Revista Brasileira de Educação do Campo
The Brazilian Scientific Journal of Rural Education
ENTREVISTA / INTERVIEW
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.v4e6502
Tocantinópolis/Brasil
v. 4
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2019
ISSN: 2525-4863
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Educação do Campo em Arraias/TO: relato de uma
experiência
i
Entrevistador: Prof. Dr. George Leonardo Seabra Coelho
Entrevistado: Prof. Dr. Alessandro Rodrigues Pimenta
George Leonardo Seabra Coelho
1
1
Universidade Federal do Tocantins - UFT. Licenciatura em Educação do Campo. Rua 5 Qd V Casa 3 Setor Arnaldo Prieto.
Arraias - TO. Brasil.
Autor para correspondência/Author for correspondence: george.coelho@hotmail.com
Antes de apresentar a entrevista com
o Prof. Dr. Alessandro Rodrigues Pimenta,
é importante realizar algumas ponderações.
Desde que cheguei à Universidade Federal
do Tocantins, desde minhas primeiras
conversas com o Prof. Alessandro, o
referido docente despertou em mim uma
grande admiração pela sua pessoa, tanto
como profissional quanto por sua
personalidade. A cada dia que passa, essa
admiração transforma-se em amizade, a
qual sem hipocrisia acadêmica não
tenho receio de demonstrar publicamente.
Frente ao seu conhecimento teórico,
administrativo e como docente, surgiu a
partir do diálogo com o outro organizador
desta obra o Prof. Dr. Gilberto Paulino
de Araújo a iniciativa de a iniciativa de
incluir uma entrevista, realizada por mim,
com o Prof. Alessandro. Mesmo que esse
grande profissional não esteja no Brasil
desde março de 2017, devido ao seu
afastamento para o estágio pós-doutoral na
Universidade de Évora-Portugal, ele
atendeu prontamente a solicitação de
conceder a entrevista. Dessa forma, com a
presteza que sempre representou sua figura
humana e profissional, o Prof. Alessandro
pôde nos contar um pouco sobre sua
trajetória acadêmica, a institucionalização
do curso de Licenciatura em Educação do
Campo na UFT/Campus de Arraias, até
suas expectativas quanto ao fortalecimento
do curso no futuro. Então, espero que o
leitor acompanhe a entrevista concedida
apropriando de suas próprias palavras
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por um intelectual que milita em prol da
Educação do Campo no Brasil.
Professor Alessandro Pimenta, o senhor
pode nos contar um pouco sobre sua
formação acadêmica? Conte-nos sobre
sua trajetória como pesquisador e como
docente.
Minha formação se constituiu da
seguinte forma: em 1999, iniciei a
Graduação em Filosofia, na Universidade
Federal de Goiás (UFG), sobre o tema
Alteridade na Moral Cartesiana. Terminei
em 2001. Durante a graduação, fui bolsista
de Iniciação Científica pelo Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq), com uma pesquisa
sobre a Subjetividade Racionalista no
Século XVII. No âmbito da Faculdade de
Ciências Humanas e Filosofia (FCHF), da
UFG, éramos, à época, apenas três
bolsistas, sendo que, da Filosofia, éramos
somente dois, num tempo em que havia
poucas bolsas e somente os alunos mais
destacados as conseguiam. Fiz curso de
latim, inglês, grego e francês. Sobre esta
última língua, fiz provas de proficiência na
Aliança Francesa, obtendo resultado
aprovativo, o que me permitia estudar em
universidades ligadas à França. Ainda na
graduação, apresentei trabalhos em eventos
importantes no país e publiquei artigo em
revista bem avaliada. No último período da
graduação, fiz seleção para o Mestrado em
Filosofia com uma proposta de
investigação sobre a Alteridade na Ética
Camusiana e fui aprovado entre os
primeiros lugares, o que me fez ser
contemplado com bolsa de pesquisa.
