Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e6422
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e6422
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2020
ISSN: 2525-4863
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Políticas públicas para Educação Infantil: o que pensam as
professoras do Projeto Formoso “A”?
Cândida Maria Santos Daltro Alves
1
, Cíntia Lopes Vieira de Jesus
2
, Rachel de Oliveira
3
1, 3
Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC. Departamento de Ciências da Educação (DCIE). Rodovia Ilhéus-Itabuna, Km
16, Salobrinho. Ilhéus - BA. Brasil.
2
Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC.
Autor para correspondência/Author for correspondence: candida_alves@yahoo.com.br
RESUMO. Este artigo apresenta um recorte da pesquisa
realizada durante o curso de Mestrado do Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Estadual de Santa
Cruz, cujo objetivo geral foi compreender a importância das
políticas públicas específicas da Educação Infantil Campesina,
em Bom Jesus da Lapa, Bahia. Para isso, além dos estudos de
documentos legais e de pesquisas na área, nos apoiamos na
Pesquisa-ação existencial, proposta por Barbier (2007), e em
estudos elaborados por Freire (1987), sobre o processo histórico
da caminhada do Ser-menos para o Ser-mais. Esta metodologia
nos ajudou a compreender os problemas que impedem as
professoras do Projeto Formoso “A” chegarem ao Inédito-
viável, categoria freireana, que representa a construção de
propostas transformadoras. O fato mais relevante foi a
invisibilidade e/ou a falta de reconhecimento das especificidades
locais, principalmente por parte da Secretaria Municipal de
Educação, visto que nem os pressupostos da Educação do
Campo, nem da Educação Urbana se ajustam ao ritmo de vida
dos povos do Perímetro de Irrigação. Nesta
perspectiva, inferimos que as diferenças e semelhanças entre
“campo e cidade” estão cada vez mais difusas, sendo necessário
repensá-los, para que haja respeito ao processo de formação de
professores e ao surgimento de novos modos de construção de
infâncias.
Palavras-chave: Educação Infantil do Campo, Formação de
Professores, Políticas Públicas.
Alves, C. M. S. D., Jesus, C. L. V., & Oliveira, R. (2020). Políticas públicas na Educação Infantil: o que pensam as professoras
do Projeto Formoso “A”?
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Public policies in Child Education: what do teachers think
of the Formoso “A” Project?
ABSTRACT. This paper presents a tapestry of the research
conducted along the Master´s course at the Graduate Program in
Education of the Santa Cruz State University, whose general
purpose was to understand the importance of specific public
policies in Rural Child Education, in the city of Bom Jesus da
Lapa, Bahia. For such, in addition to the studies of legal and
research documents in this area, we have been supported by
existential Research-Action, proposed by Barbier (2007), and by
studies conducted by Freire (1987), about the historical process
that goes from Being-Minus to Being-Plus. This methodology
helped understand the problems that prevent teachers from the
Formoso “A” Project to get to the Unprecedented-viable, which
is a Freire´s category representing the construction of
transforming proposals. The most remarkable fact was the
invisibility and/or the lack of recognition of the local
specificities, mainly on the part of the the city´s Education
Department, since not even the assumptions of Rural Education,
nor Urban Education adjust to the rhythm of the peoples located
in the Irrigation Boundaries. According to this perspective, we
have implied that the differences and similarities between “rural
and urban” are increasing more blurred, and it is necessary to
rethink them over, so that the teacher education process can be
respected as well as the emergence of new ways of constructing
childhood in its plurality.
Keywords: Rural Child Education, Teacher Education, Public
Policies.
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Políticas públicas en la Educación Infantil: lo que piensan
las profesoras del Proyecto Formoso “A”?
RESUMEN. Este artículo presenta una parte de la investigación
realizada durante el Curso de Maestría, del Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Estadual de Santa
Cruz, cuyo objetivo general fue comprender la importancia de
las políticas públicas específicas a la Educación Infantil del
Campo, en Bom Jesus da Lapa, Bahia. Para eso, además de los
estudios de documentos legales y de la investigación en el área,
nos basamos en la Investigación-acción existencial, propuesta
por Barbier (2007) y en los estudios elaborados por Freire
(1987), lo cuales tratan del proceso histórico que va del Ser-
menos al Ser-más. Esta metodología nos ayudó a comprender
los problemas que impiden que los docentes del Proyecto
Formoso “A” alcancen la categoría Inédito-Viable, de Freire,
que representa la construcción de propuestas transformadoras.
El hecho más relevante fue la invisibilidad y/o la falta de
reconocimiento de las especificidades locales, especialmente por
parte de la Secretaría Municipal de Educación, ya que ni los
presupuestos de la Educación del Campo ni la Educación
Urbana se ajustan al ritmo de vida del Perímetro de Irrigación.
Desde esta perspectiva, inferimos que las diferencias y
similitudes entre “campo y ciudad” se están volviendo más
difusas y deben ser repensadas para respetar el proceso de
formación docente y la aparición de nuevos modos de
construcción de infancias.
Palabras-clave: Educación Infantil del Campo, Formación de
Profesores, Políticas Públicas.
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Introdução
Na atual conjuntura, é preciso
considerar o nascimento dos meios legais
pelos quais as políticas públicas
educacionais são propostas. Desde o seu
contexto ao seu objetivo. Assim, nas linhas
que seguem, daremos foco às políticas
educacionais exclusivas à Educação
Infantil (doravante referida apenas como
EI) e a uma Educação do Campo de
qualidade, bem como da formação dos/das
professores/as que lidam com essas
realidades.
Nessa perspectiva, apresentamos um
recorte da pesquisa realizada durante o
curso de Mestrado, do Programa de Pós-
Graduação em Educação, na Universidade
Estadual de Santa Cruz, cujo objetivo geral
foi compreender a importância das
políticas públicas específicas da Educação
Infantil do Campo (doravante referida
apenas como EIC), segundo o olhar
dos/das professores/as do município de
Bom Jesus da Lapa, Bahia. Para atingi-lo,
adotamos como objetivos específicos:
dialogar com professores/as sobre os seus
processos de formação; analisar os
materiais que subsidiam os/as
professores/as no processo de formação e
na prática cotidiana, com a intenção de
apresentar indícios para a construção de
uma Proposta de Orientação que abarque
as necessidades presentes na primeira etapa
da Educação no município de Bom Jesus
da Lapa.
Assim, organizamos este recorte
apresentando o nosso entendimento sobre
as Políticas Públicas (doravante referidas
apenas como PP) e sobre a Educação do
Campo para as crianças com até 06 anos de
idade, tendo como suporte metodológico
os estudos de Barbier (2007), ao discutir a
Pesquisa-ação existencialista. Utilizamos,
também, Freire (1987, 1992, 1996), que
nos proporcionou a compreensão do que se
passa na realidade lapense, de acordo com
o grupo de professoras, por meio das
categorias descritas na “Pedagogia do
Oprimido” que apontam o caminho entre o
Ser- menos (distorção histórica) para o
Ser-mais (vocação antológica).
Compreendendo as Políticas Públicas
As PP são entendidas, neste trabalho,
como o “Estado em ação” (Höfling, 2001),
em prol de melhoramentos que atendam a
quaisquer cidadãos, independentemente da
sua natureza. Políticas pensadas e
estruturadas a fim de respeitar os direitos
dos cidadãos brasileiros, especificamente
no que tange à Educação, enquanto um
direito social, ressaltado na Constituição
Federal do Brasil (Brasil, 1988). Tendo
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como intenção discutir acerca do seu
conceito, cabe evidenciar que
políticas públicas” são diretrizes,
princípios norteadores de ação do
poder público; regras e
procedimentos para as relações entre
poder público e sociedade, mediações
entre atores da sociedade e do
Estado. São, nesse caso, políticas
explicitadas, sistematizadas ou
formuladas em documentos (leis,
programas, linhas de financiamentos)
que orientam ações que normalmente
envolvem aplicações de recursos
públicos. (Teixeira, 2002, p. 2).
