Revista Brasileira de Educação do Campo
The Brazilian Scientific Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.v4e6789
Tocantinópolis/Brasil
v. 4
e6789
10.20873/uft.rbec.v4e6789
2019
ISSN: 2525-4863
1
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Educação, trabalho e formação profissional no MST: a
experiência do Curso de Agroecologia da Escola Milton
Santos
Erika Porceli Alaniz
1
,
Neusa Maria Dal Ri
2
1
Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul - UEMS. Curso de Pedagogia. Avenida Dom Antônio Barbosa, 4155. Campo
Grande - MS. Brasil.
2
Universidade Estadual Paulista - UNESP. Faculdade de Filosofia e Ciências, Campus de Marília. Marília
- SP. Brasil.
Autor para correspondência/Author for correspondence: a.porcelierika@gmail.com
RESUMO. No processo de ocupação e conquista de
assentamentos da reforma agrária, o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) implanta inúmeras
experiências educacionais em diferentes níveis e modalidades de
ensino para atender o direito à educação e a necessidade de
formação política e técnica das crianças e jovens. Este artigo
traz uma reflexão sobre o significado da educação para e no
trabalho na pedagogia do MST, em especial em um curso
técnico em Agroecologia. Buscamos apreender o sentido do
trabalho como princípio educativo efetivado pela escola, bem
como identificar a imbricação entre a dimensão técnica e
política no processo formativo. Trata-se de pesquisa empírica
realizada na Escola Milton Santos, Paraná, por meio de
observação e entrevistas semiestruturadas com dirigentes e
educandos. Os resultados apontaram que os educandos formam-
se por meio do trabalho real vivenciado na escola e nos
assentamentos enquanto momentos complementares e voltados
para a luta social.
Palavras-chave: Educação do Campo, Movimento Social,
Educação e Trabalho, Agroecologia.
Alaniz, E. P., & Dal Ri, N. M. (2019). Educação, trabalho e formação profissional no MST: a experiência do Curso de
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Education, work and vocational training in the MST: the
experience of the Course of Agroecology of the Milton
Santos School
ABSTRACT. In the process of occupation and conquest of
agrarian reform settlements, the Movement of Landless Workers
implants innumerable educational experiences at different levels
and modalities of education to meet the right to education and
the need for political and technical training children and youth.
This article presents a reflection on the meaning of education
and work in the technical course in Agroecology in a school of
MST. We look for attempted to grasp the meaning of work as an
educational principle effected by the school, as well as
identifying the overlap between the technical and political
dimension in the training process. It is empirical research
conducted at the School Milton Santos, Paraná, through
observation and semi-structured interviews with leaders and
students. The findings showed that the students are formed
through real work experienced in school and in the settlements
as complementary moments, aimed at social struggle
Keywords: Rural Education, Social Movement, Education and
Work, Agroecology.
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Educación, trabajo y formación profesional en el MST: la
experiencia del Curso de Agroecología de la Escuela
Milton Santos
RESUMEN. En el proceso de ocupación y conquista de
asentamientos de la reforma agraria, el Movimiento de los
Trabajadores Rurales Sin Tierra (MST) implanta innumerables
experiencias educativas en diferentes niveles y modalidades de
enseñanza para atender el derecho a la educación y la necesidad
de formación política y técnica de los niños y jóvenes. Este
artículo trae una reflexión sobre el significado de la educación
para y en el trabajo en la pedagogía del MST, en especial en un
curso cnico en Agroecología. Buscamos aprehender el sentido
del trabajo como principio educativo efectuado por la escuela,
así como identificar la imbricación entre la dimensión técnica y
política en el proceso formativo. Se trata de una investigación
empírica realizada en la Escuela Milton Santos, Paraná, por
medio de observación y entrevistas semiestructuradas con
dirigentes y educandos. Los resultados apuntaron que los
educandos se forman por medio del trabajo real vivido en la
escuela y en los asentamientos como momentos
complementarios y dirigidos a la lucha social.
Palabras clave: Educación del Campo, Movimiento Social,
Educación y Trabajo, Agroecología.
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Introdução
Além do processo de ocupação de
terra e conquista de assentamentos da
reforma agrária, o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST),
criado em 1984, tem-se destacado pelas
inúmeras experiências educacionais, em
diferentes níveis de ensino, implantadas
para garantir o direito à educação de
crianças, jovens e adultos do campo e a
formação cnica e política necessária ao
seu projeto de desenvolvimento
socioeconômico e de fortalecimento do
movimento social.
