Revista Brasileira de Educação do Campo
The Brazilian Scientific Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.v4e6701
Tocantinópolis/Brasil
v. 4
e6701
10.20873/uft.rbec.v4e6701
2019
ISSN: 2525-4863
1
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Educação do Campo e Agroecologia: possibilidades de
articulação a partir da identidade e diversidade em suas
concepções e práticas
Eugênio Alvarenga Ferrari
1
,
Marcos Marques de Oliveira
2
1
Universidade Federal de Viçosa - UFV. Departamento de Educação (DPE). Avenida Peter Henry Rolfs, s/n. Viçosa - MG.
Brasil.
2
Universidade Federal Fluminense - UFF.
Autor para correspondência/Author for correspondence: ferrari@ctazm.org.br
RESUMO. O artigo propõe uma reflexão sobre a pouca
articulação e ações conjuntas entre as instâncias nacionais que
promovem o movimento da educação do campo e o movimento
da agroecologia, mesmo que comunguem princípios comuns e
se vinculem à mesma base social. Sistematiza o contexto e a
trajetória de construção de ambos os movimentos, buscando
entender suas identidades e diversidades, assim como as
possibilidades de mais interação e aprendizagem mútua. O
contexto tem como pano de fundo o processo de modernização
conservadora da agricultura, vinculado à questão agrária no
Brasil. Na trajetória de constituição de uma expressão nacional
destes movimentos identifica-se a falta de articulação e troca de
experiências de suas instancias de organização nacional, na
construção de suas concepções metodológicas e na incidência
sobre políticas públicas. recentemente a pauta de um
movimento se imbrica na de outro e percebe-se que há
experiências acumuladas e aprendizados conquistados em cada
um, capazes de fortalecê-los mutuamente, sem prejuízo a sua
especificidade. No contexto atual se faz necessário ampliar as
alianças no campo democrático e popular, explicitando a
diversidade destas experiências e as possibilidades de maior
articulação na construção de um projeto popular para o campo e
para o Brasil.
Palavras-chave: Educação do Campo, Agroecologia,
Movimentos Sociais, Políticas Públicas.
Ferrari, E. A., & Oliveira, M. M. (2019). Educação do Campo e Agroecologia: possibilidades de articulação a partir da identidade e
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Rural Education and Agroecology: possibilities of
articulation from the identity and diversity in their
conceptions and practices
ABSTRACT. The article analyzes the small articulation
between the national bodies that promote themovements of rural
education and agroecology. It systematizes the context of
construction of both movements, seeking to understand their
identities and diversities, as well as the possibilities of more
interaction and mutual learning. The context has as a
background the process of conservative modernization of
Brazilian agriculture. The hypothesis is that in the constitution
of these movements there is a lack of articulation and exchange
of experiences of their instances of national organization, both
in the construction of their methodological conceptions and in
the incidence on public policies. Only recently have the two
political guidelines mixed. In the current context, it is necessary
to broaden the alliances in the democratic and popular field,
explaining the diversity of these experiences and the
possibilities of greater articulation in the construction of a
popular project for the countryside and for Brazil.
Keywords: Rural Education, Agroecology, Social Movements,
Public Policies.
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Educación del Campo y Agroecología: posibilidades de
articulación de la identidad y la diversidad en sus
concepciones y prácticas
RESUMEN. El artículo analiza la pequeña articulación entre las
instancias nacionales que promueven los movimientos de la
educación del campo y de la agroecología. Sistematiza el
contexto de construcción de ambos movimientos, buscando
comprender sus identidades y diversidades, así como las
posibilidades de más interacción y aprendizaje mutuo. El
contexto tiene como telón de fondo el proceso de modernización
conservadora de la agricultura brasileña. La hipótesis es que en
la constitución de estos movimientos hay una falta de
articulación y de intercambio de experiencias de sus instancias
de organización nacional, tanto en la construcción de sus
concepciones metodológicas y en la incidencia sobre políticas
públicas. Sólo recientemente las dos pautas políticas vienen
mezclándose. En el contexto actual, se hace necesario ampliar
las alianzas en el campo democrático y popular, explicitando la
diversidad de estas experiencias y las posibilidades de mayor
articulación en la construcción de un proyecto popular para el
campo y para Brasil.
Palabras-clave: Educación del Campo, Agroecología,
Movimientos Sociales, Política Pública.
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Introdução
A participação em um debate em
2017, sobre o tema “Educação do Campo e
Educação em Agroecologia: diálogos e
convergências”, nos motivou a refletir
sobre a seguinte questão: Não deveria
haver mais articulação e ações conjuntas
entre as instâncias nacionais que
promovem o “movimento da educação do
campo” e o “movimento da agroecologia”
i
,
se estes comungam princípios comuns e na
sua base estão, pelo menos em princípio,
os mesmos sujeitos sociais a que se
vinculam? A questão não se refere,
portanto, à falta de relação entre estes
movimentos, uma vez que diferentes
formas de relação ao vel dos territórios
onde atuam, principalmente em função do
protagonismo e dos vínculos estabelecidos
com os mesmos movimentos sociais
camponeses. O foco desta reflexão se dá ao
nível de suas instâncias nacionais de
organização e articulação, representadas
respectivamente pelo Fórum Nacional de
Educação do Campo Fonec e pela
Articulação Nacional de Agroecologia
ANA.
Buscamos esta reflexão
compreendendo que a educação do campo
e a educação em agroecologia só podem se
desenvolver, numa perspectiva popular, de
emancipação das classes subalternas de
nossa sociedade, na medida em que se
vinculam aos movimentos, aos processos e
lutas sociais onde os trabalhadores e
trabalhadoras do campo emergem como
principais protagonistas. Lutas que
integram uma luta mais ampla de
emancipação do conjunto das relações
sociais no interior das sociedades
capitalistas. Citando Frigotto (2010):
“Trata-se de uma luta que atinge todas as
esferas da vida e que abrange o plano
econômico-social, político, cultural,
científico, educacional e artístico”.
(Frigotto, 2010, p. 19).
Uma inspiração para essa reflexão
vem das contribuições de Giovanni
Semeraro em seu esforço de análise dos
novos embates da filosofia da práxis a
partir do pensamento do militante político,
filósofo e educador Antonio Gramsci. Se a
filosofia pode ser considerada como
o estudo dos problemas fundamentais
relacionados à existência humana, à busca
do conhecimento de nós mesmos, movidos
pela curiosidade e sobre os fundamentos da
realidade, Gramsci audaciosamente afirma
que todo ser humano é filósofo, é
intelectual, na medida em que, mesmo não
tendo uma consciência teórica absoluta
sobre sua ação no mundo, de qualquer
forma adquire certo conhecimento do
mundo enquanto o transforma (Semeraro,
2017). Segundo Semeraro (2017), para
Gramsci, assim como para Karl Marx, a
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filosofia está profundamente vinculada ao
trabalho e à realidade concreta dos
trabalhadores. Esses pensadores nos
mostram que a indissociabilidade entre
teoria e prática, entre trabalho intelectual e
material, constitui o fundamento do
processo de auto-produção do ser humano
e a raiz da sua organização coletiva em
sociedade.