Minha pesquisa, ainda da graduação,
resultou em livro sobre Descartes. Após
defender o mestrado com a aprovação
máxima, iniciei minha atividade docente
na Universidade Católica de Goiás (UCG),
hoje PUC/Goiás. Um ano depois, em 2005,
iniciei meu Doutorado na Universidade
Gama Filho. Após terminar as disciplinas,
tive aceitação em algumas universidades
para Estágio de Pesquisa, como
Universidade de Lausanne (Suíça),
Universidade de Navarra (Espanha) e
Universidade Paris I - Sorbonne. Fiz opção
em estudar em Paris. Defendi o doutorado
em 2008. Meses antes de defender o
doutorado, fui aprovado em concurso
público na Universidade Federal do Piauí,
onde, após consulta eleitoral, como Vice-
Diretor e Diretor em Exercício, trabalhei
diretamente na implantação de 10 cursos
do Programa do Governo Federal de Apoio
ao Plano de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais Brasileiras
(REUNI) e mais de 100 concursos para
docentes. Época na qual também me inseri
em programas como Programa de Bolsas
de Iniciação à Docência (PIBID),
Programa de Apoio à Implantação de
Licenciaturas em Educação do Campo
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(PROCAMPO) e Plano Nacional de
Formação de Professores (PARFOR), bem
como em pesquisas de cunho stricto sensu
no Mestrado em Ética e Epistemologia
(Filosofia) - no qual fui Professor
Permanente até minha redistribuição para a
Universidade Federal do Tocantins (UFT).
Fui membro de comissões ligadas ao
Conselho Superior da UFPI. Desde 2008,
milito no Movimento Nacional dos
Direitos Humanos (MNDH).
quanto tempo o senhor dedica-se à
Educação do Campo? Poderia
compartilhar algo sobre sua trajetória
como coordenador do curso de
Licenciatura em Educação do Campo na
UFT/ Campus de Arraias?
A pergunta se divide em duas partes.
Uma mais ampla sobre minha inserção na
Educação do Campo e outra na UFT, no
Campus citado. Vamos à primeira! Minha
experiência remonta a 2008, quando iniciei
atividades no interior do Piauí, na UFPI,
onde colaboramos com duas turmas do
programa PROCAMPO, uma em Jacós-PI
e outra em Oeiras-PI. Estas turmas
obtiveram êxitos muito significativos.
Nessa época, eu era docente e membro do
Núcleo Docente Estruturante (NDE). Não
poderia deixar de mencionar o apoio
institucional do Reitor, Professor Dr. Luiz
Júnior, das Professoras Drª. Maria de
Lourdes Rocha Lima Nunes, Drª. Antonia
Dalva Carvalho e Drª. Suze Sales. Fui
credenciado, em 2011, como docente no
Mestrado em Filosofia da UFPI, curso em
que fui professor permanente e membro do
Colegiado. Lecionei na Licenciatura
Presencial em Filosofia e na Educação à
Distância, com disciplinas, orientações,
ações do Pibid e Pibid-Diversidade, este
último destinado às escolas do campo.
Desde 2010, sou avaliador credenciado
pelo Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(INEP) de cursos de graduação em
Educação do Campo e Licenciatura
Intercultural Indígena, bem como em
Filosofia. Isso nos coloca em um âmbito
no qual o olhar não é apenas do que
deveriam ser os cursos, mas, efetivamente,
como eles se constituem no Brasil. Assim,
minha inserção na Educação do Campo,
desde 2008, possui um âmbito local na
institucionalização dos cursos, bem como
em comissões nacionais do MEC de
avaliações. Então, sobre a primeira parte,
dedico-me desde 2008, com ações de
docência, participação de comissões locais
e nacionais e como pesquisador com
publicações na área. A segunda parte se
refere ao momento no qual assumi e estive
à frente da Coordenação do Curso de
Educação do Campo em Arraias. Quando
chegamos, ao final de outubro de 2013, à
convite da Administração superior da UFT,
com o aval do MEC, nos empenhamos
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totalmente no processo de implantação do
curso. À altura, encontramos a seguinte
situação, sobre a qual serei sintético:
havia um concurso realizado com apenas
um professor em exercício, a saber, o
Prof. Esp. Roberto Leite. Os técnicos
previstos no Edital, que visou implantar o
curso de Educação do Campo, estavam
destinados a outros setores no Campus.
Isso fez com que, mesmo tendo três vagas,
o curso não possuísse sequer um secretário,
sem qualquer conhecimento nosso. Junto a
mim, chegou a Profª. Drª. Suze Sales e
outro professor concursado, que fora à
época nomeado, o Prof. Me. Sebastião
Soares. Assim, fizemos uma reunião e
elegemos a coordenação, que ficou,
inicialmente, sob minha responsabilidade.
