Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e6632
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e6632
10.20873/uft.rbec.e6632
2020
ISSN: 2525-4863
1
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A política de educação em tempo integral, perspectivas e
aproximações com a Educação do Campo
Clenya Ruth Alves Vasconcelos
1
, Solange Helena Ximenes-Rocha
2
1, 2
Universidade Federal do Oeste do Pará - UFOPA. Curso de Pedagogia. Avenida Marechal. Rondon, s./n., Caranazal. Santarém
- PA. Brasil.
Autor para correspondência/Author for correspondence: clenya.vasconcelos@ufopa.edu.br
RESUMO. O trabalho versa sobre a implementação e imbricação
das políticas educacionais de educação em tempo integral e
Educação do Campo. A pesquisa, de natureza bibliográfica, dialoga
com diferentes autores do campo de estudo discutido, como:
Cavaliere (2010), Lecler e Moll (2012) e documentos normativos
como os Cadernos Pedagógicos da Série Educação no Campo
(2009), Manual Operacional da Educação Integral (2014),
Resolução CNE/CEB 01, de 3 de abril de 2002. Considerando as
imbricações das políticas, entende-se que no nível de formulação,
em seus aspectos conceituais e pedagógicos, convergem, e, assim,
as propostas de adequação da política de educação em tempo
integral para as escolas do campo são sustentadas pela coexistência
de diferentes formas e dinâmicas de vida no campo e o processo
educativo deve partir dessas especificidades. O Mais Educação
Campo, implementado nas escolas, tem se constituído um desafio
para a política de educação em tempo integral, pois pressupõe uma
organização pedagógica diferenciada e refletida em práticas
alinhadas a novas formas de concepção da relação espaço-tempo,
conexão das atividades entre turnos, e currículo.
Palavras-chave: Educação em Tempo Integral, Educação do
Campo, Política Educacional.
Vasconcelos, C. R. A., & Ximenes-Rocha, S. H. (2020). A política de educação em tempo integral, perspectivas e aproximações
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The full-time education policy, perspectives and approaches
to Rural Education
ABSTRACT. The work deals with the implementation and
imbrication of the educational policies of full-time education and
Rural Education. The research of bibliographical nature, dialogues
with different authors of the field of study discussed as: Cavaliere
(2010), Lecler and Moll (2012) and normative documents such as
the Pedagogical Notebooks of the Education in the Field Series
(2009), Operational Manual of Integral Education (2014),
Resolution CNE/CEB 01, of April 3, 2002. Considering the policy
impact, appear, it is understood that the wording in their conceptual
and pedagogical aspects, converge, and so, the adequacy of policy
proposals full-time education for schools in the field are supported
by coexistence of different forms and dynamics of life in the
country and that the educational process must leave these
specificities. The More rural education implemented in schools, has
become a challenge for the full-time education policy, because it
assumes a pedagogical differentiated organization reflected in
practices aligned to new forms of interface design space-time,
connecting the activities between shifts, and curriculum.
Keywords: Full-time Education, Rural Education, Educational
Policy.
Vasconcelos, C. R. A., & Ximenes-Rocha, S. H. (2020). A política de educação em tempo integral, perspectivas e aproximações
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La política de educación a tiempo completo, perspectivas y
aproximaciones con la Educación del Campo
RESUMEN. El estudio aqui presentado versa sobre la
implementación e imbricación de politicas educativas de la
educación en tiempo integral y la del campo. La investigación de
naturaleza bibliografica, dialoga com diversos autores del campo de
estudio discutido con: Cavaliere (2010), Lecler y Moll (2012) y
documentos oficiales como los Cuadernos Pedagógicos de la Série
Educación en el Campo (2009), Manual Operacional de la
Educación Integral (2014), Resolución CNE/CEB 01, del 3 de abril
de 2002. Considerandose las imbricaciones de las políticas, se
entiende que, en el nivel de formulación, en sus aspectos
conceptuales y pedagógicos, hay una convergencia, y las
propuestas de adecuación de la política educativa de tiempo
integral para las escuelas del campo son sustentadas por la
coexistencia de diferentes formas y dinamicas de la vida en el
campo donde el proceso educativo debe partir de esas
especificaciones. El Más Educación en el Campo, implementado
en las escuelas, se ha constituído un reto para la política educativa
de tiempo integral, pues presupone una organización pedagógica
diferenciada y refletida em prácticas alineadas a nuevas formas de
concepción de la relación espacio-tiempo, conexión de las
actividades entre turnos, y currículo
Palabras clave: Educación en Tiempo Integral, Educación del
Campo, Política Educativa.
Introdução
Vasconcelos, C. R. A., & Rocha, S. H. X. (2020). A política de educação em tempo integral, perspectivas e aproximações com a
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O Mais Educação Campo como
expressão da política de educação em
tempo integral, constituiu-se a partir da
organização de um grupo de trabalho
composto de representações de
movimentos sociais e organizações da
sociedade civil, a partir de 2009. Esse
programa de natureza específica para as
escolas do campo do Brasil sintetiza os
ideais pedagógicos da Educação do Campo
defendidos desde a década de 1990 como
contextualização do currículo,
especificidade da vida do homem do
campo, entre outros.
Tais ideais se fundem na perspectiva
de ampliação de tempos e espaços
formativos, própria da política de educação
em tempo integral. Embora haja a
apropriação desses ideais pedagógicos pela
política de educação em tempo integral,
persistem, segundo pesquisas como a de
Vasconcelos e Ximenes-Rocha (2018), os
desafios que perpassam o contexto da
prática pedagógica como organização
pedagógica dos tempos e espaços
formativos, a conexão das atividades entre
turnos, dentre outros aspectos.
