Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e6698
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e6698
10.20873/uft.rbec.e6698
2020
ISSN: 2525-4863
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A prática da Educação do Campo e os paradigmas
agrários na Geografia
Adenilso dos Santos Assunção
1
1
Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD. Departamento de Ciências Sociais e Humanas. Rodovia
Dourados/Itahum, km 12. Dourados - MS. Brasil.
Autor para correspondência/Author for correspondence: adeassuncao@gmail.com
RESUMO. Este artigo objetiva estabelecer a relação entre as
concepções teóricas dos paradigmas dos estudos agrários e a
Educação do Campo, a fim de defendermos uma educação
condizente com as necessidades do homem, da mulher do
campo e seus filhos, que valorize seu modo de vida, fortaleça
sua organização política-econômica, produzindo conhecimento
que melhore a qualidade de vida no campo. A metodologia do
artigo se deu por meio de análise de autores que construíram o
paradigma originário da Educação do Campo, onde o mesmo é
produto da materialidade das disputas territoriais no campo e da
ação dos movimentos camponeses, fomentando a resistência e a
conquista dos/nos territórios camponeses, permitindo sua
recriação enquanto classe social e modo de vida. Nossa análise
parte da premissa de que a interpretação do campo da Educação
do Campo está pautada nos pressupostos ideológicos da
tendência campesinista do Paradigma da Questão Agrária.
Palavras-chave: Campesino, Educação do Campo, Tendência
Agrárias.
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The practice of Rural Education and the agrarian
paradigms in Geography
ABSTRACT. The purpose of this article is to establish the
relationship between the theoretical conceptions of the agrarian
studies and Rural Education, in order to advocate for an
education consistent with the needs of both men and women in
rural areas as well as their children. An education that values
their lifestyle, strengthens their political and economic
organization that will produce knowledge to improve the quality
of life in the rural context. The methodology adopted in this
paper was conducted by means of analysis of authors who have
constructed the original paradigm of Rural Education, where it
is the product of the materiality of land disputes in the
countryside and the peasant movements, fostering resistance and
the conquest of/in the peasant territories, which allowed their re-
creation as a social class and as a lifestyle. The analysis starts by
assuming that the interpretation of the field of Rural Education
is based on the ideological assumptions of the peasant tendency
of the Paradigm of the Agrarian Issue.
Keywords: Peasant, Rural Education, Agrarian Tendency.
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La práctica de la Educación del Campo y los paradigmas
agrarios en Geografía
RESUMEN. Este artículo objetiva presentar las concepciones
teóricas en los paradigmas agrarios para la Educación del
Campo, defendiendo una educación acuerde con las necesidades
del hombre, de la mujer del campo y sus hijos, que valore su
forma de vida, fortalece su organización, cultura, produciendo
conocimiento para la calidad de vida en el campo. El recorte
científico para análisis tendrá como fuente referenciales teóricos
el paradigma originario de la Educación del Campo, que
defiende el desarrollo de una educación que se realiza en medio
de las disputas territoriales en el campo, con la participación de
los movimientos, fomentando resistencia para la conquista de
los/en los territorios campesinos, garantizando la recreación
campesina como clase social y forma de vida. Nuestro análisis
parte de la premisa de que la interpretación del campo de la
Educación del Campo está pautada en los presupuestos
ideológicos de la tendencia campesina del Paradigma de la
Cuestión Agraria.
Palabras clave: Campesino, Educación del Campo, Tendencia
Agrarias.
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Introdução
O campo brasileiro é um espaço
geográfico formado por territórios em
disputas contínuas, inclusive no campo das
ideias, representado no debate entre
paradigmas que divergem na forma de
interpretar o sujeito agricultor, tal qual
agricultor familiar ou camponês, estes
paradigmas são: do Capitalismo Agrário
(PCA) e da Questão Agrária (PQA). Os
Paradigmas são definidos por Felício
(2011) como “construção intelectuais que
apontam para linhas de interpretações da
realidade”.
Estes paradigmas ressoam na forma
de funcionamento de instituições, na
elaboração de políticas públicas, nos
movimentos socioterritoriais, nos partidos,
nos grupos de pesquisa, na elaboração de
diferentes visões de mundo. Portanto, são
em Fernandes (2004a) “... territórios
teóricos e políticos que contribuem para
transformar a realidade ...”, retratam uma
visão de mundo de acordo com o
pressuposto teórico que engendra esse
paradigma.
Numa aproximação introdutória
sobre o debate paradigmático da Geografia
Agrária, as ideias culminam em posições
políticas antagônicas entre o Paradigma do
Capitalismo Agrário (PCA), que preconiza
um agrário brasileiro onde o agronegócio e
o agricultor familiar convivem em
harmonia sob o estigma do capital
monopolista e, do outro lado, o Paradigma
da Questão Agrária (PQA), que acredita
haver enfrentamento de classes entre o
campesino e o latifundiário, em disputa
constante por terra, cultura e vida em
sociedade. A escolha por um dos
paradigmas projeta visões de mundo
distintas, determina referências, autores,
conceitos, valores, intencionalidades,
ideologias e teorias.
As posições antagônicas entre os
paradigmas refletem na educação na
medida em que o PCA se identifica com a
ideia de uma educação para o
empreendedorismo, abrindo espaço para
que os assentamentos recebam, por
exemplo, formação oferecida pelo ‘Sistema
S’ educação do campo empreendedora,
através de cursos profissionalizantes que
reproduzem a ideologia da classe
dominante com objetivo de integrar o
agricultor familiar ao mercado,
transformando a subalternidade e a
expropriação em resultado de ‘suposta
ineficácia’ do campesinato na relação
comercial (Fernandes, 2008b). O problema
estrutural do capitalismo no campo é
convertido em problema conjuntural,
relacionado à adaptação do agricultor
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familiar ao modelo socioeconômico
vigente (Fernandes, Welch & Gonçalves,
2014).
Em síntese, a defesa empreendida
pelo PCA representada na figura do
agricultor familiar, é metamorfose de
modo de vida para profissão,
estabelecendo uma ruptura nos paradigmas
agrários, constitui-se num novo paradigma
para entendermos as relações capitalistas
no campo (Camacho, 2014).
Por outro lado, é na corrente
campesinista no interior do PQA que neste
artigo pretendemos pontuar a defesa
teórico-ideológica da existência do
campesino enquanto classe social a partir
da tese central de que sua recriação ocorre
pelo movimento desigual e contraditório
empregado pelo capitalismo no agrário
(Martins, 1981; Oliveira, 1999, 2004;
Fernandes, 2001, 2004a; Almeida &
Paulino, 2010; Camacho, 2014).
Pela perspectiva do PQA, o
camponês não é um sujeito em
desaparecimento, mas se reproduz nas
próprias contradições do sistema
capitalista, a partir da tese da tendência
campesinista da recriação camponesa.
Garante a necessidade ontológica e
epistemológica da existência de uma
Educação do Campo para a formação do
campesino, contribuindo com a luta diária
de sobrevivência e melhoria na qualidade
de vida social no campo.
