Revista Brasileira de Educação do Campo
The Brazilian Scientific Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e6297
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e6297
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2020
ISSN: 2525-4863
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Tessituras curriculares para os componentes de Física
numa perspectiva agroecológica: propostas a partir das
experiências pedagógicas no curso da LEdoC no
CETENS/UFRB
Frederik Moreira dos Santos
1
, Antônio Carlos Sena Ferreira
2
1, 2
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB. Educação do Campo/CETENS. Avenida Centenário, 697 - Sim,
Feira de Santana - BA. Brasil.
Autor para correspondência/Author for correspondence: fredsantos@gmail.com
RESUMO. O presente trabalho discute práticas pedagógicas de
agroecologia utilizadas para o ensino de Física, para
licenciandos em Educação do Campo (área de Ciências da
Natureza e Matemática), de forma interdisciplinar. Nossas ações
reflexivas partiram do contexto das nossas vivências em escolas
do campo e no curso de Licenciatura em Educação do Campo na
área de Ciências da Natureza, dentro do Centro de Ciência e
Tecnologia em Energia e Sustentabilidade da Universidade
Federal do Recôncavo da Bahia (CETENS/UFRB). O intuito do
texto é propor eixos temáticos curriculares que levem em conta
os complexos temáticos discutidos por Moisey Pistrak. Durante
a trajetória em nossa caminhada sentimos a necessidade em
articular nossa abordagem com a perspectiva teórica freireana,
tendo consciência de que, ao exercermos o ofício do magistério,
apresentamos um sistema de compreensão sobre a Natureza em
sua completude. Os temas propostos em nosso trabalho trazem
embutido também a preocupação com a estratégia da
abordagem, que balizaram nossas aulas, pois a metodologia,
justamente por ser aberta, possui mediação dialógica. As
práticas desenvolvidas no Espaço Ecodinâmico do Laboratório
Vivo
i
em Agroecologia da UFRB nos serviram como momentos
cruciais para reflexão crítica e debate sobre as contribuições
advindas dos componentes de Física.
Palavras-chave: Ensino de Física, Educação do Campo,
Agroecologia, Transdisciplinaridade, Currículo.
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Curricular seams for disciplines of Physics in an
agroecological perspective: proposals from pedagogical
experiences at the CETENS/UFRB
ABSTRACT. The present work discusses pedagogical practices
of agroecology used to teach Natural Sciences (since of Physics
teaching) in the Semiarid region in an interdisciplinary way. Our
reflective actions started from the context of our experiences in
rural schools, and during the undergraduate course of teaching
and learning on Natural Sciences to traditional communities
within the Centro de Ciência e Tecnologia em Energia e
Sustentabilidade da Universidade Federal do Recôncavo da
Bahia (CETENS/UFRB). This paper proposes thematic axis
considering the thematic complexes discussed by Moisey
Pistrak. During our journey we felt the need to articulate our
approach with the Freirean theoretical perspective. Always
being aware that, in exercising the magisterium labor, we
present a system of understanding on Nature in its wholeness.
Upon an open methodology, the topics proposed in our work
also include the concern with a strategy of approach shared and
discussed with our students, i.e., a dialogic mediation. The
practices developed in the Ecodynamic Zone for the Living
Laboratory in Agroecology gave us crucial moments to critical
reflection and debate on the contributions of the discipline of
Physics to traditional communities at CETENS/UFRB.
Keywords: Physics Teaching, Rural Education, Agroecology,
Transdisciplinarity, Curriculum.
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Tesituras curriculares para los componentes de sica en
una perspectiva agroecológica: propuestas a partir de las
experiencias pedagógicas en el CETENS/UFRB
RESUMEN. El presente trabajo discute prácticas pedagógicas
de agroecología utilizadas para enseñar de la Física en el
Semiárido de forma interdisciplinar. Nuestras acciones
reflexivas partieron del contexto de nuestras vivencias en
escuelas del campo y en la carrera de Licenciatura en Educación
del Campo en área de las Ciencias de la Naturaleza, dentro del
Centro de Ciência y Tecnología en Energía y Sustentabilidad de
la Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
(CETENS/UFRB). El propósito del texto es proponer temas que
tengan en cuenta los complejos temáticos discutidos por Moisey
Pistrak. Durante la trayectoria, sentimos la necesidad de
articular nuestro enfoque con la perspectiva teórica freiriana,
siempre teniendo conciencia de que, al ejercer el oficio de
maestro, presentamos un sistema de entendimiento sobre la
Naturaleza en su totalidad. Los temas propuestos en nuestro
trabajo incorporan la preocupación con la estrategia del
abordaje, que ha anclado nuestras clases, pues la metodología,
por ser abierta, tiene mediación dialógica. Las prácticas
desarrolladas en el Espacio Ecodinámico del Laboratorio Vivo
en Agroecología de la UFRB nos sirvieron como momentos
cruciales para reflexión crítica y debate sobre las contribuciones
provenientes de los componentes de Física en el transcurso de la
carrera de Licenciatura en Educación del Campo.
Palabras clave: Enseñanza de Física, Educación del Campo,
Agroecología, Transdisciplinariedad, Currículo.