Nesse viés, é nítido que as PP
surgem com o intuito de tornar real, a
priori, em textos, por meio de documentos
oficiais, aquilo que se acredita ser benéfico
a um grupo de cidadãos, quando não a
todos, pois se tem como pretensão a
diminuição das desigualdades que
permeiam a sociedade. Diante do exposto e
reportando-nos a conflitos oriundos e
instigados por grupos de movimentos
sociais, desde décadas atrás, cabe respaldo
à fala de Höfling (2001), quando aponta o
seguinte:
As políticas sociais têm suas raízes
nos movimentos populares do culo
XIX, voltadas aos conflitos surgidos
entre capital e trabalho, no
desenvolvimento das primeiras
revoluções industriais. Nestes termos,
entendo educação como uma política
pública social, uma política pública
de corte social, de responsabilidade
do Estado mas não pensada
somente por seus organismos.
(Höfling, 2001, p. 31).
É evidente que algumas PP não
surgem de cima para baixo. O que pode
acontecer, muitas vezes, são mobilizações
que tendem a desencadear propostas de
melhoramento que, após longo processo,
possam se efetivar enquanto política
pública. Além de Höfling (2001), Molina
(2012) reitera a reflexão de que é
possível discutirmos política pública se nos
atermos a quatro conceitos, a saber: direito,
Estado, movimentos sociais e democracia.
Nesse sentido, é em prol dos direitos
das crianças, bem como dos camponeses
ênfase dada neste trabalho que
começam a se pensar em projetos que os
atendam, a fim de fazer valer o que lhes é
garantido por lei. Assim, quando se afirma
que as PP são o “Estado em ação”, quer se
dizer que a este cabe agir com o intuito de
materializar a efetivação do que versam os
programas e políticas pensados em um
dado momento.
Por entender direito como algo
universal, diferente de regalias e carências
específicas de alguém, o mesmo tem
validade em quaisquer espaços ou classes
sociais. Como bem afirma a filósofa
Marilena Chauí (2000, p. 558), “um direito
difere de uma necessidade ou carência e de
um interesse. Uma necessidade ou carência
é algo particular e específico”. Por isso, é
possível afirmar que a Educação, enquanto
um direito de todos, passou a ser
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questionada, refletida e buscada por
aqueles que ainda não usufruíam dos seus
benefícios. Desse modo, após organizações
de movimentos sociais, nascem as
primeiras ideias com a intenção de se
repensar a Educação das crianças pequenas
e dos camponeses.
Pensar PP que respeitem e garantam
a todos o direito à Educação, em uma
sociedade cuja cultura e interesses se
diferem constantemente, torna-se uma
atividade complexa. Contudo, urgente e
democraticamente necessária. Para Höfling
(2001), ao se analisar as PP, faz-se
pertinente e essencial considerar os
aspectos sociais que influenciam nos
processos de representações, de aceitação,
de rejeição e de incorporação das
conquistas sociais por parte da sociedade
como um todo, visto que nem todas PP
serão bem recebidas, a depender do
contexto no qual surgem e de como são
propostas as suas intervenções. Carvalho
(2008) sinaliza que
as políticas sociais constituem um
espaço privilegiado de atuação
política no (re)desenho do Estado,
estabelecendo o vínculo necessário
entre conflitos/demandas por direitos
e busca de alternativas de
emancipação. Sob esse prisma, os
movimentos sociais pela definição e
implementação de políticas públicas,
com suas múltiplas expressões,
articulando novas e tradicionais
estratégias, constituem-se vias
abertas, no confronto com a lógica do
capital mundializado. (Carvalho,
2008, p. 25).
Por fim, o grande problema que se
vê, na implementação de políticas públicas
educacionais, é a diferença de interesses
entre quem as sanciona e quem as cobra, já
que, por vezes, um grupo não compartilha
das mesmas bases sociais, políticas e
filosóficas do outro. Nesse momento, a
militância reivindica e luta contra quem ela
julga dominadora.
Educação do/no Campo e suas
implicações na educação das crianças de
0 a 06 anos
A Educação do Campo, enquanto
modalidade de ensino presente na
Educação brasileira, assim como a EI,
surge em meio a conflitos e manifestos de
movimentos sociais articulados e com
ideias que respeitam as suas condições e
especificidades. Desse modo, faz-se
necessário identificar quem são os sujeitos
que vivem no campo. De acordo com o
Decreto 7.352/2010, que dispõe sobre a
política de Educação do Campo e o
Programa Nacional de Educação na
Reforma Agrária (PRONERA), em seu
Art. 1º, define populações do campo como
os agricultores familiares, os
extrativistas, os pescadores
artesanais, os ribeirinhos, os
assentados e acampados da reforma
agrária, os trabalhadores assalariados
rurais, os quilombolas, os caiçaras, os
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povos da floresta, os caboclos e
outros que produzam suas condições
materiais de existência a partir do
trabalho no meio rural. (Brasil, 2010,
s/p).
Percebe-se que ser camponês não é
ser singular. Várias são as culturas que
atravessam os espaços campesinos, várias
são as características e nuances que
permeiam a realidade presente em cada
contexto. Assim, ao se pensar no
camponês, é indispensável pensar em um
sujeito misto e plural, dono de uma riqueza
que transcende o mero dizer “cidadão que
reside em perímetro não urbano”.
A expressão Educação do Campo,
comumente utilizada nos dias atuais, surge
em julho de 1997, após o I Encontro
Nacional dos Educadores e Educadoras da
Reforma Agrária (ENERA), articulado
pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST). Desse modo, é preciso
partir do conceito de Educação Rural a fim
de compreender a gênese da Educação do
Campo.
A Educação Rural pode ser
entendida como aquela que não considera a
conjuntura na qual os homens e as
mulheres do campo estão inseridos, aquela
que ignora a história de vida de um povo e
propõe um contexto desconexo. Isso fica
evidente na fala de Hage (2005), quando
menciona que a Educação Rural
se constitui numa ação
“compensatória” trata os sujeitos
do campo como incapazes de tomar
suas próprias decisões. São sujeitos
que apresentam limitações, em
função das poucas oportunidades que
tiveram em sua vida e do pouco
conhecimento que tem. A educação é
dada aos indivíduos para suprir suas
carências mais elementares
Educação supletiva. Transmite-se a
cada indivíduo somente os
conhecimentos básicos, pois se
acredita não ser necessário aos
sujeitos do campo, que lidam com a
roça, aprender conhecimentos
complexos, que desenvolvam sua
capacidade intelectual. A educação é
tida como um favor e não como um
direito! (Hage, 2005, p. 2, grifos do
autor).
Nota-se que os camponeses, na
Educação Rural, tem sua realidade
desconsiderada e, por isso, lhes são
oferecidos resquícios da Educação
disponível nas escolas da cidade, em via de
regra, de forma inadequada. Fica evidente
também que o que chega aos camponeses é
algo limitado, apenas com o intuito de
suprir as necessidades básicas, sem
aprofundar em conhecimentos complexos,
como já acontecia na cidade.
Mediante esse descaso, essa negação
para com a história dos camponeses, os
movimentos populares de luta pela terra,
em desacordo com os ideários da Educação
Rural, articularam o trabalho produtivo
atrelado à Educação escolar, tendo por
base a cooperação. Nesse contexto, surge a
Educação do Campo, aquela que está
inserida em um projeto popular de
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sociedade, que respeita e valoriza a
dignidade do camponês. Diante disso, fica
evidente que a Educação do Campo não
compactua com modelos de Educação
externos, nem admite interferência em sua
práxis (Ribeiro, 2012).
A Educação do Campo é uma
modalidade de ensino que traz em si um
histórico de lutas e movimentos de
trabalhadores e trabalhadoras rurais. Esses
eventos surgiram na medida em que a
Economia, baseada na agricultura, ia
crescendo. Os camponeses, nesse
momento, começaram a se organizar em
prol de melhores condições de vida e
trabalho. Diante disso, Vendramini (2007)
afirma que
é preciso compreender que a
educação do campo não emerge no
vazio e nem é iniciada das políticas
públicas, mas emerge de um
movimento social, da mobilização
dos trabalhadores do campo, da luta
social. É fruto da organização
coletiva dos trabalhadores diante do
desemprego, da precarização do
trabalho e da ausência de condições
materiais de sobrevivência para
todos. (Vendramini, 2007, p. 123).