Alguns meses após, meu mandato foi
legitimado pela consulta ao Colegiado, o
que me permitiu mais dois anos à frente do
curso, ou seja, perpassou todo o processo
de entrada das três primeiras turmas da
Educação do Campo de Arraias. Na
sequência, as ações foram: elaboração de
um Projeto Pedagógico de Curso,
observando as experiências pretéritas bem-
sucedidas em outras instituições e
orientações do MEC, bem como PPC de
cursos com habilitações afins, bem
avaliados pelo INEP/MEC. As nomeações
do concurso citado aconteceram e, por fim,
era preciso realizar o vestibular, já atrasado
(pois a previsão era que o processo seletivo
em tela acontecesse em sua primeira
edição em 2013. O que não ocorreu),
aprovar o PPC e realizar concursos
segundo os perfis contidos neste
documento. Acrescente-se que foi um
momento rico para discutirmos qual o
formato da Alternância, que existem
várias experiências no país e muitas delas
não eram no ensino superior, mas na
educação básica, o que fez com que
enriquecessem conceitualmente os
simplismos originários de alguns membros
do Colegiado.
O senhor poderia narrar o processo de
institucionalização do curso de
Educação do Campo na UFT/Campus
de Arraias, das primeiras discussões até
esses três primeiros anos?
A resposta a esta pergunta é,
exatamente, a sequência da anterior.
Continuemos. Em primeiro lugar,
organizamos um Colegiado. Tínhamos de
fazer tudo, pois, repito, não dispúnhamos
de nenhum técnico para a Educação do
Campo naquela altura, mesmo o Campus
usando as vagas que foram destinadas para
o curso. Então, o seu processo de
institucionalização começou por ações que
deram forma ao curso na UFT e na
sociedade. Na UFT houve a aprovação do
PPC, cuja colaboração dos técnicos da Pró-
Reitoria de Graduação foi fundamental.
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Houve também a organização do primeiro
vestibular, juntamente com o Campus de
Tocantinópolis. Aqui é impreterível
salientar a presença do Grupo de Estudos e
Pesquisas em Educação do Campo da UFT
(GEPEC), fundado por professores
pesquisadores da temática da Educação do
Campo, encabeçados pelo Prof. Dr.
Claudemiro Godoy do Nascimento.
Cumpre ressaltar que o grupo em tela
agregou e agrega professores, alunos e
pesquisadores da temática da Educação do
Campo e Rural. Membros do GEPEC
fizeram viagens às comunidades e
municípios das regiões do Sudeste do
Tocantins e Nordeste Goiano para, não
somente divulgar o vestibular, mas
explicar o formato do curso. Alguns
professores foram em carros próprios,
outros em veículos da UFT. casos de
membros do GEPEC que foram impedidos
de realizar as atividades em veículos da
UFT, sem qualquer explicação plausível à
época. Como eu era neófito na instituição,
não conseguia entender certas práticas
locais de possíveis patrimonialismos com a
coisa pública ou aparências de
perseguições. O mais importante é que
tudo foi feito e, o primeiro vestibular,
assim como os outros, foi um sucesso e, a
cada semestre, temos mais alunos oriundos
de comunidades quilombolas. Nossa
ligação com o movimento social se
coaduna com as demandas de
reconhecimento de comunidades
quilombolas e com a inserção de nossos
alunos nessas demandas. Tivemos quase
mil inscritos somente para Arraias - TO no
primeiro vestibular, em 2014. Isso nos
mostrou que a proposta enviada ao MEC
pela Profª. Drª. Raquel Carvalho estava no
caminho certo e as resistências foram mais
internas que externas, pois era comum
ouvir falar-se que não haveria demanda ou
de que o curso não teria inscritos. Ouvi
várias vezes, em tom de sarcasmo,
professores da UFT do Campus citado,
perguntando se eu coordenava um curso
superior e se ele concederia diploma de
nível superior. Hoje, a Licenciatura em
Educação do Campo Habilitação: Artes
Visuais e Música é o curso mais
concorrido no Campus e com o menor
número de evasão. Assim que foi possível,
por razões de número de docentes no
curso, organizamos o NDE. Durante quase
três anos, não tivemos laboratórios
específicos de Música e Artes Visuais.