A instauração de escolas técnicas em
agroecologia decorreu da opção política e
de desenvolvimento econômico por meio
da ciência agroecológica assumida pelo
MST no IV Congresso Nacional realizado
em 2000. Dentre as escolas do MST desse
tipo, encontra-se a denominada Milton
Santos e situada no município de Maringá.
A cidade de Maringá foi uma
localidade considerada estratégica para a
criação da Escola e do Curso Técnico em
Agroecologia, em decorrência da expansão
do agronegócio, em especial, do setor
sucroalcooleiro, e da quantidade
significativa de assentados na região. No
ano de 2000, por meio da luta pela
concessão de um terreno do município ao
Instituto cnico de Educação e Pesquisa
da Reforma Agrária (ITEPA) e, em
parceria com a Universidade Federal do
Paraná (UFPR), foi criada a Escola Milton
Santos (EMS) na qual se iniciou o curso
técnico pós-médio em agroecologia, a
partir de 2003.
A construção da infraestrutura da
escola e a organização do trabalho
pedagógico foram realizadas por meio do
trabalho coletivo dos educandos,
educadores e trabalhadores vinculados ao
MST organizados em brigadas. Portanto, o
trabalho coletivo fez parte, desde o início
da escola, da vida dos educandos. Os
educandos frequentam o curso em regime
de internato e convivem com os demais
trabalhadores da escola, que são indicados
pelo MST e advindos de várias regiões e
setores organizativos do Movimento.
Desde a sua criação, a Escola tem
mantido cursos técnicos em agroecologia,
na modalidade médio integrado, pós-médio
e ensino técnico integrado à educação de
jovens e adultos (Proeja). Além disso,
houve na escola a experiência de Educação
de Jovens e Adultos de nível fundamental,
atendente de nutrição pelo Programa
Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e
Emprego (Pronatec) e licenciatura em
Pedagogia do Campo.
A EMS orienta-se pelos princípios
políticos e organizativos das demais
escolas do MST, tendo como referência em
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sua constituição o modelo pedagógico do
Instituto Educacional Josué de Castro
(IEJC), localizado no município de
Veranópolis, Santa Catarina.
Os procedimentos utilizados nesta
investigação foram as pesquisas
bibliográfica, documental e empírica.
A pesquisa bibliográfica foi realizada
com levantamento, leitura e interpretação
de bibliografia referente à temática. Na
pesquisa documental privilegiamos a
legislação educacional brasileira e
documentos do MST, em especial o seu
atual Programa de Reforma Agrária
Popular. A coleta de dados empíricos foi
realizada por meio de observação
sistemática do espaço e rotina escolar, e de
aplicação de entrevistas semiestruturadas a
educandos do Curso Técnico em
Agroecologia, na modalidade médio
integrado, e a membros da coordenação
executiva da escola. Foram entrevistados
quatro membros da coordenação executiva
da EMS, denominados de membro A, B, C
e D, e quatro educandos do Curso,
denominados de educando A, B, C e D.
O objetivo deste artigo é apresentar a
educação para o trabalho efetivada no
Curso Técnico em Agroecologia, com o
intuito de explicitar a organização do
trabalho na escola, que tem como
referência a aplicação do trabalho como
princípio educativo e a gestão democrática
na sua prática pedagógica. Além disso,
temos como objetivo, também, analisar o
significado da agroecologia para o MST,
em especial após a realização do seu
último Congresso Nacional.
Educação, trabalho e formação
profissional na pedagogia do MST:
alguns apontamentos
A escola pública estatal constitui-se
como instância separada do mundo
produtivo, havendo apenas a promessa de
integração ao mercado de trabalho quando
o estudante estiver de posse da
certificação. No modelo de escola oficial
apartada do mundo do trabalho, os
conhecimentos e conteúdos ensinados, no
decorrer da progressão nos níveis de
ensino, justificam-se mais para reproduzir
a hierarquia social do que propriamente
para atender às demandas de
conhecimentos advindos das exigências
tecnológicas e organizacionais do mundo
produtivo. Isso é um fato, principalmente
se considerarmos que uma pequena parcela
dos trabalhadores insere-se no trabalho
complexo. Por esses motivos, dentre
outros, a educação profissional oficial, em
um contexto de sofisticação tecnológica,
oferece a uma parcela significativa da
classe trabalhadora, de um lado, um ensino
academicista, com pouca relação com a
realidade social e, de outro, educação para
o trabalho aligeirada e fragmentada.
