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atrasados, ingênuos, ignorantes, matutos,
brutos, rústicos, até mesmo incivilizados,
entre outras expressões semelhantes.
Tais adjetivações são um modo de
associar a identidade dos camponeses a um
parâmetro construído e produzido pelos
homens letrados e urbanos (Brandão,
1983). Desse modo, costuma-se
representar o homem e a mulher do campo
em comparação ao homem/mulher da
cidade – de alguns pontos da cidade, é bom
deixar claro. Assim, o camponês é mais
adjetivado pelo que ele não é (não é
cidadão, sujeito, trabalhador, contribuinte
social, inteligente, culto, letrado, produtor,
etc.) e pelo que não tem (não tem
educação, formação, cultura...).
“Ele é ponto por ponto a face negada
do homem burguês e se define pelas
caricaturas que de longe a cidade faz dele,
para estabelecer, através da própria
diferença entre um tipo de pessoa e a outra,
a sua grandeza”. (Brandão, 1983, p. 12).
Essas caricaturas que desses sujeitos foram
feitas têm forte influência no modo como
hoje os mesmos costumam ser vistos e
representados na contemporaneidade pelos
sujeitos urbanos, ainda que o imaginário
tenha passado por algumas transformações
ao longo do século XX, a partir do
crescimento urbano-industrial.
Vale recordar que o menosprezo com
o homem do campo tem uma raiz histórica
proveniente da Antiguidade, e que foi
reforçada pelo cristianismo na alta Idade
Média.
Na Antiguidade, ele é o grosseiro, o
rústico, em oposição ao homem da
cidade. O camponês não tem sorte
com o cristianismo: como ele é quase
que o último a se deixar cristianizar,
ele se torna para os cristãos, que
geralmente moram nas cidades, o
pagão por excelência, e o termo
pagão, paganus, quer dizer também
camponês (paysan). (Le Goff, 1998,
p. 47-48).
Não à toa, muitas cidades serão
construídas com muralhas ao redor. “A
muralha separa a cidade, lugar de
civilização luminosa, e o campo, lugar de
rusticidade tenebrosa”. (Le Goff, 1998, p.
119). Ainda segundo o historiador francês,
nesse período, de organização social
baseada no feudalismo, a pirâmide da
sociedade europeia é constituída pelo rei
no topo, pelos senhores abaixo deste e
pelos camponeses na base.
Se remontamos à Antiguidade, é em
Roma, sobretudo, que se cria, do
ponto de vista cultural, do ponto de
vista dos costumes, uma oposição
muito forte entre a cidade e o campo.
E é aí que começa a aparecer um
vocabulário que vai ser reforçado
precisamente na Idade Média. Os
homens relacionados à cidade
denotam a educação, a cultura, os
bons costumes, a elegância:
urbanidade vem do latim urbs,
polidez, da polis grega. A Idade
Média herda da Antiguidade latina, e
reforça, esse menosprezo pelo
campo, sede do bárbaro, do rústico.