Revista Brasileira de Educação do Campo
The Brazilian Scientific Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e6369
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
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2020
ISSN: 2525-4863
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Das ruralidades ao ensino de ciências: Memórias sobre a
Universidade Federal Rural de Pernambuco
Vânia Ferreira da Silva
1
, Maria do Rocio Fontoura Teixeira
2
1, 2
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Programa de Pós-Graduação em Ciências. Rua Ramiro Barcelos,
2600. Bairro Rio Branco. Porto Alegre - RS. Brasil.
Autor para correspondência/Author for correspondence: vaniafdasilva@gmail.com
RESUMO. Apresenta a história da Universidade Federal Rural
de Pernambuco (UFRPE) e o surgimento das Licenciaturas e do
Departamento de Educação, bem como sua contribuição no
ensino superior em Pernambuco e seu importante papel na
construção do ensino agrícola no Brasil. Caracteriza-se como
uma pesquisa do tipo qualitativa, configurando-se quanto aos
fins como descritiva, quanto aos meios como um estudo
bibliográfico, utilizando como técnicas a análise documental, a
história oral e a entrevista semiestruturada com 3 professores,
sendo um deles fundador do Departamento de Educação. As
entrevistas foram transcritas e analisadas através da técnica da
história oral. Na perspectiva dos relatos da época, foi possível
identificar fatos importantes da história da UFRPE como o
importante trabalho dos monges beneditinos, o trabalho do
Centro Regional de Educação Técnico-Agrícola (CRETA) e o
Centro de Formação e Treinamento de Professores Agrícolas
(CFPTA) na formação de professores e a Licenciatura em
Ensino Agrícola que dariam mais tarde origem ao Departamento
de Educação, a posteriori a criação das Licenciaturas em
Ciências com habilitações seguindo o modelo do sistema de
ciência integrada. Através de todo esse percurso histórico, foi
possível perceber o crescimento da UFRPE enquanto instituição
superior de ensino, seu papel nas ações da educação do homem
do campo e sua abertura para o diálogo com outros campos do
saber, ao introduzir novos cursos.
Palavras-chave: Memória, Relatos Orais, Ensino Superior,
Ensino de Ciências.
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From rurality to science teaching: Memories about
Universidade Federal Rural de Pernambuco
ABSTRACT. This work presents the history of Universidade
Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) and the emergence of
Teacher’s Course Degree and the Department of Education, and
their contribution to higher education in Pernambuco and
Agriculture Teaching in Brazil. It is characterized as qualitative
research, by configuring as descriptive purposes, through a
bibliographic study that used techniques of documentary
analysis, oral history, and a semi-structured interview. Three
professors were interviewed, and one of them was the founder of
the Department of Education. The interviews were transcribed
and analyzed through oral history techniques. Based on reports
perspective was possible to identify significant facts in
University history as the essential Benedictines monks’ work,
the work of “Centro Regional de Educação cnico-Agrícola”
(CRETA) and the “Centro de Formação e Treinamento de
Professores Agrícolas” (CFPTA). Both centers were crucial for
teacher formation and Agriculture Teaching Degree that later
originated the Department of Education, and a posteriori created
Science Degrees with the license, following the model of
integrated Science system. This timeline enabled to perceive the
growth of UFRPE as a Higher Education Institute, its role in
acts of man field education, and opening for dialogue with other
knowledge fields introducing new courses degree.
Keywords: Memory, Oral Reports, Higher Education, Science
Teaching.
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De las ruralidades a la enseñanza de ciencias: Memorias de
La Universidade Federal Rural de Pernambuco
RESUMEN. Presenta la historia de la Universidade Federal
Rural de Pernambuco (UFRPE) y el surgimiento de las
Licenciaturas y del Departamento de Educación, como también
su contribuición en la enseñanza superior en Pernambuco y su
importante papel en la construcción de la enseñanza agrícola en
Brasil. Es una investigación del tipo cualitativo, que se establece
con relación a los fines como descriptiva y a los medios como
un estudio bibliográfico que hizo uso de técnicas como la
análisis documental y la historia oral y también la entrevista
semiestructurada con 3 profesores, uno de ellos el fundador del
Departamento de Educación. Las entrevistas fueron transcriptas
y analizadas a través de la técnica de historia oral. En la
perspectiva de los relatos de epoca, fue posible identificar
hechos importantes de la historia de la UFRPE, como el
importante trabajo de los monjes beneditinos, el trabajo del
Centro Regional de Educación Técnico-Agrícola (CRETA) y el
Centro de Formación y Entrenamento de Profesores Agrícolas
(CFPTA) en la formación de profesores y la Licenciatura en
Enseñanza Agrícola que más adelante dio origen
al Departamento de Educación, a posteriori la creación de las
Licenciaturas en Ciencias con calificaciones que siguen el
modelo del sistema de ciencia integrada. A través de todo este
percurso historico, fue posible percibir el crecimiento de la
UFRPE como instituición superior de enseñanza, su papel en las
acciones para la educación del hombre del campo y su apertura
para el diálogo con otros campos del saber, al introducir nuevos
cursos.
Palabras clave: Memoria, Relatos Orales, Enseñanza Superior,
Enseñanza de Ciencias.
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Introdução
Contar fatos sobre uma época não
vivida demanda muitos esforços de
pesquisa. Para tanto, faz-se necessário ser
leal às fontes históricas, mas, acima de
tudo, aos personagens daquela época. É
preciso ter olhos e ouvidos atentos para
ouvir o outro e seu passado, debruçar-se
sobre uma história contada através de
diferentes olhares e perspectivas.
A Universidade Federal Rural de
Pernambuco (UFRPE), ao longo dos seus
107 anos, vivenciou muitas mudanças
políticas, sociais, culturais e educacionais,
que tiveram reflexo no seu projeto
pedagógico e, sobretudo, nas vivências de
suas personagens.
O que se pretende rememorar é como
foram criados os cursos de Licenciaturas
em Ensino de Ciências nas áreas de
Química, Biologia e Física da UFRPE,
bem como qual o foco dos cursos dentro de
uma universidade tão preocupada com o
desenvolvimento rural e que nasceu com
um compromisso social tão ativo na
agronomia de Pernambuco.