Os camponeses, enquanto cidadãos
de direito, em busca de melhores condições
de sobrevivência, desde tempos antigos,
articulados em uma política que os respeite
e os valorize, realizaram ações que têm se
convertido em debates e em documentos
legais. A seguir, é possível compreender os
três momentos que foram relevantes na
constituição de uma Educação que ouve a
voz do outro, antes de se consolidar.
Esquema 1 - Consolidação da Educação do Campo.
Fonte: Dados da pesquisa (Jesus, 2018, p. 38).
Nessa perspectiva, a Educação do
Campo vem garantindo, gradativamente,
espaço em documentos legais, assim como
em debates, a fim de sustentar as suas
raízes, a sua história, o seu processo de
construção e reconstrução, partindo da
representatividade dos movimentos que a
conhecem e a compreendem.
Educação Infantil do/no Campo:
realidade ou utopia?
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A Constituição Federal de 1988 não
traz nada específico para a Educação
formal dos camponeses. Porém, a seguir,
pelo que versa no Art. 206, é possível
interpretar que os princípios devem ser
implementados em instituições urbanas e
campesinas. Vejam:
O ensino será ministrado com base
nos seguintes princípios: (EC
19/98 e EC nº 53/2006)
I igualdade de condições para o
acesso e permanência na escola;
II liberdade de aprender, ensinar,
pesquisar e divulgar o pensamento, a
arte e o saber;
III pluralismo de idéias e de
concepções pedagógicas, e
coexistência de instituições públicas
e privadas de ensino;
IV gratuidade do ensino público em
estabelecimentos oficiais;
V valorização dos profissionais da
educação escolar, garantidos, na
forma da lei, planos de carreira, com
ingresso exclusivamente por
concurso público de provas e títulos,
aos das redes públicas;
VI gestão democrática do ensino
público, na forma da lei;
VII garantia de padrão de
qualidade;
VIII piso salarial profissional
nacional para os profissionais da
educação escolar pública, nos termos
de lei federal. (Brasil, 1988, p. 123
grifos nossos).
Destacamos a igualdade de
condições para o acesso e a permanência
na escola, bem como uma gestão
democrática atrelada a um padrão de
qualidade, que são questões, por vezes,
incomuns em muitas realidades brasileiras,
mesmo depois de três décadas de
implantação da lei nacional. É pertinente
salientar que durante cadas foi ofertada
aos camponeses a mesma proposta de
ensino que aos estudantes da cidade, sem
respeitar a sua história, as suas raízes, o
seu calendário e as suas crenças,
desconsiderando o contexto em que essa
proposta de ensino tem se efetivado.
Reportando-nos às Diretrizes
Operacionais para Educação Básica nas
Escolas do Campo (Brasil, 2002), é viável
dizer que a modalidade em foco poucas
vezes fora pensada em sua essência; o que
se via, e em muitos casos ainda se vê, era a
adaptação de documentos, com o intuito de
inserir os camponeses no cenário educativo
tal qual os demais cidadãos que vivem em
área urbana. No entanto, em adaptar o
que está posto é reafirmar a importância
da Educação urbana em relação à
Educação campesina, a qual possui uma
identidade própria e que difere do cenário
urbano.
Diante desse descaso, que tem
ocorrido inclusive recentemente, o espaço
formal de Educação campesino era um
simples cômodo, com ausência de
estrutura, conforto e higiene. Lugares, tais
como igrejas, salões, galpões, casas
grandes, dentre outros, são apenas alguns
exemplos de espaços que foram adaptados
para implementar a escolarização. Muitos
desses lugares não dispõem de recursos
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mínimos e dignos para promover a
educação escolar para as pessoas.
Pensando nisso, cabe lembrar o que
asseveram Arroyo, Caldart e Molina (2004,
p. 71): A imagem que sempre temos na
academia, na política, nos governos é que
para a escolinha rural qualquer coisa serve
... A escolinha cai não cai, onde uma
professora que quase não sabe ler ensina
alguém a não saber quase ler”.
A partir das reflexões de Arroyo,
Caldart e Molina (2004), é possível
compreender o quão esquecido esteve o
campo e quando se lembram dele é para
oferecer aquilo que, certamente, não supre
as suas carências. Logo, é uma tarefa
urgente e necessária lidar com esse desafio
e oferecer a todas as crianças a garantia de
seus direitos. Para tanto, não se pode,
todavia, apenas adaptar as propostas
pensadas para as crianças do meio urbano,
é preciso construir algo que parta da
história de vida dos camponeses, algo que
atenda as suas expectativas e,
principalmente, as suas necessidades.
Políticas de flexibilização não
contemplarão e nem amenizarão os déficits
que os camponeses têm sofrido no que se
refere à Educação formal.
Com base nos estudos de Freire
(1987, 1992, 1996) acerca da aproximação
dos movimentos sociais, atrelados ao
espaço campesino, Streck (2010) conceitua
que movimentos
a) São ações coletivas, com certo
nível de organização;
b) São portadores de uma rebeldia que
impulsiona as mudanças na
sociedade;
c) São localizados, respondendo a
desafios específicos de uma classe,
de um grupo social, de uma questão
social emergente;
d) São ao mesmo tempo portadores de
uma preocupação essencial, de
caráter universal, que no caso seria
a busca de humanização;
e) São lugares de constituição do
homem e da mulher como sujeitos;
f) Da atualidade indicam a
ultrapassagem de uma visão
antropocêntrica em direção a uma
visão antropológica. (Streck, 2010,
p. 302).
Os indicadores supracitados nos
provocam uma reflexão sobre a
importância da militância, da organização
de grupos que visam melhorias para o seu
povo, levando em consideração o seu
lugar, porém sob uma nova perspectiva.
Ações coletivas, integradoras e de cunho
humano visam o aprimoramento e o
melhoramento das condições de vida de
um determinado grupo e, paralelamente,
oferecem melhores condições de trabalho e
permanência em âmbito educacional. Tal
movimento costuma ter grande influência
nas práticas que se dão nos espaços de
Educação, sustentando a sua cultura e
ensinando desde cedo a importância de ser
camponês, no campo.
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Ser camponês e ser criança pequena,
paralelamente, é ser um cidadão, por vezes,
imperceptível aos olhos do Estado. Por
mais que seja de sua responsabilidade a
Educação desses sujeitos mirins, ainda
estruturas a serem compreendidas e
modificadas. De acordo com Albuquerque
e Fernandes (2012, p. 257-258), a história
das PP educacionais para as crianças
pequenas brasileiras é marcada pela
desigualdade, que historicamente
diferenças na oferta de EI para as crianças
pobres e para as crianças ricas, entre as
crianças que vivem no campo e as crianças
que vivem na cidade”.
Por fim, diante do exposto, nota-se
que a EI possui mais estrutura e qualidade
do que a EIC, pois, ainda que lhe seja
ofertado um modelo de Educação
previamente testado na cidade, suas
condições e singularidades não são
percebidas devidamente. Portanto, as
minorias - crianças do campo e crianças
pobres-, historicamente, são vítimas do
sistema.
Percursos metodológicos
Para atingir nossos objetivos,
optamos por trabalhar com os pressupostos
da pesquisa-ação existencialista (P-AE),
proposta por Barbier (2007), que diz o
seguinte:
A pesquisa-ação não tem que formular
a priori, hipóteses e preocupações
teóricas, nem de traduzi-las em
conceitos operatórios suscetíveis de
serem medidos por instrumentos
padronizados (questionários, testes). A
pesquisa-ação reconhece que o
problema, nasce num contexto preciso,
de um grupo em crise. O pesquisador
não o provoca, mas constata-o, e seu
papel consiste em ajudar a coletividade
a determinar todos os detalhes mais
cruciais ligados ao problema, por uma
tomada de consciência dos atores do
problema numa ação coletiva.
(Barbier, 2007, p. 55).
