemáticos
no cotidiano se tornou quase obrigatória
nos programas dos professores de
matemática das escolas brasileiras nas
últimas décadas, se fazendo presente nos
PCN, em livros didáticos, obras de
referência e nos discursos de professores e
alunos.
Nessa perspectiva, percebeu-se que a
contextualização também é um discurso
presente nas falas dos estudantes
pesquisados. É um discurso presente e
muito forte e que se mostra nos
questionários, quando geralmente os
estudantes criticam os professores por não
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trabalharem com a contextualização, por
não valorizarem práticas da comunidade,
etc.
Duarte (2009), em sua tese,
problematiza o discurso presente da
contextualização a partir do cotidiano na
Educação Matemática, quando diz que
circula de forma recorrente neste ramo, o
discurso que diz respeito à importância de
trazer a “realidade” do aluno para a sala de
aula. Ela verifica que tal discurso se faz
presente tanto em documentos de meados
do século XX, quanto em eventos atuais de
Educação Matemática. A autora defende
que tal discurso antigamente almejava
manter os sujeitos no campo, como
estratégia de governo, mas atualmente o
mesmo discurso se justifica para
empoderar a cultura campesina. Nesse
sentido, por mais que se tenha mudado a
forma de se ver para essa prática, o
destaque aqui é a existência de tal discurso.
A autora defende a existência deste
discurso e discorda que a matemática tenha
significado pela realidade, pois entende
que se trata de contextos diferentes. Duarte
(2009) realiza uma análise de discurso que
identifica relações de poder que estão na
educação, e nesse sentido aponta que
forças que se sobressaem neste campo de
disputas, e indica que estas são as
concepções de ensino urbano, científico
e/ou formal. Mas apesar desta análise a
autora defende que o empoderamento do
contexto do campo não se daria pela
incorporação de um discurso como “trazer
a realidade para a sala de aula”. Como se
trata de um discurso, é preciso
problematizá-lo, e deve-se realizar
profundas reflexões e análises sobre o
mesmo.
As falas dos estudantes quando
exemplificam a contextualização exibem a
abordagem de conteúdos básicos da
matemática, e de fato, como alguns
também disseram, é difícil contextualizar
conteúdos mais complexos, e isso acontece
no Ensino Fundamental, com a Raiz
Quadrada, Polinômios, Equação do
Grau, Produtos Notáveis, Fatoração
Algébrica, que são, não apenas conteúdos
afastados do cotidiano, mas também,
conteúdos absolutamente inúteis em uma
realidade imediata. Mas alguns dos
conteúdos básicos citados são necessários
na continuação do estudo em matemática
no Ensino Médio, como em Função,
Matrizes, Estatística, Geometria Analítica,
e no Ensino Superior, como em Cálculo
Diferencial Integral que demanda bastante
da matemática considerada básica, e estes
conteúdos são mais úteis em atividades
mais complexas, mas demandam do básico
para serem compreendidos.
Não se trata aqui da necessidade do
estudo de determinados conteúdos para um
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avanço social, mas de uma estruturação
lógica de ensino, pois, determinados
conteúdos necessitam de outros que o
baseiam, que muitas vezes não têm
justificativas naquele momento. Deve-se
evitar que uma defesa da contextualização
leve o ensino da matemática a se reduzir a
satisfazer necessidades imediatas do
cotidiano das pessoas, tais como pagar
contas e verificar trocos, calcular
porcentagens, etc. Pode-se, assim, estar
negando ao aluno a possibilidade de
explorar outros aspectos do conhecimento
matemático. Ou deveríamos simplesmente
retirar alguns conteúdos do currículo e
ensinarmos apenas o que é útil? Essa
relativização ocorre talvez devido à
dificuldade dos próprios professores com
alguns conteúdos ou porque de fato
acreditam que alguns são desnecessários,
seguindo determinados preceitos teóricos.
A contextualização a partir da
realidade não é um problema, mas aponto
para possíveis efeitos futuros se tal
concepção se voltar apenas para uma
crítica ao conteúdo, pois a tendência dos
estudantes pesquisados é citar conteúdos
mais básicos quando se fala de
contextualização, e esta necessidade de
ligação com o cotidiano pode levar à ideia
de que alguns conteúdos seriam
desnecessários.