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Introdução
O diálogo com o solo começa desde
o composto orgânico do vaso de plantas,
em escala micro e meso, como em um
pequeno canteiro no caminho da entrada da
escola, como também na construção,
dentro deste mesmo espaço, de
agroecossistemas - tendo como sujeitos
centrais desta construção a coletividade
discente, orientada por monitores e/ou
professores. A partir das experiências
educativas vivenciadas no Laboratório
Vivo em Agroecologia do Centro de
Ciência e Tecnologia em Energia e
Sustentabilidade - CETENS, durante
Estágio Curricular Obrigatório Discente do
curso de Licenciatura em Educação do
Campo, no Colégio Tecla Mello e das
Oficinas do PIBID-Diversidade,
discutiremos a implementação de alguns
destes agrossistemas e, brevemente, a
metodologia de ensino-aprendizagem
aplicada neste espaço. Esse Colégio
funciona fora do SIM (CETENS), mas
ainda recebe alunos do Campo, das
comunidades de Jaíba, Lagoa Salgada e do
Registro que recentemente foi demarcada
como área do perímetro urbano. Por ser
uma escola da sede, da mais nova
metrópole baiana, que acolhe alunos do
Campo, e por estar em frente ao CETENS
nos interessamos a trabalhar, e neste
espaço escolar temos colaborado para a
construção de uma educação pública e de
qualidade para os povos do Campo.
Estas reflexões serviram de base para
a reformulação da inserção dos
componentes de Física no Projeto
Pedagógico do Curso de Licenciatura em
Educação do Campo, com habilitação em
Ciências da Natureza e Matemática, no
CETENS/UFRB. Portanto, este texto
possui o caráter tanto de um relato de
experiência, do grupo do Núcleo Docente
Estruturante (NDE)
i
articulado com as
práticas docentes e discentes, quanto
propositivo, que se dirige aos cursos de
Ciências da Natureza das LEdoCs, mas que
também se constitui e se fundamenta em
elementos teóricos mais gerais.
Esclarecemos que o presente texto não se
propõe a fazer uma discussão exaustiva
sobre as teorias, problemáticas e desafios
para se implementar um currículo de física
para a formação de professores de Ciências
da Natureza e Matemática no nível
superior para o contexto da Educação do
Campo. Porém, ele é fruto da culminância
de uma série de debates abertos e reflexões
críticas sobre a práxis no ensino dos
conteúdos apresentados em diversos
componentes de Física no curso de
Ciências da Natureza da LEdoC, no
CETENS/UFRB. Acreditamos que
algumas de nossas conclusões podem
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enriquecer as reflexões em torno do papel
dos componentes de Física nesses cursos
de formação.
Espaço Ecodinâmico: em que se
fundamenta?
Uma sala de práticas pedagógicas de
agroecologia, utilizada para ensinar
ciências no Semiárido de forma
interdisciplinar e transdisciplinar na escola
do campo. Este trabalho é fruto da vivência
no curso de Licenciatura em Educação do
Campo e dialoga com a perspectiva de uma
prática pedagógica articulada com a
produção agroecológica. Os licenciandos
do Espaço Ecodinâmico dialogaram, o
tempo todo, com os conceitos estudados
nos Tempos Formativos do LEdoC, o
PIBID-Diversidade e o Estágio Curricular
Obrigatório do curso, e foi uma das ações
do Laboratório Vivo em Agroecologia, no
Centro de Ciências e Tecnologia em
Energia e Sustentabilidade CETENS.
Todo este contexto formativo sempre leva
em conta o mundo do trabalho, onde esta
complexidade temática impõe, como
método, a transdisciplinaridade. E assim
estamos propondo um ensino que busque a
mediação de conteúdos e objetivos
adequados para a convivência com o
Semiárido.
A Agroecologia como ferramenta e a
transdisciplinaridade como método de
aproximação da realidade para
compreensão da vida em contrapartida ao
ensino de ciências compartimentalizado.
Especificamente pretendemos utilizar a
Agroecologia, como ferramenta na
contextualização dos conteúdos do livro
trabalhado pelo componente curricular de
Ciências.
Laboratório Vivo em Agroecologia
Vivemos em um Estado que tem
maior número de agricultores familiares
(MDA)
ii
, e que se situa no Semiárido,
portanto mostra a importância da
existência um polo acadêmico de
atividades educativas emancipadoras, que
olhe para a convivência com esse
ecossistema. Assim, o Laboratório Vivo em
Agroecologia vem acumulando desde o seu
primeiro momento várias experiências de
grande relevância para os sujeitos do
Campo em processo de formação. Estas
perpassam a práxis pedagógica, onde, para
nós da Licenciatura em Educação do
Campo - LEdoC, estão diretamente
compromissadas com a emancipação dos
sujeitos do campo, através de um processo
histórico de apropriação do conhecimento,
levando em conta as especificidades da
Educação do Campo e a Questão Agrária.
Todos estes elementos têm norteado as
práticas pedagógicas apresentadas aqui.
Estudamos a experiência do Espaço
Ecodinâmico do Laboratório Vivo do
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CETENS, imersos em uma reflexão teórica
e, a partir desta atividade emancipatória,
observamos a necessidade de entender
como sistematizar processos educativos
que poderão construir o conhecimento,
sem descuidar da natureza especificamente
contraditória com modelo hegemônico. As
práticas desenvolvidas no Espaço
Ecodinâmico dialogaram com os saberes
tradicionais, modelos de vida, práticas
agrícolas, cultura, processos produtivos,
sempre aguçando as contradições entre
classes.