O objetivo desse artigo foi, através
dos documentos, livros e entrevistas,
apresentar breve panorama histórico da
UFRPE no mundo das licenciaturas e sua
contribuição ao ensino de ciências em
Pernambuco e no cenário nacional.
Metodologia
A pesquisa é do tipo qualitativa,
quantos aos fins, descritiva, e quanto aos
meios ela se configura como um estudo
bibliográfico que utilizou como técnicas a
análise documental e história oral e como
instrumento a entrevista semiestruturada.
Usou-se a metodologia qualitativa,
uma vez que esse tipo de pesquisa analisa
experiências, vivências e ações (Minayo,
2012).
Para a coleta de dados, utilizou-se o
estudo bibliográfico das fontes de
informação que relatam a história da
UFRPE onde foram coletados: 5 livros, 3
artigos e 1 folheto. E a técnica de análise
documental para 1 resolução, 1 portaria e 1
relatório.
As entrevistas são um instrumento de
pesquisa que nos permite ouvir e refletir
sobre as memórias individuais e coletivas,
nos permite ampliar as fontes de
informação impressas e dar vozes às
pessoas que vivenciaram aquela época.
“Além desses acontecimentos, a memória é
constituída por pessoas, personagens.”
(Pollak, 1992).
As entrevistas foram realizadas com
2 docentes do primeiro curso de
Licenciatura em Ciências Agrícolas da
UFRPE, posteriormente denominado
Departamento de Educação da UFRPE. A
escolha deu-se por estes terem sido
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fundadores do curso e um dos primeiros
coordenadores do curso de licenciatura em
ciências. A primeira entrevista foi
realizada no dia 16 de fevereiro de 2017
com o Professor Carlos Alberto Tavares,
realizada no Núcleo do Conhecimento
Prof. João Baptista e com a Professora
Zelma Valença Lins Gondim, via telefone.
Em momento posterior, entrevistou-
se também o Professor Carlos Alberto
Tavares no dia 8 de junho de 2018, no
Laboratório Santander da Biblioteca
Central da UFRPE. Por último, foi
realizada entrevista com o Professor
Alexandre José Gonçalves de Medeiros no
dia 03 de julho de 2018 na sala de
convivência da Associação dos Docentes
da Universidade Federal Rural de
Pernambuco. As entrevistas foram
transcritas e analisadas através da técnica
da história oral. Segundo Souza (1998, p.
27): “... os dados podem ser obtidos por
meio de fontes vivas de informação:
história de vida, biografia, depoimentos
pessoais e entrevistas, etc.”. A técnica da
história oral permite conhecer fatos
vivenciados em um determinado momento
histórico, as entrevistas da história oral são
utilizadas como fonte para compreensão do
passado junto a outros tipos de documentos
da época.
A entrevista semiestruturada
apresentou 4 questões ligadas à criação dos
Departamentos de Educação e das
Licenciaturas do Ensino de Ciências da
UFRPE (nas áreas de Matemática,
Química, Biologia e Física), sobre as
experiências vivenciadas pelos professores
durante a criação do departamento e dos
cursos, além das suas experiências em sala
de aula.
Os beneditinos na escrita da história da
UFRPE
A memória coletiva deve, em si, ser
um construto social que permita a fala dos
diferentes personagens nos mais diferentes
grupos da sociedade. Dessa forma, as
fontes coletadas para esse trabalho são
compostas por autores que foram alunos,
técnicos ou docentes da Universidade
Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).
“Esses três critérios, acontecimentos,
personagens e lugares, conhecidos direta
ou indiretamente, podem obviamente dizer
respeito a acontecimentos, personagens e
lugares reais, empiricamente fundados em
fatos concretos. (Pollak, 1992).
As Escolas Superiores de Agricultura
e Medicina Veterinária foram fundadas e
dirigidas pelos monges beneditinos no
período de 1912 a 1936. A pedra
fundamental das Escolas Superiores de
Agricultura e Medicina Veterinária foi
lançada no dia 3 de novembro de 1912
iniciando, assim, a história da
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Universidade Federal Rural de
Pernambuco (UFRPE). O período
beneditino configurou-se um período
histórico de grande relevância para o
desenvolvimento das ciências agrárias em
Pernambuco (Leão, 2013).
No ano de 1917, as escolas foram
desmembradas, tendo a Escola Superior de
Agricultura mudado para o Engenho São
Bento, em Tapera, por conta da
necessidade de espaço para as aulas
práticas. A escola de Veterinária
permaneceu em Olinda, vindo a encerrar
suas atividades em 1926 (Maciel, 2012).
As Escolas Superiores de Agricultura
e Medicina Veterinária tinham uma vida
acadêmica muito movimentada e
produtiva. Havia um periódico para
publicações dos alunos e professores, além
de diversas atividades e projetos. O que
vale ressaltar, diante de todo esse agito
intelectual, era a preocupação das Escolas
com a educação formal dos trabalhadores
rurais (Silva, 2010).
Percebe-se, então, que, desde sua
origem, houve uma preocupação dos
monges beneditinos, gestores daquelas
Escolas (hoje UFRPE) com uma educação
humanística, voltada para o social. Os
corpos docente, discente e técnico das
Escolas Superiores de Agricultura e
Medicina Veterinária tinham um
compromisso social com a comunidade
rural. Embora as Escolas Superiores
tenham se instalado num período no qual
os discursos republicanos voltavam suas
atividades para o desenvolvimento
tecnológico e o ensino agrícola era
destinado a atender as necessidades
nacionais, os monges beneditinos e alunos
das Escolas fizeram a diferença no ensino
em Pernambuco através do Centro
Acadêmico das Faculdades de Agricultura
e Medicina Veterinária e da Escola
Noturna D. Pedro Roeser, destinada à
instrução dos filhos dos trabalhadores
rurais (Silva, 2010).