A partir do PQA, entendemos que o
campesinato convive em permanente
conflito devido ao antagonismo de
modelos diferentes de desenvolvimento
territorial no campo
campesino/agronegócio, condicionando
inclusive a educação, onde o paradigma da
Educação do Campo é produto/produtora
da luta dos movimentos socioterritoriais
camponeses com caráter revolucionário e
com objetivo de alcançar a superação do
capital.
A fim de fazermos a relação entre o
debate paradigmático e a concepção
teórico-ideológica de Educação do Campo,
dividimos o texto em três partes. Na
primeira, explicaremos as diferenças entre
o Paradigma do Capitalismo Agrário e o
Paradigma da Questão Agrária - tendência
campesinista, nas suas interpretações com
relação à questão agrária. Na segunda
parte, estabeleceremos a relação entre a
tendência campesinista do PQA e a
Educação do Campo. E, na terceira,
debatemos o papel da Educação do Campo,
onde faremos a defesa da educação
enquanto espaço de formação e
transformação do campesinato em sujeitos
capazes de produzir sua emancipação
política e social, bem como, apontaremos
as garantias legais presentes nas
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legislações vigentes para que resulte numa
educação diferenciada para o campesinato
brasileiro.
A tendência campesinista e o agrário
brasileiro
A geografia como ciência horizontal,
desloca-se pelo seu interior conceitos
capazes de fazer compreender o
pensamento geográfico produzido na
abrangência que são seus estudos: relação
sociedade-natureza. Comporta um campo
de ação nas ciências da natureza: relevo,
clima, vegetação, paisagem... (Geografia
Física); como também questões das
ciências sociais, nos estudos relacionados à
ação humana na região, no território, no
lugar, no urbano, no agrário... (Geografia
Humana).
Os estudos geográficos envolvem
temas como a representação do espaço, as
formas de ocupação das regiões, dos
territórios, das cidades, as disputas
territoriais, as políticas de estado, quando
são produzidas diferentes especificidades
de abordagem, diferentes visões
socioespaciais, dependendo da matriz e
pensamento geográfico utilizado.
Nas questões do agrário brasileiro, os
debates produzem dois polos de
pensamentos em disputa que sustentam
paradigmas divergentes. Paradigma que
para Kuhn (1991) são ... realizações
científicas universalmente reconhecidas
que, durante algum tempo, fornecem
problemas e soluções modelares para uma
comunidade de praticantes de uma
ciência”, possibilitando evolução a partir
de divergências entre estes paradigmas.
Utilizando de Lefebvre (1983) para
aproximar o debate paradigmático da
Geografia Agrária, do PCA com o PQA,
podemos assim melhor explicar:
... não são exatos, portanto, aceitam
diversidade, simultaneidade e
diferencialidade, admite-se
convivências simultâneas, hibridismo
e disputas entre paradigmas, em
outro sentido, o superado não deixa
de existir, não recai no puro e
simples nada; ao contrário, o
superado é elevado a nível superior.
(Lefebvre, 1983, p. 231).
O debate entre os dois paradigmas
transforma-se em mediação para um
resultado superior; onde etapa atravessada
deixa de existir em si mesma,
isoladamente, mas persiste como resultado
através de usa negação.
Cada olhar geógrafo/científico, na
interface entre as ciências e as diferentes
matrizes do pensamento, correlacionada ao
desafio do intelectual em compreender as
distintas conjunturas, produz diferentes
análises e visões para o mesmo objeto em
estudo e ao final, como resultado,
apresentará significativas mudanças de
conteúdo, dependendo, é claro, do olhar e
do instrumento de pesquisa utilizado.
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Na disputa pela hegemonia de
pensamento agrário, um dos olhares,
proposto pelo PCA, utiliza um telescópio
(instrumento para observação de objetos
distantes) para compreender o sujeito
agricultor (palpável, examinável, ao
alcance) e defende sua inclusão no sistema
capitalista. Abramovay (1992) abre cisão
no entendimento do campo da agricultura
de trabalho familiar ao criar a figura do
agricultor familiar, a partir do critério
econômico.
Nossa concepção para compreender
as diferenças entre terra do campesinato e a
do agronegócio nos remete a Martins
(1991), que divide o campo brasileiro em
terra de negócio e terra de trabalho. Para
ele a terra de negócios encontra-se sob a
lógica da mercantilização da terra e da
reprodução capitalista no campo, enquanto
na terra de trabalho busca a ruptura do
pacto terra/capital, com a manutenção da
figura do campesino a partir de sua
recriação, que para nós, seria a
reterritorialização camponesa. Para
Martins,
... quando o capital se apropria da
terra, esta se transforma em terra de
negócio, em terra de exploração do
trabalho alheio; quando o trabalhador
se apossa da terra, ela se transforma
em terra de trabalho. São regimes
distintos de propriedade, em aberto
conflito um com o outro ... (Martins,
1991, p. 55).
O PCA não considera o efeito do
capital no agrário campesino, na sua renda,
na qualidade de vida, sobretudo, na
apropriação, através do latifúndio e do
agronegócio da maior parte das terras
agricultáveis, historicamente com
predominância da monocultura para
exportação, em detrimento das culturas
voltadas para o autoconsumo. A
problemática é apontada por Stédile (1997)
como responsável pela expulsão dos
trabalhadores rurais para as periferias das
cidades, ao associar a concentração da terra
à exclusão de parte da população. Indo
além, a concentração de terras ... mantêm
as riquezas naturais, a agricultura e o poder
político nas mãos de uma minoria, e é uma
das principais fontes de injustiça sociais”
(Stédile, 1997, p. 112).
Esta lógica desigual da
territorialização do capital no campo enseja
disputa entre o campesino e o agronegócio
e oportuniza refutar a tese proposta pelo
PCA, onde considera o campo da
agricultura familiar como um espaço sem
conflito, convivendo e produzindo em
harmonia agricultor familiar e
agronegócio.
Consideramos que a concepção de
território pelo PCA é instrumento de
controle social, pois defende a
subordinação das comunidades camponesa
ao modelo de desenvolvimento do capital,
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ao tentar organizar o território da
agricultura familiar nos moldes da
agricultura comercial para se adaptar ao
mercado, desvinculando da sua essência
contida nas dimensões do modo de vida
camponês. Analisando o conceito
geográfico de paisagem nesses territórios,
visualizamos o território do agronegócio na
forma homogênea de composição uniforme
e geométrica de monocultura, terra como
mercadoria que expressa as relações
econômicas (mercantis, financeiras e
tecnológicas), que necessita de pouca mão
de obra no seu manejo.
Em contraposição, a paisagem do
território camponês é heterogênea e com
diversidade de elementos como: a grande
quantidade de pessoas (homens, mulheres,
jovens, crianças, velhos); lócus de
construção de existência, de moradia, de
vida em coletividade; de produção de
alimentos para o autoconsumo a partir do
modus operandi da produção camponesa,
centrada na mão de obra dos seus
trabalhadores diretos, quais sejam, os
próprios membros da família, ou seja, as
relações de trabalho familiar sustentam a
maior parte dos territórios camponeses
(Fernandes, 2008).
O território do agronegócio é
administrado como empresa capitalista,
que tem a terra como mercadoria para
produção de mais valia por meio do
assalariamento para a obtenção de lucro. O
capitalista proprietário da terra é possuidor
de meios de produção (maquinários,
implementos e acesso ao financiamento),
apoiado pelo sistema financeiro. Quase
sempre é morador do urbano e com um
padrão de vida acima da média nacional.