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No Brasil, a reforma da educação
profissional iniciada nos anos 1990 tem se
caracterizado por uma perspectiva
reducionista ao atrelar-se ao mercado de
trabalho excludente. Essa perspectiva, por
um lado, restringe a formação à lógica
individualizante da concepção de
competência que, como apontam Ferretti e
Silva Júnior (2000) e Alaniz (2000),
desconsidera os atributos relacionados à
classe social do trabalhador, tais como o
lugar ocupado no local de trabalho, a
trajetória de luta, o nível de organização de
classe, os aspectos relacionados ao gênero
e etnia, enquanto componentes sociais que
constituem a qualificação profissional. Por
outro lado, oferece a formação profissional
de forma precarizada e pulverizada em
inúmeros programas caracterizados por
cursos de curta duração e voltados para o
trabalho simples, o qual está integrado ao
sistema de reprodução do capital que opera
em escala global e de forma a combinar
lócus de trabalho simples com o trabalho
complexo (Bruno, 2011, Kuenzer, 2010,
Rummert, Algebaile, Ventura, 2013).
A concepção do MST de educação
profissional é diferente da educação
profissional e média oficial, em especial
porque propõe vincular o ensino ao
trabalho produtivo real. O MST amplia o
sentido de formação profissional ao buscar
atrelá-la às necessidades de
desenvolvimento do trabalho coletivo nos
assentamentos e à luta social pela reforma
agrária.
Caldart (2009), ao sistematizar
algumas ideias sobre a educação para o
trabalho no e do campo, aponta que ela
constitui-se por uma lógica oposta ao do
trabalho assalariado, pois está voltada para
a produção coletiva dos trabalhadores.
Portanto, não se trata apenas de unir
educação geral e profissional na
perspectiva do mercado, como o Estado faz
nas escolas públicas profissionalizantes.
Na perspectiva da autora, a educação do
campo retoma a reflexão sobre a educação
e trabalho e, com isso, preocupa-se com a
dimensão da produção do ser humano nos
processos produtivos do campo. “No
âmbito específico sobre a formação
profissional, por exemplo, pensar na lógica
da agricultura camponesa não é pensar em
um trabalho assalariado...”. (Caldart, 2009,
p.54), e sim na realização de trabalho
coletivo socializado. Além disso, em
contraponto ao modelo oficial, a educação
profissional constante no Programa do
MST parte da atuação dos educandos e
pressupõe a simbiose entre formação
técnica e formação política.
Pergher (2012), ao tratar do Instituto
de Educação Josué de Castro (IEJC) que,
desde a sua criação em 1995, tem-se
configurado como uma referência na
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implantação da proposta de formação
técnica do MST, salienta que a formação
almejada deve voltar-se à dimensão
humana, conforme a matriz multilateral
que combina escolarização, formação de
militantes e formação profissional.
A formação do técnico em
agroecologia na EMS indica que a
existência da escola justifica-se pela
implantação de um modelo de formação
integral, capaz de desenvolver a dimensão
humana na sua totalidade
(omnilateralidade). O modelo pedagógico
implantado não se restringe ao
desenvolvimento cognitivo e de
habilidades técnicas, mas objetiva uma
formação que tem em vista a construção de
um processo educativo que subsidie o
desenvolvimento de capacidades humanas,
por meio da inserção numa prática social
coletiva, na qual os homens coloquem-se
na condição de sujeitos que lutam por um
projeto coletivo de construção de outra
sociedade. O modelo de formação seguido
pela EMS apresenta-se como contraponto
ao modelo das escolas oficiais que se
orientam pelos critérios do mercado.
... a gente visa uma formação mais
ampla. Talvez a gente ainda esteja
muito longe da formação omnilateral,
que é a formação humana mesmo.
Ter de enxergar as relações sociais, a
questão da produção de uma forma
diferente e não apenas pelo viés
econômico ... Ao mesmo tempo que
o educando tem que sair daqui
dominando basicamente os conteúdos
que o curso propõe de técnica, mas,
por outro lado, ele tem que sair com
essa visão. É mais humanística,
voltada para a questão social. Porque
se não a gente não precisava fazer
essa formação... (Membro da
Coordenação Executiva da EMS,
2015).