Do ponto de vista do processo de
acumulação do conhecimento, o que se
foca é a construção de um ser social
histórico, que se entenda através da
Agroecologia, para daí enxergar-se de
forma cidadã. Um olhar para a formação
transformadora, que vai se capacitando
num processo, que garanta o domínio dos
conteúdos a partir da especificidade do
sujeito do campo. Assim, durante o período
da colheita do campesinato, podemos
perceber uma grande variedade de
interações de todas as áreas de
conhecimento, observados (pelos sujeitos
participantes deste processo de formação e
compartilhamento de saberes no espaço
Ecodinâmico) materialmente nos produtos
colhidos, no sorgo, milho, abóbora, feijão
de porco, cana de açúcar, mamona,
citronela, batata doce, tomate, hortelã,
rúcula, maracujá, coentro, girassol, flor de
mel, salsa, melão, PANCs, cebolinha, erva
cidreira, capim santo, plantas medicinais,
feijão mulatinho, manjericão, plantas
ornamentais. Vale destacar que não é
agricultura por agricultura, mas um diálogo
com o solo codificado, seja através do
tamanho da espiga produzida, da
quantidade e tamanho dos grãos, do peso
da abóbora, da cor da folha, do seu aspecto
morfológico e mais uma infinidade de
variáveis a serem exploradas. Tudo isso,
com a parceria da comunidade acadêmica,
e foi-se acumulando, a cada colheita e
plantio, os conhecimentos, e a cada passo,
o domínio de teorias e práticas de manejo.
Esse movimento é emancipador para nós
sujeitos do Campo e o Espaço
Ecodinâmico é ciclo que se movimenta
dialeticamente, nesse espaço formativo
entendemos conceitos que trabalharemos
na escola do Campo, contextualizamos
conteúdos.
Pensando um Programa para a
formação de professores do campo: por
onde começar?
O ensino de ciências vem passando
por constantes modificações, sobretudo
depois das discussões em torno da Base
Nacional Comum Curricular - BNCC, que
têm polemizado o currículo escolar na
educação básica brasileira. A despeito do
fato desse tema não ser nosso foco neste
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texto, é bom lembrar que a maioria do
povo brasileiro ainda nem assimilou esse
processo.
O nosso enfoque traz embutido as
reflexões das pesquisas em Educação do
Campo na área de Ciências da Natureza
com um olhar para o ensino de Física em
especial, e nos propusemos a apresentar a
proposta de um tema central (i.e. os
princípios de conservação de massa e de
energia) conectado com a Física nas visões
fenomenológicas, valorizando o solo para
o sujeito do campo, considerando em
primeiro lugar o papel preponderante da
relação homem-natureza.
Assim pretendemos construir um
programa sugestivo de Física orientado
pela agroecologia, e que tenha um olhar
para a “Escola do Trabalho” (Pistrak,
2003), e o tema “Recuperação do Solo”
pensado nas matrizes dos conhecimentos
tradicionais, desde as interações
astronômicas, químicas, biológicas, e as
físicas com olhar para atmosfera, litosfera,
e hidrosfera, em que poderemos trabalhar
os conceitos e as leis naturais, buscando
compreender as transformações de
energias, a interação da matéria, e antes de
tudo, caminharmos no sentido que caminha
o estudante do campo, na hora de preparar
a aula. Este trabalho acadêmico propõe a
explorarmos, em nossas práticas
pedagógicas, o conceito de complexos
temáticos e um currículo que dialogue com
as práticas de subsistência e significativas
de uma comunidade como perspectiva que
conta de balizar as nossas ações
inspiradas na pedagogia socialista de
Pistrak. Alguns destes elementos teóricos
da pedagogia socialista estarão presentes
no decorrer deste artigo.
Um solo fértil é o capital do
camponês, é a partir daí que o mundo do
trabalho entra em sintonia com o programa
de ensino, e se o conteúdo for
problematizado aproximando-se da vida do
estudante, todos ganharão e o
desenvolvimento acontece.
Este programa tem o intuito
propositivo para cursos de Licenciatura em
Educação do Campo, nas áreas de Ciências
da Natureza e Matemática, no intuito de
buscar formar um contingente de
professores que consequentemente
interfiram na construção dos currículos que
são construídos para as escolas do Campo.
Tomamos aqui, a formação dos professores
nos cursos de licenciatura em Educação do
Campo como um dos principais vetores
para a transformação das Escolas do
Campo.
Tópicos programáticos
Nossa sistematização curricular se
organizou em torno de experiências que se
aproximam de certos eixos temáticos. Para
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os sujeitos do Campo, principalmente do
semiárido, os ciclos do Sol e da Lua e suas
relações com os ciclos do clima e da vida
são os eixos estruturantes destas
experiências, mesmo entre indivíduos de
zonas urbanas que trabalham diretamente
com outros setores que não envolvem a
vida no Campo. Por isso, pensamos nestes
tópicos programáticos desta maneira
abaixo, pois integram ações e fenômenos
da vida do Campo a partir de dois grandes
eixos estruturantes de todo o conteúdo
teórico da Física: os princípios de
conservação de massa e de energia.
Ciclo da água e ciclos energéticos
i. Medidas, Movimento linear, Leis de
Newton (tecnologias sociais do
Campo;
ii. Massa, peso, campo gravitacional;
iii. Momento Angular e Torque
(tecnologias sociais do Campo);
iv. Trabalho e Energia;
v. Fluidodinâmica, e Transporte de
Energia com e sem Matéria
(Comunicação e tecnologias sociais
do Campo);
vi. Calor, fontes de energia, e ciclos
termodinâmicos (Tipos);
vii. Radiação solar (O Sol, pensado
também como sistema acoplado
termodinamicamente ao sistema
terrestre).