Como nas concepções diferentes
acerca do campo e do campesinato,
também encontramos distintas bases da
educação defendida a partir dos
paradigmas PCA e PQA. Assim a
educação defendida pelo PCA pode
corroborar com a destruição das estruturas
camponesas, bem como, com a recriação
de novos territórios. Seus pressupostos
teóricos apontam para o exercício de uma
educação para a monetarização da terra
campesina.
Nessa perspectiva, as discordâncias
paradigmáticas são concepções teóricas
definidas pela forma do pesquisador olhar
o objeto em análise. E é este olhar que
definirá os contornos conceituais da
pesquisa, culminando em disputas no
interior da ciência e da sociedade e, no
caso das concepções para o agrário,
divergência superior às terminologias de
campesino ou agricultor familiar.
Considerar o PCA como fundamento
teórico para uma pesquisa no agrário do
campesino brasileiro é desconsiderar as
lutas históricas pela reforma agrária. É
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admitir a metamorfose do campesinato em
agricultor familiar a partir da integração do
camponês ao mercado (Camacho, 2017). É
não reconhecer que existe no campo
conjuntura que:
... une riqueza extrema e miséria
extrema, neste país, é o fato de que a
riqueza de poucos tem sido produzida
pela exploração sem limites e pela
expropriação violenta de muitos,
desprotegidos, que nem mesmo têm
possibilidade de exigir o
cumprimento legal dos poucos
direitos sociais e individuais
reconhecidos em lei. (Martins, 1991,
p. 62).
Para nós, a terra campesina possui
um valor simbólico, é muito mais que terra
de negócio, é lugar de construção e
reconstrução da vida, com seu viés
econômico, ao oportunizar a sobrevivência
e reprodução familiar. Mas também é
liberdade, ao viabilizar que a família
escape das amarras do patrão, limitador de
sua autonomia, da relação marcada pela
expropriação e exploração do seu trabalho
estabelecida pelas relações capitalistas de
produção.
No imaginário do sujeito campesino
a terra é para o trabalho, representa o
rompimento com a insegurança, com o
desconforto, com a precariedade da vida.
No entanto, esta condição não poderá ser
alcançada através de um paradigma no
qual o campesino é colocado no mesmo
patamar e condições do mundo
capitalizado da terra de negócios.
O PQA, como paradigma, sustenta a
existência no campo do campesino, porém,
no seu interior, ele se divide em duas
outras tendências: a primeira prevê o fim
do campesino pelas forças do capital
(Kautsky, 1980; Lenin, 1982), pela relação
íntima entre o grande produtor rural e a
indústria (integração entre as duas partes),
a indústria na reprodução ampliada do
capital no campo utilizaria produtos
primários do grande produtor em
detrimento do pequeno, levando a extinção
do camponês. Já a segunda, a tendência
campesinista, defende sua recriação, em
que Camacho (2014) a relaciona com tripé
família-trabalho-terra e se dá na
contradição, subordinação e/ou resistência
estrutural ao capital, por meio da luta pela
terra (Shanin, 1980; Oliveira, 2004;
Fernandes, 2008; Marques, 2008; Almeida
& Paulino, 2010).
Ambas as correntes possuem em
comum a defesa de que a questão agrária é
um problema estrutural, a corrente
campesinista acredita que a resolução
acontecerá pelo enfrentamento da classe
camponesa ao capitalismo, superando o
sistema que oprime, sendo que os
elementos estruturantes para análise estão
na: “luta de classes, no conflito, nas
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disputas e na superação do capitalismo”
(Camacho, 2014, p. 126).
Nosso olhar geográfico sobre o
agricultor camponês nos leva a considerar
a tendência campesinista dentro do PQA,
que para Guzmán e Molina (2005) possui
como principais referências teóricas o
marxismo heterodoxo e o narodnismo
marxista e, define o campesino como ...
classe social - em si e para si - como um
modo de vida não-capitalista” (Camacho,
2014, p. 120), que contém dois elementos
fundamentais para sua reprodução: a terra
e sua força de trabalho familiar e que se
reproduz no embate contra o capitalismo
agrário (latifúndio e agronegócio), na luta
contra a desigualdade no campo, pela
produção da vida e defesa de sua cultura.
Preobrazhesnky (1977, p. 243)
defende que: “... onde quer que preexista
uma base camponesa, ela não é destruída
pelo desenvolvimento capitalista (a não
ser em parte), mas mantida como uma
forma subordinada de produção e a
acumulação primitiva prosseguem às suas
custas”.
Considerando a existência de duas
classes sociais antagônicas no campo, o
campesino e o agronegócio, a luta pela
reforma agrária motiva disputas
representadas nas ocupações, violências e
mortes no campo pela reação do latifúndio.
Até que ocorra distribuição da terra pelo
Estado como forma de atenuar os
enfrentamentos, este campo, pelas suas
características, não se trata de ambiente de
paz e harmonia defendido pelo PCA.
Sobre os conflitos no campo
motivados pela disputa da terra, a
Comissão Pastoral da Terra CPT
apresentou em 2018 dados do conflito no
campo ocorridos entre os anos de 2003 a
2017, quando os assassinatos bateram
recordes, atingindo o maior número desde
2003, com 70 casos ocorridos no Brasil,
conforme quadro 1:
Quadro 1 - Assassinatos no campo de 2003-2017.
Ano
2003
04
05
06
07
08
09
2010
11
12
13
14
15
16
2017
Números de
assassinatos
73
39
38
39
28
28
25
34
29
36
34
36
50
61
70
Fonte: CPT (2018). Elaborado por Assunção (2019).
Outro aspecto importante na
característica campesina refere-se a sua
economia, que para Tepicht (1977, p. 85),
apresenta “... uma combinação particular
dos fatores de produção (forças
produtivas) unida a um tipo particular de
relações entre os homens (relação de
produção)”, onde a renda da terra não é
capitalizada e a força de trabalho familiar é
a base para a produção, estabelecendo a
circulação simples de mercadoria, com a
venda para o mercado do excedente,
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suprindo suas necessidades básicas de
sobrevivência.
A produção camponesa não visa o
lucro como motivação principal, mas
sim, garantir a existência e resistência
do modo de vida camponês perante o
modo capitalista de produção, pois a terra
e o excedente da produção são seus
instrumentos para suprir suas
necessidades familiares (Assunção, 2018).
Karl Kautsky (1980), ao abordar a
questão agrária, mesmo considerando o
inexorável desaparecimento do
campesinato, compreende que a terra
camponesa não tem a mesma função da
propriedade privada capitalista. Sua
propriedade se relaciona a sua existência,
não se trata de renda fundiária capitalizada,
pois, a venda de suas mercadorias não o
transforma em um capitalista, mas mantém
sua condição social de trabalhador. O
produto de sua terra não advém da
exploração do trabalho alheio, mas do
trabalho familiar e a relação da venda de
seus produtos não o transforma em
empresário capitalista, portanto, é análoga
a de um operário.