Assim, este trabalho objetiva
compreender a imbricação da política
educacional de educação em tempo
integral e Educação do Campo através da
proposição do Programa Mais Educação
Campo e as perspectivas para a
organização dos tempos e espaços
formativos. Para o estudo, assumimos a
abordagem qualitativa amparada na
pesquisa bibliográfica e documental. O
artigo parte de uma análise conjuntural e
histórica das políticas em questão por meio
da implementação do Programa Mais
Educação Campo e desdobra-se em
reflexões sobre a organização pedagógica
dos tempos e espaços formativos nessa
perspectiva.
Educação em tempo integral no campo
no Brasil: uma proposta em
implementação
É importante situar quando se discute
a Educação do Campo o papel que a
representação dos movimentos sociais
possuiu nas definições e demandas do
campo. Nesse sentido, antes de
adentrarmos na especificidade da política
de educação em tempo integral para o
campo, chamamos à discussão o relevante
papel dos movimentos sociais no
delineamento de políticas públicas para o
meio rural.
De início, pontuamos que entre as
décadas de 1950 e 1960 as políticas
educacionais representavam para o campo
a orientação de manter o trabalhador no
meio rural. Seguindo essa finalidade,
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ensejou-se uma política educacional de
caráter compensatório para esse
trabalhador.
O reconhecimento da Educação do
Campo sintonizada com as especificidades
da vida no campo e a luta pelos direitos
sociais, deveu-se ao protagonismo dos
movimentos ligados à educação popular
em meados da década de 1980. A
Educação do Campo figurou com a
revitalização da resistência em busca da
redemocratização do país desses
movimentos que foram sufocados durante
o período da ditadura militar.
Esses movimentos passaram a ser
instâncias representativas do campo e
traziam como pauta de exigência no
âmbito político uma educação baseada nas
especificidades, demandadas pelo campo, e
equiparação no nível de qualidade com a
educação oferecida na cidade. Nessa
perspectiva, Costa (2012, p. 02) situa:
Frente às demandas sociais por
melhores condições de vida,
principalmente, no que tange à
educação, começam a se originar no
campo, movimentos sociais que
reivindicam políticas públicas para a
educação do campo, fora dos moldes
até então pensados para o meio rural;
os sujeitos do campo passam,
ultimamente, a reivindicar não mais
uma educação para o campo, e sim
uma educação do campo e no campo,
pautada na transformação dos
sujeitos e da sociedade, na qualidade
de vida; uma educação que desafie e
condições para os camponeses
viverem dignamente em seu chão e
que busque romper com as
imposições de políticas arcaicas; uma
educação que pactue com a dignidade
humana de viver melhor e
dignamente.
Dentre os movimentos que atuaram
de forma intensa nesse período
destacaram-se as ações educativas do
Movimento Nacional dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST), da Comissão
Pastoral da Terra (CPT), da Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
(Contag) e do Movimento Eclesial de Base
(MEB). O contexto de intensa mobilização
política e social ansiava por um processo
educativo de qualidade arrolado aos
princípios de pertencimento cultural, na
especificidade do processo de ensino e de
aprendizagem e essas aspirações, em
partes, foram contempladas na
Constituição de 1988. A Constituição
simbolizou um marco no reconhecimento
dos direitos sociais sufocados no regime
militar e “consolidou o compromisso do
Estado e da sociedade brasileira em
promover a educação para todos,
garantindo o direito ao respeito e à
adequação da educação às singularidades
culturais e regionais” (Brasil, 2007, p. 12).
Em 1996, em continuidade ao
disposto na Constituição de 1988, a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (Lei
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9.394/96), em seu Artigo 28, passou a
prever de modo mais focalizado a
Educação do Campo:
Na oferta de educação básica para a
população rural, os sistemas de
ensino promoverão as adaptações
necessárias à sua adequação às
peculiaridades da vida rural e de cada
região, especialmente:
I - Conteúdos curriculares e
metodologias apropriadas às reais
necessidades e interesses dos alunos
da zona rural;
II - Organização escolar própria,
incluindo adequação do calendário
escolar às fases do ciclo agrícola e às
condições climáticas;
III - adequação à natureza do
trabalho na zona rural. (Brasil, 1996,
p. 16).
Apesar da Constituição de 1988
trazer o reconhecimento das singularidades
culturais e regionais e a LDB contemplar a
Educação do Campo de modo mais
específico, foi o movimento conhecido
como “Articulação Nacional Por uma
Educação no campo” que deu maior vulto
e expressão aos ideais da Educação do
Campo em 1998. Essa articulação era
reconhecida como:
Entidade supra-organizacional que
passou a promover e gerir as ões
conjuntas pela escolarização dos
povos do campo em nível nacional.
Dentre as conquistas alcançadas por
essa Articulação estão a realização de
duas Conferências Nacionais por
uma Educação Básica do Campo -
em 1998 e 2004, a instituição pelo
Conselho Nacional de Educação
(CNE) das Diretrizes Operacionais
para a Educação Básica nas Escolas
do Campo, em 2002; e a instituição
do Grupo Permanente de Trabalho de
Educação do Campo (GPT), em
2003. (Brasil, 2012, p. 12).