Um dos principais recursos desta
metodologia é a reflexão permanente sobre
a ação e, para tanto, é necessário de
incentivar a participação da população
envolvida. Nesta direção, ouvimos e nos
aproximamos ao máximo possível dos
dirigentes da Secretaria Municipal de
Educação (SEMED) de Bom Jesus da Lapa
Bahia, bem como das professoras de EI,
pertencentes às escolas do campo, situadas
no Projeto Formoso “A”, comunidade rural
em perímetro de irrigação.
Desde o início, quando apresentamos
o projeto à SEMED, vislumbramos os
problemas que assolavam o bom
desempenho das professoras da EI, em
especial das que atuam em escolas do
campo. Esta gama de inquietações foi
transferida, oportunamente, para o grupo
de professoras que se engajou no processo
de pesquisa.
Após o contato com os responsáveis
pela política educacional do município,
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iniciamos o processo de contratualização
que, conforme Barbier (2007), refere-se à
fase de avaliação do projeto pelas
participantes da pesquisa, que ao aceitá-lo
se tornam também coautoras. A partir
desse entendimento, o grupo foi composto
por 12 professoras. Desse modo,
realizamos quatro encontros
fundamentados na escuta sensível e no
diálogo. A escuta sensível é uma das
técnicas da P-AE, que Trata-se realmente
de entrar numa relação de totalidade com o
outro tomado em sua existência dinâmica.
Uma pessoa só existe pela existência de
um corpo, de uma imaginação, de uma
razão, de uma afetividade em permanente
interação.” (Barbier, 2007, p. 98).
Existe forte conexão entre a escuta
sensível e o diálogo proposto por Freire
(1987), como a pronúncia do mundo e uma
exigência existencial. Freire (1987) e
Barbier (2007) são teóricos existencialistas
que negam qualquer espécie de
determinismo, por acreditarem que somos
seres históricos e capazes de superar a
distância imposta pelos dominadores entre
o Ser-Menos (distorção histórica) e o Ser-
Mais (vocação ontológica), tal pensamento
fica evidente na obra “Pedagogia do
Oprimido” de Freire. O caminho para
superação se concretiza quando
conseguimos detectar as situações-limites,
transformá-las em atos-limites e
chegarmos ao inédito-viável.
As situações-limites são barreiras
que aparentam ser intransponíveis. E, para
que não se prevaleçam como freios de
nossas ações, é preciso transformá-las, por
meio do diálogo, em Atos-limites. Nesta
perspectiva, os Atos-limites são resultados
de desvelamentos que aos poucos
transformam as impossibilidades em
possibilidades, provocando novos modos
de pensar e agir. Já o inédito viável aparece
como ápice do processo, surge quando o
grupo consegue elaborar propostas que se
contrapõem às situações limites. Conforme
Freire (1987), o inédito viável aparece:
No momento em que estes as
percebem não mais como uma
“fronteira entre o ser e o nada, mas
como uma fronteira entre o ser e o
mais ser”, se fazem cada vez mais
críticos na sua ação, ligada àquela
percepção. Percepção em que está
implícito o inédito viável como algo
definido, a cuja concretização se
dirigirá, sua ação. A tendência então,
dos primeiros, é vislumbrar. (Freire,
1987 p. 60).
Seguindo tais orientações
metodológicas, dialogamos com as
participantes da pesquisa, buscando escutá-
las atentamente e registrando tudo o que
foi dito, sempre na perspectiva de se
chegar ao Inédito-Viável. Apesar de não
chegarmos a essa etapa, conseguimos
enxergar as barreiras impostas pelas
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situações-limites e compreender que é
possível rompê-las.
Todas as situações-limites que
surgiram no decorrer dos diálogos foram
analisadas e se transformaram em atos-
limites. Contudo, o desejo de fazer a
mudança acontecer ainda não foi suficiente
para modificar a atual situação, uma vez
que a transformação não depende apenas
de uma parcela do grupo, mas sim de todo
o coletivo, incluindo as pessoas que
exercem posições hierárquicas superior ao
grupo de professoras.
Reflexões sobre os diálogos
Apresentamos abaixo dois quadros.
O primeiro apresenta a síntese de nosso
diálogo com os membros da SEMED e o
segundo o diálogo com as professoras.
Quadro 1 - Situações-limites e Atos-limites Secretaria Municipal de Educação 2017/2018.
DIÁLOGOS
SITUAÇÕES-LIMITES
ATOS-LIMITES
II - na SEMED
- Política adotada pelo município;
- Material didático da EI, adotado
pelo município.
- Inserir no calendário da SEMED, momentos de
discussão com educadoras lapenses;
- Reorganizar a rotina da EI e repensar o uso ou não
de módulos.
III - na SEMED
- Contratação dos docentes que
atuam no campo;
- Condições psicológicas de
alguns profissionais que lidam
com crianças da EI.
- Repensar os critérios de contratação dos docentes.
IV - na SEMED
- Condições de trabalho dos
educadores do campo que lidam
em turmas multisseriadas onde
crianças da EI dividem classe com
as crianças do Ensino
Fundamental (EF).
- Nuclear as escolas do campo, a fim de aumentar o
número de crianças por turma e não haver
necessidade de fazer turmas da EI atreladas às
turmas do EF.
V - na Escola
Municipal Paulo
Freire
- Calendário dos diálogos;
- Deslocamento das professoras
de uma escola para a escola onde
se realizaria o encontro.
- Reunião com as diretoras para comunicá-las
acerca dos momentos de diálogos, bem como para
definir a agenda dos mesmos, previamente;
- Elaborar documento assinado pelo secretário de
Educação e enviado às escolas do Projeto Formoso
“A”, liberando as professoras nos dias de encontro,
bem como garantindo seus deslocamentos.
Fonte: Dados da pesquisa (Jesus, 2018, p. 38).
No quadro acima é possível observar
as situações-limites e os atos-limites
propostos pelos dirigentes da SEMED.
Eles parecem reconhecer que é necessário
e, talvez, possível romper com as
situações-limites que dificultam as ações
pedagógicas nos espaços de EI, daquela
região. Todavia, outras situações-limites,
que dependem, exclusivamente, do
posicionamento desse órgão, aparecem
fartamente no diálogo das professoras,
conforme indica o Quadro 2, mais adiante.
Conforme aponta Barbier (2007, p.
144-145), “uma pesquisa-ação chega ao
fim quando o problema inicial é resolvido,
se é que pode realmente -lo. Somente as
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pessoas ligadas podem por fim afirmá-lo”.
Pelo fato de a pesquisadora principal ser
um sujeito implicado na pesquisa, é
possível afirmar, desde já, que a pesquisa
atingiu o seu objetivo. Entretanto, algumas
nuances despertaram novas indagações, o
que propõe a continuidade do grupo de
estudo, mesmo após toda a avaliação e
teorização aqui apresentada.
Diante dos registros trazidos no
Diário de Itinerância (caderno de registro
das atividades), foi possível destacarmos
algumas situações-limites, bem como atos-
limites, que conduziram as discussões que
seguem logo adiante. Nota-se que os
inéditos viáveis não aparecem, por mais
que tenhamos sinalizado a sua possível
aparição neste recorte da pesquisa, visto
que não foram percebidos ao longo dos
quatro encontros. Acrescentamos ainda que
as Situações-limites e os Atos-limites aqui
expostos foram pensados e organizados
pelo coletivo. Assim, no quadro abaixo,
daremos ênfase às questões que mais
estiveram em evidência nos quatro
encontros, realizados nas quatro escolas,
situadas no Projeto Formoso “A”, com as
professoras.
Quadro 2 - Situações-limites e Atos-limites Grupo de Estudo 2018.
DIÁLOGOS
SITUAÇÕES-LIMITES
ATOS-LIMITES
I
- Excesso de brincadeiras;
- Cobrança dos pais em relação à escolarização
das crianças, inclusive as da creche (com até 03
anos idade);
- Disparidades na aprendizagem (leitura/escrita)
nas instituições públicas e privadas;
- Turmas multisseriadas.
- Pensar uma rotina exclusiva para a
EIC, que respeite os espaços
disponíveis para a sua realização;
- Dialogar, frequentemente, com os
pais das crianças e esclarecer qual o
real objetivo da EI;
- Solicitar da SEMED orientações
acerca de como proceder na EI, sejam
do campo ou da cidade.