... o camponês que vende os artigos
agrícolas, mas não emprega
assalariados, ou os emprega muito
pouco, não é capitalista, e sim um
simples criador de mercadorias ... Ele
é um trabalhador, pois não vive do
produto de sua empresa, mas do
produto de sua própria atividade. O
seu gênero de vida é o de um
assalariado. Tem necessidade da terra
como de um meio para ganha o pão
como operário, e não para dela tirar
qualquer lucro ou renda fundiária ...
Ele chega à produção capitalista, não
como empresário, mas como operário
explorado patrão ... (Kautsky, 1980,
p. 189).
É fundamental esclarecer que a
forma como o camponês comercializa seus
produtos, seja pela venda direta em feiras
ou de casa em casa, ou ao atravessador,
seja para a indústria ou intermediada via
cooperativas, não lhe subtrai a capacidade
de se organizar internamente na sua
unidade de produção, que ocorre de forma
original, pelas condições de decisão de
quando, como e o que cultivar, fugindo do
esquema tradicional do sistema capitalista
de produção da monocultura. Porém, deve-
se relativizar sua autonomia, levando em
consideração o nível de relação do
camponês com o mercado.
O que corrobora para a definição de
camponês em Carvalho onde o considera
como: “unidade da diversidade ... se
constitui num sujeito social cujo
movimento histórico se caracteriza por
modos de ser e de viver que lhe são
próprios, não se caracterizando como
capitalistas, ainda que, inseridos na
economia capitalista” (Carvalho, 2005, p.
143).
Levando em consideração o Brasil
do latifúndio-agronegócio que concentra o
poder econômico e político, o debate
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paradigmático apresentado entre o PCA e o
PQA converte-se em discussão pela
aplicação de conceitos importantes de
campesino ou agricultor familiar,
abrangendo, neste sentido, questões
políticas, fortemente vinculadas à luta de
classes do campo, na perspectiva do PQA,
ou a aceitação da subordinação ao capital
como único norteador, na perspectiva do
PCA.
Resta-nos evidenciar a questão da
recriação camponesa, sustentada pela
corrente campesinista, está alicerçada tanto
na relação da resistência camponesa,
engendrada principalmente nos
movimentos sociais, a partir da tese do
desenvolvimento contraditório e desigual
no campo que recria relações capitalistas e
não capitalistas concomitantemente
(Oliveira, 2004). Para Camacho (2014, p.
177), a “recriação camponesa é um marco
teórico da tendência campesinista,
explicando a possibilidade de permanência
do campesinato sob o modo de produção
capitalista ...”, revela a possibilidade de
existência e reprodução do campesino
mesmo estando em meio às relações
capitalistas no campo (Martins, 1981;
Oliveira, 2004). O capital destrói os
territórios campesinos e sua reinserção
ocorre por meio da luta pela terra,
recriando novos territórios e, consequente,
realizando a reterritorialização no campo.
A recriação dos territórios
campesinos destruídos pelo agronegócio
relaciona-se à capacidade que o campesino
possui de se organizar e lutar, esta relação
se converte em “... característica marcante,
delimita o antagonismo dialético entre
esses dois paradigmas PCA e PQA, ou
seja, a existência da luta de classes e do
campesinato como parte inerente dessa
condição” (Camacho, 2014, p. 117).
A dicotomia paradigmática entre o
PCA e o PQA evidencia a importância e
defesa da Educação do Campo explicitada
na tendência campesinista, que considera o
camponês classe social, sua recriação na
conflitualidade com o capital, a partir dos
pressupostos que passaremos a discutir.
Tendência campesinista e a Educação do
Campo
O debate paradigmático apresentado
nos remete a duas perspectivas da
geografia agrária. O primeiro argumenta
pelo fim do campesino e sua incorporação
ao mundo do mercado capitalizado (PCA)
como agricultor familiar e, o segundo,
acredita que a partir da luta e resistência
pode designá-lo de campesino na condição
de classe social sui generis (PQA), mesmo
com a constante expansão do agronegócio
no campo continuará existindo.
Fernandes e Molina (2005) defendem
que a tendência campesinista discorda da
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ideia da fatalidade de proletarização do
campesino, transformando em trabalhador
assalariado ou em exército de reserva do
agropecuarista empresário. Considerando
que esta é uma visão linear do processo de
desenvolvimento do capitalismo no campo,
que retira a contradição do processo. Ao
contrário, a tendência campesisnista
entende que historicamente o camponês é
protagonista da luta pela terra, portanto,
faz o enfrentamento ao capital (Chayanov,
1924), possibilitando sua recriação e
reprodução desses sujeitos no campo.
Concomitantemente, a recriação
campesina reforça a necessidade de
existência da Educação do Campo
enquanto formadora de sujeitos de direitos,
acessando aos meios que lhes permitam o
conhecimento do mundo na sua
universalidade. Educação que permita
intervir na realidade construída pelo
homem, a mulher e os filhos camponeses,
considerando sua continuidade e
resistência na defesa de seu território
camponês, conforme defendido por
Fernandes (2004b): como lugar de vida, de
moradia, trabalho, estudo, como lugar seu
e que possui identidade cultural própria.
A Educação está resguardada na
Constituição Federal como direito de todos
e dever do Estado e da família, vigente no
artigo 205 da carta magna, onde deve ser
promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando o pleno
desenvolvimento do sujeito.
Porém, a educação promovida nas
escolas do campo se desenvolve como
continuidade da educação urbana,
descontextualizada, incentivadora da
evasão dos jovens, ao apresentar uma visão
de rural arcaico e atrasado e não como
reflexo da história de abandono a que foi
renegado o campo brasileiro nesses 520
anos de existência do Brasil.
Neste aspecto, concordamos com
Manfio e Pacheco (2006) que ao dissertar
sobre a educação promovida no campo
afirmam:
... na maioria das vezes, contempla
currículos urbanos, ficando aquém da
realidade dos alunos rurais. Assim, as
pessoas desse meio acabam carentes
de conhecimentos e habilidades que
lhes proporcionariam maior
eficiência no trabalho, agilidade na
resolução de problemas cotidianos.
Isso acontece pela falta de formação
dos professores que trabalham nas
escolas do meio rural. Eles têm
conhecimento voltado aos conteúdos
que são contemplados no currículo,
ou no livro didático, no entanto, da
vida prática, do cotidiano dos alunos,
pouco sabem (Manfio & Pacheco,
2006, p. 85).
Com a continuidade da prática da
educação rural estaremos ainda
condicionados em uma matriz cultural
escravista, latifundiária e controlada pelo
poder político e econômico das
oligarquias. Seria não admitir que o
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homem e a mulher do campo não são
sujeitos historicamente forjados em
sínteses sociais específicas e diferentes do
urbano. Pressupõe corroborar com uma
escola com currículo norteado com
identidade do urbano, uma extensão da
educação urbana.
Sobre as condições da educação que
ainda vem sendo realizada nas escolas
situadas no campo, Martins (1986, p. 3-4)
afirma que ela está:
... a serviço do agronegócio, do
latifúndio, do agrotóxico, dos
transgênicos e da exportação. Sua
prioridade é o fortalecimento da
mecanização e a inserção do controle
químico nas culturas, em detrimento
das condições de vida do homem e da
mulher no campo.