A formação técnica na EMS
apresenta-se em consonância com outras
escolas do MST. Pergher (2012) aponta
que o trabalho necessário à formação
humana na perspectiva do IEJC pressupõe
a superação da formação profissional na
ótica do capital, a qual está pautada em
conteúdos cognitivos fragmentados e na
referência a um trabalho artificial, que a
formação encontra-se separada da inserção
concreta na prática social. No IEJC, a
prática social é a principal matriz
formativa e dela extraem-se as dimensões
integrantes da formação, ou seja, o
trabalho, a luta social, a organização
coletiva, a cultura e a história.
Caldart et al. (2013, p. 215-216)
esclarece que a educação para o trabalho,
no âmbito do MST, tem como preocupação
construir novas relações de trabalho no
campo vinculadas à luta social e, nesse
caso, a militância na Organização é
também considerada trabalho. “Em nosso
horizonte está a associação de produtores
livres, e, no caso do campo, através de
formas cada vez mais complexas e
abrangentes de atividades produtivas e de
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cooperação entre os trabalhadores
camponeses”.
A militância almejada na formação
técnica da EMS engloba desde a luta pela
ocupação da terra e pela reforma agrária,
até a construção de processos produtivos
coletivos, como a instauração da
agroecologia nos assentamentos como
perspectiva de desenvolvimento em
oposição ao agronegócio, e a atuação
conjunta nas demais lutas sociais. A
formação profissional desencadeada pelo
MST, da qual a EMS é um exemplo, tem
em vista o fortalecimento do Movimento e
o aprimoramento nas formas de
organização política e da produção.
O perfil profissional que a gente quer
formar são os militantes. O militante
vem primeiro. Militante, técnico,
pedagogo, em agroecologia ... agora,
o que vai viabilizar esse retorno
social é essa organização. Se ele não
conseguir trabalhar junto com as
lideranças, se inserir nos processos
da comunidade, não vai conseguir
fazer nenhum trabalho, nem técnico.
Então, a pessoa tem que saber fazer
esse trabalho, político, organizativo,
para poder também fazer o trabalho
técnico. Não tem como separar os
dois. (Membro da Coordenação
Executiva da EMS, 2015).
A formação do técnico em
agroecologia tem em vista, também, a
reprodução do MST enquanto movimento
social. Para isso, a inserção profissional
dos educandos nos assentamentos, nas
assessorias técnicas, em instâncias
organizativas do Movimento ou, ainda, em
áreas que estejam relacionadas à reforma
agrária pressupõe a imbricação da
dimensão técnica e política na perspectiva
da formação humana. Trata-se de uma
formação específica que congrega os
elementos necessários para a atuação nos
assentamentos e inserção na luta social.
Cooperação como organização do
trabalho, agroecologia e gestão
democrática
No MST, a luta comum e coletiva
pela reforma agrária se inicia com a
ocupação da terra, que é o primeiro
momento de organização coletiva, mas que
demonstra potencial de continuidade e
enfrentamento das relações capitalistas de
produção, na medida em que se estende
para a organização do trabalho, da
produção e das demais instâncias da vida
social, entre elas, a educação. Souza (1999)
menciona que a implantação das
experiências formativas, em especial em
nível técnico, decorre da instauração do
processo de aprimoramento das formas de
organização da cooperação no interior do
MST e nos assentamentos.
O surgimento dos cursos técnicos em
agroecologia, como é o caso do curso da
EMS, ocorreu posteriormente às primeiras
experiências do Curso Técnico em
Cooperativa, do IEJC, e deveu-se a dois
projetos de desenvolvimento do campo em
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disputa. De um lado, o avanço do
agronegócio sustentado pela concentração
de terras brasileiras em latifúndios e pela
modernização e mecanização do campo
que expulsam e proletarizam os
agricultores. De outro, a luta dos
movimentos sociais, em especial do MST e
da Via Campesina, em defesa da reforma
agrária e da permanência das famílias no
campo, tendo em vista a soberania
alimentar e a produção de alimentos sob a
lógica do desenvolvimento sustentável.
A partir do ano de 2000, o MST
assume a perspectiva da agroecologia
como estratégia de desenvolvimento da
agricultura camponesa, posicionando-se
contra o uso do agrotóxico, os
transgênicos, as técnicas de manejo da
agricultura tradicional e o agronegócio.