De acordo com as reflexões
propostas no interior do movimento, o
processo educativo se desenvolveria de
modo mais significativo se a dinâmica do
próprio campo fosse a base para a
educação dos sujeitos. Muito se aproxima
“com uma tentativa de criação de uma
escola que trabalhasse com métodos ativos,
visando a que o indivíduo construísse seu
conhecimento a partir de suas práticas e
seus saberes” (Bezerra, 2011, p. 116).
Portanto, a concepção do movimento
defendia a proposta de Educação do
Campo como resgate da cultura pela
valorização da diversidade cultural
presente na realidade do campo, a
articulação do trabalho, educação e
superação da relação dicotômica rural -
urbano. Diante dessa realidade, a escola
não precisava, mas devia apresentar um
novo olhar sobre a educação; isto é,
repensar seu papel no sentido de ampliar
sua atuação para além do processo de
escolarização.
Visando superar o “tratamento
periférico” da questão da Educação do
Campo, esses ideais foram contemplados
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em suas bases conceituais e estruturais na
resolução CNE/CEB 1, de 3 de abril de
2002, que institui as Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica nas
Escolas do Campo. As diretrizes são
normatizadas de acordo com o disposto na
Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996 -
LDB, na Lei 9.424, de 24 de dezembro
de 1996 que dispõe sobre o Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
Fundamental e de Valorização do
Magistério, na Lei 10.172, de 9 de
janeiro de 2001 - que aprova o Plano
Nacional de Educação e no Parecer
CNE/CEB 36/2001 - o que se pensa em
termos educacionais para o campo no
sentido de adequar os projetos das escolas
do campo às diretrizes curriculares
nacionais nas diferentes modalidades de
ensino. A resolução CNE/CEB 1, de 3 de
abril de 2002, em seus artigos primeiro e
segundo ordena o seguinte:
Art. A presente Resolução institui
as Diretrizes Operacionais para a
Educação Básica nas escolas do
campo a serem observadas nos
projetos das instituições que integram
os diversos sistemas de ensino.
Art. Estas Diretrizes, com base na
legislação educacional, constituem
um conjunto de princípios e de
procedimentos que visam adequar o
projeto institucional das escolas do
campo às Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil, o
Ensino Fundamental e Médio, a
Educação de Jovens e Adultos, a
Educação Especial, a Educação
Indígena, a Educação Profissional de
Nível Técnico e a Formação de
Professores em Nível Médio na
modalidade Normal. (Brasil, 2002, p.
01).
Salienta-se a adequação dos
projetos das escolas do campo às diretrizes
curriculares. Para isso, reconhece o modo
de vida próprio do homem do campo a
partir de sua diversidade cultural, social,
política, econômica, de nero, geração e
etnia para constituição da sua identidade.
Assim, o trabalho com a identidade da
escola do campo é orientado pelas
diretrizes para serem implementadas nos
projetos das instituições escolares.
Parágrafo único. A identidade da
escola do campo é definida pela sua
vinculação às questões inerentes à
sua realidade, ancorando-se na
temporalidade e saberes próprios dos
estudantes, na memória coletiva que
sinaliza futuros, na rede de ciência e
tecnologia disponível na sociedade e
nos movimentos sociais em defesa de
projetos que associem as soluções
exigidas por essas questões à
qualidade social da vida coletiva no
país. (Brasil, 2002, p. 01).
A retomada das bases teóricas da
articulação do Movimento Por uma
Educação do Campo leva à compreensão
de que as diretrizes operam segundo a
orientação do movimento; estas, por sua
vez, refletem o processo educativo a partir
das necessidades específicas dos sujeitos
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do campo, o qual articula especificidade e
universalidade dos conhecimentos
necessários à formação, como exposto a
seguir:
A Educação do Campo assume sua
particularidade, que é o vínculo com
sujeitos sociais concretos, e com um
recorte específico de classe, mas sem
deixar de considerar a dimensão da
universalidade: antes (durante e
depois) de tudo ela é educação,
formação de seres humanos. Ou seja,
a Educação do Campo faz o diálogo
com a teoria pedagógica desde a
realidade particular dos camponeses,
mas preocupada com a educação do
conjunto da população trabalhadora
do campo e, mais amplamente, com a
formação humana. E, sobretudo, trata
de construir uma educação do povo
do campo e não apenas com ele, nem
muito menos para ele. (Caldart, 2004,
p. 12).
Paralelamente à noção de
identidade, o mundo do trabalho e o
desenvolvimento sustentável são pontos de
ancoragem de estudos e experiências
pedagógicas no campo segundo as
diretrizes operacionais para a educação
básica. Isso implica superar a visão de
instrumentalizar o homem do campo para
trabalhar nos latifúndios de grandes
produtores rurais. Em alternativa a esse
modelo de desenvolvimento, a
agroecologia é apontada como
possibilidade de desenvolvimento de um
modelo popular de agricultura que alie a
produção e o cultivo da terra com modelos
sustentáveis.
Esse apanhado desvela a conjuntura
de luta de representações do campo que se
refletiram na materialização de direitos
através da regulamentação de políticas
públicas. Em que se pese esse
protagonismo, de se evidenciar a
atuação do grupo de trabalho intitulado
Educação Integral do Campo, instituído em
2009, articulado à atuação de segmentos
sociais como Movimentos Sociais e
Sindicais, Ministérios, algumas Secretarias
Municipais de Educação e Institutos
Superiores de Educação que deu ensejo à
discussão e à implementação, em 2012, do
Programa Mais Educação nas escolas do
campo. Nesse ano, o MEC pré-selecionou
14,5 mil escolas com objetivo de ampliar o
tempo escolar em 5 mil escolas do campo
de todo o Brasil (Brasil, 2009).