O debate da educação que
defendemos para o campo campesino se
torna preponderante pela existência de um
campo em disputa, inclusive na academia.
Certamente, esta disputa também se no
campo da educação e no modelo de
educação a ser destinada à população
campesina, que produz reflexos no modo
de desenvolvimento territorial que cada
grupo científico defende.
Enquanto se trava esta disputa
paradigmática entre o PCA e o PQA, o
campo é invadido por instrumentos de
formação do ‘Sistema S’, promovendo
uma sinistra ‘antropofagia cultural’ na
identidade camponesa que incentiva ainda
mais o êxodo rural/urbano ao reafirmar a
identidade do urbano como superior, na
tentativa de preparar o campesino para sua
incursão no mundo dos negócios, na
formação de agricultores familiares
rentistas e aliados/subordinados ao capital.
Na perspectiva de mudar esta prática
é que os movimentos sociais do campo
fazem o enfrentamento para o
oferecimento de uma especificidade de
educação que deve ser ofertada para suas
comunidades. Devemos levar em conta que
a realidade brasileira vive hoje um debate
extremamente sério, onde os organismos
estatais responsáveis pela educação
defendem a existência de uma escola ‘sem
partido’, ‘desideologizada’, “sem um
diálogo crítico e libertador ... sem
considerar a condição de oprimido do
campesino ... sem considerar a educação
como instrumento de luta para sua
libertação” (Freire, 1983, p. 56).
Contrariando a gica capitalista de
exclusão da população rural imposta pela
história do agrário e sua estrutura no país
(latifúndio e agronegócio), - tendo como
referência o capital que desterritorializa em
busca de maior ganho pelo esbulho das
populações camponesas e tradicionais, de
suas terras e seu trabalho -, temos as lutas
por uma Educação do Campo no Brasil e
um ensino que contribua com a formação
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de território que suplante as necessidades
existentes nessas comunidades.
Na história, debates e iniciativas que
produziram uma educação diferenciada e
com outra finalidade tanto no urbano
quanto no rural, advém do século passado,
porém apresentando suas particularidades.
Mais precisamente aos governos de
Juscelino Kubitschek e João Goulart.
Bezerra (1980, p. 17-20) explica que os
avanços no período só aconteceram pela
emergência, quase acelerada, de um
movimento de expressão popular em cujo
interior se inscreveram as mais diversas
iniciativas de cunho educativo ...”, ou
quando foram “... clara as manobras para
canalizar as forças do movimento popular
para a resistência e, para tanto, o governo
empunhou a bandeira das reformas de base
...”. Destacando-se desse período o
Movimento de Alfabetização (MOVA),
idealizado por Paulo Freire e realizado por
ele e outros educadores, além de sindicatos
e movimentos sociais. Movimento de
educação popular suprimidos com o golpe
militar de 1964.
No século atual, os movimentos
organizados amparados pelos processos
históricos de lutas produziram uma
Educação do/no Campo, onde no governo
de centro-esquerda de Luiz Inácio Lula da
Silva, mais sensível as pautas populares,
obtiveram avanços, representados em
marcos legais (leis, decretos, deliberações)
e cadernos (oficiais de governo), incluindo
no aparelho estatal a Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização,
Diversidade e Inclusão SECADI, que
orientou e implementou políticas públicas
e educação às populações campesinas e
tradicionais.
Historicizando, estes avanços foram
possíveis a partir da Articulação Nacional
Por Uma Educação do Campo, de 1998,
formada pela Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB), Pastorais
Sociais, Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST), Fundo das
Nações Unidas Para a Infância (UNICEF),
Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO) e a Universidade de Brasília
(UNB), que passaram a gerir ações
conjuntas por políticas públicas para uma
educação diferenciada aos povos do campo
em âmbito nacional, conforme defendido
por Arroyo e Fernandes (1999). Como
exemplo, citamos a formação específica
para professores do campo, cursos
superiores, especialização em Educação do
Campo, entre outros.
A partir desta organização maior,
foram sendo criado marcos legais como: a
realização de duas Conferências Nacionais
Por Uma Educação Básica do Campo
1998 e 2004; a instituição da Política de
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Educação do Campo pelo Conselho
Nacional de Educação (CNE), através de
suas deliberações; as Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica nas
Escolas do Campo encampada pelo
Ministério da Educação a partir do ano
2000 em 2002; a instituição do Grupo
Permanente de Trabalho de Educação do
Campo (GPT) e; em 2004, a criação
SECADI no interior do Ministério da
Educação.
As conquistas dos movimentos do
campo são a tomada de parte do Estado,
conforme defendido por Camacho (2014,
p. 454), para: “viabilizar seus projetos de
sociedade por meio de políticas blicas”
e, em Gramsci (apud Manfred, 1980),
viabilizar a produção de uma educação
enquanto processo que:
... permitiria às classes subalternas
elaborar e divulgar uma concepção
de um mundo organicamente
vinculada aos seus interesses e não,
simplesmente, como um instrumento
ideológico empregado pelas classes
dominantes para a conquista ou
manutenção de sua hegemonia.
(Manfred, 1980, p. 48).
Esta Educação (em maiúscula pelo
seu significado) é acompanhada da palavra
Campo, Educação do Campo, que
epistemologicamente representa a vontade
dos movimentos sociais em demarcar
identitariamente a educação que defendem,
que, posteriormente foi implantada pelos
governos nas suas políticas públicas
educacionais. Para nós, trata-se, inclusive,
de uma forma de diferenciar a antiga
educação rural descontextualizada da
Política de Educação do Campo
pertencente à pauta defendida pelos
movimentos camponeses.
Para Caldart, Stedile e Daros (2015,
p. 45), a Educação do Campo é ...
inevitavelmente o resultado de um olhar
politicamente referendado na busca pelos
direitos sociais e nas questões que
envolvem a defesa da educação
politécnica”. A autora pensa a partir dos
pressupostos marxistas para educação, em
que Marx e Engels (2011) defendem uma
educação baseada em três princípios:
1) Educação intelectual. 2) Educação
corporal, tal como a que se consegue
com os exercícios de ginástica e
militares. 3) Educação tecnológica,
que recolhe os princípios gerais e de
caráter científico de todo o processo
de produção e, ao mesmo tempo,
inicia as crianças e os adolescentes
no manejo de ferramentas ... (Caldart,
Stédile & Daros, 2015, p. 45-46).
Marx e Engels acreditavam que
dessa forma poderia propiciar uma
educação do futuro, em que conjugaria o
aprendizado para o trabalho produtivo com
a realização de atividades desportivas,
incrementaria a produção social como
método para a produção de seres humanos
desenvolvidos em suas múltiplas direções.
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A Educação do Campo defendida
pelos movimentos sociais pressupõe
superação da visão tradicional, do
imaginário social para o campo, como
espaço geográfico do atrasado, pouco
desenvolvido e do jeca-tatu. Ela deve ser
fomentadora de reflexões, produção de
saberes que contribuam com a
desconstrução no imaginário coletivo da
visão diminutiva do campo em relação à
cidade. Campo como espaço de
particularidades e matrizes culturais
(Fernandes & Molina, 2005); campo com
possibilidades políticas, a partir da
formação crítica que, por sua vez, estimula
a resistência, reforçando suas identidades,
histórias e melhorando a produção das
condições de existência social, política,
econômica, cultural, dentre outras.