II
- Ausência de rotina que respeite as
especificidades do campo;
- Carência de espaços físicos exclusivos para a
EIC, nas escolas do campo;
- Turmas multisseriadas;
- Medo de perder crianças para escolas vizinhas,
visto que transportes escolares de diferentes
escolas fazem percursos semelhantes;
- Falta de formações que orientem aos
professores da EI a lidar com questões voltadas
para a sexualidade;
- Pensar uma rotina exclusiva para a
EIC, que respeite os espaços
disponíveis para a realização da
mesma;
- Equipar as salas para receber apenas
crianças da EI, sem ter que as dividir
com outras etapas, nos horários
opostos;
- Repensar as temáticas discutidas nas
formações ofertadas pela SEMED;
III
- Falta de organização sobre qual documento
seguir, durante os planejamentos (Proposta da
SEMED, BNCC, Proposta da Moderna);
- Módulos adotados pelo SEMED para a EI;
- Ausência de Diário de Acompanhamento;
- Falta de proximidade/comunicação entre
SEMED e professores;
- Falta de identidade do povo que habita o
Projeto Formoso “A”;
- Dialogar, periodicamente e
diretamente com os professores, não
apenas com a equipe gestora (os
técnicos da SEMED);
- Rever a linha de pensamento da
SEMED e da editora Moderna e buscar
conciliá-las, se possível;
- Criar um grupo de WhatsApp, caso
não seja possível o diálogo presencial
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com regularidade;
IV
- Ausência de orientação sobre o manuseio do
módulo, por parte da SEMED e da coordenação
da instituição;
- Falta de alinhamento acerca de como organizar
o planejamento, por parte da SEMED;
- Falta de critérios na seleção dos professores/as
da EI, sede e campo.
- Dialogar, frequentemente, com a
Secretaria Municipal de Educação.
Fonte: Dados da pesquisa (Jesus, 2018, p. 38).
No decorrer dos diálogos, por vezes,
nós nos remetemos à questão que moveu
essa pesquisa. Donas de olhares amplos e
de uma escuta sensível, as professoras
pesquisadoras, bem como a pesquisadora
principal, elencaram algumas Situações-
limites, seguidas de Atos-limites que,
sendo desenvolvidos, conduzirão todos os
sujeitos ao Ser-Mais.
Pensar as professoras da EIC como
sujeitos históricos e de direitos, inacabados
e conscientes, é pensá-las como seres que
podem e devem se enxergar diante de
quaisquer adversidades, seres que podem
ser mais, pelo simples fato de estarem
sendo, de estarem em busca do que julgam
merecer. Como frisa Freire (1987, p. 75,
grifos do autor), a “busca do ser mais,
porém, não pode realizar-se no isolamento,
no individualismo, mas na comunhão, na
solidariedade dos existires, daí que seja
impossível dar-se nas relações antagônicas
entre opressores e oprimidos”.
Nesse sentido, durante a teorização e
a avaliação dos dados obtidos, no
transcorrer dos diálogos, destacamos
algumas categorias que o grupo deu mais
evidência, como o excesso de brincadeira
nas turmas de EI e as suas consequências,
positivas e negativas; a dificuldade em se
trabalhar em turmas multisseriadas no
campo, independentemente da etapa; o
cuidado em conhecer quem são as crianças
com as quais temtem lidado e, por fim,
sobre a identidade indefinida do Projeto
Formoso “A”, enquanto espaço campesino
A Educação Infantil Campesina na
perspectiva da SEMED
Com o intuito de compreender a
importância das PP específicas da EIC, em
Bom Jesus da Lapa BA, a priori, tivemos
a cautela de conviver com as profissionais
que guiam tanto a EI como a Educação do
Campo na Secretaria Municipal de
Educação para, então, nos dirigirmos às
professoras da primeira etapa da Educação
Básica, atuantes nas escolas do Projeto
Formoso “A”.
Diante de cada experiência
vivenciada, ficou evidente que alguns
aspectos relevantes se sobressaem, os
quais, segundo Freire (1987), podem ser
compreendidos como Situações-limite,
que são realidades objetivas e provocam a
necessidade de serem pesquisadas.
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Assim, durante os momentos em
companhia dos profissionais que atuavam
na SEMED, em 2017
i
, percebeu-se que
muitos são os entraves que acometem a
Educação das crianças pequenas residentes
no campo. Logo, tomando por base as
informações condensadas, referentes ao
segundo diálogo, visto que no primeiro não
houve resquícios de possíveis barreiras
para a execução de ações pensadas para o
bom desenvolvimento do planejamento
organizado para a EIC, ficou evidente que
as dificuldades giram em torno dos
seguintes parâmetros:
Da política adotada pelo município
no ano de 2017 a Pedagogia
Histórico-Crítica - Teoria pensada
por Saviani (2007), que tece uma
crítica tanto à Escola Nova, quanto
à Escola Tradicional, que propõe
uma ação pedagógica
fundamentada na transformação
social;
Do material didático adotado para
as turmas de EI, de cunho modular.
O uso de material apostilado
compromete o trabalho dos/as
professores/as, que vem com as
aulas preestabelecidas e que pouco
tem a ver com a realidade
campesina. A identidade da criança
camponesa não é considerada e,
poucas vezes, os profissionais da
EIC têm autonomia para ignorar o
material.
Sabe-se que para adotar uma política
educacional é de suma importância que
todos os sujeitos interessados estejam
imersos no contexto escolar, a fim de
atingir o objetivo maior de tal proposta.
Para tanto, de acordo com a coordenadora
pedagógica geral (CPG), os estudos tinham
se limitado à equipe da SEMED, ou seja,
os/as professores/as que atuavam em salas,
na sede e/ou no campo, ainda não haviam
usufruído de momentos dedicados,
exclusivamente, ao estudo dos princípios
que sustentam a Pedagogia Histórico-
Crítica.
Ainda de acordo com a CPG, outra
questão, que fere os princípios adotados
pela Educação lapense, são os materiais
didáticos da EI, pois, além de não estarem
condizentes com a realidade das crianças
lapenses, por vezes, não eram trabalhados
de maneira a considerar o contexto no qual
se encontram as crianças.
É pertinente afirmar que a inserção
da nova política educacional, bem como a
adoção do material didático, por parte do
município de Bom Jesus da Lapa BA,
ainda não contribui com a transformação
do sujeito/criança, pelo fato de o
sujeito/adulto não ter tido a oportunidade
de conhecer e compreender a sua essência.
De acordo com Freire (1987, p. 83):
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Somente o diálogo, que implica um
pensar crítico, é capaz, também, de
gerá-lo. Sem ele não comunicação
e sem esta não verdadeira
educação. A que, operando a
superação da contradição educador-
educandos, se instaura como situação
gnosiológica, em que os sujeitos
incidem seu ato cognoscente sobre o
objeto cognoscível que os mediatiza.
Ao estarmos cientes da importância
do diálogo entre os pares e ao interagirmos
com as Coordenadoras de EI, de EC e do
Programa Despertar, outros aspectos que
nos chamaram a atenção foram:
Contratação dos docentes que atuam
no campo;
Condições psicológicas de alguns
profissionais que lidam com crianças
da EI.
De acordo com as profissionais da
SEMED, a contratação de professores/as
para atuar, seja na sede, seja no campo,
partiu de uma análise curricular, na qual o
principal critério observado era a formação
acadêmica. Segundo a Coordenadora da
Educação do Campo (CEC), houve
profissionais com excelentes currículos,
com graduação e especialização, que não
conseguiram desenvolver um bom
trabalho. A Coordenadora de Educação
Infantil (CEI) ainda nos informou que após
denúncias na SEMED, referente a maus
tratos de um professor às crianças,
providências foram tomadas.