De acordo com Vasconcelos e
Ximenes-Rocha (2018), o ano de 2012
marca a inserção da educação em tempo
integral nas escolas do campo, subsidiado
pelo Programa Nacional de Educação do
Campo (Pronacampo), instituído em 20 de
março de 2012 “com finalidade de atender
às diretrizes propostas para a política de
educação integral para o campo e assegurar
apoio técnico e financeiro do Ministério da
Educação, aos Estados, Distrito Federal e
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Municípios, nos termos do Decreto
7.352 de 2010” (Brasil, 2009, p. 07).
O Programa Nacional de Educação
do Campo (Pronacampo) foi instituído pela
Portaria 86, de 01 de fevereiro de 2013,
em consonância com o disposto no Decreto
7.352, de 04 de novembro de 2010 que
regulamenta a política de educação do
campo e o Programa Nacional de
Educação na Reforma Agrária
(PRONERA).
O Pronacampo representa o conjunto
de ações articuladas que preveem a
qualidade da Educação do Campo nas
diferentes modalidades de ensino. Deste
modo, expressa uma conquista para os
povos identificados com o campo, pois
empreende por mecanismos legais a
implementação da política de Educação do
Campo através de ações focalizadas,
visando à qualificação dos sujeitos do
campo, do acesso à escola e permanência
dos alunos, à aprendizagem e à valorização
do universo cultural das populações. Em se
tratando dos objetivos do programa expõe-
se:
Apoiar técnico e financeiramente os
Estados, Distrito Federal e
Municípios para a implementação da
política de educação do campo,
visando à ampliação do acesso e a
qualificação da oferta da educação
básica e superior, por meio de ações
para a melhoria da infraestrutura das
redes públicas de ensino, a formação
inicial e continuada de professores, a
produção e a disponibilização de
material específico aos estudantes do
campo e quilombola, em todas as
etapas e modalidades de ensino.
(Brasil, 2013, p. 06).
As ações do Programa se dividem e
operam no domínio de quatro eixos, a
citar:
Eixo I: Gestão e Práticas
Pedagógicas, disposto no Art. 5º, o qual
compreende as seguintes ações:
I - Disponibilização às escolas
públicas do campo de materiais
didáticos e pedagógicos que atendam
às especificidades formativas das
populações do campo e quilombolas,
no âmbito do Programa Nacional do
Livro Didático - PNLD, e de
materiais complementares no âmbito
do Programa Nacional Biblioteca da
Escola - PNBE;
II - Fomento à oferta da educação
integral nas escolas do campo e
quilombolas, promovendo a
ampliação curricular; e
III - apoio às escolas com turmas
compostas por estudantes de variadas
etapas dos anos iniciais do ensino
fundamental e das escolas localizadas
em comunidades quilombolas, por
meio da Escola da Terra. (Brasil,
2013, p. 02, grifo nosso).
O Eixo II, Formação Inicial e
Continuada de Professores, disposto no
Art. 6, empreende:
I - A formação inicial dos professores
em exercício na educação do campo
e quilombola será desenvolvida no
âmbito do Programa de Apoio à
Formação Superior em Licenciatura
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em Educação do Campo
PROCAMPO, da Universidade
Aberta do Brasil - UAB e da
RENAFOR, assegurando condições
de acesso aos cursos de licenciatura
destinados à atuação docente nos
anos finais do ensino fundamental e
no ensino médio com a possibilidade
de utilização da pedagogia da
alternância; e
II - A formação continuada dos
professores em nível de
aperfeiçoamento e especialização em
educação do campo e quilombola,
com propostas pedagógicas por áreas
de conhecimento e projetos
temáticos. (Brasil, 2013, p. 02).
Concernente ao Eixo III - Educação
de Jovens e Adultos e Educação
Profissional e Tecnológica identificado no
Art. 7, os objetivos são:
I - Apoio às redes de ensino para a
ampliação da oferta de Educação de
Jovens e Adultos com qualificação
profissional, com a utilização da
proposta pedagógica do Saberes da
Terra; e
II - O apoio à inclusão social dos
jovens e trabalhadores do campo por
meio da ampliação da rede federal de
educação profissional e tecnológica,
do fortalecimento das redes estaduais
de educação profissional e
tecnológica e de cursos de formação
inicial e continuada para
trabalhadores de acordo com os
arranjos produtivos locais. (Brasil,
2013, p. 02, grifo nosso).
E por último o Eixo IV -
Infraestrutura Física e Tecnológica,
constante no Art. 8, assim pontua:
I - Apoio técnico e financeiro às
redes de ensino para a construção de
escolas de educação básica e
educação infantil;
II - A promoção da inclusão digital
por meio da ampliação do acesso a
computadores e às tecnologias
digitais;
III - a disponibilização de recursos
específicos para a melhoria das
condições de funcionamento das
escolas do campo e quilombola, da
infraestrutura necessária para o
acesso à água e saneamento e
pequenas reformas; e
IV - A oferta de transporte escolar
intracampo, respeitando as
especificidades geográficas, culturais
e sociais, bem como o critério de
idade dos estudantes. (Brasil, 2013,
p. 02).