Consoante Silva (2010), tanto os
administradores quantos os alunos e
técnicos das Escolas Superiores tinham um
comprometimento com a execução das
atividades. A autora destacou: “...pautava–
se em elaboração e execução de projetos,
dos quais a educação formal de
trabalhadores rurais, ensinandolhes,
principalmente, conhecimentos
agropecuários com embasamento teórico e
prático...”. (Silva, 2010, p. 262). Ainda,
observou que “esse compromisso
profissional era despertado cotidianamente
nos acadêmicos pelos administradores das
referidas Escolas”. (Silva, 2010, p. 262).
Os monges beneditinos, vindos da
Alemanha, não possuíam formação
superior, mas tinham notório saber. De
acordo com Almeida (1998), os monges
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eram filhos de camponeses alemães,
tinham conhecimento da prática e
apresentavam-se ricos em cultura, já que
alguns dominavam nguas como francês e
inglês, conhecimento de história e
botânica, como D. Bento Pickel (Almeida,
1998).
Silva (2010, p. 262) diz que:
“Naquele contexto de grandes conflitos
sociais, jovens e trabalhadores rurais
politizados, conscientes de seus deveres,
principalmente seus direitos, não era um
fato interessante para os donos do poder.”
Devido a algumas práticas do cotidiano das
escolas, como a concessão de asilo aos
estrangeiros de guerra e esse compromisso
com a educação formal dos trabalhadores
rurais, as relações entre a Ordem
Beneditina, o Estado e Lideranças políticas
ficaram abaladas.
Em 1937, houve a desapropriação da
Escola Superior de Agricultura São Bento
pelo governo de Pernambuco. Almeida
(1998) relata que os professores
beneditinos foram escorraçados, sob a
alegação de não possuírem diplomas de
graduação para as disciplinas que
ministravam. Depois de algumas turmas
formadas, e tantos projetos sociais e
pedagógicos voltados para o trabalhador
rural, é um tanto contraditório ou sem
fundamento destruir um projeto
educacional que dava certo.
Silva (2010, p. 269), relatando alguns
projetos dos monges beneditinos, como o
Centro Acadêmico das Faculdades de
Agricultura e Medicina Veterinária,
evidenciou que: Sob esses aspectos, o
Centro Acadêmico incorporou projetos
que objetivavam dar visibilidade e
credibilidade ao novo perfil do
trabalhador rural”. O projeto pedagógico
dos monges beneditinos não agradou aos
interesses políticos da época.
Nesse sentido, o modelo positivista
voltado à educação da elite, divergiu
bastante do modelo dos monges
beneditinos que tinha uma preocupação
com a educação formal dos trabalhadores
rurais, oferecendo aos mesmos algo
precioso, como o conhecimento, que podia
libertá-los de qualquer forma de
dominação política. “Devemos trabalhar de
forma que a memória coletiva sirva para
libertação e não para servidão dos
homens”. (Le Goff, 2003, p. 471).
De estadual para federal: novos olhares
e estruturas
Em dezembro de 1936, o governo do
Estado de Pernambuco desapropriou a
Escola Superior de Agricultura São Bento
como bem de utilidade pública, em
atendimento à Lei 243 do Congresso
Estadual e ao Ato 1802 do Poder
Executivo. Com a despedida dos monges
beneditinos encerrou-se o denominado
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Período Beneditino, que perdurou de 1912
a 1936.
Instaurou-se o período da
estatização, que compreende os anos de
1936 a 1956. A Escola passou a ser
conhecida como Escola Superior de
Agricultura de Pernambuco (ESAP), ainda
localizada em São Bento. em 1938, a
ESAP foi transferida para o bairro de Dois
Irmãos, no Recife, para o prédio que estava
sendo construído para servir de
reformatório para menores. Com a
necessidade da instalação da Escola
Superior de Agricultura de Pernambuco,
em Recife, o prédio foi reformado para
atender às necessidades da Escola (Martins
& Leitão, 2009).
Ainda no ano de 1938, foram
anexados à ESAP o Instituto de Pesquisas
Agronômicas, a Granja de Dois Irmãos e o
Jardim Botânico, integrando, assim, mais
centros de pesquisa para Escola.
Em 1947, a ESAP ganhou a condição
de Universidade e passou a ser conhecida
como Universidade Rural de Pernambuco
(URP) (Martins & Leitão, 2009). Além do
status, incorporou as Escolas Superiores de
Agricultura, Medicina Veterinária, a
Escola Agrotécnica de São Lourenço da
Mata e o Curso de Magistério de Economia
Doméstica (Martins & Leitão, 2009).
A Universidade Rural de
Pernambuco (URP) passou a integrar o
Sistema Agrícola Superior do Ministério
da Agricultura, através da Lei nº. 2.524, de
04 de julho de 1955, combinada com a Lei
nº. 2.290, de 13 de outubro de 1956.
No dia 19 de maio de 1967, com o
Decreto Federal 60.731, a Instituição
passou a se denominar Universidade
Federal Rural de Pernambuco (UFRPE),
subordinada ao Ministério da Educação e
Cultura (Martins & Leitão, 2009).
Começou uma nova fase, com desafios e
lutas para manter viva a memória dessa
instituição, dotada de uma representação
histórica fundamental no desenvolvimento
da agronomia e medicina veterinária, em
Pernambuco.
O CRETA e o cenário pernambucano
O ano de 1965 foi marcado pela
criação do Centro Regional de Educação
Técnico-Agrícola (CRETA), surgido de
um convênio entre a Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE),
o Ministério da Agricultura e a
Universidade Rural de Pernambuco (URP).
“O CRETA foi a primeira iniciativa de
formação de pessoal docente no Nordeste”.
(Andrade, Miranda & Silva, 2015, p. 22).
Referido centro foi criado num
momento de grandes tensões sociais em
Pernambuco. Desde 1950, a mobilização
dos trabalhadores rurais através das Ligas
Camponesas
i
destacou-se na imprensa
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nacional e internacional (Andrade,
Miranda & Silva, 2015).
O reflexo da luta dos trabalhadores
rurais adentrou nas escolas técnicas
agrícolas. Algumas escolas, como afirmam
Andrade, Miranda e Silva (2015, p. 28):
“... reverberavam esse clima de
mobilização e conflitos políticos". Outro
importante momento histórico para
entender o contexto da criação do CRETA
foi o então Governo de Miguel Arraes, seu
apoio, criação de sindicatos, associações e
ligas camponesas, além do forte
Movimento de Cultura Popular, assumido
por Paulo Freire, em 1960 (Coelho, 2002).