Se professores e/ou teóricos
conseguirem relacionar conteúdos como
raiz quadrada ou produtos notáveis às
realidades dos alunos seria algo que
permitiria uma compreensão maior do
aluno, como ocorre em conteúdos mais
simples, como as quatro operações que os
alunos veem no seu cotidiano. Se
professores e/ou teóricos conseguirem
trazer noções de função ou do cálculo
diferencial para os anos do fundamental,
fazendo os alunos compreenderem o uso
matemático dos polinômios nesses
conteúdos, e que a partir disso seus alunos
sejam capazes de observar nas atividades
complexas que estes conteúdos mais
avançados têm relação, seria muito
oportuno para a educação. Mas o grande
problema é ficar na superfície dos
conteúdos ou em conteúdos básicos com o
discurso de contextualização, que é sim
útil, mas é limitado, principalmente pelos
problemas com conteúdos matemáticos
que nossos professores têm.
Na terceira categoria que aborda as
concepções e relações dos estudantes com
as linguagens relacionadas à matemática
aparecem aspectos que remetem às
categorias anteriores, pois ao se abordar as
linguagens, refere-se por vezes aos
conteúdos matemáticos e também à forma
como podem ser trabalhados, que envolve
a contextualização.
Quanto ao domínio de conteúdos
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matemáticos, 19 estudantes revelaram
sentir dificuldades em álgebra, que é uma
linguagem mais complexa da matemática.
Na turma 2015, que estava entrando na
área, o conteúdo preferido foi a aritmética,
e o interesse por álgebra se mostrou maior
nas turmas que estavam na área, o que
mostra que ao se conhecer diferentes
aspectos da linguagem matemática, mais se
cresce o interesse por outras áreas da
matemática, para além de números e
formas, mesmo que exista dificuldades de
compreensão.
Apesar do discurso presente de
defesa da contextualização, mesmo em
respostas em que este tema se destacava,
os estudantes demonstraram em alguns
momentos uma defesa do conteúdo
científico, como se em 15-12, quando
responde à pergunta “O que você acha de
estudar conteúdos que você não ensinará
no Ensino Básico?”: É importante que
trabalhemos, pois facilita o conhecimento
do macro, ou seja, o conhecimento
científico. Na pergunta “Como você a
relação da matemática com o cotidiano no
ensino?”, obteve-se as respostas: deve ter
uma mediação, pois nem sempre terá como
contextualizar os conteúdos, assim como
não se deve prender apenas na realidade
dos alunos, mas proporciona-lhe outras
realidades(15-10); Devemos colocar em
prática ações que vão ao encontro
concomitantemente à realidade do sujeito,
mas também, não se deve descartar de
ensinar as fórmulas, conteúdo, pois
sabemos que também são eficazes para seu
desenvolvimento” (13-6). Percebe-se uma
noção de separação entre a matemática e o
cotidiano, e uma identificação do que é
científico. 19 estudantes demonstraram ver
certo grau de afastamento entre esses
contextos.
Com efeito, os conteúdos mais
complexos permitem ao estudante adentrar
em outro jogo de linguagem, o da
normatividade inerente da matemática.
Para Wittgenstein (1999), usamos as
proposições matemáticas como normas,
por exemplo, a proposição 2 + 2 = 4 não é
falsa, ou até mesmo verdadeira, trata-se
apenas de uma regra de como proceder, e,
assim, é possível analisar fatos da realidade
a partir dela. Pode-se afirmar que “João
vendeu sacas de farinha para duas pessoas
diferentes em um dia, e no seguinte vendeu
outras sacas para outras duas pessoas
diferentes, para receber no final do mês.
Portanto, receberá pelo menos de quatro
pessoas”. Contudo, se por alguma razão,
apenas três pessoas que receberam
pagarem, este fato não revoga a proposição
de que dois mais dois é igual a quatro.
Assim, lculos no cotidiano e
cálculos da matemática formal podem ser
diferentes na perspectiva dos estudantes,
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pois, o contexto acadêmico é diferente de
contextos cotidianos (Teixeira Junior,
2018). Trata-se de linguagens diferentes e,
em atividades práticas, mostram-se como
diferentes jogos de linguagem. Dessa
forma, a escola deve ser tomada como um
ambiente diferente e não necessariamente
repetidor do cotidiano, e que a escola deve
possibilitar justamente novas linguagens e
ampliar a noção de realidade, para que
assim o aluno possa enxergar o contexto
em que vive de forma mais analítica.
A contextualização do conteúdo
matemático a partir da realidade não é uma
simples extensão de qualquer cálculo
matemático, porque não é na gramática da
linguagem do cotidiano que se encontrará
uma realidade que o cálculo não tinha
antes. O cálculo matemático possui uma
aplicação interna. Não nenhuma ligação
com o contexto da vida cotidiana que faça
a matemática funcionar, as regras existem
por si, e assim, ela possui regras que
podem se estender à realidade, mas que
não dependem dela. Suponha-se que o
aluno resolva um problema que solicite o
cálculo do preço de duas partes iguais de
um total de cinco de um terreno e que
outro problema peça para calcular 2/5 de
150 metros quadrados. A transposição da
regra aplicada ao cotidiano não é
automática para uma situação formalizada
na linguagem matemática (Teixeira Junior,
2018).