Mas, as coisas foram progredindo e
fizemos uma comissão para planejamento e
solicitação de tais laboratórios, o que nos
deu bons resultados. Não se deve esquecer
de fazer notar a importância fundamental
da Profª. Drª. Isabel Auler, na época, Vice-
Reitora. As conquistas foram muito bem
apoiadas por ela. Conseguimos bolsas
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permanência para todos os alunos do curso.
A estas, tivemos edital próprio o qual
chamamos de Bolsas-PROCAMPO. Foi
disponibilizado, após demandas nossas, um
veículo 4X4 para as atividades nas
comunidades rurais. Ficamos felizes em
saber que colaboramos para que se
efetivasse uma demanda antiga de veículo
4X4 para o Campus! Muitos foram
beneficiados! À mesma época, discutiuse
exaustivamente sobre Alternância e o
Colegiado entendeu que iríamos criar
nossos mecanismos e assim foi feito. Claro
que isso pode ter desagradado um ou outro
professor que possuía modelos prontos,
oriundos de leituras apressadas sobre o
assunto, pois no ensino superior, o grupo,
em quase sua totalidade, não possuía
experiência na docência em cursos de
Licenciatura em Educação do Campo.
Na sua concepção, quais foram os
principais avanços, dificuldades e
desafios até o momento, assim como
para o próximo triênio?
O principal avanço é que, de fato,
nos três primeiros anos as perspectivas do
MEC e da UFT foram alcançadas. O curso
de Arraias, apesar de novo, possui índices
muito elevados e isso fez com que todo o
trabalho realizado pelo Colegiado do curso
possa ser visto como um resultado
importante. Ficou claro o número elevado
de pessoas que queriam estudar, entretanto,
morando na zona rural ou em comunidades
quilombolas, ficava inviável a frequência
diária à universidade. O curso, organizado
em regime de Alternância, colaborou para
o ingresso e permanência desses sujeitos,
antes marginalizados quanto ao acesso ao
nível superior de educação. Nesse sentido,
houve um esforço para que, de fato, a UFT
fosse às comunidades, que saísse de um
discurso ou de uma prática cujos
campesinos eram objetos de pesquisas, se
tornan- 30 do, a partir do momento em que
adentraram a universidade, sujeitos de um
processo formativo mais amplo e
complexo. A Alternância mudou a prática
de acesso à UFT. Não mais as pessoas
tinham a necessidade de morar, quase “de
favor”, para estudar e/ou serem
submetidas, em alguns casos, a práticas
sociais inenarráveis. Tivemos mais
desafios internos que externos. Não raras
vezes, professores foram em seus carros às
comunidades, por razões que nos fogem à
explicação. Os técnicos da Educação do
Campo não estão todos lotados no curso e
precisamos deles. Se não fossem
necessários, nem no edital e na Nota
Técnica da SECADI estariam previstos.
Entretanto, membros do Conselho do
Campus possuíam outro entendimento e,
de fato, o processo nunca foi avaliado. Foi
votado apenas a partir de discussões
verbais. A quem isso interessa? Os
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desafios, após o processo de
institucionalização, que tinha como foco 3
entradas de 120 alunos/ano, são:
mantermos conquistas de assistência
estudantil, qualidade do ensino, atividades
de extensão e pesquisa. O curso sofreu
preconceitos e perseguições desde sua
proposta até sua implantação definitiva,
cujas ações podem ser entendidas
compreendendo as estruturas de poder.
Estas, ao se sentirem ameaçadas, como diz
Arendt, não tendo mais autoridade, usam a
violência. Mas, em três anos, o curso
venceu. Os desafios agora, em minha
opinião, são que a gestão do curso, alunos
e professores saibam lidar com os
enfrentamentos; que mantenhamos as
conquistas; que possamos organizar nossos
laboratórios com os técnicos
disponibilizados pelo MEC; que possamos
realizar outras Pós-Graduações em
Educação do Campo (como fizemos!);
que o GEPEC continue sendo este lugar de
discussões acadêmicas e políticas em
sentido amplo. Mas, para isso, não
podemos ter a ideia romantizada, por
exemplo, de que embaixo de uma árvore se
ensina. Ao contrário, devemos pensar: se
embaixo de uma árvore se ensina, com
melhores condições humanas e de
infraestrutura, ensina-se mais e melhor.