Foi nesse contexto da história de
Pernambuco que o CRETA foi criado. É
difícil acreditar que essas efervescências
sociais, educacionais e políticas também
não agregaram um diferente olhar para o
projeto pedagógico do CRETA.
Em 1970, novos ares tomam a então
Universidade Federal Rural de
Pernambuco, no reitorado do Prof.
Adierson Erasmo de Azevedo (1969-
1973). Através da Resolução 12-70, do
Conselho de Ensino e Pesquisa, foram
criados os cursos de graduação em
Zootecnia, Engenharia de Pesca,
Bacharelado em Ciências Biológicas,
Bacharelado em Ciências Domésticas,
Licenciatura em Estudos Sociais e
Licenciatura em Ciências Agrícolas.
O CRETA ficou responsável pelo
primeiro curso de Licenciatura em
Ciências Agrícolas, oferecendo disciplinas
nas áreas de Psicologia da Educação,
Didática, Estrutura e Funcionamento do
Ensino de grau, Técnica de
Comunicação Audiovisual no Ensino.
Além dessas disciplinas, o aluno deveria
cursar o estágio supervisionado para
prática do ensino (Andrade, Miranda &
Silva, 2015). Entre outras atividades do
CRETA, estavam os encontros de diretores
dos colégios agrícolas do Nordeste. Nesses
eventos, era possível discutir e refletir
sobre as práticas escolares rurais
desenvolvidas.
Em 1971, o Centro de Formação e
Treinamento de Professores Agrícolas foi
criado para assumir as funções do CRETA.
Nesse momento, a UFRPE passou a
assumir sozinha a responsabilidade pela
continuidade do projeto de formação e
aperfeiçoamento de professores para o
ensino agrícola de e graus (Andrade,
Miranda & Silva, 2015).
A UFRPE: seus novos tempos e desafios
A primeira turma do Curso de
Licenciatura em Ciências Agrícolas surgiu
na Universidade Federal Rural de
Pernambuco no ano de 1971. Tal curso foi
oferecido em convênio com a
Superitendência do Desenvolvimento do
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Nordeste - SUDENE, com o objetivo de
habilitar professores agrícolas em
exercício. Desde sua criação, o curso
demonstrou grande foco no diálogo da
formação pedagógica com a técnica.
A grade curricular, desde o início
fundamentada na Portaria BSB 432, de 19
de julho de 1971, do Ministério da
Educação, com base no Parecer 111/71,
do Conselho Federal de Educação,
estabeleceu normas para a formação dos
professores de escolas técnicas. A presente
portaria previa que os currículos dos cursos
de licenciaturas eram divididos em dois
esquemas: o esquema I, voltado para
portadores de diplomas que pretendiam
obter outra habilitação e para tal deveriam
sujeitar-se à complementação pedagógica
de 600 horas; e o esquema II, para
portadores de diplomas de técnico de nível
médio nas áreas correlatas e pretendiam
obter o nível superior.
O projeto pedagógico do referido
curso foi criado por uma equipe
multidisciplinar, composta por docentes
das áreas de Educação e de Ciências
Humanas. Suas disciplinas foram
direcionadas para o aperfeiçoamento e
ensino, dentre elas, destacam-se: Estrutura
e funcionamento do ensino, Princípios da
didática e Metodologia, Psicologia
Educacional, Sociologia, entre outras.
Sabe-se que, nas décadas de 60 e 70,
existia um foco técnico na formação dos
professores do ensino agrícola, pois havia
uma demanda do mercado para
profissionais que trabalhassem na
mecanização da agricultura (Moraes,
2014). Nessa época, o professor era visto
como um instrumentalizador dos saberes
técnicos para aplicação.
Em julho de 1969, o professor Carlos
Alberto Tavares, ao iniciar o Estudo
Comparativo entre a Aspiração
Profissional do aluno do Colégio Agrícola
e sua Ocupação Real, defendeu a
necessidade de mudança do currículo para
técnicos agrícolas levando em
consideração, além da formação técnica
para o mercado de trabalho, a necessidade
de introduzir também nesses cursos
“Princípios de Liderança, Comunicações e
Relações Humanas, importantes para a
profissão do técnico agrícola” (Tavares,
1971). Posteriormente, em 1971, o
professor Carlos Alberto Tavares ratificou
esse pensamento, em documento
apresentado ao Conselho Universitário da
UFRPE.
Embora, a formação tecnicista fosse
uma realidade da época, em 1971 a
UFRPE demonstrava preocupação com
uma formação que não fosse tão-somente
tecnicista para suprir necessidades da
mecanização agrícola da época. A mesma
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buscava formar esse futuro professor
licenciado como um educador que tivesse
um diálogo com a comunidade na qual
estava inserido.
Alguns autores, como Moraes (2014)
e Souza et al. (2010) apontam em seus
trabalhos o tecnicismo dos professores do
curso de Licenciatura em Ciências
Agrícolas. A mudança de paradigma para
um professor que abriria seus horizontes
para uma formação humanística, ética,
social e ambientalista só ocorreu no final
da década de 80.
A Licenciatura em Ciências Agrícolas
As entrevistas e a análise documental
proporcionaram uma visão de que, desde o
início, havia o diálogo entre a formação
técnica e pedagógica no curso de
Licenciatura em Ciências Agrícolas na
UFRPE. As entrevistas, realizadas no dia
16 de fevereiro de 2017, tiveram como
convidados o primeiro Coordenador do
Curso de Licenciatura Agrícola da UFRPE,
Professor Carlos Alberto Tavares, PhD em
Educação e a Professora Zelma Valença
Lins Gondim, Mestra em Educação (que
integrou o corpo docente do referido curso
desde 1973 até a década de 1990, quando
de sua aposentadoria)
Para o Professor Carlos Alberto, em
transcrição da sua entrevista, a formação
pedagógica proporcionou o
desenvolvimento de um perfil profissional
diferenciado para os discentes, ao relatar
que:
Penso eu que o maior valor, talvez
não tenha nada diretamente com o
currículo. Mas o maior valor do curso
de licenciatura, essa oportunidade é
que uma pessoa que estuda educação
tendo uma formação tecnicista, ele
aumenta muito sua competência
profissional, porque ele entra no
campo do comportamento humano.