Ainda de acordo com Semeraro
(2006, p. 36):
Tal como Gramsci a apresenta, a
teoria do conhecimento (ou filosofia
da práxis ou dialética), continua a
desempenhar uma função
insubstituível, particularmente hoje,
em um mundo dominado por uma
ordem econômico-político-cultural
que, embora decante as conquistas
científicas, a diferença e o
pluralismo, esteriliza concepções
alternativas, reprime aspirações
populares, sufoca os conflitos e
dissimula as contradições, tudo
harmonizando, adaptando,
conjugando e subordinando a um
pensamento único e naturalizado.
Propusemo-nos, assim, sistematizar o
contexto e a trajetória de construção dos
movimentos da agroecologia e da educação
do campo, buscando entender suas
identidades e diversidades, assim como as
possibilidades de mais interação e
aprendizagem mútua. Nosso propósito é
contribuir para seu fortalecimento
enquanto espaço de construção de um
projeto contra-hegemônico pela classe
trabalhadora.
Após esta introdução, procuramos
situar o contexto em que estes movimentos
surgem e se desenvolvem, que tem como
pano de fundo o processo de modernização
conservadora da agricultura, que por sua
vez se vincula à questão agrária no Brasil.
A seguir procuramos identificar os
momentos que marcam a trajetória de
constituição de uma expressão nacional
dos movimentos pela agroecologia e pela
educação do campo, destacando as
concepções e práticas desenvolvidas ao
longo de suas histórias, incluindo algumas
referências teóricas e discutindo a relação
entre estes movimentos. Finalmente, nem
tanto a título de conclusão, mas de abertura
de questões para o debate, sinalizamos
alguns desafios para os movimentos da
educação do campo e da agroecologia.
Contexto das disputas de modelos de
desenvolvimento para o campo
É fundamental situarmos o contexto
em que emergem as iniciativas no Brasil
que, pouco a pouco, vão se constituindo
enquanto movimentos sociais protagonistas
de propostas contra-hegemônicas, tanto em
relação à agroecologia como em relação à
educação do campo. Podemos dizer que
um pano de fundo importante no início
destes movimentos, que diz respeito à
questão agrária no Brasil, foi o processo de
modernização conservadora da agricultura,
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implementado de maneira mais vigorosa a
partir da década de 1960.
Para González de Molina (1992), o
processo de modernização da agricultura
foi produto de um conjunto de
desenvolvimentos teóricos no campo da
economia que conferiu ao setor agrário um
papel relevante no crescimento econômico.
Especialmente após a segunda guerra
mundial, a modernização da agricultura
passou a ser considerada como passo
prévio ou necessário para a
industrialização. A agricultura deveria
viabilizar uma produção crescente de
alimentos; a transferência de mão de obra
para a indústria; recursos para o
desenvolvimento industrial; criação de
mercados e ingressos de capitais pela
exportação e cooperação internacional.
Almeida (1997) acrescenta que se difundiu
em todo o mundo a ideia, influenciada por
economistas de diferentes matizes
ideológicos, de que a agricultura tinha este
papel funcional e subsidiário ao setor
industrial.
Vários países latino-americanos, a
partir de meados da década de 1960, se
engajaram, por meio de suas elites
governantes, em processos de
modernização baseados na busca do
aumento da produtividade por meio do uso
intensivo de insumos químicos, de
variedades de alto rendimento melhoradas
geneticamente, da irrigação e da
mecanização. O cenário mundial na época,
onde a conjunção de uma crise no mercado
de grãos alimentícios com o aumento do
crescimento demográfico ameaçava
originar convulsões sociais em certas
regiões do mundo, justificaram os
objetivos então estabelecidos (Almeida,
1997).
Brum (1988, p. 60) acrescenta que o
fenômeno da modernização:
Pode ser definido ainda como sendo
um processo de modificação nas
relações sociais de produção. Neste
caso, implica numa maior integração
do produtor e da produção no
mercado e na racionalidade do lucro.
O objetivo principal da produção
agrícola ou agropecuária, então,
passa a ser o lucro, através do qual se
a acumulação. A produção
destina-se antes de tudo ao mercado,
no qual vai ter atuação privilegiada o
segmento que controla a
comercialização.
É ainda na década de 1950, momento
em que os processos de industrialização e
de urbanização se tornavam
predominantes, que se polariza na
sociedade brasileira o debate a respeito da
necessidade da adequação da agricultura às
novas exigências do desenvolvimento do
país. De um lado tínhamos aqueles que
defendiam uma ampla reforma agrária,
para quem a democratização do acesso à
terra era condição indispensável para o
próprio desenvolvimento da agropecuária.
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De outro lado, aqueles que defendiam a
modernização como condição para
desenvolver plenamente a capacidade
produtiva da agricultura brasileira. Ou seja,
não seria necessário ampliar o número de
agricultores a partir da distribuição de
terras improdutivas, mas sim aumentar a
produtividade por área através das novas
tecnologias preconizadas pela
modernização. O desfecho deste debate
vem com o golpe militar de 1964, quando a
aliança do capital financeiro, complexos
agroindustriais internacionais, a grande
empresa agrícola nacional e o latifúndio
passam a promover um processo mais
intenso de modernização da agricultura.
Processo este impulsionado por políticas
governamentais, que no Brasil tiveram
como objetivos a adequação da estrutura
de produção agrícola nacional ao novo
surto de crescimento econômico planejado
no pós-1964 (Ferrari, 2017).
As rápidas e profundas
transformações no padrão tecnológico e
nas relações sociais ocorridas na
agricultura brasileira a partir desse período
apresentaram como um dos efeitos mais
evidentes a intensificação dos processos de
exclusão social e de degradação ambiental
gerados pelo latifúndio monocultor
(Almeida, 1997). Os impactos negativos
desse processo nos planos social e
ambiental estão fartamente documentados.
Mas cabe aqui destacar suas consequências
na desarticulação de sistemas de valores
preexistentes, na desorganização de formas
tradicionais de sociabilidade e na
dissolução de identidades locais a partir da
introdução das técnicas industriais de
produção, retirando dos camponeses o
domínio do conhecimento associado ao seu
próprio trabalho. Desta forma expropria o
saber-fazer das comunidades rurais e
transfere esse poder para as empresas
produtoras das modernas técnicas agrícolas
(Petersen & Dias, 2007).