A Educação do Campo defendida
pelos movimentos sociais campesinos tem
relevância no seu modo de vida e na
identidade territorial, com projeto
educativo engendrado de concepção
ideológica para o fortalecimento e
reprodução de uma territorialidade
campesina a partir da luta pela reforma
agrária (Camacho, 2014; Fernandes &
Molina, 2005).
Esta educação será produzida na
prática pedagógica em que estarão
presentes as lutas dos povos do campo e de
seus movimentos sociais organizados,
interagindo com uma matriz político-
pedagógica que contribua no interior dos
territórios campesinos com a formação
desses sujeitos, cooperando com a
resolução das demandas e no
fortalecimento territorial, político,
econômico e cultural desses sujeitos.
Está sendo construída por uma classe
social que tem o campo como local de
trabalho e espaço de vida, e onde a
educação se colocará como um fator
importante para a emancipação humana, se
relacionando com a realidade concreta a
que ela se destina. De acordo com Gadotti
(2012, p. 15): “... toda a educação é, ou
deve ser, social, que quando falamos de
educação não podemos prescindir da
sociedade, da comunidade e do contexto
familiar, social e político onde vivemos”.
A corrente campesinista possui nos
seus princípios a defesa intransigente dos
preceitos paradigmáticos da Educação do
Campo, quais sejam: os movimentos
sociais como instrumento de resistência; os
campesinos enquanto sujeitos históricos; o
empreendimento de ações junto às
universidades para a formação específica
para planejamento territorial e docência no
campo; a contribuição com o debate de
políticas públicas para o campo; o suporte
científico que possa contribuir com a
superação da submissão do campesino ao
capital.
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Por uma Educação do Campo
Não é possível democratizar o ensino
de um país sem democratizar sua
economia e sem democratizar,
finalmente, sua superestrutura
política. Num povo que cumpra
conscientemente seu processo
histórico, a reorganização do ensino
deve estar dirigida por seus próprios
homens. (Mariátegui, 2008, p. 127).
O campo campesino, terra de
trabalho e reprodução da vida, é impactado
de sobremaneira pela ação do imperialismo
do capital, que regula o campo brasileiro
pelo agronegócio, realizando o controle da
produção camponesa e a utilizando como
instrumento de domínio.
O sistema educativo, seja no campo
ou na cidade, na maior parte dos casos, é
utilizado como instrumento de dominação
do capital, com esta práxis, forma o sujeito
como massa de manobra, que articula no
seu território a teia do imperialismo
mundializado, que como “medusa”, figura
da mitologia grega que petrifica através do
olhar, molda educadores e agricultores
familiares comprometidos e engajados na
prática capitalista.
Neste contexto os avanços na
educação pública realizam-se à conta gota,
produzindo atrasos históricos, de acordo
com a vontade do capitalismo burocrático
(Mao Tsetung, 2008) que faz o controle do
território através da dominação ideológica,
ao utilizar o poder público para obstruir
avanços e transformações no campo.
As ões engendradas pelo
agronegócio objetivam tomar para si todo
rural a partir do controle sobre as políticas
e sobre o território, utilizando-se de um
amplo espaço de dominação, onde subjuga
trabalhadores nas condições de trabalho e
salários precarizados; apropria-se dos
espaços de decisões coletivas ao eleger
parlamentares e influenciar no executivo,
subtraindo políticas públicas que
beneficiariam a população oprimida ao
controlar o orçamento público; induzem
decisões judiciais produzindo sentenças em
desfavor da grande maioria ao desocupar
áreas improdutivas em conflito com o
latifúndio e ocupadas por trabalhadores
rurais sem terra ou populações tradicionais,
devolvendo-as ao capital rentista e
especulador. Tudo que está fora da
perspectiva capitalista, reprimem tratando
enquanto subversivo e ilegal, na tentativa
de consolidar sua ideologia.
Neste aspecto, os movimentos
sociais são importantes para romper a teia
tramada pelo capital, e a educação passa a
ser instrumento dos movimentos sociais
organizados no campo para produção de
um projeto de vida, de sociedade e de país
com justiça social e ambiental, respeitando
as diversidades territoriais, culturas e
modos de vida.
Analisando a atuação dos
movimentos sociais do campo em favor da
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educação que ali se produz e as tendências
da educação brasileira em Saviani (2007),
podemos entender que a proposta
educativa defendida por estes movimentos,
principalmente o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
preconiza uma educação com a identidade
e cultura do campo e, para que esta
proposta se realize, produzem ações que
incentivaram os atuais avanços na
legislação. Portanto, os preceitos para a
Educação do Campo e seu referencial
teórico e legal foram conquistados por um
coletivo, na contradição e na luta de
classes.
Para pensar a Educação do Campo a
partir da corrente campesinista do
Paradigma da Questão Agrária, é
fundamental considerar a existência de
embates no campo e empreender uma
práxis revolucionária, objetivando a
emancipação do campesino e a contra-
hegemonia aos valores do capital.
Portando, deve-se prever a necessidade de
... pensar na superação do capitalismo, ir
além dele, tendo em vista que este sistema
representa a barbárie (Camacho, 2014, p.
402), fortalecendo o caráter do
campesinato como classe social.
A Educação do Campo deve ser
construída a partir da vivência dos sujeitos
campesinos, ampliando para os
conhecimentos desenvolvidos pela
humanidade ao longo de sua existência,
defendendo uma pedagogia própria que
valorize seu território, sua cultura, seu
modo de vida. Por isso, não deve perder de
vista a experiência empírica dos sujeitos
camponeses, tendo como referência a
inclusão das lutas sociais por eles
produzidas, seja pelo acesso e permanência
na terra ou por políticas públicas
emancipatórias. Neste sentido, Caldart
(2004) defende veementemente o vínculo
da Educação do Campo com os
movimentos sociais. Aponta para algumas
dimensões da formação humana que não
podem ser esquecidas em seu projeto
político e pedagógico: pensar que
precisamos formar não apenas
trabalhadores do campo, mas também
intelectuais orgânicos: lutadores sociais,
militantes de causas coletivas e
fomentadores de utopias sociais libertárias.
Este processo deve ocorrer,
simultaneamente, à educação formal, com
a introdução das experiências de vida e
fazeres/saberes dos camponeses,
oportunizando o acesso ao conhecimento
da humanidade. Tendo em vista que outra
característica importante na prática da
Educação do Campo, desenvolvida em um
espaço geográfico específico, o Campo, é a
relação dialética entre a particularidade e a
universalidade, que Caldart (2010, p. 110)
assim explica: “é particular, mas busca a
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inserção na universalidade como novo
projeto de sociedade”.