22 estudantes revelaram nos
questionários que tem dificuldades em
interpretação de textos matemáticos.
Quando se perguntou que tipo de
problemas eles preferiam resolver, a
metade dos estudantes disse preferir
resolver questões de cálculo direto, e um
número menor, 6, disse preferir resolver
problemas escritos contextualizados. Isto
mostra que mesmo que haja uma fala dos
próprios estudantes na direção de uma
contextualização, como a maioria tem
dificuldades em interpretar textos, eles
preferem exercícios com cálculos diretos,
isto é, de simples aplicação de algoritmos,
do que problemas escritos, referentes a
situações concretas, como se vê na resposta
de 14-5 à pergunta “Você tem dificuldade
com questões de interpretar?”: Muitas
interpretações de atividades matemáticas
são difíceis, pois precisamos compreender
a língua portuguesa para dar sentido à
linguagem escrita e à matemática ao
mesmo tempo”.
Questões de cálculo direto,
aplicações de algoritmos, problemas
escritos ou atividades de investigação não
se trata de um mesmo tipo, mesmo que se
refiram à mesma situação, e assim como se
deve praticar com algoritmos, também
deve-se praticar com problemas escritos. A
compreensão de diferentes problemas
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depende do aprendizado de técnicas e
regras de interpretação, que nesse caso se
dão pelo hábito, ou seja, é também uma
forma de exercício a interpretação de
problemas matemáticos também necessita
de exercício.
Wittgenstein (1999) defende que a
aprendizagem das linguagens se pelo
treino. Mas, o filósofo não defende apenas
que se deve repetir para aprender em uma
sala de aula, mas que é assim que o ser
humano aprende qualquer coisa. O treino
aqui se refere ao fato de inserir o indivíduo
no ambiente em que se usam determinadas
palavras, e então pelo uso, ele passa a
conhecer os seus significados. Por
exemplo, não aprendemos a chamar e saber
o que é “copo” porque alguém nos
apontava para o objeto e nos dizia que ele
se chamava “copo” e para que ele servia,
mas sim aprendemos pelo uso em seu
contexto. É a constatação de que se
aprende inserido em uma cultura.
Problemas contextualizados foram
pouco tempo inseridos no ensino de
matemática, e se tornaram a base do
Exame Nacional do Ensino Médio
(ENEM). São outras formas de problemas
que precisam ser considerados como outro
jogo de linguagem.
Quando se colocam as duas situações
para os estudantes pesquisados, como
explicar que eles defendem em sua maioria
a contextualização, mas preferem resolver
cálculos diretos? Pode-se entender que os
estudantes estão se referindo a como
preferem resolver questões, mas que
apontam a contextualização como método
de ensino. Isto pode se dever também ao
fato de terem se acostumado a resolver
exercícios deste tipo e viram pouca
contextualização durante sua formação.
Nesse ponto, então surge outra
questão: por que os estudantes sentem
dificuldades de relacionar estes contextos?
Ao que parece, estamos diante de uma
contradição, pois, para referenciais teóricos
e documentos oficiais, como foi
apresentado aqui, nexos entre uma
situação real cotidiana, uma situação-
problema escolar formal, que se refere à
situação real indicada, e um algoritmo
que se refere aos dados fornecidos nas
mesmas situações. Para tais professores,
essas situações são espécies de um mesmo
tipo, como se houvesse uma essência
comum entre elas. No entanto, os
estudantes parecem não conseguir perceber
esse nexo comum de forma tão evidente,
principalmente quando estes ainda não
conhecem determinados conteúdos. Essa
relação parece ser uma percepção a
posteriori à aprendizagem, ou seja, é uma
constatação que pode ser feita após
conhecer certos conteúdos.
É necessário perceber a matemática
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como um jogo de linguagem e suas
relações com a realidade concreta são
como relações entre jogos de linguagem,
isto é, ocorrem por semelhanças de família
e não por que haja uma essência.
conteúdos que não são tão facilmente
contextualizáveis, bem como conteúdos
que não têm uso imediato. A limitação da
contextualização se por não se
compreender a linguagem matemática
como um jogo de linguagem que pode não
ter conexões com o cotidiano e que
depende da compreensão da mesma a
partir de suas regras internas.