Ainda na atualidade, a natureza da
questão agrária permanece no cerne,
contém os desafios centrais que estão
colocados para a agroecologia e a
educação do campo enquanto propostas
contra-hegemônicas. Para Delgado (2010,
p. 81), a questão agrária está diretamente
associada ao domínio do agronegócio
sobre o modelo agrário brasileiro:
A antinomia “reforma agrária” versus
“modernização técnica”, que é
proposta pelos conservadores em
1964, é reposta na atualidade sob
novo arranjo político. Esse novo
arranjo se articula nos últimos anos
do segundo governo do presidente
Fernando Henrique Cardoso e
também no governo do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, quando se
constitui uma estratégia de
relançamento dos grandes
empreendimentos agroindustriais
apoiados na grande propriedade
fundiária, voltados à geração de
saldos comerciais externos
expressivos. Essa estratégia, que
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estivera abandonada pela política
macroeconômica do primeiro
governo Cardoso, é adotada por
pressão do constrangimento externo
do balanço de pagamentos. Ela
relança uma política agrícola de
máxima prioridade ao agronegócio,
sem mudança na estrutura agrária.
Isso reforça as estratégias privadas de
maximização da renda fundiária e
especulação no mercado de terras.
Esse arranjo da economia política é
altamente adverso ao movimento da
reforma agrária e às políticas
alternativas de desenvolvimento pela
via camponesa.
Alentejano (2011) destaca quatro
questões inter-relacionadas que considera
como nucleares da questão agrária no
Brasil, neste início de século: i) a
persistência da concentração fundiária e as
desigualdades que dela são derivadas; ii) o
controle sobre a tecnologia, o
processamento agroindustrial, a
comercialização da produção agropecuária
e a compra de terras decorrentes do
processo de internacionalização da
agricultura; iii) a crescente insegurança
alimentar, que decorre das transformações
recentes na dinâmica produtiva da
agropecuária e iv) a permanência da
exploração do trabalho, da violência e da
devastação ambiental no campo brasileiro.
No entanto, precisamos ter claro que,
o processo de modernização da agricultura,
como base para o avanço do capitalismo no
campo, não se deu sem a resistência de
vários setores da sociedade, especialmente
dos próprios sujeitos excluídos: os
camponeses. É possível afirmar que na
atualidade há pelo menos dois diferentes
projetos de campo que disputam espaço em
nossa sociedade, os quais encerram
diferentes perspectivas de
desenvolvimento. De um lado um projeto
hegemônico
ii
, o chamado agronegócio, que
se baseia na grande propriedade fundiária,
no uso intensivo de tecnologia “moderna”
e na produção em larga escala de
commodities, principalmente para
exportação. E de outro a chamada
agricultura familiar camponesa
iii
,
estruturada em pequenas propriedades ou
terras comunais, voltada prioritariamente à
produção de alimentos para o autoconsumo
e para o mercado consumidor
local/nacional (Cover & Cerioli, 2015). De
um lado o campo visto como lugar de
produção de mercadoria e de outro como
lugar de produção da vida, de realização da
existência do campesinato (Fernandes,
2006; 2012).
Quando buscamos analisar os
movimentos da agroecologia e da educação
do campo faz-se necessário inseri-los
dentro de uma totalidade, ou seja, levando
em consideração o modo de produção
capitalista, especificamente suas
particularidades ao que se refere ao campo
e os diferentes projetos em disputa. É
necessário compreender as contradições
históricas que compõem o campo
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brasileiro, contradições que envolvem a
luta por autonomia de camponeses,
ribeirinhos e povos tradicionais pelo acesso
à terra, à educação, à soberania alimentar,
frente a internacionalização da agricultura
e a constituição de sistemas
agroalimentares globais controlados por
empresas transnacionais (Ferrari et al.,
2018).
Origem, concepções e práticas do
Movimento Agroecológico e do
Movimento da Educação do Campo
No quadro a seguir são identificados,
em paralelo, momentos que marcam a
trajetória de constituição de uma expressão
nacional dos movimentos pela
agroecologia e pela educação do campo. A
partir destes marcos buscaremos, de forma
sintética, reconstituir essas trajetórias,
destacando as concepções e práticas
desenvolvidas ao longo de suas histórias,
assim como a relativa falta de articulação
entre as instâncias nacionais que
promovem ambos movimentos.
Quadro 1 - Trajetória dos movimentos pela agroecologia e pela educação do campo.
“Movimento Agroecológico”
“Movimento da Educação do Campo”
1981 I Encontro Brasileiro de Agricultura
Alternativa (EBAA) / 1988 Rede Projetos de
Tecnologias Alternativas (Rede PTA)
1997 - I Encontro Nacional de Educadores na
Reforma Agrária I ENERA
1998 - I Conferência Nacional por uma Educação
Básica do Campo / Pronera
1999 I Encontro Nacional de Pesquisa em
Agroecologia e Seminário Reforma Agrária e Meio
Ambiente
2002 I Encontro Nacional de Agroecologia(IENA) e
criação da Articulação Nacional de
Agroecologia(ANA)
2003 Incidência na Política de ATER etc. / I
Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA)
2004 II CBA e criação da ABA-Agroecologia
2003 - GT Educação do Campo junto ao
Ministério da Educação (MEC)
2004 - II Conferência Nacional / Programas
Saberes da Terra e a Licenciatura em Educação
do Campo
2006 II ENA / Marco Referencial Embrapa
2007 Programa Nacional de Educação do
Campo (Pronacampo) / 2008/2009 - 32 IES
parceiras
2011 Encontro de Diálogos e Convergências
2012 Política Nacional de Agroecologia e Produção
Orgânica (PNAPO)
2013 - I Plano Nacional de Agroecologia e Produção
Orgânica (I Planapo)
2014 III ENA
2010 - Fórum Nacional de Educação do Campo
(Fonec)
2010 - Decreto 7352/2010 institui o Programa
Nacional de Educação na Reforma Agrária
(Pronera)
2012 Pronacampo / 42 Cursos de Licenciatura
em Educação do Campo
2015 II Planapo
2015 III Seminário Nacional do Fonec / II
ENERA
Fonte: Elaborado pelos autores a partir de Caldart (2012); Molina & Sá (2012); Monteiro & Londres (2017).
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No período que se segue ao golpe
militar, com grande repressão aos
movimentos sociais que reivindicavam a
reforma agrária, foi sob o manto das
igrejas autodenominadas progressistas
(católica e algumas protestantes), “...
instituições de grande capilaridade no meio
rural e que escapavam aos controles
repressivos do Estado, que surgiram
espaços para que as famílias camponesas
refletissem sobre suas realidades e
buscassem formas de enfrentar as situações
de privação a que estavam subordinadas”.
(Monteiro & Londres, 2017, p. 54).
Reunidas nas Comunidades Eclesiais
de Base (CEBs), as famílias de agricultores
buscavam valorizar iniciativas inovadoras,
as práticas culturais locais e formas de
convívio social e cooperação voltadas para
o melhor uso dos recursos locais na
construção de crescentes níveis de
autonomia material e de conhecimentos
nas comunidades rurais (Petersen &
Almeida, 2006). Foi exatamente a partir
das CEBs que se (re)estruturaram grande
parte das organizações camponesas que
integram atualmente o movimento
agroecológico e o movimento da educação
do campo, e que estes movimentos deram
seus primeiros passos.