Os diferentes eixos operam no
sentido de atender a Educação do Campo
em seus diferentes segmentos e conjugam
ações que amparam questões que vão
desde a infraestrutura até a formação de
professores para atuar nas escolas do
campo. Tais ações visam abranger as
diversas demandas, próprias da Educação
do Campo, com vistas a ofertar uma
educação de qualidade para esse meio.
É no eixo I Gestão e práticas
pedagógicas do Pronacampo que a ação da
política educacional chamada Mais
Educação Campo se insere, buscando
fomentar a qualificação da educação
integral nas escolas do campo por meio do
Mais Educação.
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O Mais Educação Campo se constitui
como ação indutora da política de
educação em tempo integral para os povos
identificados com o campo, conforme
estabelece o Decreto n. 7.352, de 04 de
novembro de 2010, como agricultores,
criadores, extrativistas, pescadores,
ribeirinhos, caiçaras, quilombolas,
seringueiros, assentados e acampados da
reforma agrária, trabalhadores assalariados
rurais, povos da floresta, caboclos, dentre
outros (Brasil, 2010). Outrossim, a
implementação do Programa Mais
Educação Campo segundo as orientações
do Pronacampo,
Visa garantir e qualificar a oferta de
Educação Integral, a partir da
execução de atividades estruturantes
e complementares à formação do
estudante do campo e das
comunidades quilombolas, através de
processos educativos que envolvem o
acompanhamento pedagógico e
práticas relacionadas às atividades
rurais, culturais e esportivas; o
investimento de recursos financeiros
para ressarcimento dos monitores e a
aquisição de materiais pedagógicos, a
ampliação dos recursos financeiros
para alimentação escolar e a
formação continuada de professores.
(Brasil, 2014, p. 09).
As ações empreendidas por via de
oferta de macrocampos por essa frente de
atuação são:
Ações: A proposta do Programa
contempla, os seguintes
macrocampos: Acompanhamento
pedagógico; Agroecologia; Iniciação
Científica; Educação em Direitos
Humanos; Cultura e Arte Popular;
Esporte e Lazer; Memória e História
das Comunidades Tradicionais. Os
planos de atendimento devem ser
definidos de acordo com o Projeto
Político Pedagógico das unidades
escolares e desenvolvidos por meio
de atividades que ampliem o tempo,
os espaços e as oportunidades
educativas, na perspectiva da
educação integral. Para o
desenvolvimento dessas atividades
devem ser formadas turmas de 20 a
30 estudantes, levando em
consideração as diferentes faixas
etárias, os espaços de aprendizagem e
o repertório de competências e
habilidades a ser desenvolvido,
atendendo preferencialmente, todos
os estudantes matriculados nas
escolas do campo. (Brasil, 2014, p.
10).
A compreensão do Mais Educação
Campo tenciona os fundamentos de tempos
e espaços educativos por meio da
ampliação de oportunidades educativas e
parte do pressuposto da formação integral
dos indivíduos, considerando, nesse
processo, o modo de viver, pensar e
produzir próprios da vida do campo. Na
intenção de ser um programa estruturante
da educação integral nas escolas do campo,
o Mais Educação Campo visa repensar os
conceitos de tempo, espaço e novas
oportunidades educativas, no sentido de
ampliar seus territórios de atuação. Isso
implica construção de um projeto de
educação que amplie o território da escola
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por meio de parcerias com outros espaços
de formação no intento de ampliar as
oportunidades de aprendizagem. Essa
orientação é resguardada tendo como
fundamento o paradigma da Educação do
Campo:
Que concebe a educação em uma
perspectiva ampla e por isso
pressupõe, no projeto da educação
escolar, a valorização tanto do
conhecimento socialmente
produzido, acumulado e
historicamente legitimado quanto dos
saberes construídos na experiência
concreta, ou seja, nos espaços de
trabalho, na cultura e na convivência
humana local. (Brasil, 2014, p. 18).
Compartilhando das mesmas
orientações do Mais Educação Campo, o
sancionamento da Lei 13.005, de 25 de
junho de 2014, aprovou o novo Plano
Nacional de Educação (PNE) no interstício
de tempo de 20142024. A admissão do
novo Plano Nacional de Educação “foi
fruto de amplos debates entre diversos
atores sociais e o poder público, estão
definidos os objetivos e metas para o
ensino em todos os níveis infantil, básico
e superior a serem executados nos
próximos dez anos” (Brasil, 2014, p. 07).
Em se tratando da implementação da
política de educação em tempo integral nas
escolas do campo, a meta seis do novo
Plano Nacional de Educação contempla a
oferta de educação em tempo integral em,
no mínimo, (50%) cinquenta por cento das
escolas públicas, de forma a atender, pelo
menos, (25%) vinte e cinco por cento dos
(as) alunos (as) da educação básica. Os
atendimentos das demandas do campo no
âmbito do Plano Nacional de Educação
situam-se no nível de estratégia para a
ampliação da oferta da educação em tempo
integral. A estratégia 6.7 reflete isso ao
pontuar: “Atender às escolas do campo e
de comunidades indígenas e quilombolas
na oferta de educação em tempo integral,
com base em consulta prévia e informada,
considerando-se as peculiaridades locais”
(Plano Nacional de Educação, 2014, p. 60).
No tocante a essa questão, Lecler e
Moll (2012, p. 97) esclarecem que:
Tal desenho foi situado na amplitude
e na perspectiva da diversidade e da
riqueza sociocultural no país, bem
como da riqueza em termos de
diversidade de projetos educativos
escolares e de suas múltiplas
conexões com suas comunidades. No
bojo desse projeto aberto, um
conjunto de ideias e práticas foram
mobilizadas em favor do desenho da
estratégia de Educação Integral.