Nessa perspectiva, grandes
problemas no ensino de matemática têm
como base problemas na compreensão da
linguagem matemática, tanto na Educação
Básica quanto superior. Estes problemas
acontecem no desenvolvimento do
conteúdo com as explanações, proposições
e teoremas, dados pelo professor ou
contidos no material de estudo, os
estudantes podem não compreender devido
à linguagem “densa” utilizada; por conta
de desconhecerem certas palavras, ou
ainda por não saber as diferenças entre
determinadas palavras, usadas no cotidiano
e que também aparecem na matemática.
Neste sentido, para se ter uma
compreensão mais ampla do ensino, é
imprescindível analisar as dificuldades de
ordem linguística enfrentadas pelos
estudantes no aprendizado e aplicação de
regras matemáticas, discutir o papel da
linguagem no aprendizado das regras
matemáticas, e analisar, por meio das
observações e de seus registros, como os
estudantes compreendem e aplicam as
regras matemáticas.
Os licenciandos precisam conhecer
tanto contextos cotidianos, quanto formais,
para que possam desenvolver um ensino
dos conceitos matemáticos de acordo com
o princípio da valorização do contexto do
campo, e para isso deve-se compreender
limites e saber ver possibilidades nos
diferentes contextos e linguagens.
Considerações finais
Os estudantes pesquisados
concordam com o discurso da
contextualização no ensino de matemática
e a consideram como elemento
fundamental no curso. Tal discurso é
legítimo, tendo em vista a luta dos povos
do campo no Brasil, no entanto, é cogente
considerar as limitações de certas práticas
pedagógicas, ainda mais quando estas
estão vinculados a discursos.
A matemática tem um corpo teórico
próprio formado em sua história que se deu
a partir de atividades cotidianas, mas
uma parte dela que se deu a partir de um
desenvolvimento interno. O estudo do
contexto do campo deve promover um
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aumento das possibilidades de ensino do
conteúdo matemático e de apresentação de
novos usos do mesmo.
Os usos da matemática existentes na
academia devem ser valorizados na
Educação do Campo, assim como os usos
da matemática no campo devem ser
valorizados na academia. Deve-se
considerar que os usos formais,
acadêmicos ou clássicos, permitem uma
diversidade de percepções e tratamentos da
realidade, diferentes daqueles da realidade
imediata que muitas vezes fazem parte
do repertório do aluno.
A formação de professores de
matemática para o campo é um grande
desafio. Formar professores habilitados em
um conteúdo que por vezes se mostra
distante dos estudantes, no sentido da sua
compreensão na formação básica, e ao
mesmo tempo trabalhar com esses
estudantes a necessidade de valorização de
seus contextos é um desafio que demanda
muito fôlego. Como abordar o contexto
atual e imediato da comunidade sem
denegar o conteúdo clássico historicamente
construído? Como relacionar o particular e
o universal, o subjetivo e o objetivo? Estas
perguntas apontam para um longo
caminho, que o pode se prender a
maniqueísmos discursivos e soluções
simplistas.
Coloca-se o ensino contextualizado
como a possibilidade não política de
valorização dos contextos campesinos, mas
também da possibilidade de se dar sentido
e de fato se aprender. Com efeito, é de
fundamental importância que a realidade
seja valorizada, como um ato político
necessário para o empoderamento do povo
do campo, mas deve-se sopesar a
necessidade de aprendizagem, e neste
sentido, deve-se pensar sobre quais
caminhos seguir para que esse equilíbrio
seja alcançado: valorizar o contexto do
campo e ensinar conhecimentos clássicos
aos homens e mulheres do campo.
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Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 02/11/2018
Aprovado em: 09/04/2019
Publicado em: 29/10/2019
Received on November 02nd, 2018
Accepted on April 09th, 2019
Published on October, 29th, 2019
Contribuições no artigo: O autor foi o responsável por
todas as etapas e resultados da pesquisa, a
saber: elaboração, análise e interpretação dos dados;
escrita e revisão do conteúdo do manuscrito e; aprovação
da versão final publicada.
Author Contributions: The author was responsible for the
designing, delineating, analyzing and interpreting the data,
production of the manuscript, critical revision of the content
and approval of the final version published.
Conflitos de interesse: O autor declarou não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Valdomiro Pinheiro Teixeira Junior
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Educação do Campo: uma discussão sobre a formação
docente em matemática. Rev. Bras. Educ. Camp., 4,
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Educação do Campo: uma discussão sobre a formação
docente em matemática. Rev. Bras. Educ. Camp.,
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http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e6123