Ainda na década de 1970, a crítica ao
processo de modernização da agricultura
no Brasil, feita por pesquisadores nas
universidades públicas, influenciados por
autores e estudos realizados em outras
partes do mundo, começa a ganhar corpo e
influência, fornecendo argumentos para a
denúncia dos seus impactos no meio
ambiente (Padula et al., 2013). A
construção da ideia de um modelo de
agricultura alternativo ao preconizado pela
modernização, cresce e vai ganhando
escala nacional junto aos profissionais e
estudantes de agronomia. A partir de
debates realizados em seus respectivos
congressos, organizam o I EBAA, em
1981, que pode ser considerado um
primeiro marco na constituição de um
movimento agroecológico de abrangência
nacional.
Concomitantemente, a partir da
abertura democrática nos anos 1980, os
movimentos populares no campo se
reorganizam e são criadas entidades de
assessoria que passam a lhes prestar apoio
na crítica aos efeitos sociais e econômicos
da modernização, aos processos de
expropriação a que foram submetidas as
comunidades camponesas, bem como na
formulação e disseminação de alternativas
a este modelo. É o momento em que se
constitui a Rede Projetos de Tecnologias
Alternativas - Rede PTA, organizada
nacionalmente a partir de projetos
desenvolvidos nas regiões sul, sudeste e
nordeste do país, e que atuavam
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diretamente junto às comunidades
camponesas, com a clareza de que seus
conhecimentos deveriam ser valorizados e
de que eles próprios deveriam ser os
agentes de transformação social (Monteiro
& Londres, 2017; Padula et al., 2013;
Petersen & Almeida, 2006).
Mas é somente no final dos anos
1980 e início da década de 1990, que o
conceito e o enfoque da agroecologia
iv
ganha corpo junto às entidades de
assessoria e nas universidades. Fortemente
vinculada a fontes ancestrais de
conhecimento, a agroecologia revaloriza o
saber popular (tradicional ou indígena)
como fonte de inspiração para modelos que
possam ter validade nas condições atuais.
A valorização destes conhecimentos não
desautoriza os achados do método
científico, ao contrário, considera a grande
importância das duas fontes e a relação
positiva entre elas (Ferrari, 2017).
A assessoria das organizações da
Rede PTA junto às comunidades
camponesas, a partir do enfoque da
agroecologia, sob influência da ação das
CEB´s e das propostas da Educação
Popular
v
, desenvolve abordagens
metodológicas inovadoras que colocam a
sabedoria popular e o saber acadêmico em
uma relação de complementaridade,
permitindo que as famílias e comunidades
camponesas se apropriem de
conhecimentos que dificilmente teriam
condições de construir sem o aporte do
método científico, aumentando seus
horizontes de possibilidades para gerirem
autonomamente os recursos que tem à
disposição e aprimorar seus meios de vida,
entre eles a criatividade coletiva (Petersen
& Dias, 2007).
O conceito de agroecologia evolui
aos poucos no sentido de compreendê-la
enquanto ciência, prática e movimento
(Wezell et al., 2009). Como ciência, a
agroecologia se caracteriza por ser
multidisciplinar, aportando as bases do
novo paradigma científico, que procura ser
integrador, sistêmico. É a partir do diálogo
entre cientistas e camponeses, na
diversidade de conhecimentos e de técnicas
desenvolvidas na agricultura camponesa
que se desenvolveu a abordagem da
agroecologia enquanto ciência (Caldart,
2016). Como prática, a agroecologia
resgata e ressignifica práticas tradicionais
de manejo dos agrossistemas com uso de
recursos locais (recursos biológicos,
naturais e também conhecimentos) que
promovem autonomia (Ploeg, 2008).
Como movimento, a agroecologia se
vincula às lutas pela construção da
agricultura camponesa no século XXI, na
qual abarca a socialização da propriedade
da terra (e a reforma agrária popular), a
diversidade cultural dos povos do campo, e
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as diferentes formas de trabalho camponês
(Caldart, 2016).
São estas lutas, como formas de
resistência, intervindo na alteração dos
processos produtivos e no trabalho, numa
ampla gama de práticas heterogêneas e
crescentemente interligadas que, na
opinião de Ploeg (2009), estão presentes no
florescimento da agroecologia e se
constituem na principal força motriz de
muitas formas de desenvolvimento rural
autóctone presente em várias partes do
mundo. A relação orgânica entre a
agricultura camponesa e agroecologia “...
vem se tornando uma referência
fundamental para se pensar a reconstrução
ecológica da agricultura no mundo, desde
um referencial político e epistemológico
vinculado ao polo do trabalho”. (Caldart,
2016, p. 308).
Neste sentido, a agroecologia surge
enquanto resultado das contradições do
modo de produção capitalista de se fazer
agricultura e, de forma dialética, produto
também da resistência histórica de
camponeses que não se sujeitam a gica
de reprodução do capital (Caldart, 2016),
que promovem a reprodução ampliada da
vida ancorados em conhecimentos
tradicionais, mediados pelo trabalho
camponês.
Ao seu turno, é também no período
da redemocratização, em que a sociedade
brasileira vivenciava o processo de saída
do regime militar, que movimentos
populares participam da organização de
espaços públicos defendendo a educação
do campo enquanto direito dos
trabalhadores do campo. O esforço feito
nesse momento foi de articular
experiências históricas de luta e
resistência, como as do Movimento dos
Sem Terra MST, das Escolas Família
Agrícola EFAs, do Movimento de
Educação de Base - MEB, das
organizações indígenas e quilombolas, do
Movimento dos Atingidos por Barragens -
MAB, de organizações sindicais, de
diferentes comunidades e escolas rurais,
ampliando-se a compreensão de que os
povos do campo tinham direito a uma
educação que os fortalecessem enquanto
sujeitos de sua própria história (Caldart,
2012).
Para Caldart (2012), a educação do
campo, enquanto prática social ainda em
processo de constituição histórica, possui
algumas características que, do nosso
ponto de vista, contribuem na elucidação
de identidades com a prática social da
agroecologia: i) a educação do campo não
nasceu como teoria educacional, suas
questões e desafios iniciais foram e
continuam sendo práticos, não se
resolvendo no plano apenas da disputa
teórica, mas que exige teoria e rigor de
Ferrari, E. A., & Oliveira, M. M. (2019). Educação do Campo e Agroecologia: possibilidades de articulação a partir da identidade e
diversidade em suas concepções e práticas...