(Tavares, comunicação pessoal, 16
de fevereiro de 2017).
Percebe-se que havia uma dedicação
às áreas tecnicistas, para atender aos ideais
da época, mas havia também uma
sensibilização quanto à formação
pedagógica desses alunos.
Foi necessário um esforço maior dos
próprios docentes da época, no que diz
respeito a ampliar os horizontes do aluno
tecnicista para que estes fossem motivados
a estudar disciplinas da pedagogia e
compreender a importância destas para sua
futura profissão. O Professor Carlos
Alberto, na entrevista, externou:
Quando eles (Tecnicistas) estudam
psicologia, sociologia e educação
didática, eles conseguem incorporar
os conhecimentos de educação na
profissão tecnicista, então aumenta o
raio de ação de perfeição sobre a
realidade do mundo. Porque através
da educação pelo teor da pedagogia,
digamos assim, que as pessoas
compreendem melhor e melhoram o
perfil profissional. (Tavares,
comunicação pessoal, 16 de fevereiro
de 2017).
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Por sua vez, em entrevista concedida
às 14h30 do dia 16 de fevereiro de 2017, a
Professora Zelma Valença rememorou a
importância do diálogo entre as duas
formações, explicando que, em sua
disciplina - Princípios de Didática e
Metodologia -, utilizava como atividade
prática em sala de aula a gravação das
aulas ministradas pelos alunos para
posterior análise do desempenho dos
mesmos ao utilizarem a didática em sala de
aula.
O princípio dessa atividade era abrir
a discussão em sala sobre métodos de
ensino, assim como tornar esses
alunos seres reflexivos de sua futura
atuação profissional. Ainda relatando
a memória da época, a Professora
Zelma Valença recordou que o foco
era a aprendizagem, e que o feedback
do aluno era importante para criar um
ambiente propício à discussão e
reflexão da formação pedagógica e
técnica em sala de aula. (Gondim,
comunicação pessoal, 16 de fevereiro
de 2017).
A Professora Zelma Valença relatou
que o curso da UFRPE era dividido em
dois Esquemas:
O Esquema 1 tinha como foco a
formação pedagógica de profissionais
formados nas áreas de veterinária,
agronomia e outros cursos das
Ciências Agrárias e recebia alunos de
todo país, visando a conquistar uma
formação pedagógica para atuação na
área de educação. Já o Esquema 2 era
destinado aos alunos oriundos de
Escolas Técnicas que ingressavam no
Curso através de vestibular. Esse
segundo esquema tinha uma grade
curricular mais ampla por atender à
formação completa da licenciatura.
(Gondim, comunicação pessoal, 16
de fevereiro de 2017).
O Departamento de Educação da
UFRPE
O Departamento de Educação da
UFRPE surgiu em 1975. Devido às
reformas do ensino superior
implementadas pela ditadura militar, a
estrutura organizacional da UFRPE foi
reformulada, as cátedras foram substituídas
por departamentos e uma nova história
emergiu, trazendo consigo investimentos
voltados para a educação superior, mas
também muita dor, luta e resistência.
No livro Ded/UFRPE 50 anos:
histórias e memórias, de 2015, os autores
de cada capítulo relataram um pouco sobre
o turbulento momento histórico do Brasil,
assim como sobre a criação do
departamento nesse contexto. A obra
evidenciou a respeito do importante
momento cultural que o Nordeste
vivenciava nas décadas de 60 e 70, como
também do importante papel das ligas
camponesas, do período de Miguel
Arraes
ii
na prefeitura do Recife, capital de
Pernambuco e de sua importante atuação
na educação e no apoio aos grupos,
sindicatos e associações.
Os pensamentos de Paulo Freire, o
Teatro Popular, o Movimento de Cultura
Popular, havia, enfim, uma efervescência
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social e cultural, um povo ampliando os
horizontes rumo à construção de sua
identidade como um povo (Lima, 2015).
Através desses movimentos é criado o
ensino Municipal na gestão de Miguel
Arraes, uma proposta pedagógica é lançada
que tem como foco a democratização da
educação, da cultura e da cidadania
popular. O Brasil, às margens de uma
ditadura que traria com ela várias formas
de repressão e proibições, enquanto em
Pernambuco explodia uma pedagogia
libertadora, que gritava ao mundo o
orgulho à sua regionalidade e ao direito a
uma educação voltada para as camadas
populares, que fazia o povo pensar e
reconhecer sua cidadania.
Foi esse contexto que o CRETA
(posterior CPFTA), primeiro curso de
Licenciatura em Ciências Agrícolas, que
deu origem ao Departamento de Educação
da UFRPE.
A obra dos 50 anos do Departamento
de Educação ainda relata fatos importantes
sobre esse período sombrio da história do
Brasil, como o ideal militar para a
Educação superior, que buscava o
compromisso com uma formação voltada
para o mercado de trabalho e para a
produção de novas tecnologias que
tirassem o país do atraso (Andrade,
Miranda & Silva, 2015).
Em meio à dureza de uma época,
Lima (2015) narra o importante papel dos
professores Carlos Alberto Tavares, José
Edson Silva, Aldeise Salles, Luiz Góes
Vieira, Madalena Silva, Paulo e Emmanoel
Barreto Campelo, Merval Rosas, Eurides
Simôes, Maria de Lourdes Pepeu, Zelma
Valença, Miriam Castelo Branco,
Terezinha Fonseca, José Claudio, entre
outros que, juntos, construíram o
Departamento de Educação da UFRPE e
dele fizeram uma referência no ensino
agrícola no Brasil.
Um dos fundadores do departamento
de Educação foi o Prof. Carlos Alberto
Tavares, Engenheiro Agrônomo pela
Escola Superior de Agricultura da UFRPE
(1966) e Pós-Graduação na Universidade
de Minnesota Mestrado em Educação
Agrícola (1968) e na Universidade
Estadual de Kansas Doutorado (Ph.D)
em Educação Ocupacional (1974), EUA.