É nessa perspectiva que percebemos
a agricultura familiar como proposição da
política de educação em tempo integral no
âmbito do Mais Educação Campo. Entre os
macrocampos ofertados no âmbito do Mais
Educação Campo, destaca-se o
macrocampo Agroecologia: “ela envolve
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processos educativos baseados na
agricultura familiar, no resgate da cultura
tradicional local e na valorização da
biodiversidade, princípios fundamentais
para apoiar a escola na transição para a
sustentabilidade” (Brasil, 2014, p. 22). É
importante ressaltar que as atividades
agroecológicas se desenvolvem de
diferentes formas, adequando-se à
atividade produtiva de cada região do
campo brasileiro, por isso, deve haver
adequações de acordo com cada região.
Dentro do macrocampo
Agroecologia, por exemplo, é usual em
algumas regiões a seleção da atividade de
canteiros sustentáveis, referenciados no
Mais Educação Campo, como:
Desenvolvimento de experiências de
cultivo de plantas medicinais,
canteiros de hortaliças, mudas de
espécies nativas para o
reflorestamento de áreas degradadas,
resgate de cultivos originais do
bioma da região e tecnologias de
manejo sustentável de plantas;
(Assim, é possível construir uma
horta, que pode servir como fonte de
alimentos para a merenda escolar,
viveiros destinados a produzir mudas
de espécies nativas para o
reflorestamento de áreas degradadas,
farmácias vivas, formadas por plantas
com propriedades medicinais e
outros canteiros sustentáveis
compatíveis com o bioma local.
(Brasil, 2014, p. 22).
Do exposto, as propostas de
adequação da política de educação em
tempo integral para as escolas do campo
são sustentadas pelo pressuposto de
coexistência de diferentes formas e
dinâmicas de vida no campo e que o
processo educativo deve partir dessas
especificidades. Esses pressupostos são
alinhados aos ideais constantes no
Movimento Por uma Educação do Campo,
nas Diretrizes Operacionais para a
Educação Básica nas escolas do campo,
bem como no Decreto 7.352, de 04 de
novembro de 2010, como citado
anteriormente. As oportunidades
educativas devem ser pensadas e
articuladas em conjunto com a
comunidade, igreja, sindicatos, na intenção
de ampliar o território educativo da escola
para fora da escola. Dessa maneira, dá-se
espaço para que a educação integral não
seja vista apenas como horizonte, mas
como realidade.
O estudo de Vasconcelos e Ximenes-
Rocha (2018) traz uma contribuição
oportuna para a discussão. A pesquisa
realizada em cinco escolas do campo no
município de Santarém-Pará buscou
compreender as experiências pedagógicas
da implementação da política de educação
em tempo integral nas escolas do campo. O
estudo em questão analisou a organização
pedagógica das escolas do campo por meio
do planejamento pelos professores e
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monitores do Programa Mais Educação
sobre as conexões das atividades
pedagógicas entre turnos nas escolas, e
considerou que:
o reconhecimento da importância
de planejarem as atividades
pedagógicas de modo que se
estabeleça a conexão entre o proposto
no tempo escolar com as atividades
do tempo ampliado. No entanto,
apesar de a maioria afirmar que
existe o processo de planejamento
das atividades na escola, notamos
uma resistência bastante enfática na
fala de alguns professores, que se
sentem alheios em relação à proposta
do Programa, o que nos chamou a
atenção. (Vasconcelos & Ximenes-
Rocha, 2018, p. 482).
Assim, focaliza-se a necessidade de
planejamento pelos sujeitos (professores e
monitores) da articulação das atividades
constantes nos macrocampos do Programa
Mais Educação e os saberes escolares -
orientados pelo currículo formal,
entremeados aos saberes das comunidades
(saber local). Reconhecemos que essa é
uma tarefa difícil, pois envolve a
integração de sujeitos que são externos ao
cotidiano da escola e pode ser apontada
como um dos tantos desafios para a
educação em tempo integral, pois isso
pressupõe uma escola integrada em todos
os níveis da organização pedagógica.
Importante situar que a extensão das
atividades no tempo ampliado não significa
simplificadamente a reprodução do que é
realizado no tempo escolar, mas a
possibilidade de continuidade de
oportunidades educativas em sintonia com
o desenvolvido no tempo escolar.
Em observância ao preceito de
intermediar essa relação entre as atividades
do tempo escolar e tempo ampliado, a
política de educação em tempo integral
contempla o macrocampo
acompanhamento pedagógico, o qual
desenvolve a atividade Orientação de
Estudos e Leitura, e orienta na sua ementa:
Articulação entre o currículo
estabelecido da escola e as atividades
pedagógicas propostas pelo PME,
contemplando as diferentes áreas do
conhecimento (alfabetização,
matemática, história, ciências,
geografia, línguas estrangeiras e
outras), ensejando assim o
permanente diálogo entre os
professores da escola e os monitores
do programa. (Brasil, 2014, p. 08).