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análise da realidade concreta; ii) combina a
luta pela educação com a luta pela terra,
pelo direito ao trabalho, à cultura, à
soberania alimentar, ao território, portanto
não se restringe à educação em si mesma e
nem de educação escolar, embora se
organize em torno dela; iii) defende a
especificidade dessa luta e das práticas que
ela gera, mas não em caráter particularista,
porque as questões que coloca à sociedade
a propósito das necessidades particulares
de seus sujeitos não se resolvem fora do
terreno das contradições sociais mais
amplas que as produzem; iv) suas práticas
reconhecem e buscam trabalhar com a
riqueza social e humana da diversidade de
seus sujeitos; v) reafirma e revigora uma
concepção de educação de perspectiva
emancipatória, vinculada a um projeto
histórico, às lutas e à construção social e
humana de longo prazo, movendo-se pelas
necessidades formativas de uma classe
portadora de futuro.
Portanto, tanto para o movimento da
agroecologia como para o movimento da
educação do campo não se pode prescindir
de um compromisso político com a luta
social pelo avanço da agricultura
camponesa. Tanto as experiências
agroecológicas como as escolas do campo
dependem dos processos de
territorialização da agricultura camponesa,
“...enquanto concepção e práticas que
confrontam as relações sociais capitalistas
no campo”. (Caldart, 2016, p. 310).
A concepção de escola do campo que
emerge no bojo desse movimento é,
portanto, uma concepção gerada a partir
das contradições da luta social e das
práticas de educação dos trabalhadores do
e no campo (Molina & Sá, 2012). Para
Molina e Sá (2012, p. 327):
A concepção de escola do campo se
insere também na perspectiva
gramsciana da Escola Unitária
vi
, no
sentido de desenvolver estratégias
epistemológicas e pedagógicas que
materializem o projeto marxiano da
formação humanista omnilateral,
com sua base unitária integradora
entre trabalho, ciência e cultura,
tendo em vista a formação dos
intelectuais da classe trabalhadora.
Se para o movimento agroecológico
o I EBAA pode se configurar como um
marco inicial, o I ENERA, organizado pelo
MST, é um marco inicial da constituição
de um movimento nacional pela educação
do campo. É após a sua realização que se
organiza, em 1998, a I Conferência
Nacional por uma Educação Básica do
Campo, a partir da qual se intensificou o
debate e a incidência na formulação de
políticas públicas, com a criação do
Pronera, neste mesmo ano.
Em paralelo, o nascente movimento
agroecológico, apesar de acumular
experiências significativas em várias
regiões do país e de se articular de forma a
Ferrari, E. A., & Oliveira, M. M. (2019). Educação do Campo e Agroecologia: possibilidades de articulação a partir da identidade e
diversidade em suas concepções e práticas...
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fortalecê-las mutuamente, também se
ressentia da pouca capacidade de expressão
e de incidência nas políticas públicas ao
nível nacional. A partir de reflexões feitas
no I Encontro Nacional de Pesquisa em
Agroecologia e no Seminário sobre
Reforma Agrária e Meio Ambiente,
realizados em 1999, durante o período da
campanha para eleições presidenciais de
2002 é organizado o I ENA, envolvendo
representantes de organizações e
comunidades camponesas de todas as
regiões brasileiras, momento em que é
constituída a Articulação Nacional de
Agroecologia ANA (Monteiro &
Londres, 2017). Neste período, a ANA
estabelece entre seus objetivos dar
visibilidade às experiências em
agroecologia, promover a interação entre
elas, e formular críticas e propostas de
políticas públicas.
O primeiro governo Lula
(2003/2006) é marcado, assim, como um
período de forte incidência de ambos os
movimentos, da agroecologia e da
educação do campo, na formulação e
implementação de políticas públicas. Para
ambos a disputa pela hegemonia não se
somente no âmbito da sociedade civil, mas
também dentro do Estado. A história
brasileira foi marcada por várias conquistas
e afirmação da perspectiva democrática,
graças a pressões exercidas pelas lutas
populares junto ao Estado, que apesar de
hegemonizado pelo capital não é
exclusivamente expressão das classes
dominantes, carrega em si as contradições
de uma sociedade dividida em classes.
A II Conferência Nacional pela
Educação do Campo, realizada 2004, com
representantes de diferentes organizações
sociais e também escolas de comunidades
camponesas, demarca a ampliação dos
sujeitos da luta pela educação do campo. O
lema desta conferência, “Educação do
Campo: direito nosso, dever do Estado!”,
expressou o entendimento comum possível
naquele momento: “a luta pelo acesso dos
trabalhadores do campo à educação é
específica, necessária e justa, deve se dar
no âmbito do espaço público, e o Estado
deve ser pressionado para formular
políticas que a garantam a sua
universalização”. (Caldart, 2012, p. 262).
Buscando enfrentar as novas
políticas neoliberais para a educação e para
a agricultura, o movimento da educação do
campo considera como conquistas neste
período, no âmbito do Ministério da
Educação - MEC: a resolução 1 de
03/04/2002 (Diretrizes Operacionais da
Educação do Campo); a instituição do
Grupo Permanente de Trabalho de
Educação do Campo (2003) e da Secretaria
Educação Básica do Campo de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade,
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assim como o Programa Saberes da Terra e
a Licenciatura em Educação do Campo
(Molina & Sá, 2012; Oliveira & Campos,
2012).
o movimento agroecológico,
capitaneado pela ANA, passa a incidir
prioritariamente no Ministério do
Desenvolvimento Agrário - MDA,
influenciando a Política Nacional de
Assistência Técnica e Extensão Rural -
PNATER e o Programa de Fortalecimento
da Agricultura Familiar - Pronaf,
reestruturados pelo governo Lula. Mas
também em programas geridos por outros
ministérios e órgãos do governo federal,
como o Programa de Aquisição de
Alimentos PAA (e mais tarde no
Programa Nacional de Alimentação
Escolar PNAE), o marco legal
relacionado às sementes, dentre outros. Em
2004, o movimento passa a contar também
com a Associação Brasileira de
Agroecologia - ABA, reunindo
principalmente pesquisadores, professores
e técnicos da extensão rural. O Marco
Referencial em Agroecologia da Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária
Embrapa, pode ser considerado como uma
das conquistas da ABA- Agroecologia
neste período (Monteiro & Londres, 2017).
O curioso é notar que não há uma
articulação ou coordenação, nem mesmo
troca de experiências, entre as instancias de
organização nacional do movimento
agroecológico e da educação do campo, ou
seja entre a ANA e o Fonec, tanto na
construção de suas concepções
metodológicas, de sua pedagogia”, como
na incidência sobre políticas públicas,
sendo que essa incidência é feita no mesmo
período (em alguns casos envolvendo o
mesmo órgão governamental) e todas
relacionadas à mesma questão: de
construção de um do projeto de
desenvolvimento para o campo brasileiro a
partir da perspectiva dos trabalhadores.