Sendo os cursos de Licenciatura em
Educação do Campo organizados em
Pedagogia de Alternância, como o
senhor compreende essa abordagem?
Primeiro, o termo “Pedagogia da
Alternância” é evitado no ensino superior.
Usa-se mais adequadamente Alternância.
Compreendo ser fundamental a
Alternância e o que entendo,
fundamentalmente, sobre ela está na Nota
Técnica da SECADI, n. 3/2016, na qual
colaborei em sua elaboração e no Decreto
Presidencial n. 7.352/2010. Lá, indicam-se
carga-horária para a formação que ocorre
na universidade e nas comunidades.
Entretanto, especificidades estão abertas a
cada curso, de acordo com suas
capacidades humanas e logísticas de
planejarem e executarem sua
temporalidade. Fizemos o esforço para
que, em momento algum, a Alternância
fosse confundida com algo semipresencial
ou Educação à Distância (EAD) por atores
internos das Instituições Federais de
Ensino Superior, declaradamente
contrários à Educação do Campo. Nisso o
curso foi bem-sucedido!
O senhor pode descrever como
funcionou a Alternância durante sua
gestão como coordenador do Curso de
Licenciatura em Educação do Campo
UFT/Campus de Arraias?
No Colegiado do curso, desde o
começo das atividades, houve um
entendimento de que era fundamental a
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presença constante dos docentes nas
comunidades dos alunos. Éramos, à época,
sete professores. Em Assembleia realizada
com os professores e alunos, entendemos
ser necessária a criação de comunidades
nas quais pudéssemos realizar os
acompanhamentos pedagógicos, o diálogo
e o conhecimento da cultura e do lugar de
onde vinham esses acadêmicos,
orientações, trabalhos e atividades práticas
e demais processos que envolvem a
aprendizagem. Assim, entendemos que
estes lugares ultrapassavam o campo
geográfico, sendo lugares de vida, de
partilha, de acolhimento. Os alunos
entenderam que seriam as seguintes
localidades: Arraias-TO, Monte Alegre-
GO, Paranã-TO e Rio da Conceição-TO
(que depois, por solicitação dos próprios
alunos, foi mudada para Taguatinga-TO).
Estas localidades são chamadas de
Comunidades Integradoras. Os calendários
foram elaborados com meses de
antecedência e foram disponibilizados aos
alunos ainda no Tempo Universidade.
Após essa primeira conversa, no GEPEC e
no Colegiado do curso, bem como em
demais assembleias com os alunos, a ideia
de Comunidades Integradoras se
consolidou e hoje faz parte de nosso
entendimento sobre o modo como, de fato,
o curso acontece. É bom e importante
lembrar que esse trabalho implicou um
processo de aprendizagem nos sujeitos
envolvidos, desde docentes, discentes até a
Administração Superior da UFT. Não é
sem razão que, durante esses três anos,
enfrentamentos foram necessários,
especialmente porque a Educação do
Campo implica uma nova visão e prática
sobre o que vem a ser o papel da
universidade e sua relação com os
movimentos sociais organizados. Num
processo de institucionalização, isso fica
mais tenso, pois instâncias diferentes de
deliberação e o curso não podia (nem
pode) ser comparado, de modo
simplificado, com experiências sem
analogias sustentáveis.
No campo pedagógico, para o senhor,
qual seria a corrente epistemológica
mais adequada para a abordagem na
Educação do Campo? Por quê?
Acredito que a definição de uma
corrente como a “certa”, é um erro.
Posso dizer que, do ponto de vista teórico,
a Pedagogia Histórico-Crítica responde
bem à Educação do Campo. O que não
podemos fazer é não termos consciência de
nossa base teórico-metodológica e, se não
a temos, devemos procurar fazê-la. Isso
não exclui outras epistemologias que
podem contribuir, como: Histórica-
Comparada, Letramentos, Hermenêutica,
Fenomenologia, Desconstrução,
Pragmática, Decolonização etc. Mas, uma
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discussão teórica pressupõe elementos
constitutivos que não vejo em discursos
panfletários. Assusta-nos perceber como
há, no meio acadêmico, discursos
panfletários!
No que se refere à formação de
professores, como os cursos de
Licenciatura em Educação do Campo
entendem a práxis docente? Sobre os
professores licenciandos ou sobre os
professores que formam professores?