Esta atividade de natureza de
orientação de estudos e leitura configura-se
no sentido de dar continuidade às
atividades pedagógicas desenvolvidas
pelos professores do tempo escolar, em
consonância com as desenvolvidas pelos
monitores do programa. Importante
ressaltar que todos os macrocampos visam
à interlocução com as grandes áreas do
conhecimento direcionadas pelo currículo
formal, mas este, em especial, focaliza o
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desenvolvimento de atividades conectadas
às desenvolvidas em sala de aula. Para as
escolas do campo, o macrocampo
Acompanhamento Pedagógico é chamado
de Campos do Conhecimento e tem como
orientação a abrangência de todas as áreas
de conhecimento do currículo. O desafio
imposto pela educação integral para as
escolas do campo, nesse sentido, é
reconstruir uma organização pedagógica
que contemple a interlocução de atividades
de naturezas diferentes com as atividades
ditas regulares desenvolvidas e
possibilitadas dentro da escola.
No tocante à relação espaço-tempo
na organização pedagógica das escolas do
campo, a pesquisa de Vasconcelos e
Ximenes-Rocha (2018, p. 485) aponta que
a organização dessa relação foi
operacionalizada com base na
improvisação: “constatamos a
improvisação no que tange à organicidade
das variáveis (espaço-tempo) no intento de
compatibilizar as atividades do Programa
Mais Educação dentro das escolas”.
Entendemos que implementar um
programa da envergadura do Mais
Educação em escolas do campo, que tenha
a educação integral como horizonte,
demanda tempo para organizar a escola; e
os sujeitos que a fazem funcionar precisam
estar bem instruídos desde a abordagem
conceitual do programa à abordagem
prática (planejamento da relação espaço -
tempo), entre outros. Caso contrário, corre-
se o risco de destinar o programa ao
improviso como aconteceu nas escolas
pesquisadas por Vasconcelos e Ximenes-
Rocha (2018). A ampliação do tempo de
formação aliado à ampliação do território
educativo das escolas para outros espaços
consubstanciais o ideal da educação em
tempo integral. Lecler e Moll (2012, p. 20)
situam o tempo como “referência à
ampliação da jornada escolar, e espaço,
com referência aos territórios em que cada
escola está situada e seus possíveis
itinerários educativos”.
Nesta questão, é oportuno considerar
a recorrência nos documentos que versam
sobre a implementação da educação em
tempo integral no campo orientações para
a necessidade de uma redefinição
curricular. Os cadernos Pedagógicos Série
Mais Educação no Campo (2009, p. 32)
foram construídos no sentido de orientar a
proposta de educação integral no campo
pressupondo a ampliação do currículo. Por
isso, o:
Programa visa à ampliação
quantitativa e qualitativa de tempo
escolar, a partir da redefinição
curricular e da abertura a novos
saberes como forma de contribuir
tanto para a diminuição das
desigualdades educacionais quanto
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para a valorização da diversidade
cultural brasileira.
Nesse ínterim, as categorias tempo e
espaço são evidenciadas como pontes
balizadoras para a implementação da
proposta de educação em tempo integral
nas escolas, por esse motivo expressões
como “ressignificação de tempo e espaço”
são tão comumente citadas quando se
discute tal temática.
Segundo esse parâmetro, Lima, Lima
e Cardozo (2013, p. 23), destacam que é
preciso relacionar tempo e espaço dentro
de uma nova abordagem curricular, pois
voltar-se os esforços somente para o
âmbito da ampliação da jornada do tempo
escolar não garante a educação integral.
E na definição de um projeto de
educação integral para as escolas do campo
o currículo é elemento chave para sua
construção, no sentido de oferecer e
contemplar subsídios teóricos e
pedagógicos para sua implementação,
pautada na diversidade cultural do campo e
nas especificidades dos arranjos educativos
locais.
A redefinição do currículo previsto
na proposta da política de educação em
tempo integral consiste na
contextualização dos processos educativos
dando um novo sentido para a formação,
isso posto, necessariamente, perpassa pela
ampliação do tempo e dos espaços
educativos. Lecler e Moll (2012, p. 48)
situam que “dentre as simplificações da
educação brasileira, a questão do
“encurtamento” do tempo diário letivo
permanece como um desafio recrudescido,
expresso no currículo escolar”.
O que se quer chamar atenção é que
a redefinição do currículo previsto na
proposta da política de educação integral
possui pressupostos que se alinham a
educação do campo expressas em
concepções desenvolvidas nos materiais de
referências da política como
contextualização dos processos educativos
aspirando uma formação para a vida.
Nesse sentido, percebe-se a veemente
necessidade da mediação por um currículo
contextualizado no processo de efetivação
da educação integral nas escolas do campo,
pois entendemos que a educação integral
por ser uma proposta ampla e aberta não
tem espaço em um currículo fechado e
pouco flexível.
É no intuito de romper com um
currículo escolarizador que a política de
educação integral reitera em seus discursos
que a escola deve derrubar seus muros e
“reconhecer que as experiências
educacionais se desenvolvem dentro e fora
da escola” (Brasil, 2009, p. 15).
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Tendo em vista esse pressuposto, o
documento Série Mais Educação Campo
sintetiza:
Pensar na elaboração de uma
proposta de Educação Integral como
política pública das escolas
brasileiras é refletir sobre a
transformação do currículo escolar
ainda tão impregnado das práticas
disciplinares da modernidade. O
processo educativo, que se dinamiza
na vida social contemporânea, não
pode continuar sustentando a certeza
de que a educação é uma tarefa
restrita ao espaço físico, ao tempo
escolar e aos saberes sistematizados
do conhecimento universal. Também
não é mais possível acreditar que o
sucesso da educação está em uma
proposta curricular homogênea e
descontextualizada da vida do
estudante. (Brasil, 2009, p. 05).