Ele foi uma figura muito ativa no ensino
agrícola na UFRPE, das atividades do
CFPTA e na posterior construção do
Departamento de Educação.
Em entrevista ao Projeto Vozes da
UFRPE, coordenado pela bibliotecária
Conceição Martins, do Núcleo do
Conhecimento Prof. João Baptista Oliveira
dos Santos, da Biblioteca Central da
UFRPE, o Prof. Carlos Alberto Tavares
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discorreu sobre a criação do departamento
e a interdisciplinaridade do corpo docente.
Mas o departamento mesmo foi
criado mesmo em 1975, porque
houve uma reforma universitária. A
única universidade junto com a
Universidade de São Paulo, me foge
agora o nome, foram duas
universidades no Brasil que adotaram
o sistema Reitoria/departamentos,
então aqui foram 12 departamentos,
Educação foi um deles que foi
derivado do antigo CFPTA era um
centro de convênios com a SUDENE
tudo isso, ele se tornou-se genuíno
dentro da estrutura da Universidade a
partir de 1975. Então houve um
corpo docente, alguns que estavam
vinculados ao DLCHA,
Departamento de Letras e Ciências
Humanas foram vinculados ao
departamento, a parte também de
extensão rural, aquela ali que era do
curso de agronomia voltou para
dentro de departamento, tornou-se
um departamento sui generis. O
nosso departamento é sui generis no
Brasil, não existe um departamento
de educação, salvo o melhor juízo no
Brasil, que tenha extensionista rural
dentro do departamento. (Tavares,
2015).
Esse diálogo com a extensão rural,
com uma formação voltada para as
ciências agrárias, para o mundo do
trabalhador rural, sua educação e sua
formação cidadã fez do Departamento de
Educação da UFRPE um referencial no
ensino em Pernambuco e no Brasil.
Segundo Araújo (2015, p.11):
O Departamento de Educação da
Universidade Federal Rural de
Pernambuco (UFRPE) é um
departamento forte, corajoso, plural e
dotado de rica capilaridade. É forte e
corajoso por lutar por uma educação
pública e de qualidade desde sua
criação em 1965, quando a sua
missão primeira era formar
educadores, como Centro de
Formação.
Vale ressaltar que para o
Departamento de Educação da UFRPE, sua
data de criação iniciou-se com os trabalhos
do CRETA em 1965. Pois, justifica-se que
mesmo sem a nomenclatura de
Departamento, as atividades de ensino
relacionadas à formação de professores
eram desenvolvidas desde então, e havia
um reconhecimento notório sobre essa
educação de qualidade na formação dos
professores e desse corpo docente da área
de Educação.
Esse percurso histórico buscou trazer
a memória do ensino na UFRPE desde seus
primórdios, perpassando pela primeira
Licenciatura em Ciências Agrícolas que foi
um marco importante para a universidade,
assim como a criação do Departamento de
Educação originado das ações do CRETA
e CFPTA. Depois desse período, houve a
necessidade de a UFRPE ampliar seus
horizontes e dialogar com outros saberes,
surgindo nessa época as Licenciaturas em
Ensino de Ciências.
O ensino de Ciências na UFRPE
As Licenciaturas em Ciências da
UFRPE surgiram das reformas estruturais
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da década de 70, do século passado, no
ensino superior e da necessidade de
expansão e criação de novos cursos. O
Prof. Alexandre José Gonçalves de
Medeiros, que lecionou na UFRPE dos
anos de 1979 a 2015, em entrevista no dia
3 de julho de 2018, ressaltou um pouco da
história da criação do curso, a seguir
destacado:
…não sei lhe precisar a data, alguém
requereu a ideia, um político
requereu a ideia de agregar todo o
acervo da Universidade, dos
professores e tudo para Universidade
Federal. Isso, alguém que descobriu
que existia uma lei, antiga que
dizia que não pode haver duas
Universidades Federais com sede na
mesma cidade e acontecia a
Universidade Federal de Pernambuco
e a Rural, tinha duas federais e
queriam que ela fosse agregada à
Federal [UFPE]. Então por questões
de interesses pessoais essa ideia foi
bloqueada. Bem, depois contornada a
situação disseram assim: Mas a
Universidade Rural tinha na época
o curso de Agronomia e o curso de
Veterinária, como é que uma
Universidade, “UNIVERSIDADE”
pode ser Universidade se tem dois
cursos? Então deram um prazo para
se você quer continuar existindo
como Universidade tem que ter mais
alguns cursos, cria ou vai ser
encapada pela Federal. (Medeiros,
comunicação pessoal, 03 de julho de
2018).
Esse fato aconteceu no reitorado do
Prof. Adierson Erasmo de Azevedo,
compreendido nos anos de 1969 a 1973.
Em 1970
iii
, O Prof. Adierson Azevedo
propôs a criação de 11 novos cursos,
responsáveis por abrir novos horizontes
para a UFRPE e sanariam o problema de
incorporação com a UFPE.
E dessa fase de desenvolvimento que
seguia a UFRPE surgiram novos cursos
como afirma Leão (2013, p.24): “Em
meados de 1976 eram instalados os cursos
de Engenharia Florestal e Licenciatura em
Ciências, com suas habilitações em Física,
Química, Matemática e Biologia”. O Prof.
Alexandre Medeiros relatou:
Então criaram uma coisa baseada
num discurso muito político de
interdisciplinaridade etc. e tal.
Criaram uma coisa chamada Curso
de Licenciatura em Ciências com
habilitação em Física, habilitação em
Química, habilitação em Matemática
e habilitação em Biologia, era um
monstro. Isso é o que eu peguei,
quando cheguei aqui, esse curso
existia e eu me deparei com uma
profunda insatisfação dos alunos. A
insatisfação decorreu do seguinte, um
aluno que queria ia fazer biologia, ele
ia entrar no curso nos dois primeiros
anos fazer o curso praticamente igual
ao de todo mundo, então ele quase
não tinha biologia, então em
determinado momento ele tinha
disciplinas como Física Moderna,
para o aluno que queria fazer Física
ele tinha disciplina como histologia,
um contrassenso. Então o aluno de
Física, ele queria fazer Física ele
terminava estudando além das físicas
gerais, três ou quatro disciplinas de
formação mesmo e um monte de
disciplina de Biologia, de Química
que não ia contemplar a formação
dele. (Medeiros, comunicação
pessoal, 03 de julho de 2018).