No quarto diálogo, realizado na
Secretaria de Educação, com as CEI e a
CEC, ficou evidente que a falta de
condições de trabalho dos/as professores/as
do campo que lidam em turmas
multisseriadas - onde crianças da EI
dividem a classe, muitas vezes, com as
crianças do Ensino Fundamental (EF) -, é
um fator determinante para o desrespeito
às especificidades de cada idade. Quando
questionada acerca dos empecilhos que
atravessam à EIC, a CEI relatou o
seguinte:
Eu percebo [empecilho] na questão
da estrutura, para receber as
crianças, porque assim... mesmo nos
Centros de Educação Infantil,
falando da sede primeiro, os CEIs na
sede, alguns são equipados, mas as
salas de aula são lotadas, mesmo que
tenha portaria de matrícula, ainda
tem essa questão, precisa ampliar em
algumas. E a questão da estrutura
que eu falo é em relação a coisas
essenciais, como a sala de repouso,
que só tem em duas, e que mesmo
assim foram utilizadas para salas de
aula, então, não tem. E também a
questão da ventilação e outras coisas
que eu vejo que atrapalha, e muito,
no pedagógico em si. Os professores
reclamam muito. Essa questão da
estrutura... algumas coisas que
faltam, não são [em] todas as
creches, mas na maioria delas. E no
campo, principalmente, porque no
campo a escola é escola de [Ensino]
Fundamental, anos iniciais e anos
finais. Tem uma sala para Educação
Infantil.(Coordenadora da EI,
outubro de 2017).
Quando instigada sobre as
dificuldades que as professoras da EIC
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encontram para desenvolver as suas ações,
a CEI reportou-se às profissionais da sede,
a priori, a fim de registar que, se na cidade
queixas, devido à estrutura física, que
impossibilitam o desenrolar de algumas
atividades, no campo as queixas são
superiores. Uma vez que, no último
espaço, não ambientes pensados
exclusivamente para as crianças pequenas,
cabendo às professoras improvisar e, por
vezes, disputar espaços com outros
funcionários que atuam com crianças bem
maiores, ou simplesmente se acomodar
com o espaço que lhes é oferecido.
Nesse sentido, é cabível
considerarmos os Parâmetros Básicos de
Infraestrutura para Instituições de
Educação Infantil (Brasil, 2006),
elaborados em parceria com educadores,
arquitetos e engenheiros. Esses
profissionais acreditam que as unidades
que atendem à primeira etapa da Educação
Básica precisam contemplar as
especificidades de cada região, sem ferir os
preceitos gerais que regem a EI, no que
tange à estrutura do espaço físico, bem
como ao seu mobiliário, seja na cidade ou
no campo.
A fim de respeitar o documento em
pauta, quando aponta as possíveis
especificidades de cada região, caberia um
olhar direcionado à Educação do Campo,
que historicamente sobrevive de projetos
adaptados, sempre como segunda opção.
Primeiro, pensa-se na Educação urbana e,
depois, em como estendê-la até o campo.
Freire (1996, p. 76) sobre o adaptar
sinaliza que “a adaptação a situações
negadoras da humanização pode ser
aceita como consequência da experiência
dominadora, ou como exercício de
resistência, como tática na luta política”,
ou seja, silencia-se, provisoriamente,
enquanto se estuda a melhor maneira de
buscar a mudança em frente de
determinada situação. Freire (1996, p. 77,
grifos do autor) ainda acrescenta que “no
mundo da História, da cultura, da política,
constato o para me adaptar, mas para
mudar”.
No decorrer do diálogo, a
coordenadora da EI complementou:
Na escola do campo, eu percebi
também, por parte da gestão, não
aquela... não tem aquela coisa de
diferenciar a sala, pelo menos a sala
da EI, mesmo estando no espaço que
é escola. Então, vai ficando em
escanteio, fica parecendo que os
menininhos estão ali, num lugar que
eles são pequenininhos, mas que não
é EI. estão em uma sala ali para
atender a idade deles, mas que não
fala muito sobre a questão da EI,
inclusive na questão da rotina, por
mais que a gente fala, mesmo que
não tem como seguir a rotina aqui da
sede, mas daria para fazer uma
rotina da EI no campo, mesmo assim
eu vejo que é complicado por conta
do espaço, no campo não tem pátio
coberto. O professor ele vai,
trabalha com EI de manhã ou de
tarde e vai pra outra turma, então ele
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segue não muito diferente com a EI e
as outras turmas que ele atende.
Inclusive eu trabalhei no campo,
trabalhei assim, com tempo que a
gente vai percebendo que a EI
precisa de um olhar diferenciado; o
professor precisa conhecer, precisa
ler os documentos, precisa ter
conhecimento para poder fazer
diferente. Porque a própria escola,
em si, não tem o olhar para a EI que
deveria ter (Coordenadora da EI,
outubro de 2017).
Partindo do relato da CEI e
considerando o Art. 9 da Resolução
CNE/CEB 5 (Brasil, 2009, p. 99), que
versa sobre propostas pedagógicas
específicas para a EIC, vê-se que, para as
crianças matriculadas em instituições de
ensino em comunidades campesinas,
toda uma exigência a ser seguida, há um
leque de direitos que deveriam ser
atendidos, a fim de lhes garantir uma
Educação de qualidade que considerasse as
suas especificidades, os seus direitos.
Formação de Professoras da EIC e as
brincadeiras
De acordo com o Art. 9 da Resolução
CNE/CEB 5 (Brasil, 2009, p. 99), “as
práticas pedagógicas que compõem a
proposta curricular da Educação Infantil
devem ter como eixos norteadores as
interações e a brincadeira”. Assim, nota-se
que a intenção da brincadeira é pensar
ações, na EI, que despertem e instiguem a
criança a vivenciar experiências que
contribuam para o seu desenvolvimento
pleno, por meio de atividades individuais e
coletivas, que conduzam à sua superação.
Desse modo, ao refletirmos sobre as
angústias de algumas professoras, sobre até
onde se pode brincar na Educação Infantil,
quais as consequências o brincar pode
trazer, ficou evidente que as mesmas
temem:
O olhar dos/as professores/as do
Ensino Fundamental I, caso as
crianças cheguem na nova etapa
sem dominar a leitura de palavras
simples, ou pelo menos sem saber
escrever o seu nome, visto que se
dedicaram mais às brincadeiras,
sem intenção de escolarização;
O olhar dos pais, quando esperam
que aos filhos, ao iniciarem a
escolarização, sejam apresentados
as letras e os números, no primeiro
ano escolar.
É preciso considerar as palavras de
Wörster (2015, p. 283), quando afirma que
a principal forma de atividade para as
crianças é a atividade de brincar. Isso
significa que no brincar a criança
desenvolve também seus processos
mentais mais importantes, preparando a
transição para novos e mais elevados
níveis de desenvolvimento.
Logo, para que não haja dúvidas
acerca de como e quando brincar, faz-se
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necessário pensar uma rotina exclusiva
para as turmas de EIC, respeitando as suas
singularidades, como a cultura, os espaços
disponíveis, bem como a faixa etária, visto
que, para essas crianças, são sugeridas
modificações em propostas apresentadas às
turmas do espaço urbano, que se dão em
Centros de Educação Infantil, repletos de
ambientes, previamente pensados e
organizados para receber crianças
pequenas.
Brincar, na EI, não pode e nem deve
ser compreendido como um simples
passatempo. É durante a brincadeira que a
criança compreende aspectos do seu dia a
dia, percebe como que se lida em
ambientes diversos, bem como passa a
reconhecer as extensões do seu corpo. Para
a criança camponesa, o brincar ultrapassa a
magia do imaginário e, muitas vezes,
torna-se uma reprodução das suas origens,
da cultura do seu povo. Nesse ínterim, é
pertinente afirmar que o brincar é
fundamental na infância e contribui na
solidificação da cultura camponesa de um
povo.
Diante do exposto e no decorrer dos
quatro diálogos com as professoras, por
vezes, se falava na importância da rotina,
com o objetivo de que a SEMED e as
equipes gestoras de cada instituição
repensassem a organização e disposição de
espaços, em muitos casos escassos, nas
escolas do campo. O repensar da
organização, durante a elaboração de uma
rotina, é de suma importância, pois as
instituições de ensino, em foco, não
recebem crianças apenas da EI, sendo
necessário estender o olhar para as demais
faixas etárias a utilizarem tal espaço. Para
Silva, Pasuch e Silva (2012, p. 95).
a organização do espaço e do tempo
da Educação Infantil permite
inúmeras criações e composições de
atividades do(a) professor(a) com as
crianças. Preparar a sala de referência
das crianças refletindo sobre como
elas utilizarão esse espaço, planejar a
rotina considerando quem são as
crianças que chegam para a
creche/pré-escola, elaborar projetos
para serem desenvolvidos
considerando os saberes e as ânsias
de conhecimento das crianças, bem
como as experiências que são
importantes para esta etapa da vida...