Acrescente-se ainda que na base destes
movimentos se encontram os mesmos
sujeitos camponeses e populações
tradicionais: povos do campo, das florestas
e das águas. Retornaremos a este ponto
mais adiante.
Contudo, se no início dos anos 2000
podemos assistir a inúmeros avanços nas
políticas públicas que fortalecem as
iniciativas de agroecologia e educação do
campo, como resultado da incidência
política dos trabalhadores e trabalhadoras
organizados em diferentes movimentos
sociais, a possibilidade de um “projeto de
campo camponês”, que seja hegemônico
no Brasil, se torna cada vez mais distante
no horizonte. A capacidade de pressão do
agronegócio sobre o Estado, no sentido da
renovação e ampliação das estratégias de
avanço do capitalismo no campo, se torna
Ferrari, E. A., & Oliveira, M. M. (2019). Educação do Campo e Agroecologia: possibilidades de articulação a partir da identidade e
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cada vez mais vigorosa, não obstante traga
consigo novas contradições.
O poder hegemônico do capital sobre
o Estado, mesmo em um governo onde
foram fortalecidos ou criados importantes
espaços de diálogo com as organizações da
sociedade civil, faz com que este privilegie
seu apoio na expansão dos monocultivos
destinados à exportação, cujos impactos
afetam diretamente as comunidades
camponesas, fortalecendo o agronegócio e
sua dinâmica expansiva sobre territórios
ocupados pela agricultura familiar
camponesa e pelos povos indígenas e
comunidades tradicionais. Somado a isso,
assistimos a uma série de violações de
direitos territoriais com a expansão e
implantação de projetos de mineração e
grandes obras de infraestrutura de um
modelo de desenvolvimento econômico
predatório de bens naturais (Monteiro &
Londres, 2017).
Como nos lembra Caldart (2012, p.
262), “lutar por políticas públicas em uma
sociedade de classes como a nossa, quando
são políticas pressionadas pelo pólo do
trabalho, acabam confrontando a lógica de
mercado, que precisa ser hegemonizada em
todas as esferas da vida social para garantir
o livre desenvolvimento do capital”.
Do ponto de vista da educação do
campo, o Estado não consegue
operacionalizar a universalização do
direito à educação aos camponeses sem
uma disputa pelos fundos públicos que se
dirigem ao avanço do agronegócio,
inclusive em suas práticas de educação
corporativa, pois na lógica desse modelo
dominante não é a educação do campo que
interessa, mas aquela voltada para a
preparação de mão de obra para os
processos de modernização e expansão das
relações capitalistas na agricultura
(Caldart, 2012). Não é a autonomia dos
camponeses em relação às sementes, aos
demais insumos e conhecimentos
necessários a produção que interessa, pois
o que está em jogo é a disputa de projetos
de agricultura ou de produção no campo,
de matriz tecnológica, de organização do
trabalho no campo e na cidade, se
vinculando estruturalmente ao movimento
das contradições do âmbito da questão
agrária.
Porém, dialeticamente, o avanço do
capitalismo no campo, travestido nos anos
2000 sob a égide do “agronegócio”, é
confrontado pela pressão articulada dos
movimentos de trabalhadores do campo
que continuam a disputa, ampliando
alianças a partir de outras demandas e na
direção de outro projeto.
O movimento agroecológico em seu
II Encontro Nacional realizado em 2006,
demarca um novo campo na disputa
ideológica ao colocar no centro dos
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debates o antagonismo dos projetos de
desenvolvimento rural, de um lado
representado pelo avanço do agronegócio e
de outro o fortalecimento da agricultura
familiar camponesa com base nos
princípios da agroecologia. Amplia seu
arco de alianças neste debate com a
realização do Encontro de Diálogos e
Convergências, em 2011, em parceria com
a ABA-agroecologia, Fórum Brasileiro
de Economia Solidária, Rede Brasileira
de Justiça Ambiental, Fórum Brasileiro de
Soberania e Segurança Alimentar, GT de
Saúde e Ambiente da Associação
Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco),
Rede Alerta contra o Deserto Verde,
Marcha Mundial das Mulheres e
Articulação de Mulheres Brasileiras. Da
mesma forma na construção do III
Encontro Nacional de Agroecologia em
2014
vii
, o qual conta com uma nova e
significativa participação de representantes
de movimentos de populações tradicionais
(indígenas, seringueiros, quebradeiras de
coco etc.) e das juventudes vinculadas ao
campo. Os próprios movimentos sociais do
campo e das florestas passam a dar mais
atenção a agroecologia em suas pautas e
lutas a partir dos anos 2000
viii
(Monteiro &
Londres, 2017).
Cabe destacar uma inovação na
forma de ação política do movimento
agroecológico na realização destes
encontros: a realização de leituras
compartilhadas sobre os conflitos e
projetos em disputa nos territórios e a
sistematização participativa das
experiências que evidenciam a
contribuição da agroecologia no
importante papel que a agricultura familiar
camponesa e populações tradicionais
cumprem para o conjunto da sociedade.
Um processo que vem se desenvolvendo a
partir de caravanas agroecológicas e
culturais e outras atividades coletivas que,
além de dar visibilidade aos impactos
positivos das experiências, assim como aos
conflitos que ameaçam ou limitam a
expansão da agroecologia, contribui para
tecer alianças políticas importantes com
outras redes e movimentos da sociedade
civil (Monteiro & Londres, 2017).
Aqui, novamente nos vem a
referência de Semeraro (2017), quando
aborda o pensamento de Gramsci sobre os
desafios para se compreender as relações
de força em sociedades avançadas e
complexas, como é a nossa atualmente, e
de como conseguir formar uma vontade
coletiva, unificada, capaz de realizar a
disputa pela hegemonia:
Gramsci apresenta a política como
“arte de imaginação criativa” que
precisa ser aprendida pelas classes
populares para conjugar
inseparavelmente análise da realidade
concreta e intervenção política,
elementos da estrutura e da
superestrutura, as múltiplas variáveis
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em jogo no campo de forças sociais e
a construção de um bloco histórico,
de modo a conseguir a construção da
hegemonia e a configuração do
próprio Estado. (Semeraro, 2017, p.
43).
Como resultado da maior articulação
e visibilidade de suas propostas, o
movimento pela agroecologia logra incidir
na formulação da Política Nacional de
Agroecologia e Produção Orgânica -
PNAPO, que envolve vários ministérios e
tem dois Planos Nacionais implementados
(Planapo I e II), respectivamente em 2012
e 2015. Evidentemente que as pautas de
negociação de diferentes movimentos
camponeses (que fazem parte da ANA)
com o governo federal, e especialmente a
Marcha das Margaridas em 2012, tiveram
um papel fundamental na instituição desta
política, mas nos referimos aqui ao
processo capitaneado pela ANA, que foi
reconhecida como importante interlocutora
pelo governo federal para o debate e
proposição da PNAPO. Tanto é assim que
o governo apoiou a ANA para a realização
de seminários regionais e nacional para a
construção da PNAPO. A instituição da
PNAPO torna-se assim um marco histórico
de grande relevância para o movimento
agroecológico, tendo os seminários
realizados pela ANA se constituído em um
processo muito rico e mobilizador na
construção das propostas que foram
apresentadas ao governo federal (Monteiro
& Londres, 2017), processo este que
contribuiu sobremaneira no fortalecimento
da identidade e coesão do movimento
agroecológico e da própria ANA.