Camacho (2014, 2017) faz referência
a pressupostos teóricos-políticos-
ideológicos-utópicos que devem constar na
Educação do Campo a partir do paradigma
PQA, tendência campesinista, dentre os
quais apontamos:
1- Defesa do Paradigma
Originário da Educação do Campo;
2- Pedagogia libertadora como
matriz teórico-pedagógica principal;
3- Educação para cooperação e
solidariedade em oposição a
competitividade neoliberal;
4- Lógica camponesa não
capitalista: terra-família-trabalho;
5- Movimentos socioterritoriais
camponeses no centro do
debate, enquanto protagonistas
na implantação de políticas
públicas e produtores de
saberes (Pedagogia do
Movimento);
6- Resistência material e cultural
à territorialidade do capital e à
monopolização dos territórios
para a recriação e autonomia
camponesa;
7- Território construído na
disputa/conflito de classes no campo;
8- Camponês como classe
antagônica ao capital e como
modo de vida que se reproduz
na resistência e na contradição
do desenvolvimento do
capitalismo no campo;
9- Superação do capital e
emancipação humana pela revolução,
como utopia;
10- Superação da subalternidade
camponesa imposta pelo
capital monopolista na forma
do agronegócio;
11- Relação Local-Global
afirmando as territorialidades
horizontais e contra-
hegemônicas em oposição as
territorialidades verticalizadas
do poder hegemônico do
capital globalizado;
12- Diálogo entre os saberes-
fazeres camponeses e o
conhecimento técnico-
científico universalmente
consolidado;
13- Superação de todas as formas
de exploração, dominação
(inclusive da natureza),
opressão, desigualdade e
exclusão de Classe, Gênero,
Étnico-Racial, Geracional etc.
(Camacho, 2017, p. 656).
Os pressupostos teórico-
metodológicos da Educação do Campo
estão alicerçados na ação educativa do
coletivo, ouvindo a quem esta educação
interessa, construindo com eles,
aprendendo com eles.
Uma educação com conteúdo e
compromisso de classe, como instrumento
para libertação da classe oprimida ou
subalterna. Com uma pedagogia que vai
além da escola, que é organizada nos
movimentos sociais e na prática social
(Arroyo, 1989).
A educação nesta perspectiva
oportuniza que os sujeitos do território
campesino: os jovens, os técnicos, os
dirigentes, as cooperativas, os sindicatos,
os professores, os administrativos das
escolas, os movimentos sociais, pais e
mães, contribuam juntos numa ação
coletiva com a melhoria da escola da
comunidade, na realidade rural, no
fortalecimento da luta.
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Foi este diálogo, este fazer contínuo
entre movimento e pensadores, que
oportunizou os avanços na legislação para
a Educação do Campo como política de
Estado. Alterações na legislação começam
a ser notadas a partir da Lei de Diretrizes
de Base da Educação (1996), que no seu
artigo 28º preconiza:
Na oferta de educação básica para a
população rural, os sistemas de
ensino promoverão as adaptações
necessárias à sua adequação às
peculiaridades da vida rural e de cada
região, especialmente:
I - conteúdos curriculares e
metodologias apropriadas às reais
necessidades e interesses da zona
rural;
II - organização escolar própria,
incluindo adequação do calendário
escolar, às fases do ciclo agrícola e às
condições climáticas;
III - adequação a natureza do
trabalho rural.
A partir dos anos 1990, as tensões
sociais entre governo federal e movimentos
sociais rurais, principalmente o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra -
MST resultaram em diversas mobilizações
e, consequentemente, no atendimento de
parte das reivindicações. O Programa
Nacional da Educação na Reforma
Agrária, de 1998, é um exemplo do
fortalecimento da política educacional e
representa a força dos movimentos sociais.
Posteriormente, temos a aprovação
das Diretrizes Operacionais para a
Educação Básica nas Escolas do Campo
(2001), que Arroyo, Caldart e Molina
(2004, p. 176) explicam que:
A educação do campo, tratada como
educação rural na legislação
brasileira, tem um significado que
incorpora os espaços da floresta, da
pecuária, das minas e da agricultura,
mas os ultrapassa ao acolher em si os
espaços pesqueiros, caiçaras,
ribeirinhos e extrativistas. O campo,
nesse sentido, mais do que um
perímetro não-urbano, é um campo
de possibilidades que dinamizam a
ligação dos seres humanos com a
própria produção das condições da
existência social e com as realizações
de sociedade humana. Propostas
pedagógicas que valorizem, na
organização do ensino, a diversidade
cultural e os processos de interação e
transformação do campo, a gestão
democrática, o acesso do avanço
científico e tecnológico e respectivas
contribuições para a melhoria das
condições de vida e a fidelidade aos
princípios éticos que norteiam a
convivência solidária e colaborativa
nas sociedades democráticas.
Outro exemplo é o Decreto
Presidencial n. 7.352 (2010), que dispõe
sobre a Política de Educação do Campo e o
Programa Nacional de Educação na
Reforma Agrária (PRONERA), onde
delibera:
I- respeito à diversidade do campo
em seus aspectos sociais, culturais,
ambientais, políticos, econômicos, de
gênero, geracional e de raça e etnia;
II - incentivo à formulação de
projetos político-pedagógicos
específicos para as escolas do campo,
estimulando o desenvolvimento das
unidades escolares como espaços
públicos de investigação e
articulação de experiências e estudos
direcionados para o desenvolvimento
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social, economicamente justo e
ambientalmente sustentável, em
articulação com o mundo do
trabalho;
III - desenvolvimento de políticas de
formação de profissionais da
educação para o atendimento da
especificidade das escolas do campo,
considerando-se as condições
concretas da produção e reprodução
social da vida no campo;
IV - valorização da identidade da
escola do campo por meio de
projetos pedagógicos com conteúdos
curriculares e metodologias
adequadas às reais necessidades dos
alunos do campo, bem como
flexibilidade na organização escolar,
incluindo adequação do calendário
escolar às fases do ciclo agrícola e às
condições climáticas;
V - controle social da qualidade da
educação escolar, mediante a efetiva
participação da comunidade e dos
movimentos sociais do campo.
O PRONERA surge como estratégias
para alavancar a qualidade da Educação do
Campo, como política para suprir as
desigualdades (direito ao acesso e
permanência na escola). A população do
campo passa a fazer parte da estratégia
nacional para melhoria da qualidade do
ensino e, em outras palavras: “o que se
busca não é somente a igualdade de acesso
‘tolerada’ pelos liberais, mas
fundamentalmente a igualdade de
resultados” (Molina, 2008, p. 28).
Para Santos (2012), o decreto se
constituiu em um avanço no que se refere
ao novo status conferido ao PRONERA,
como política pública específica para a
educação formal de jovens e adultos
assentados da reforma agrária, além de
prever formação de educadores que
trabalham nas escolas dos assentamentos
ou que atendam a população assentada.
Progressos em políticas permanentes no
âmbito do ordenamento jurídico do Estado,
possibilita a existência de projetos que
perpassam, independentemente do governo
em exercício. A Educação do Campo
passa, então, a conquistar lugar na agenda
política nas instâncias municipal, estaduais
e federal.
Essas novas estruturas legais,
permitem para Souza (2008, p. 1092),
construir uma noção de educação pública
pautada nos interesses da sociedade civil
organizada, em contraponto à educação
pública estatal que historicamente marca a
gestão e a prática pedagógica no Brasil”.