Essa sequência, que será mais
detalhadamente desdobrada no decorrer
deste artigo, foi pensada a partir de uma
preocupação com as experiências
cotidianas mais significativas e norteadoras
para as nossas ações em sala de aula, após
a reflexão coletiva, com os estudantes do
LEdoC do CETENS-UFRB, sobre a
prática docente. Antes de avançarmos em
nossa proposta, vale destacar um breve
esclarecimento teórico. A força daquilo que
chamamos de “experiências significativas”
é dada pela recorrência destas na vida e na
sua subsistência. Tais experiências ajudam
a construir a visão que se tem sobre o
próprio conceito de Natureza (com todas as
suas dimensões, tanto biológica, quanto
social e psíquica), tanto em torno desta,
como em conjunto com esta. A partir desta
significação se constroem culturas com
suas linguagens, i.e., ritos e festas,
artesanatos, léxicos, etc. Defendemos,
dentro de um viés teórico freireano
(Delizoicov, 1983), que um ensino-
aprendizagem com criticidade deva partir
das experiências mais significativas de um
povo, assim como da consciência de sua
condição humana na teia social que
hierarquiza e desumaniza uns em prol da
sustentação do privilégio de outros.
Quando ensinamos apresentamos, em
certa medida, um novo sistema de
entendimento sobre a Natureza em sua
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completude (ou visões de mundo). Porém,
acreditamos que deveríamos fazê-lo
levando em conta o sistema ou os sistemas
de crença constituídos dentro de um
coletivo de estudantes que representam
diferentes formas de vida, dado que o
respeito à soberania dos povos é respeitar
também as suas formas de pensar a
Natureza. Por isso, defendemos a
importância de se buscar o entendimento e
compreensão dos conteúdos de ciências em
prol da melhoria da vida no Campo, dos
instrumentos utilizados e da consciência
cidadã das pessoas do campo
(minimizando a sua alienação). Não
defendemos uma compreensão de qualquer
natureza, porém aquelas comprometidas
com ações de intervenção na realidade que
os cerca e os constitui. Este
posicionamento nos afasta de uma
concepção colonizadora do ensino de
ciências, pois falar de entendimento e
compreensão não envolve necessariamente
crença e aceitação. Nosso compromisso é
com a ação e a abertura ao diálogo, não
queremos anular a possibilidade que os
sujeitos tenham de mudanças de crenças no
decorrer do processo, não defendemos
que este deve ser o fim do processo de
ensino-aprendizagem (Moreira-dos-Santos
& El-Hani, 2017).
Sugestão metodológica para desenvolver
o programa aqui proposto: retalhos de
sua gênese
O tema Recuperação do Solo
proposto em nosso trabalho traz embutido
também a preocupação com a estratégia da
abordagem, que balizou nossas aulas (a
pedagogia socialista de Pistrak), pois a
metodologia, justamente por ser aberta,
possui mediação dialética. Pensamos em
uma metodologia que possa ser aplicada
para o planejamento de uma aula ou até
mesmo para cada unidade de Física (com
seu tempo escola e comunidade). Assim,
sistematizamos este direcionamento da
seguinte maneira:
a) A localização do sujeito: para que
cada um perceba-se em seu geossistema, o
chão que nós pisamos;
b) A problematização: que vem
aguçando as contradições existentes para
cada um, e os conceitos trabalhados pelo
professor tragam nesse momento o
raciocínio crítico do aluno, incrementando
aqui pela nossa proposta o grande e mais
importante debate sobre os conhecimentos
tradicionais, que devem ser estimulados,
não como dicotômicos, mas sim como
norteadores da contextualização dos
conceitos da Física;
c) A sistematização do pensamento:
aqui construímos a organização dos
comparativos e das classificações (Ex.
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tipos de solos, interações que resultam em
mudanças de estados etc);
d) A produção: onde agora poderá
acontecer o protagonismo, a generalização
se apresenta de forma prática, em que cada
um, coletivamente ou individualmente,
construirá a experimentação, a práxis, a
realização do seu trabalho científico. Nesse
item, entendemos ser o melhor momento
para lembrarmos da experiência crucial no
LEdoC CETENS/UFRB, o qual durante
as aulas do componente de Física,
Recursos Naturais III (componente do
antigo Projeto Político-Pedagógico do
curso de LEdoC, com ênfase em Ciências
da Natureza), a construção do
conhecimento se deu de forma dialógica.
Os conceitos de Física foram trabalhados,
durante este componente e durante aqueles
que se seguiram, conforme o método aqui
proposto, garantindo um maior tempo
pedagógico aos sujeitos envolvidos no
processo educacional, na localização,
problematização, sistematização e a
produção. A partir deste componente, o
diferencial ficou notório, pois a produção
científica aconteceu de forma coletiva, e
claramente afirmativa de cada um. Na
última fase do componente, os conceitos
trabalhados vieram à tona, tivemos
protótipos espalhados no pátio do
CETENS, explicações fenomenológicas
dos processos trans e interdisciplinares ali
foram visualizadas por todos, foi um
momento emblemático, gratificante tanto
para os estudantes do LEdoC, quanto para
os professores, e os visitantes que puderam
testemunhar o mundo da Física ao vivo,
desde o Efeito Fotoelétrico às Leis da
Termodinâmica. Com esta atividade,
construídas coletivamente, buscou-se
impactar a prática docente no curso, e por
conseguinte na formação dos sujeitos
envolvidos no projeto. A própria
metodologia do curso foi construída em
conjunto com os discentes do componente;
e) Nova sistematização: Este é o
momento para sistematizarmos todo o
caminhar, costurar as tessituras dando
diferentes possibilidades de registro,
diferentes meios de costura. Sugerimos a
construção de um relatório, podendo ser
escrito com a utilização de desenhos, onde
o discente deverá descrever a atividade a
partir daquilo que foi aprendido durante
todo o processo, não esquecendo de
enfatizar os momentos de dificuldade,
erros e barreiras, e qual estratégia utilizou
para superá-los. Dificuldades podem levar
à(s) mudança(s) no planejamento, e estas
não devem ser deixadas de lado. Este é um
momento para se focar mais no processo
de realização da atividade e das estratégias
cognitivas utilizadas, e a tomada de
consciência crítica em relação a estas
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estratégias, do que em resultados
esperados.