O movimento pela educação do
campo também amplia sua articulação com
a criação do Fórum Nacional de Educação
do Campo Fonec, em 2010, que conta
com a participação de diferentes
movimentos sociais, organizações sindicais
e outras instituições, com destaque agora
para uma participação mais ampliada de
universidades e institutos federais de
educação. Identificam-se como conquistas
importantes a partir deste período o decreto
da Presidência da República que dispôs
sobre a Política de Educação do Campo e o
Programa Nacional de Educação na
Reforma Agrária Pronera, em 2010. E
em 2012 o Programa Nacional de
Educação do Campo - Pronacampo, que
tem entre suas ações o Edital de Seleção N.
2/2012, o qual viabiliza a implantação de
42 Cursos Licenciatura em Educação do
Campo, abrangendo todas as regiões do
país (Molina & Sá, 2012; Caldart, 2012).
Entretanto, o golpe parlamentar -
jurídico midiático que destituiu Dilma
Roussef da presidência da república, em
2016, trouxe consigo um enorme
retrocesso no plano dos direitos sociais e
humanos, e das políticas públicas
duramente conquistadas nos anos recentes.
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Em relação às políticas para o campo,
podemos destacar: a reforma agrária foi
paralisada; a Fundação Nacional do Índio
(FUNAI) e o Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (INCRA)
estão sendo sucateados; o Ministério do
Desenvolvimento Agrário (MDA) foi
extinto; o Programa Bolsa Família vem
sendo drasticamente reduzido; foram feitos
cortes drásticos nos orçamentos do PAA,
da Política Nacional de Assistência
Técnica e Extensão Rural (PNATER) e do
Programa de Cisternas para o Semiárido.
Medidas antipopulares avançam no
Congresso Nacional, a partir de uma ação
articulada da bancada ruralista em favor
das grandes corporações do agronegócio e
em detrimento do interesse público, como,
por exemplo, a proposta de flexibilização
da lei dos agrotóxicos.
Desafios para a educação do campo e a
agroecologia
Retomamos aqui a questão
levantada, anteriormente, sobre a pouca
articulação e ação conjunta das instancias
nacionais do movimento agroecológico e
do movimento da educação do campo
durante essa trajetória de conquistas e
retrocessos, apesar de inequívocos pontos
de confluência e identidade.
Levantamos esta questão,
acrescentando que uma articulação maior
entre as instancias nacionais destes
movimentos começa avançar mais a
partir de meados da década de 2010, a
partir de nossa vivencia e participação no
Núcleo Executivo e Coordenação Nacional
da ANA, no período de 2002 a 2015, mas
também a partir de algumas evidências.
Dentre outras podemos citar: i) no
Manifesto à Sociedade Brasileira
produzido a partir da reunião do Fonec em
2012 o termo agroecologia é citado
pontualmente nas considerações iniciais,
não aparece em nenhum momento nas
proposições; ii) no relatório síntese das
conclusões e proposições da oficina de
planejamento do Fonec para o período de
2013/2014 não consta proposições de ação
do Fonec relacionadas à promoção da
agroecologia na educação do campo ou de
articulação com as redes e fóruns de
agroecologia; iii) a educação do campo,
igualmente, aparece de forma marginal na
Carta Política do II ENA (2006) e não
consta como um tema articulador dos
debates realizados neste encontro; iv) a
ANA se articula com variadas redes,
fóruns e organizações do campo popular na
construção do Encontro de Diálogos e
Convergências em 2011, mas não
consegue se articular com o Fonec, que
poderia ter dado importantes contribuições
na análise das disputas nos territórios a
partir do “olhar” da educação do campo; v)
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as pouquíssimas e marginais iniciativas
que constam no I PLANAPO, ao nosso
ver, decorre da não participação de
lideranças expressivas do movimento da
educação do campo no seu processo de
construção, ou da falta de articulação e
diálogo com o Fonec neste processo
ix
.
Nos encontros nacionais de
agroecologia, promovidos pela ANA, a
educação do campo aparece como tema
mobilizador do debate a partir do III ENA,
em 2014. O mesmo pode se verificar nos
CBAs, onde também é relativamente
recente a introdução da educação do
campo nas mesas de debate, assim como a
participação de membros do Fonec nestas
mesas. Nos encontros organizados pelo
Fonec, é em 2015 que aparece a
proposição de articular as lutas da
educação do campo com outros fóruns e
espaços de participação e proposição de
políticas públicas, dentre elas a
agroecologia, muito embora não tenha
havido a participação neste encontro de
representantes das redes de agroecologia
ou da ANA. No documento final da
reunião do Fonec em 2019 aparece,
como orientações político-organizativas
para atuação unificada das articulações de
educação do campo, a discussão sobre
formas de avançar na relação orgânica
entre a educação do campo e a
agroecologia nos cursos, nas atividades de
formação e na pesquisa. Como destaca
Caldart (2016, p. 266) é necessário
“encontrar/construir com urgência e
paciência caminhos firmes para o vínculo
orgânico das escolas do campo com
processos de trabalho e de luta que estão
construindo a agricultura camponesa
agroecológica como parte da alternativa do
trabalho à ordem do capital”.
Consideramos que seria possível
levantar algumas hipóteses explicativas
sobre esta relativa falta de articulação no
início da trajetória destes movimentos, mas
neste momento em que percebemos já estar
em curso um processo de aproximação das
instâncias organizativas dos movimentos
da agroecologia e da educação do campo,
talvez o mais importante seja refletir sobre
como esta articulação pode se intensificar a
partir dos acúmulos políticos e
metodológicos que cada uma alcançou.
Em primeiro lugar é preciso
reconhecer que muitas identidades entre
a educação do campo e a agroecologia,
mas há diferenças de enfoques e estratégias
das instâncias nacionais que as promovem
publicamente. No atual contexto, em que
se faz necessário ampliar as alianças no
campo democrático e popular, talvez seja
importante explicitar essa diversidade e
como ela pode se articular mais na
construção de um projeto popular para o
campo e para o Brasil. Retomando
Ferrari, E. A., & Oliveira, M. M. (2019). Educação do Campo e Agroecologia: possibilidades de articulação a partir da identidade e
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Semeraro (2006, p. 15): “buscar a real
identidade na aparente diversidade e
contradição, e descobrir a substancial
diversidade dentro da aparente identidade é
a mais delicada, incompreendida e,
contudo, essencial capacidade do crítico
das ideias e do histórico do
desenvolvimento social”.