Corporal e Constabeber (2015)
conceituam a agroecologia como um
enfoque científico e um campo de
conhecimento interdisciplinar, o qual se
nutre do conhecimento dos agricultores
com intuito de orientar-se para o
desenvolvimento sustentável com
mudanças nas relações sociais.
Santos (2014) indica que, desde
2002, o MST desencadeou ações para
consolidar a prática educativa em
agroecologia, visando à formação política
e técnica dos sujeitos Sem Terra voltada
para a luta pela reforma agrária e para a
transformação social mais ampla. Para
isso, criou 26 escolas próprias de
agroecologia em todo o Brasil, dentre elas
a EMS, em 2002.
Em seu VI Congresso Nacional,
realizado em fevereiro de 2014, o MST
discutiu e aprovou o Programa da Reforma
Popular (2013) no qual reafirmou a
importância da agroecologia como forma
superior de organização do trabalho
coletivo no campo.
Segundo o MST (2013, p. 11-12), o
agronegócio passou a ter uma expressiva
função econômica no modelo do capital
financeiro, ou seja, gerar saldos comerciais
para ampliar as reservas cambiais,
condição essencial para atrair os capitais
especulativos para o Brasil. No processo de
avanço do agronegócio, ele passou a
proteger as terras improdutivas para futura
expansão dos seus negócios, travando a
obtenção de terras para a reforma agrária.
Ainda, segundo o MST (2013, p. 13),
nos últimos 15 anos, houve, no Brasil, um
processo acelerado da concentração da
propriedade da terra. O índice que mede a
concentração da propriedade da terra
continua crescendo. O índice de Gini em
2006 era de 0,854, um índice maior do que
o registrado em 1920, quando o país recém
havia saído da escravidão. Nas estatísticas
do cadastro de imóveis rurais do Instituto
Nacional de Colonização e Reforma
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Agrária (INCRA) observa-se que, entre
2003 e 2010, as grandes propriedades
passaram de 95 mil unidades para 127 mil
unidades, e a área controlada por elas
passou de 182 milhões de hectares para
265 milhões de hectares.
No modelo do agronegócio está
contemplada uma parceria ideológica
de classe entre os grandes
proprietários da terra e os
empresários dos meios de
comunicação da burguesia, em
especial televisão, revistas e jornais,
que fazem a defesa e a propaganda
permanente das empresas capitalistas
no campo como único projeto
possível, moderno e insubstituível.
(MST, 2013, p. 15).
O agronegócio teve um rápido
crescimento, com apoio financeiro dos
governos e ideológico das mídias. Após
análise dessa situação, o Movimento
(2013) concluiu que o novo modelo de
desenvolvimento, denominado de
agronegócio, mudou as correlações de
força no campo, e que não havia mais
espaço para a implantação da reforma
agrária clássica. Isso significa que a luta
pela terra e pela reforma agrária mudou de
natureza frente ao modelo de
desenvolvimento econômico vigente no
país.
Diante da mudança da natureza da
luta e da conjuntura adversa aos
trabalhadores do campo, o MST (2013, p.
32) elencou quatro novas posturas
necessárias aos movimentos sociais: a)
defesa de “um novo projeto de reforma
agrária, que seja popular”; b) construção de
alianças “entre todos os movimentos
camponeses, com a classe trabalhadora
urbana e com outros setores sociais
interessados em mudanças estruturais, de
caráter popular”; c) inserção da luta contra
o modelo do capital, como um novo
estágio da luta, com desafios mais elevados
e complexos; d) enfrentamentos com o
capital e seu modelo de agricultura, com
disputas das terras e do território, incluindo
as disputas sobre o controle das sementes,
da agroindústria, da tecnologia, dos bens
da natureza, da biodiversidade, das águas e
das florestas.
A nova natureza da luta pela reforma
agrária colocou novos desafios ao MST,
dentre eles, a implantação da agroecologia.
A agroecologia é entendida pelo
Movimento como um dos pontos bases que
integram uma nova matriz tecnológica
necessária para mudar o modo de produzir
e distribuir a riqueza no campo. Também
faz parte dessa nova matriz a educação no
e do campo.
Segundo o MST (2013, p. 46), “A
educação é um direito fundamental de
todas as pessoas e deve ser atendido no
próprio lugar onde elas vivem e
respeitando o conjunto de suas
necessidades humanas e sociais”.