Enfim, aos profissionais da
Educação, cabe criar a Educação
Infantil do campo por meio de
propostas refletidas em torno de
aprendizagens significativas. No
entanto, nem sempre isso é tarefa
fácil.
Ao ressaltar a importância de atender
aos direitos legais da criança, enquanto
cidadã, faz-se necessário abandonar as
propostas pensadas para e por sujeitos
urbanos que pouco conhecem a realidade
campesina ou qualquer outra realidade que
não seja a sua. Freire (1996) ressalta que
“mudar é difícil, mas é possível”, e,
pensando nisso, surge a necessidade de
superar uma situação opressora, por meio
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de ações transformadoras, que possibilitem
a condução à condição do Ser-Mais.
Enfim, urge a necessidade de se
pensar rotinas específicas para a EIC, bem
como para a Educação Infantil do Projeto
Formoso “A”, destacando os momentos
que são singulares às crianças, como o
momento do descanso inicial, visto que
muitas passam longos períodos dentro do
transporte escolar e chegam à instituição
cansadas, ou percorrem longos períodos
atravessando rios e/ou estradas
empoeiradas, necessitando de um banho.
Contudo, para além de um documento
organizado - rotina -, o estudo, diretamente
com os/as professores/as da EI, é
indispensável.
Formação de professoras da EIC e as
turmas multisseriadas
Ensinar exige respeito aos saberes
dos educandos (Freire, 1996). É pensando
no respeito negado às crianças da EIC e,
consequentemente, às suas professoras,
que educar crianças de até 06 anos de
idade, no campo, nem sempre é tarefa
simples, visto que muitas vezes elas se
encontram em turmas multisseriadas - ora
com crianças de 03, 04 e 05 anos juntas,
ora dividindo espaço com crianças do
Ensino Fundamental.
Ficou evidente que a oferta de turmas
multisseriadas, nas escolas do campo, em
Bom Jesus da Lapa, é uma estratégia com
o propósito de não negar a nenhum cidadão
o direito à Educação, o que não
compreende, obrigatoriamente, qualidade.
Com o objetivo de diminuir o número de
escolas multisseriadas (escolas
unidocentes) e de turmas multisseriadas, o
município adotou, nos últimos anos, o
fechamento de escolas de pequeno porte e
optou pela nucleação, com o intuito de
aumentar o número de crianças
matriculadas em uma mesma instituição de
ensino. Outro argumento comumente
usado é o de que as turmas multisseriadas
não garantem uma boa qualidade na
Educação dos estudantes.
Nesse sentido, pelo fato de a
incerteza nos acompanhar, cabe a nós,
professores/as da EIC, nos atermos às
palavras de Silva, Pasuch e Silva (2012, p.
148): “o trabalho em turmas multietárias
exige, portanto, um processo específico de
formação continuada e de apoio
pedagógico ao professor ou à professora
para um bom aproveitamento dos projetos
realizados com o grupo de crianças”. É
preciso, durante os cursos de formação
continuada, discutir acerca das diversas
faixas etárias, bem como do
desenvolvimento de cada uma delas. Outro
ponto relevante que emerge, ao se pensar
nas salas que recebem crianças de turmas
diversas, são os módulos utilizados por
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cada faixa etária, pois não se pode negar a
nenhum grupo o foco e a atenção que lhes
é de direito.
De acordo com a Professora Maria
Eduarda, certa dificuldade em
desenvolver atividades com as crianças da
Creche - em sua turma tinha crianças de 02
anos e meio e de 03 anos completos -, pois
são módulos diferentes, disponibilizados
pela editora. E, devido à estrutura do
material, como o tamanho, o formato, a
inadequação à EI e o peso, perde-se tempo
organizando o material para exploração
dos dois grupos (02 anos e meio e 03
anos).
Essa dificuldade seria evitada com a
ausência de módulo, visto que a idade das
crianças é bem aproximada e o/a
professor/a poderia planejar suas
atividades de modo a favorecer os dois
grupos, sem a obrigação de lidar com um
material preestabelecido. Contudo,
respeitando a organização do município,
crianças com até 2 anos e meio são
matriculadas no Maternal I e crianças com
3 anos no Maternal II, cada grupo seguindo
uma proposta curricular diferente e,
consequentemente, material didático
diferente.
Com o intuito de não haver negação
nem desvio dos objetivos que orientam a
Educação Infantil, seja no campo, seja na
cidade, é de suma importância discutir tal
temática nos cursos ofertados aos
profissionais que lidam em turmas
multisseriadas; em nosso caso, naquelas
turmas que têm crianças com até 06 anos
de idade.
Formação de professoras da EIC e as
crianças pequenas
Formar. Reformar. Transformar.
Deformar. Muitos têm sido os objetivos
dos cursos de formação continuada, porém
nem todos são de caráter positivo. Embora
todos contribuam e nos guiem na busca
pelo Ser-Mais. Para Freire (1996, p. 76),
“ensinar exige a convicção de que a
mudança é possível”, para tanto, é preciso
sair da nossa zona de conforto e encarar as
situações que nos incomodam.
Políticas educacionais são pensadas
para as crianças da EI e para as crianças
camponesas, mas quem são, de fato, as
crianças camponesas? Abaixo é possível
traduzirmos uma inquietação que surgiu no
decorrer dos diálogos: quem são as
crianças do Projeto Formoso “A”?
A Resolução CNE/CEB 5 (Brasil,
2009), em seu Art. 8, no § 3º, faz
referência às propostas pedagógicas da EI
das crianças filhas de agricultores
familiares, extrativistas, pescadores
artesanais, ribeirinhos, assentados e
acampados da reforma agrária,
quilombolas, caiçaras, povos da floresta e
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indígenas, afirmando que as propostas
pedagógicas precisam estar atreladas ao
contexto no qual se desenvolve a educação
das crianças. Contudo, as crianças do
Projeto Formoso “A” não se enquadram
em nenhum dos grupos mencionados.
As crianças do Projeto Formoso “A”
são filhas de migrantes oriundos de
diversas regiões do país, que passam
temporadas no perímetro de irrigação,
mudando de setor para setor, fazendo
morada onde seus pais conseguem
trabalhar e estudando em mais de uma
escola durante um ano letivo. São filhas de
produtores, donos de lotes e, normalmente,
residem nas vilas. Percebe-se que as
crianças que frequentam a EI no Projeto
Formoso “A” possuem histórias de vida e
condições financeiras diferentes.
Essa mistura de culturas e esse fato
de não criarem raízes - no caso dos peões -
fazem da comunidade em discussão um
espaço sem identidade definida ou com
múltiplas identidades. São vários os
sotaques, os gostos culinários e ritmos
musicais. Pernambucanos, cearenses,
paulistas, cariocas, sul-rio-grandenses, bem
como baianos de cidades diversas,
compõem o grupo de sujeitos que habitam
esse lugar. Essa diversidade também fica
evidente em relação à naturalidade das
professoras colaboradoras desta pesquisa.
Enfim, para melhor desenvolvimento
integral das crianças, torna-se de suma
importância respeitar a cultura do outro e,
principalmente, considerá-la durante a
organização de um documento orientador,
a fim de não deixar de assistir a nenhuma
singularidade que exista em determinada
comunidade.
Formação de professoras da EIC e os
materiais didáticos/módulos
Trabalhar em turmas de EI,
independentemente do seu contexto, é uma
atividade que exige criatividade, tempo
para planejamento e recursos que
possibilitem a execução do que foi
pensado. E isso pode não estar acessível
para todos/as os/as professores/as da EI
que atuam em instituições públicas em
Bom Jesus da Lapa devido à
distribuição/aplicação dos recursos
financeiros e da carga horária dos/as
profissionais.