Para dar um exemplo, podemos citar
o acúmulo metodológico e político do
movimento agroecológico na realização
dos ENAs. Diferente dos Encontros
Nacionais do Fonec, onde predominam
grandes plenárias com palestras e debates,
e em alguns momentos discussões em
grupos, o ENA é todo estruturado para que
os sujeitos das experiências agroecológicas
sejam protagonistas também do evento,
onde se privilegia espaços de troca de
experiências, como as oficinas e
seminários temáticos, a “feira de saberes e
sabores”, a construção de instalações
artísticas pedagógicas que reproduzem as
disputas territoriais. Outra significativa
inovação dos ENAs é sua concepção mais
como um processo de que um evento. O
evento em si é o ponto de culminância de
um processo que se inicia cerca de um ano
antes nas comunidades e regiões, que
envolve a realização de intercâmbios,
sistematizações de experiências,
seminários/encontros
locais/estaduais/regionais, caravanas
territoriais dentre outras iniciativas.
Por outro lado, acúmulos
importantes no movimento da educação do
campo, expressos nas sínteses e nas
incidências políticas realizadas a partir do
Fonec, que poderiam enriquecer muito não
os debates realizados na ANA em torno
do tema da educação, mas a sua ação na
construção e monitoramento de políticas
públicas de promoção da agroecologia. Um
maior diálogo e articulação entre Fonec e
ANA poderia ser muito frutífero para
debater questões importantes a serem
aprofundadas pelos movimentos da
agroecologia e da educação do campo,
como por exemplo: Quais foram as
conquistas no campo das instituições e das
políticas públicas que são frutos das lutas
por um projeto democratizante de
sociedade? Como foi e como é atualmente
a relação entre a sociedade e o Estado e
quais as oportunidades e as ameaças para a
construção das propostas e experiências
concretas de agroecologia e educação do
campo? Como o Estado atuou e atua para o
financiamento público das iniciativas e
quais as rupturas e ameaças decorrentes
das mudanças no contexto político no país?
Para aqueles que se colocam junto
com a classe trabalhadora é importante
disputar a leitura da natureza da crise
vivenciada na atualidade e as saídas. É
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importante fortalecer a capacidade de
diálogo dos setores populares, no caso
específico da ANA e do Fonec,
contribuindo para a reversão da
fragmentação do campo democrático e
popular no Brasil. experiências
acumuladas, aprendizados conquistados
em cada uma dessas instâncias capazes de
fortalecê-las mutuamente, sem prejuízo a
sua especificidade. E de ampliar sua
capacidade no diálogo mais amplo com a
sociedade.
Na conjuntura atual, especialmente
após os resultados das eleições gerais no
país para a Presidência da República,
Governos Estaduais e a composição do
Congresso Nacional, onde tendem, pelo
menos a primeira vista, a avançar pautas de
grande impacto nas condições de
reprodução social das populações no
campo, a luta pela democracia assume
grande centralidade política na pauta dos
movimentos populares, não em termos
de conter os retrocessos em curso, mas na
construção de um projeto popular para o
país.
Nos 30 anos da Constituição
Brasileira, nossa frágil democracia vive
atualmente grande risco de instauração de
um regime de segregação, violência e
desrespeito aos direitos civis, sociais,
ambientais e econômicos de grande parte
da população e ao mesmo tempo de
ampliação das propostas neoliberais. É de
grande relevância, neste momento,
desenvolver novas estratégias de
articulação dos movimentos sociais e
ampliar continuamente uma esfera pública
destinada a debater a importância da
agroecologia e da educação do campo para
o conjunto da sociedade, assim como a
necessidade de promover políticas públicas
destinadas à sua ampliação e consolidação.
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i
O “movimento agroecológicoe o “movimento da
educação do campo” são assumidos aqui como um
movimento social, tal como propõe Gohn (2011),
como “ações sociais coletivas de caráter
sociopolítico e cultural que viabilizam formas
distintas de a população se organizar e expressar
suas demandas”. (p. 335).
ii
Hegemonia na acepção de Gramsci de que nas
condições modernas uma classe social mantem seu
domínio não através da força de coerção, mas
por ser capaz de ir além dos seus interesses
corporativos estreitos, exercendo uma liderança
moral e intelectual e fazendo concessões, dentro de
certos limites (Bottomore, 2012).
iii
Para uma compreensão do conceito “Agricultura
Familiar Camponesa” ver discussão em Ferrari
(2017).
iv
Uma discussão mais aprofundada do conceito de
“Agroecologia” pode ser vista em Hecht (2002) e
Altieri (2002).
v
Especialmente as obras de Paulo Freire tiveram
grande influência, com destaque para seu livro
“Extensão ou comunicação?”.
vi
Como “escola unitária” Gramsci (2004, p. 33)
propõe uma “... escola única inicial de cultura geral,
humanista, formativa, que equilibre de modo justo
o desenvolvimento da capacidade de trabalhar
manualmente (tecnicamente, industrialmente) e o
desenvolvimento das capacidades de trabalho
intelectual”.
vii
A grande maioria dos participantes dos ENAs é
composta de camponeses(as) sujeitos das
experiências, que praticam a agroecologia nos
rincões espalhados por todo o país. Os demais são
técnicos/as, assessores/as, professores/as,
estudantes e alguns poucos convidados de
organizações governamentais ou parceiros da ANA.
viii
Uma discussão mais detalhada a respeito pode
ser encontrada em Monteiro e Londres (2017) e
Petersen e Almeida (2006).
ix
O Fonec faz severas críticas ao Pronatec e
Pronatec Campo em seu relatório de planejamento
2013/2014 e é justamente esta uma das iniciativas
de promoção da agroecologia na educação que
consta no I PLANAPO.
Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 10/04/2019
Aprovado em: 04/05/2019
Publicado em: 17/10/2019
Received on April 10th, 2019
Accepted on May 04th, 2019
Published on October, 17th, 2019
Contribuições no artigo: Os autores foram os
responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for
the designing, delineating, analyzing and interpreting the
data, production of the manuscript, critical revision of the
content and approval of the final version published.
Conflitos de interesse: Os autores declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Eugênio Alvarenga Ferrari
http://orcid.org/0000-0002-8590-5305
Marcos Marques de Oliveira
http://orcid.org/0000-0002-7451-558X
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Ferrari, E. A., & Oliveira, M. M. (2019). Educação do
Campo e Agroecologia: possibilidades de articulação a
partir da identidade e diversidade em suas concepções e
práticas. Rev. Bras. Educ. Camp., 4, e6701. DOI:
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e6701
ABNT
FERRARI, E. A.; OLIVEIRA, M. M. Educação do Campo e
Agroecologia: possibilidades de articulação a partir da
identidade e diversidade em suas concepções e práticas.
Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 4, e6701,
2019. DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e6701