O programa proposto
Dentro de nossa perspectiva
metodológica não poderíamos deixar de
pensar uma forma desatrelada do conteúdo,
pois assim compreendemos ser uma
dimensão crucial da experiência da práxis
pedagógica. Sendo o currículo como o
meio material e concreto de uma
convergência de intenções e ideologias, o
currículo tradicional de Física não poderia
passar imaculado. Frequentemente, se
pensa em componentes de Física Básica
tendo em vista as disciplinas dadas no
ensino médio, assim são pensados os
cursos de licenciatura em Física e Ciências
da Natureza no Brasil, parte-se da mesma
sequência de assuntos e tópicos (com
poucas variações na grande maioria dos
livros e cursos), ou seja: leis de Newton e
suas aplicações, Energia Mecânica,
Calorimetria e Termodinâmica, Ótica,
Eletricidade e Magnetismo,
Eletromagnetismo, Radiação, Física
Moderna: introdução à Física Quântica e à
Relatividade. Sem deixar de oportunizar
aos nossos estudantes do Campo o acesso
ao conhecimento científico fundamental
para a formação contemporânea, propomos
algumas mudanças de enfoque e eixos
temáticos (já apresentados acima) que
possam facilitar a contextualização. Assim,
permitiremos um diálogo e encaixe mais
fluido entre a metodologia apresentada
acima a partir do conteúdo proposto.
Acrescentamos tópicos normalmente não
vistos na formação de professores de Física
para o ensino médio, e que são cruciais
para os povos do Campo, e retiramos
certos enfoques de conteúdo (inclusive o
peso exagerado dado à modelização
matemática, a ponto de se deixar de lado a
importância da compreensão dos conceitos
científicos) que pouco dialogam com esta
realidade. Porém, nada disso comprometeu
a apropriação, por parte dos professores em
formação, dos princípios físicos
fundamentais para a compreensão deste
campo disciplinar. Assim, pautados nesta
preocupação trans e interdisciplinar, nos
princípios da Educação do Campo e na
preocupação com a contextualização que
estes tópicos abaixo foram pensados
durante a reformulação do Projeto Político
Pedagógico do curso da LEdoC
CETENS/UFRB as seguintes temáticas
gerais que direcionaram o conteúdo das
ementas de Física:
I. Medidas, Leis de Newton e trabalho
para a questão agrária: O território,
seus limites e constituição, como
referencial conceitual para construir
o espaço abstrato. Medidas agrárias
do SI, no entendimento do que é
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minifúndio e latifúndio, e do ponto
de vista de um laboratório de Física,
a nanometria para concepção teórica
da constituição da matéria. Esse
conjunto de mensuráveis unidades
são importantes para comparações
científicas, tendo em vista que o
conceito de espaço e tempo são
fundamentais para a compreensão
das leis de Newton e dos
movimentos presentes na Física dos
solos, transporte e equilíbrio de
cargas, utilização de roldanas, etc.
Assim, a Física poderá trazer uma
importante contribuição para o
aprofundamento do conceito de
território, investigando a sua
dimensão abstrata e material.
II. Massa, Peso e Campo Gravitacional:
esses conceitos teóricos serão
retomados e ajudarão a teorizar cada
vez mais o diálogo com a
agroecologia, pois são básicos e
perpassa por leis importantíssimas da
Física. Nesse caso, poderemos viajar
pelo princípio da preservação do solo
e da sua fertilidade, uma vez que
entendemos que sua fertilidade é o
capital do camponês, mas, para tanto,
é preciso que a escola do Campo
possa garantir o ensino significativo
para o contexto do labor camponês.
Tal posicionamento é um dos pilares
da escola do trabalho, que nos
permite evidenciar no processo
educacional, construído em conjunto
com a experiência campesina, que a
compactação (e o aumento de sua
densidade), é talvez a grande vilã da
vida microbiana do solo. A
importância da gravidade para a
constituição das chuvas. Devemos
estudar leis universais como a da
gravitação, para ligar aos
conhecimentos tradicionais - como,
por exemplo, a atração na interação
entre o sistema Terra Lua que
ajudará a responder a algumas
indagações levantadas pelas pessoas
do campo, tais como: Por que a Lua
parece variar de tamanho? Por que
ocorrem os eclipses e as fases da
Lua? Como a Lua pode influenciar
nos ciclos da vida na Terra e nas
plantações?