Frisamos que a apropriação dos
movimentos socioterritoriais camponeses
das políticas públicas, bem como, sua
participação, acúmulo de conhecimento e
contribuição para pensar as políticas
educacionais e nas suas execuções,
fortalece o interesse público no embate
com o interesse estatal, costumeiramente
controlado pelas vontades de quem
governa.
Essa inter-relação nos fóruns pela
execução das políticas com a participação
dos movimentos possibilita o debate das
práticas pedagógicas, expõe divergências
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políticas pelas concepções de educação
entre estado e movimentos sociais do
campo, onde é defendido: A) uma
educação com respeito às organizações
sociais e o conhecimento por elas
produzido; B) educação respeitando o fazer
e a produção cultura local na formação dos
sujeitos; C) educação responsável pela
formação do humano para o
desenvolvimento sustentável e com
respeito às características do campo; entre
outros (Ministério da Educação, 2003).
Munarim (2008) defende a existência
de um Movimento Nacional de Educação
do Campo como uma rede social de
sujeitos coletivos do campo pela Educação
do Campo que nesta rede se interagem.
Nesse movimento, temos professores,
escolas do campo, pesquisadores, ONGs,
universidades, órgãos municipais,
estaduais de educação, movimento
sindical; irradiando o debate com o
objetivo de fortalecer a atuação política em
prol da educação do/para campo,
elaborar/organizar propostas pedagógica
que questionam as relações de classe do
campo brasileiro.
É esta organicidade produzida pelos
movimentos e a luta por uma Educação do
Campo que vem lentamente modificando
cada vez mais a prática social, inclusive na
academia. Representado no crescimento do
interesse pela temática, bem como pelo
contorno buscado pelos movimentos na
educação que se realiza no seu meio.
Como resultado, tem aumentado o número
de teses e dissertações sobre o tema, como
também, vem sendo criado cursos de
graduação e pós-graduação em alternância
destinados aos sujeitos do campo no
âmbito das universidades públicas, nas
diversas regiões do país.
Embora, como apontado, a
concepção e prática de educação do/no
campo vem se fortalecendo, nas escolas
públicas no campo brasileiro a situação
pedagógica e de infraestrutura é ainda
bastante precária. Muitos estados e
municípios ainda praticam o processo de
nucleação ou fechamento de escolas,
levando seus alunos para a área urbana. Na
área pedagógica ainda temos professores
que nem sempre têm formação escolar
superior; inexistência de bibliotecas ou
material didático específico, laboratórios
científicos ou de informática praticamente
não inexistem (Arroyo, 2007).
Destacamos que a rede pela
Educação do Campo também ressoa junto
ao professorado, e este tem buscado uma
prática pedagógica diferenciada, ensino
com sentido sociocultural para os povos do
campo, através da articulação dos
conteúdos escolares com vivência e
experiência do cotidiano dos alunos
(Arroyo, 2007). Esta prática se aproxima
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daquilo que defende os movimentos, ou
seja, uma prática pedagógica como
dimensão da prática social correlacionada
com a vida no campo, as lutas do campo,
para enfrentar a dominação do capital
sobre o campesino brasileiro.
Considerações finais
Existe um agrário em disputa, com
classes sociais com projetos antagônicos de
sociedade, representados na terra como
lugar de vida, de cultura, de trabalho do
campesino e a terra de negócio, de
expansão do capital explorador do
agronegócio. Logo, não acreditamos que
pela quantidade de terras devolutas ou de
latifúndios por explorar existentes no
Brasil, que o enfrentamento de classes na
contemporaneidade irá acabar. Aliás,
reforçado pela presença do explorado e do
explorador, inerente à forma que o capital
se organiza para o lucro e pela inexistência
de uma política de governo de distribuição
de renda e dos recursos naturais como
política pública, esta realidade perdurará
por anos.
A disputa em questão, que se estende
para a educação no agrário brasileiro, está
representada na luta dos movimentos
sociais que buscam uma Educação do
Campo que abarque e reproduza suas
vivências, o material e o imaterial que
compõem a vida do campesino. Tendo em
vista que a realidade da educação que se
realiza no campo, quase sempre, é
controlada pelo capital a partir dos
instrumentos públicos disponíveis (as
escolas rurais), pelo referencial teórico,
pelas práticas pedagógicas reacionárias,
pelo currículo e pelo seu projeto político.
Muitas vezes, o Estado apropria-se
do discurso da Educação do Campo, mas
reproduz práticas pedagógicas
desvinculadas das lutas camponesas e
vinculadas aos pressupostos do PCA, com
objetivos de manter a subordinação dos
camponeses ao capital e evitar a superação
da luta de classes. Como questionava
Freire (1983) ao afirmar que as classes
dominantes se utilizam-se da educação
formal para manter e difundir a ideologia
dominante, manter a dominação, a
opressão e a desigualdade presente no
modo capitalista de produção.
Desta forma, o pressuposto teórico
do PQA, na tendência campesinista,
presente na Educação do Campo permite:
contrapor à educação com preceitos
favoráveis ao capitalismo e, defender a
continuidade de um campo onde o
campesino persista; desenvolver uma
educação que contribui com o
enfrentamento ao capital, com a
reconquista de novos territórios, a
organização e controle dos territórios
camponeses existentes; reconhecer,
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fortalecer e valorizar a cultura e o
conhecimento campesino; e
instrumentalizar para emancipação dos
povos do campo na busca de seus direitos.
O Paradigma da Educação do Campo
oportuniza progredir para uma educação
que se baseie na produção da vida e na
consciência de classe, capaz de se contestar
à educação hegemônica e enfrentar as
políticas do imperialismo, forjando um
movimento de professores e estudantes a
partir dos pressupostos da teoria e da
prática como parte do processo de
evolução de uma nova democracia.
Os fundamentos da Educação do
Campo nos permite pensar uma educação
fora do contexto urbano, elaborada em
torno dos valores de vida e cultura
camponesas, capaz de motivar a
reflexão/ação da sociedade civil
organizada do campo no sentido da
conquista de novos espaços, na efetivação
de agendas políticas que beneficie a
efetivação de uma educação pública com
as aspirações dos povos do campo. Permite
a organização das práticas políticas,
pedagógicas e educativas construídas e
desenvolvidas com a participação
sociopolítica dos campesinos.
A participação campesina na
construção da Educação do Campo é
marca de uma prática social pedagógica
questionadora da educação pública estatal,
que, dialeticamente, fortalece a própria
educação pública. Entender esta
contribuição dos povos do campo nas
articulações que tem acontecido no interior
do Estado permitirá a compreensão dos
avanços alcançados na trajetória da
Educação do Campo.
O debate apresentado é de
fundamental importância pelo momento
político que atravessa o Estado brasileiro,
apontando para derrubada de direitos
nunca vistos na história recente do país, de
todas as ordens e formas, abarcando
direitos sociais, políticos, educacionais,
culturais, estado laico, de garantias
individuais, entre outros. A participação
dos movimentos sociais organizados na
defesa da permanência dessas garantias
legais previstas e em disputa é
fundamental.
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Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 10/04/2019
Aprovado em: 04/05/2019
Publicado em: 27/08/2020
Received on April 10th, 2019
Accepted on May 04th, 2019
Published on August, 27th, 2020
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ASSUNÇÃO, A. S. A prática da Educação do Campo e os
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