Sobre os licenciandos é uma práxis
que parte da vida, mas é perpassada pelos
conteúdos historicamente acumulados pela
humanidade e, retornando à situação inicial
desses alunos, permite-os compreender o
processo de constituição da materialidade
de seu trabalho como docente e de suas
condições de produção e reprodução da
vida. Sobre a formação dos professores que
lecionam na Educação do Campo, esta é
uma discussão ainda em realização e está
prevista uma formação ainda em 2017, no
Estado de Minas Gerais.
Para finalizar, o senhor se considera um
militante, um teórico, um pensador ou
gestor quando o assunto é Educação do
Campo? O que o senhor espera para o
futuro da Educação do Campo no
Brasil?
Os conceitos emitidos na primeira
pergunta se imbricam. Prefiro o termo
intelectual que milita, sabendo que a
militância é uma parte do processo, que
envolve, também, uma gestão eficiente.
Por um lado, entendo que, em muitas
situações, várias ideias boas ficam no
campo das ideias e, por outro lado, ideias
ruins ganham destaque. Tentei evitar isso
ao máximo no âmbito do curso e os
resultados podem ser facilmente vistos.
Sou apenas um intelectual inserido no
círculo hermenêutico em que o limite da
linguagem é o limite do seu mundo e, as
certezas locais, se existem, somente podem
ser defendidas por embusteiros, pois o
homem é sempre uma abertura, num
paradoxo, como nos lembrar Ricoeur, entre
a crítica e a convicção. Quanto à segunda
pergunta, penso o seguinte: a Educação do
Campo no Brasil se encontra em um
momento delicado. Temos uma
instabilidade política que não nos permite
um juízo claro e distinto sobre a
atualidade. Entretanto, podemos
vislumbrar que a Educação do Campo
encontra um novo desafio: manter o
processo de institucionalização dos cursos
na perspectiva de uma educação que tenha
a emanci- 34 pação dos sujeitos como meta
e que seja redefinido o diálogo com os
movimentos sociais. Temos mais de
quarenta cursos regulares de Educação do
Campo em todo o Brasil. Esta é uma
grande conquista! Agora, quando falamos
em redefinição de diálogo com os
Movimentos Sociais, indicamos uma
Coelho, G. L. S. (2019). Educação do Campo em Arraias/TO: relato de uma experiência
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perspectiva ampla de relação e de
Movimentos, pois se trata mais de incluir
do que excluir. Nesse sentido, é possível
que os interesses da Educação do Campo
com interesses da Educação Popular sejam
um viés de diálogo e de luta comuns. No
atual momento político do Brasil, quanto
mais fragmentada a Educação estiver,
menos potencialidade ela terá do ponto de
vista político, ético e pedagógico. Não
podemos perder de vista um horizonte
utópico na Educação do Campo, no sentido
de uma articulação e luta para uma
Educação que é um projeto em construção.
Assim, a utopia não pode ser
compreendida como algo que,
simplesmente, não existe, não tem lugar ou
que seja irrealizável. A utopia deve ser
entendida como o “ainda-não”, como
abertura de possibilidades de novas
construções epistemológicas e de novas
práxis. Considerando toda a caminhada e
saberes acumulados dos Movimentos
Sociais e da Educação do Campo, é
possível toda redefinição de conceitos e de
práticas.
Sapere Aude!
Évora, Portugal, primavera de 2017.
i
Essa entrevista foi publicada no livro Educação do
Campo e Cidadania no Brasil Contemporâneo
(2018) editado pela Editora da UFT.
Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 08/02/2019
Aprovado em: 19/05/2019
Publicado em: /05/2019
Received on February 08th, 2019
Accepted on May 19th, 2019
Published on May, th, 2019
Conflitos de interesse: O autor declarou não haver
nenhum conflito de interesse referente a esta entrevista.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
George Leonardo Seabra Coelho
http://orcid.org/0000-0002-3166-4008
Como citar esta entrevista / How to cite this interview
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Coelho, G. L. S. (2019). Educação do Campo em
Arraias/TO: relato de uma experiência. Rev. Bras. Educ.
Camp., 4, e6502. DOI:
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ABNT
COELHO, G. L. S. Educação do Campo em Arraias/TO:
relato de uma experiência. Rev. Bras. Educ. Camp.,
Tocantinópolis, v. 4, e6502, 2019. DOI:
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e6502