Do exposto, as imbricações das
políticas discutidas ao longo do texto
agregam orientações teórico-pedagógicos
que convergem em seus ideais. No entanto,
ainda coexistem muitos desafios a serem
superados no terreno da prática pedagógica
das escolas do campo como apontado pela
pesquisa de Vasconcelos e Ximenes-Rocha
(2018). Em suma, foi evidenciado através
das experiências das escolas do campo que
implementaram o programa mais educação
alguns descaminhos que a política de
educação em tempo integral vem tomando
na prática pedagógica, descaminhos
baseados na improvisação da organização
pedagógica dos elementos que estruturam
o programa e a proposta maior de educação
integral (relação espaço-tempo, articulação
e planejamento das atividades pedagógicas
turno x contra turno).
Nesse sentido, a ampliação do tempo
escolar implica novas dinâmicas de
organização pedagógica, e isso projeta-se
na necessidade de um gerenciamento de
espaços e tempos com fins de garantir o
direito a uma educação de qualidade.
Considerações finais
A implementação da política de
educação em tempo integral nas escolas do
campo é um processo em andamento. A
proposição da implementação da política
pressupõe um processo de formação que
abranja as várias dimensões do ser humano
como sujeito histórico, social, cultural,
econômico e político. Em conformidade
com a demanda de uma formação ampla,
destaca-se a necessidade de construção e
discussão de propostas pedagógicas junto
com a comunidade e os movimentos
envolvidos no processo de legitimação dos
anseios da comunidade.
A proposição perpassa assim pela
contextualização do currículo rompendo-se
com práticas puramente escolarizadoras,
visando um amplo processo formativo que
congregue o acesso ao conhecimento
científico ao qual incluirá, não
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exclusivamente, o conhecimento da terra,
mas ao vasto campo de conhecimentos que
permitirá a esses sujeitos opções e escolhas
de permanecer ou sair do campo se assim
desejarem. Deste modo, reitera-se a
necessidade de redefinição curricular em
termos de saberes, fazeres e conteúdos,
para dar sentido à incorporação de mais
tempo e novos espaços para a escola do
campo, do contrário continuaremos
“fazendo mais do mesmo”.
Em observância ao tratamento da
contextualização curricular para a
implementação da educação integral nas
escolas do campo, aponta-se a necessidade
do diálogo desse currículo com a cultura
local dos alunos em formação. Muito se
aproxima do pensamento de Paulo Freire
“com uma tentativa de criação de uma
escola que trabalhasse com métodos ativos,
visando a que o indivíduo construísse seu
conhecimento a partir de suas práticas e
seus saberes” (Bezerra, 2011, p. 116).
Os desafios impostos pela educação
integral para as escolas do campo, nesse
sentido, perpassam pelo
redimensionamento de uma organização
pedagógica que contemple a interlocução
de atividades de naturezas diferentes com
as atividades ditas regulares desenvolvidas
e possibilitadas dentro da escola.
Reafirmamos que para garantir a conexão
no planejamento das atividades
pedagógicas entre os turnos escolares é
necessário que tal organicidade seja
contemplada nos Projetos Político-
Pedagógicos das escolas, conforme
orientação do programa que prevê a
integração das atividades ao projeto
político-pedagógico das redes de ensino e
escolas participantes.
Assim, levando em consideração as
imbricações da política de educação em
tempo integral e a política de Educação do
Campo, entendemos que no nível de suas
formulações em termos conceituais e
pedagógicos convergem entre si, através de
proposições relacionadas à
contextualização do currículo e do
processo educativo, prática pedagógica
vinculada com a própria vida, diálogo entre
saberes da comunidade e saberes
acadêmicos, entre outros.
Destarte, a política de educação em
tempo integral reafirma os ideais da
Educação do Campo, pois a análise da
política de educação em tempo integral
parte da visão e ideais construídos da
Educação do Campo, visão esta
possibilitada pelos diferentes movimentos
sociais e organizações da sociedade civil
por reconhecer e demandar um processo
educativo diferenciado.
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Apesar dos debates sobre a
implementação da educação integral como
jornada ampliada no Brasil ser um
consenso no cenário nacional, no âmbito
das políticas educacionais, notamos que
esse debate ainda necessita ser fortalecido
no âmbito pedagógico no terreno das
escolas onde a política se torna realidade, o
consenso do âmbito político precisa se
transformar em um consenso pedagógico e
isso envolve debates, reuniões e uma
organização pedagógica integrada.
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Informações do artigo / Article Information
Recebido em: 27/03/2019
Aprovado em: 09/04/2019
Publicado em: 28/10/2020
Received on March 23th, 2019
Accepted on April 09th, 2019
Published on October, 28th, 2020
Contribuições no artigo: As autoras foram as
responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final publicada.
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Conflitos de interesse: As autoras declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Clenya Ruth Alves Vasconcelos
http://orcid.org/0000-0002-4878-2502
Solange Helena Ximenes Rocha
http://orcid.org/0000-0001-5601-7053
Como citar este artigo / How to cite this article
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Vasconcelos, C. R. A., & Ximenes-Rocha, S. H. (2020). A
política de educação em tempo integral, perspectivas e
aproximações com a Educação do Campo. Rev. Bras.
Educ. Camp., 5, e6632.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e6632
ABNT
VASCONCELOS, C. R. A.; XIMENES-ROCHA, S. H. A
política de educação em tempo integral, perspectivas e
aproximações com a Educação do Campo. Rev. Bras.
Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 5, e6632, 2020.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e6632