Esse tipo de Licenciatura em
Ciências com habilitações era uma
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realidade presente em muitas universidades
brasileiras, o denominado sistema de
Ciência Integrada. Segundo Hamburger
(1980, p. 83):
Inicialmente discutiu-se a proposta
de ensino de "ciência integrada",
segundo a qual, o mesmo professor -
polivalente - lecionaria Física,
Química, Matemática e Biologia,
buscando dar-lhes uma unidade a
partir de ênfase no estudo do
"método científico" em detrimento
do destaque dos conteúdos e métodos
específicos daquelas ciências.
Prof. Alexandre Medeiros, em sua
entrevista dia 3 de julho de 2018, relatou a
indignação com esse sistema da Ciência
Integrada que revoltava diversos
professores e pesquisadores no Brasil e
proporcionava um grande clima de
insatisfação dos alunos.
...curso não levava a nada e isso
estava sendo combatido, isso foi
introduzido também em outras
Universidades, por motivos
semelhantes e as associações
profissionais, como por exemplo a
Sociedade Brasileira de Física já
tinha tirado um documento discutido
em Congresso que era contra esse
tipo de coisa, essa chamada
Resolução 30. Não era somente uma
atitude nossa ser contra esse sistema
da Ciência Integrada, era um curso de
Ciência Integrada, era uma fantasia
que não existe e tinha que se criar
curso de verdade. (Medeiros,
comunicação pessoal, 03 de julho de
2018).
No Resumo das Discussões do
"Encontro - Licenciatura em Física"
patrocionado pela Sociedade Brasileira de
Física, realizado em Fortaleza em 18 de
julho de 1979, durante a 31ª Reunião
Anual da Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência o registo do quão
conflitante essa Resolução de 30 foi para
professores, pesquisadores e alunos.
Assim como na UFRPE onde os
alunos mostravam sua insatisfação quando
ao presente sistema, outras Universidades
seguiam protestando e reivindicando a
mudança desse tipo de licenciatura curta.
A implantação da Resolução de 30
foi tentada em várias Universidade
oficiais e em grande número de
escolas de rede particular. Nas
grandes Universidades onde
tradição de formação de professores
de bom nível a implantação não
vingou. Foi citado o exemplo da
Universidade Federal de São Carlos
onde foi inicialmente implantada a
licenciatura curta que, por pressão
dos alunos se transformou em
licenciatura plena e hoje se aproxima
do bacharelado. (Hamburger, 1980,
p. 85).
Na Universidade Federal Rural de
Pernambuco, é através da força dos alunos
e do Prof. Alexandre Medeiros, à frente da
Coordenação do curso de Licenciatura em
Ciências que a mudança para Licenciatura
plena acontece e traz grandes debates e
discussões acerca da relevância dessa
mudança.
Bem, eu fui candidato e ganhei a
eleição e tentei passar essa reforma.
A Reforma passou porque eu tive
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grande apoio dos estudantes, que
eram os principais interessados na
história e de alguns professores que
tinha essa compreensão que nós
estamos aqui para prestar um serviço
à sociedade e não para resolver um
problema meu, seu e de outros
colegas aqui. Passou, demorou
aproximadamente uns dois anos a
tramitação aqui, com vários debates,
depois finalmente chegou o debate
com os departamentos, chegou
finalmente o debate no CERPE e se
passou, eu ganhei muito inimigos
nesse percurso. (Medeiros,
comunicação pessoal, 03 de julho de
2018).
A Resolução nº 131/88 do Conselho
de Ensino, Pesquisa e Extensão, de 27 de
setembro de 1988 trouxe algumas
mudanças para as Licenciaturas em
Ciências da UFRPE.
Aprova o desmembramento do Curso
de Licenciatura em Ciências
(Habilitações em Física, Química,
Matemática e Biologia), nas
Licenciaturas Plenas em Física,
Química, Matemática e Ciências
Biológicas; aprova ainda o currículo
pleno desses cursos e outras
providências.
O Projeto Político Pedagógico do
curso de Licenciatura em Ciências
Biológicas esclareceu bem esse período e a
transformação do curso de licenciatura
com habilitações para licenciatura plena.
A partir de 1977, foi criado o Curso
de Licenciatura em Ciências da
Universidade Federal Rural de
Pernambuco e o Departamento de
Biologia tornou-se responsável pela
habilitação em Biologia. Em 1989,
após profundas mudanças na
estrutura curricular foi implantado o
Curso de Licenciatura em Ciências
Biológicas (noturno). Desde então, os
professores do departamento vêm se
mobilizando para a melhoria da
formação de futuros professores de
biologia para atuarem no ensino
fundamental e médio. (UFRPE,
2006, p. 17).
A resolução 131/88 adotou,
enquanto providência, o funcionamento
dos cursos de licenciatura no período
noturno: “A partir do primeiro semestre
letivo de 1989, as aulas dos cursos de
Licenciatura em Física, Química,
Matemática e Ciências Biológicas terão
início às 18h30 e término às 21h45”.
Para Terribili Filho e Nery (2009,
p.72) predomínio do período noturno no
ensino superior (61,7% do total de
matrículas) é reflexo da situação
econômica vivenciada pelo país das
últimas décadas, pois permite mais
facilmente que o estudante exerça uma
atividade profissional remunerada”.
Atualmente, na estrutura
organizacional da UFRPE, cada
licenciatura tem seu próprio departamento
e seu objetivo para formação do licenciado.
Considerações finais
Através dos documentos e relatos, foi
possível visualizar o panorama histórico da
UFRPE. As atividades e ações desde o
período Beneditino (como a escola noturna
para educação dos trabalhadores rurais),
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passando pelas atividades do CRETA e
CFPTA nas ações de formação do ensino
agrícola em Pernambuco, mostraram e
ainda mostram - a preocupação da
instituição com a educação e
desenvolvimento do Estado. Entendendo
essa educação não no âmbito do Ensino
superior, mas essa educação voltada para o
homem do campo, para ações formativas
de valorização do papel do agricultor e da
agricultura em Pernambuco.