*O Núcleo Docente Estruturante (NDE) do
LEdoC, no CETENS-UFRB, em
debate com sua comunidade,
reformulou o componente “Terra e
Universo” (carga horária de 34
horas)
iii
para dar conta deste
conteúdo e dos modelos
cosmológicos contemporâneos.*
*O componente “Física e Tecnologias
Sociais I: mecânica newtoniana”
(carga horária de 68 horas) foi criado
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para dar conta tanto do primeiro item
quanto para introduzir o conceito de
força que será visto também no
componente de “Terra e Universo”.*
III. Momento Angular, Torque e
tecnologias do Campo: é um
conteúdo que normalmente não
aparece para os alunos do ensino
médio, mas que exerce papel
fundamental no Campo, pois várias
ferramentas e maquinários se
utilizam de fenômenos que envolvem
torque, desde o movimento da
enxada, a sua aplicação em uma casa
de farinha, até o funcionamento de
uma alavanca presente em bombas
d’agua e arados.
*Os conceitos “momento angular e torque”
na física são explorados na segunda
metade do componente “Física e
Tecnologias Sociais I: mecânica
newtoniana” (carga horária de 68
horas).*
*Modificamos o foco que o ensino
tradicional em relação às
aplicações da segunda lei de Newton
(tais como: máquinas de Atwood e
plano inclinado), dedicamos mais
tempo para o estudo do uso de
roldanas para o deslocamento
vertical de cargas e as aplicações do
conceito de torque, dado que estes
são os de aplicação mais frutífera em
relação aos instrumentos e
tecnologias utilizadas pelos povos do
Campo.*
IV. Energia Mecânica, Fluidodinâmica e
Transporte de Energia com Matéria:
são importantes para construção da
ponte entre Agroecologia e Ensino de
Física, pois pode ser utilizado para
iniciar o entendimento do
funcionamento dos instrumentos
utilizados tanto para o cultivo quanto
para a colheita, e a sua acomodação
no Agroecossistema deverá ser
tratada e visualizada na prática
cotidiana. A água é o elemento
principal para a construção do
conhecimento dos princípios da
agroecologia, onde o manejo do solo
e o uso sustentável da água na
irrigação, sobretudo no semiárido,
precisa ser notório na prática
pedagógica. Uma transposição
didática conceitual da equação da
continuidade e, se possível, da
equação de Bernoulli, pode ser de
grande valia para o aprofundamento
destas questões, mostrando o papel e
a importância dos sistemas ideais na
teorização do conhecimento físico
para aproximar do estudo dos fluidos
reais. Acreditamos que este seria o
melhor momento para aplicarmos
nos fluidos os estudos mais
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fundamentais sobre os processos de
irrigação e flutuação, conceitos
fundamentais, porém não suficientes
para se compreender o processo de
assoreamento e geomorfologia dos
leitos e relevo dos rios.
*O componente “Física dos Sistemas
Mecânicos” (carga horária de 68
horas) é dedicado ao princípio da
conservação da energia mecânica na
primeira parte do componente,
seguido dos estudos sobre
hidrostática e introdução a
hidrodinâmica.*
V. Calor e Energia Térmica (estados da
matéria e as leis da termodinâmica):
sem direcionar para a questão das
suas métricas - entendemos que no
programa aqui proposto as interações
atmosféricas vão além de um
movimento de massas de ar e vapor
de água, ou coisa desse tipo, para o
diálogo com a agroecologia no
ensino de ciências. O solo, a água, o
ar, e o vento, com sua dinâmica de
deslocamento e transformações,
estão contidos no cerne da
construção do conhecimento. A ão
do calor e da mudança de
temperatura são centrais para o
entendimento de tais transformações.
Os ciclos biogeoquímicos vão fazer o
link com as interações e
transformações naturais, olhando
para a matriz produtiva
agroecológica, pois a ciclagem de
nutrientes, a sua transmutação com
baixa energia dispensada, são
enfoques conceituas que podem
aprimorar a prática de conservação
dos solos dos camponeses. Tal fato é
central para tratar da importância da
conservação do solo, é questão de
fundo, e é, também, estratégico para
o uso da agroecologia no ensino de
ciências no semiárido. Lembremos
do processo da compostagem, que é
um efeito macroscópico, e na
fotossíntese, microscópico.
*Inserimos no fluxograma do curso o
componente “Física dos Sistemas
Térmicos” (carga horária de 68
horas) com uma ementa voltada,
principalmente, ao conteúdo da
termodinâmica tendo em vista um
diálogo concomitante com o
componente de “Fundamentos de
Química II” (carga horária de 68
horas), onde será estudado o
conteúdo de termoquímica.*
VI. Radiação Solar e as Interações da
Matéria: pensaremos com os pés no
campo, e sobretudo no semiárido,
olhando de forma problematizadora a
partir de sua constituição mais
fundamental, ou seja, a matéria, suas
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interações entre si e com a radiação,
tais como: o sol e seus efeitos no
solo, na atmosfera e nos organismos
que neles habitam, na evaporação da
água e nas plantas. Assim, dar-se
visibilidade a ação agroecológica,
pela sua importância na compreensão
da fotossíntese para os vegetais, e a
conservação do solo pela sua
proteção propriamente dita. A
interação que queremos enxergar
aqui é o que acontece aparentemente
invisível, mas não é. Aliás, muito
pelo contrário, tem escala meso e
macroscópica em seus efeitos
biofísicos, nos fenômenos de
evaporação, transpiração,
temperatura etc. Neste momento
podemos tratar da compreensão
quântica de radiação e de sua
aplicação na fotossíntese e nas
células fotovoltaicas. As interações
entre radiação e matéria, através dos
raios cósmicos, e seus efeitos na
biomassa, na atmosfera e no solo são,
para nós, a base para trabalhar os
complexos temáticos, i.e., muitos
conceitos físico-químico-biológicos
de forma efetivamente integrada e
transdisciplinar, e são responsáveis
pelas transformações nos processos
físicos, e são facilmente observados
no nosso cotidiano.