As professoras/pesquisadoras desta
pesquisa salientaram que os espaços
educativos são carentes de brinquedos e de
recursos pedagógicos que contribuam para
o desenvolvimento integral da criança de
até 05 anos de idade. Porém, a fim de
sanarem parte desse empecilho, por vezes,
recebem doações de materiais, o que lhes
facilita o trabalho.
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Diante disso, algumas professoras
afirmaram que, mesmo fugindo da
proposta em que acreditam, que não
condiz com a realidade das crianças
camponesas lapenses, o módulo pode ser
um bom aliado, pois ele ajuda a ocupar o
tempo da criança, visto que a mesma
dispõe de uma sala - diferentemente das
crianças dos CEI que têm a oportunidade
de vivenciar experiências na
brinquedoteca, no refeitório, no pátio
coberto, no pátio aberto, até no banheiro,
pois podem frequentá-lo sozinhas.
Percebe-se que as professoras enxergam os
módulos como um socorro às suas
angústias, relativas à falta de recursos.
Contudo, segundo Nascimento (2012, p.
73),
os sistemas apostilados praticam um
empobrecimento da função docente,
restringindo sua ação às orientações
prescritivas presentes nas apostilas,
ou seja, dispensa professores e
professoras da “responsabilidade de
escolher, e do incômodo de
experimentar algo diferente do que
normalmente se faz(FORTUNATI,
2009, p. 36). A responsabilidade da
formação continuada é, assim,
deslocada para o âmbito do privado,
muitas vezes, sem qualquer
supervisão das redes, visto que o
investimento nos SPE abrange
também essa modalidade.
A pobreza sinalizada acima se
pela ausência de autonomia dos
professores, quando são treinados para
reproduzir o que consta nas
apostilas/módulos sem, muitas vezes,
pensar na possibilidade de uma intervenção
e/ou reinvenção da temática a ser
abordada. É importante ressaltar que a
suposta formação continuada, ofertada no
pacote para as Secretarias Municipais de
Educação, soa como treinamento e repasse
de informações, sem a oportunidade de
os/as professores/as pensarem sobre as
propostas ali contidas, que não cabe ao
profissional refletir, mas sim reproduzir o
que lhe foi informado.
Nesse viés, a rotina da escola do
campo, que acontece nas turmas de EI, por
vezes se limita a atividades desenvolvidas
apenas dentro da sala e no intervalo - o que
contraria o que acontece na cidade, pois
nesse contexto é possível levar o
módulo/apostila para outros ambientes,
devido à variedade de espaço -, o
proporcionando à criança o seu
desenvolvimento cultural, artístico,
ambiental, científico e tecnológico, com o
intuito de atender aos preceitos versados
pelos sistemas apostilados.
Considerações
A pesquisa em que resultou este
trabalho respeitou os diálogos como ponto
de partida, ponto intermediário e ponto de
reflexão para uma nova partida, em busca
da formação das professoras que, dentro
das suas possibilidades, contribuíram para
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a organização de ideias que também
contribuirão na concretização de um
documento que direcione a EI no
município em foco, seja na cidade, seja no
campo, seja no Projeto Formoso “A”.
Com base nos preceitos que regem
uma pedagogia dialógica, a realização
dessa pesquisa não teria sido possível e,
consequentemente, não saberíamos o que,
de fato, angustia as professoras da EI do
Projeto Formoso “A”. É preciso ressaltar
que, embora não se enxerguem em espaço
campesino, tampouco urbano, as
professoras sentem a necessidade de terem
momentos para revisar suas ações e
analisar quais documentos devem ser
considerados (específicos para a cidade ou
para o campo), a fim de garantirem às
crianças pequenas uma Educação de
qualidade.
É pertinente lembrarmos que o modo
como os profissionais da Educação são
tratados e/ou ignorados fortalece a falta de
avanços na melhoria das formações
recebidas, e isso ficou evidente nos
diálogos, quando as professoras
sinalizavam a ausência de momentos
discursivos com a SEMED, da qual
recebiam apenas propostas prontas e/ou
pensadas com os coordenadores
pedagógicos das escolas, os quais nem
sempre sabiam repassar as informações
obtidas.
Nessa perspectiva, o debate acerca da
formação de professores/as da EIC,
desenvolvido no Projeto Formoso “A”, nos
acordou para outra vertente: a inserção
dessa comunidade nas discussões
realizadas, principalmente pela SEMED,
visto que nem a Educação do Campo nem
a Educação Urbana enquadram-se no ritmo
de vida social e cultural dos povos do
Perímetro de Irrigação.
Diante da teorização e da avaliação
dos dados, ficou perceptível que o
município não possui um calendário de
formações continuadas, com intervalos
curtos, que certo conforto aos
professores da EI e da EIC. Também ficou
nítido que os materiais, que poderiam ser
tomados como suportes - o Plano Anual e
os módulos -, chegaram às instituições de
ensino em meados do ano letivo, mas sem
orientações para quem, de fato, seria
interessante, nesse caso, os/as
professores/as. Todavia, as poucas
orientações foram compartilhadas somente
com os/as coordenadores/as pedagógicos
das instituições. Além disso, o diário de
classe/acompanhamento também não foi
entregue.
Outra questão que ascendeu, no
decorrer dos diálogos, foi a falta de
discussões corriqueiras - como o brincar, a
sexualidade, a rotina, a organização dos
espaços - nos momentos em que
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acontecem encontros entre os/as
professores/as e os/as representantes da
SEMED. Esses encontros, por vezes,
servem apenas para repassar informações,
ou seja, a dinâmica difere de uma proposta
dialógica.
Por fim, com o intuito de sanar e/ou
amenizar as intempéries que têm cercado
as professoras da EI do Projeto Formoso
“A”, o grupo chegou à conclusão que
precisa:
Pensar e construir uma rotina
específica para as escolas que
recebem crianças da Educação
Infantil, independentemente do
contexto em que estão inseridas;
Pensar e construir um documento
orientador, específico da EI, que
respeite cada uma das singularidades
do município de Bom Jesus da Lapa
BA, desde os Centros de Educação
Infantil, sede, às escolas situadas em
espaços não urbanos.
Nesse viés, como esta pesquisa
partiu dos princípios de uma pesquisa-ação
existencialista e é fruto de um Mestrado
Profissional, segundo as professoras
pesquisadoras, o melhor produto a ser
compartilhado aqui é a vontade de divulgar
o quão especial e específico é o Projeto
Formoso “A”, que não se encaixa em
Educação urbana nem campesina,
informação nunca antes pensada pelas
professoras, mas que agora faz sentido,
que foi possível rever as suas práticas, seja
em sala de referência, seja nos cursos de
formação continuada.
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Dos cinco colaboradores que atuavam na SEMED
em 2017, o secretário, a coordenadora de EI, da EC,
do Programa Despertar e a coordenadora
pedagógica geral, apenas a última permaneceu no
cargo, em 2018.
Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 15/01/2019
Aprovado em: 08/07/2019
Publicado em: 27/08/2020
Received on January 15th, 2018
Accepted on July 08th, 2019
Published on August, 27th, 2020
Contribuições no artigo: As autoras foram as
responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for
the designing, delineating, analyzing and interpreting the
data, production of the manuscript, critical revision of the
content and approval of the final version published.
Conflitos de interesse: As autoras declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Cândida Maria Santos Daltro Alves
http://orcid.org/0000-0002-3727-7623
Cíntia Lopes Vieira de Jesus
http://orcid.org/0000-0002-4705-2225
Raquel de Oliveira
http://orcid.org/0000-0003-0801-934X
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Alves, C. M. S. D., Jesus, C. L. V., & Oliveira, R. (2020).
Políticas públicas na Educação Infantil: o que pensam as
professoras do Projeto Formoso “A”?. Rev. Bras. Educ.
Camp., 5, e6422. http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e6422
ABNT
ALVES, C. M. S. D. JESUS, C. L. V.; OLIVEIRA, R.
Políticas públicas na Educação Infantil: o que pensam as
professoras do Projeto Formoso “A”?. Rev. Bras. Educ.
Camp., Tocantinópolis, v. 5, e6422, 2020.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e6422