A criação da Licenciatura em
Ciências Agrícolas e do Departamento de
Educação apresentam uma perspectiva
diferenciada desses curso e departamento
no que diz respeito ao diálogo entre a
formação técnica e pedagógica. Havia uma
preocupação na formação desses
licenciados para que pudessem
desenvolver habilidades e práticas
pedagógicas para atuarem junto às escolas
técnicas agrícolas e ao homem do campo.
Não bastava apenas ensinar as técnicas ou
tecnologias agrárias. O importante era
compreender o trabalhador no seu
contexto, aprender com suas vivências e
inserir um olhar humanizador nessa
educação.
Percebe-se que essa preocupação
com um ensino que formasse para o mundo
do trabalho, mas também para as
necessidades da educação do trabalhar
rural dentro do seu contexto fez da UFRPE
uma referência no ensino agrícola em todo
Brasil e isso permanece até os dias atuais.
Para além disso, a história da UFRPE
evidenciou esse momento de abertura para
inserção de outros campos do saber além
da Agronomia e Medicina Veterinária. O
desenvolvimento da UFRPE enquanto
instituição de ensino superior foi realizado
sem negar sua ruralidade, mas apontando
para um futuro de diálogo com outros
campos do saber que se constituem hoje
em grande número na instituição.
Atualmente, a UFRPE conta com a sua
sede no Campus de Dois irmãos e mais 3
Unidades Acadêmicas, as quais oferecem
mais de 44 cursos de graduação das mais
diversas áreas.
A criação das Licenciaturas em
Ciências num período de reforma estrutural
e expansão das Universidades no Brasil faz
apontar para percepção de que a UFRPE
precisava abrir seu diálogo com outros
cursos, com outros campos do saber.
As Licenciaturas Plenas, criadas em
1988, foram um ato de protesto de
professores e estudantes insatisfeitos com
um sistema imposto pelo governo de uma
ciência integrada que não atendia aos
anseios da comunidade acadêmica e nem
da sociedade. Isso demonstra a força da
Educação em reivindicar seus direitos,
professores e alunos tendo voz na mudança
de um currículo que não satisfazia suas
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necessidades. A UFRPE, ao longo da sua
história, mostrou-se atuante na educação,
fosse ela na formação do homem do campo
ou no homem da cidade.
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Brasileiro, em 1945. Que tinha como objetivo a
reforma agrária e melhores condições de vida para
o trabalhador do campo e sua família. Foi enfim,
um dos movimentos sociais mais importantes em
prol da reforma agrária, e que inspirou educadores e
artistas em Pernambuco. Também Boal, além de
Paulo Freire, teve no trabalho com os camponeses
uma de suas principais fontes de inspiração e
colaboração para as formulações de suas poéticas
do Oprimido, a da Pedagogia do Oprimido (Freire),
escrito no Chile em 1968 e publicado no Brasil em
1974, e a do Teatro do Oprimido (Boal), escrito
entre 1962 e 1973, e publicado em 1974 (Bôas,
2013, p. 287).
ii
Miguel Arraes de Alencar nasceu em Araripe, no
Ceará. Formado em direito pela Faculdade de
Direito de Recife em 1937, tornou-se anos depois
um dos grandes ícones da política no Estado de
Pernambuco e no Brasil. Foi prefeito do Recife nos
anos de 1960 a 1962 e governador do Estado no ano
de 1962, foi deposto do cargo em 1964 pelo golpe
militar. (Gaspar, 2009). Foi um expoente das lutas
em favor ao homem do campo, apoiou o
Movimento de Cultura Popular nascido em Recife e
das ligas camponesas.
iii
O Professor Adierson Erasmo de Azevedo em seu
segundo ano de mandato, no segundo semestre de
1970, propôs ao Conselho de Ensino e Pesquisa da
UFRPE a criação de onze novos cursos para início
a partir de 1971; contudo, apenas cinco deles foram
criados por meio da Resolução 12-A, de 13 de
Silva, V. F., & Teixeira, M. R. F. (2020). Das ruralidades ao ensino de ciências: Memórias sobre a Universidade Federal Rural de
Pernambuco...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e6369
10.20873/uft.rbec.e6369
2020
ISSN: 2525-4863
21
julho de 1970: Engenharia de Pesca, Zootecnia,
Biologia (Bacharelado), Ciências Domésticas
(Bacharelado) e Ciências Agrícolas (Licenciatura).
Fonte: SOARES, Maria do Carmo Figueredo. Os
43 anos do Curso de Engenharia de Pesca no
contexto dos 100 anos da Universidade Federal
Rural de Pernambuco. Anais... XVIII Congresso
Brasileiro de Engenharia de Pesca, 20-24 out. 2013,
Paulo Afonso, BA.
Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 07/01/2019
Aprovado em: 10/03/2019
Publicado em: 29/07/2020
Received on January 07th, 2019
Accepted on March 10th, 2019
Published on July, 29th, 2020
Contribuições no artigo: As autoras foram as
responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for
the designing, delineating, analyzing and interpreting the
data, production of the manuscript, critical revision of the
content and approval of the final version published.
Conflitos de interesse: As autoras declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Vânia Ferreira da Silva
http://orcid.org/0000-0002-4986-6994
Maria do Rocio Fontoura Teixeira
http://orcid.org/0000-0002-9888-7185
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Silva, V. F., & Teixeira, M. R. F. (2020). Das ruralidades ao
ensino de ciências: Memórias sobre a Universidade
Federal Rural de Pernambuco. Rev. Bras. Educ. Camp., 5,
e6369. http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e6369
ABNT
SILVA, V. F.; TEIXEIRA, M. R. F. Das ruralidades ao
ensino de ciências: Memórias sobre a Universidade
Federal Rural de Pernambuco. Rev. Bras. Educ. Camp.,
Tocantinópolis, v. 5, e6369, 2020.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e6369