*O componente “Física e Tecnologias
Sociais II (carga horária de 51
horas)”, através do qual se verá o
conteúdo de eletromagnetismo, foi
criado com o intuito de discutir a
formação das partículas e suas
interações e as formas de produção
energética, comunicação por ondas
eletromagnéticas e seu impacto no
meio ambiente. A história do papel
dos estudos dos raios cósmicos na
inserção dos primeiros centros
brasileiros de pesquisa em Física no
cenário internacional pode nos
fornecer um rico cenário a ser
explorado na sala de aula. Os
conteúdos de capilaridade (xilemas e
estômatos) nos vegetais e tensão
superficial poderão ser vistos como
aplicações da eletrostática. Esse
componente ajudará a aprofundar o
diálogo com o conteúdo dos
“Fundamentos da Química I e II”
(ambos com carga horária de 68
horas) e como introdução para
“Fotofísica” (carga horária de 51
horas).*
* O NDE, por sugestão do docente de
Física, propôs um componente
chamado “Fotofísica” (transporte de
energia sem matéria) para trabalhar o
conceitos de ondas eletromagnéticas,
assim como suas interações com a
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matéria e o surgimento da Física
Quântica e seu papel para a
compreensão do efeito fotoelétrico,
tão importante para a investigação do
fenômeno da fotossíntese e o
funcionamento das células
fotovoltaicas.*
Comentários finais
A despeito de nosso foco, neste
artigo, ter sido em torno dos componentes
das Físicas Básicas, vale ressaltar que tanto
os conteúdos de Física, quanto de Biologia,
foram estruturados em nosso Projeto
Político-Pedagógico do Curso de
Licenciatura em Educação do Campo, no
CETENS-UFRB, partindo de uma visão
sistêmica macroscópica da Natureza e mais
próximos das escalas utilizadas em nosso
cotidiano, para sistemas microscópicos. É
no campo da escala meso das experiências
do campesinato que tessituras contextuais
mais efetivas podem ocorrer, pois é nesta
escala que o mundo da vida no Campo se
desdobra de forma mais afetiva e
mnemônica. Isso torna ainda mais
desafiador o diálogo entre os campos
disciplinares, pois não é seguindo esta
direção na escala estrutural (do meso e
macro para o micro) que, normalmente, os
outros campos das Ciências Naturais são
organizados. No entanto, além das
“Práticas Pedagógicas” (carga horária de
68 horas cada uma), outros componentes,
tais como, “Elementos de Geociências”
(carga horária de 51 horas) e
“Agroecologia II” (carga horária de 34
horas) têm nos auxiliado nesta
integralização trans e interdisciplinar.
Dessa forma, lançamos mão dos
complexos temáticos (Pistrak, 2003)
demandados pela própria realidade do
Campo.
Esse perspectivismo e a visão
sistêmica e cíclica dos conteúdos das
Ciências Naturais vão se evidenciando
ainda mais a partir da quarta etapa do curso
através de componentes integradores, tais
como: “Física dos Sistemas Térmicos”,
“Terra e Universo”, “Genética e Evolução
Biológica” (carga horária de 51 horas) e
“Fundamentos da Química II”. Os
componentes de “Agroecologia II” e
“Elementos de Geociências” aparecem na
sétima etapa como o ponto culminante
desta busca da integralização dos
conteúdos em direção a um maior
aprofundamento dos sistemas
agroecológicos. Esta é uma busca que a
reforma das nossas ementas, PPC e
fluxograma, não será suficiente para
garantir o alcance dos nossos objetivos
finais, ou seja, a articulação dos conteúdos
das Ciências da Natureza em torno de um
eixo estruturante que são os sistemas
agroecológicos no semiárido brasileiro.
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Faz-se necessário, também, o compromisso
político e formativo dos docentes com esta
aproximação com o conhecimento
agroecológico.
Acreditamos que o conhecimento
supracitado trará maior tomada de
consciência dos processos naturais em que
a terra é e pode ser submetida, de forma a
respeitar a preservação da diversidade do
seu próprio bioma e dos sujeitos que dele
fazem parte. Conhecimento tal, que
desejamos que faça diferença para a ação
das pessoas do Campo em torno da terra e
da vida que sobre ela e debaixo dela se
sustenta (Caldart, 2015).
O espaço ecodinâmico do
Laboratório Vivo coordenado pela
educadora e geógrafa Dra. Silvana Lucia
da Silva Lima (do corpo docente da
LEdoC-CETENS) e gerenciado em
conjunto com os próprios alunos, para
além de um espaço formativo em
agroecologia, nos serviu como um dos
momentos cruciais para reflexão crítica e
debate sobre as contribuições advindas dos
componentes de Física dentro do curso da
LEdoC-CETENS/UFRB.
Como fonte bibliográfica para
trabalhar estes conteúdos voltados mais
para o contexto do Campo temos indicado
uma variedade de bibliografias básicas
para auxiliar nos estudos complementares,
tanto dos alunos quanto dos professores,
porém o livro dos autores Okuno, Caldas e
Chow (1986) é o que tem nos servido mais
frequentemente como referência para
dialogar com a química e a biologia. Nossa
forma de estruturar os eixos possui
inspiração também no livro escrito por
Delizoicov e Angotti (1990), onde
apresentam uma proposta metodológica, de
inspiração freireana, para sistematizar o
currículo e a práxis do ensino de Física no
Ensino Médio.
Por fim, acreditamos ser de grande
ajuda apresentarmos, inicialmente, os
conteúdos da Física dentro do contexto do
seu surgimento histórico, porém não
devemos nos esquecer que existem
diversas formas de se apresentar um
conteúdo científico a partir da perspectiva
de sua história social e conceitual (Freire,
2002, Martins, 1990). Defendemos que
algumas perguntas poderiam disparar uma
reflexão crítica sobre o conteúdo
apresentado, de forma a contribuir para a
sua compreensão de maneira mais
humanizada. As perguntas que nos
referimos são: Quais foram as condições
materiais que levaram a surgir o interesse e
aprofundamento dos estudos do
movimento na Europa, principalmente
Itália e Inglaterra, do séc. XVI e XVII?
Como a sociedade se organizava em torno
da cultura material que demandou um
interesse no cálculo das distâncias,
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construção de mapas, rápido deslocamento
e construção de armamentos? Como isso
impactou no estudo do movimento e das
causas do movimento? Perguntas
semelhantes podem ser transpostas para os
conteúdos de termodinâmica e para o
surgimento da teoria quântica.
Todas estas investigações e campos
disciplinares surgiram em torno de
interesses e demandas práticas
relacionadas de alguma forma com a
organização social em torno de uma certa
cultura material. E a partir de um certo
tempo, estas demandas e culturas
materiais, passaram a ser regidas pela
dinâmica econômica capitalista. Um outro
viés histórico a ser explorado que está
conectado com as condições materiais de
cada tempo e sociedade é o papel que as
controvérsias científicas exercem no
desenvolvimento e evolução conceitual dos
campos disciplinares e instituições
científicas. Autores brasileiros tais como
Abrantes (2016), Freire (2015, 1993,
1991), Martins (2010, 2008, 2007) e
muitos outros historiadores brasileiros, têm
trazido grandes contribuições para a
elucidação destas controvérsias no campo
da Física.
Estas discussões históricas e sociais
ajudarão para o amadurecimento teórico e
político de uma das colunas vertebrais do
pensamento agroecológico e dos próprios
fundamentos da Educação do Campo, i.e.,
o materialismo dialético. Eixo teórico
central para a compreensão da dinâmica
das lutas e das histórias construídas a partir
das contradições da realidade do campo.
Segundo Pistrak:
Estuda-se a realidade atual pelo
conhecimento dos fenômenos e dos
objetos em suas relações recíprocas,
estudando-se cada objeto e cada
fenômeno de pontos de vista
diferentes. O estudo deve mostrar as
relações recíprocas existentes entre
os aspectos diferentes das coisas,
esclarecendo-se a transformação de
certos fenômenos em outros, ou seja,
o estudo da realidade atual deve
utilizar o método dialético. (2003, p.
134).
Assim, iremos potencializar a
possibilidade de se compreender melhor as
dimensões políticas, econômicas, estéticas,
e axiológicas da realidade social em que o
labor científico está inserido e foi
constituído, e ao mesmo tempo, como os
obstáculos que os povos do Campo têm
tido para produzir as suas próprias
Ciências (Souza & Martins, 2013).
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Santos, F. M., & Ferreira, A. C. S. (2020). Tessituras curriculares para os componentes de Física numa perspectiva agroecológica:
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EMBRAPA.
i
Projeto do “Laboratório Vivo: núcleo de
Agroecologia e Educação do Campo” financiado
pelo edital no. 12/2016 Agroecologia/2016.
i
No qual o autor principal preside.
ii
Fonte: Jornal Bahia Online (17 de Abril de 2013).
Bahia é o estado com o maior número de
agricultores familiares do Brasil. Disponível no
endereço:
http://www.jornalbahiaonline.com.br/noticia/22213/
bahia_e_o_estado_com_o_maior_numero_de_agric
ultores_familiares_do_brasil
iii
Todas as informações sobre a carga horária
presentes neste artigo compreendem o Tempo
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20
Universidade (~70% do total) e o Tempo
Comunidade (~30% do total).
Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 18/12/2018
Aprovado em: 22/03/2019
Publicado em: 07/05/2020
Received on December 18th, 2018
Accepted on March 22th, 2019
Published on May, 07th, 2020
Contribuições no artigo: Os autores foram os
responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for
the designing, delineating, analyzing and interpreting the
data, production of the manuscript, critical revision of the
content and approval of the final version published.
Conflitos de interesse: Os autores declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Frederik Moreira dos Santos
http://orcid.org/0000-0001-8038-147X
Antônio Carlos Sena Ferreira
http://orcid.org/0000-0002-7141-3350
Como citar este artigo / How to cite this article
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Santos, F. M., & Ferreira, A. C. S. (2020). Tessituras
curriculares para os componentes de Física numa
perspectiva agroecológica: propostas a partir das
experiências pedagógicas no curso da LEdoC no
CETENS/UFRB. Rev. Bras. Educ. Camp., 5, e6297.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e6297
ABNT
SANTOS, F. M.; FERREIRA, A. C. S. Tessituras
curriculares para os componentes de Física numa
perspectiva agroecológica: propostas a partir das
experiências pedagógicas no curso da LEdoC no
CETENS/UFRB. Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis,
v. 5, e6297, 2020.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e6297