O Movimento luta por escolas
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públicas e gratuitas para que o Estado
cumpra o seu papel, definido na
Constituição Federal de 1988, de garantir a
todos os trabalhadores e trabalhadoras, do
campo e da cidade, uma escola com as
condições materiais necessárias à
realização de sua tarefa educativa. Ao
mesmo tempo, luta contra a tutela política
e pedagógica do Estado burguês,
independente do governo em exercício,
pois acredita que “Cabe ao povo ser sujeito
de sua educação”. (MST, 2013, p. 46).
Dentre os pontos elencados pelo
MST (2013, p. 46), no que diz respeito às
suas lutas por políticas públicas, encontra-
se o de número 5: “Implementar programas
de formação e projetos de
experimentação/pesquisa em agroecologia,
vinculados a escolas de educação básica, a
cursos de educação profissional e superior
e a centros de formação existentes nos
assentamento”.
As questões apontadas resumem as
principais razões pelas quais o MST
resolveu criar várias escolas de
agroecologia, dentre elas a EMS.
Um dos coordenadores executivos da
EMS (Membro da Coordenação Executiva da
EMS, 2015) elucida o processo de
discussão que culminou na iniciativa de
construção de escolas técnicas em
agroecologia.
No noroeste do Paraná as famílias
vinham fazendo essa avaliação de
que precisava ter formação de
técnicos da própria Organização ...
Pelo contato bem direto com as
famílias, a principal demanda que
elas apresentavam era que
precisavam de técnicos formados nos
próprios assentamentos, porque os
convênios são insuficientes, são
instáveis, acaba e o pessoal vai
embora, não se vincula ou são poucos
técnicos. Então, se definiu o projeto
de criar as escolas de agroecologia.
Organização do trabalho na EMS e
gestão democrática
Na EMS, a formação do técnico em
agroecologia tem como pressuposto a
cooperação, no sentido de construção de
uma estrutura de organização coletiva dos
processos de tomada de decisão e
funcionamento do trabalho nas escolas e
nos assentamentos. Nesse caso, trata-se de
um meio pelo qual se implanta a estrutura
necessária para o funcionamento da gestão
democrática na escola. A organicidade
verificada na escola assemelha-se à
organicidade que estrutura o MST, uma
vez que a base dos trabalhadores e
militantes deve ligar-se à direção central,
assim como o inverso, não havendo uma
hierarquia vertical e sim um processo
horizontal de organização e tomada de
decisão. Caldart et al. (2013) denomina de
democracia ascendente e descendente a
construção de canais horizontais e fluidos
de comunicação e tomada de decisão que
vai da base à direção central e vice e versa.
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Os entrevistados da EMS
denominam de princípio da organicidade a
forma como as relações de trabalho e de
poder estão estruturadas na escola e no
MST.
Nós temos uma estrutura que a gente
chama de organicidade, que é como
se fosse os caminhos que a gente
percorre pra tomar decisões. Inclui
todos os coletivos que se inserem
aqui na escola, como o coletivo de
turmas, de trabalhadores. Teve
períodos que a gente tinha muitas
brigadas de trabalhadoras que
vinham pra cá para construir a escola,
então, todo mundo que vem se insere
nessa organicidade. (Membro da
Coordenação Executiva da EMS,
2015).
Um dos coordenadores da EMS
(membro D, 2015) define a organicidade
na escola como uma estrutura que forma
uma rede, dividida em: a) estrutura de
trabalho composta por setores (produção,
infraestrutura, administrativo, pedagógico);
b) estrutura de organização da tomada de
decisões, que ocorre por meio dos núcleos
de base (NB) dos educandos da escola
divididos conforme a quantidade de
alunos.
Cada setor organiza frentes de
trabalho para operacionalizar as suas
tarefas e cada NB tem dois coordenadores,
um aluno e uma aluna, eleitos pelo grupo.
Há, ainda, equipes de trabalho: a
denominada de Comuns, que é formada por
todos os sujeitos da escola e organizada
para cuidar da disciplina; a Mística e
Comunicação; e a de Turma, organizada
para a relatoria e finanças.
Além disso, outros dois coletivos,
o de Acompanhamento Pedagógico
(CAPP), composto por educandos e
moradores da escola indicados pelo MST
para auxiliarem no trabalho; e o da
Coordenação Político-Pedagógica,
composta por professores, coordenadores e
educandos. Santos (2014, p. 65) esclarece
que o CAPP é formado no início de cada
ano e ... visa administrar a relação entre
os diferentes segmentos (professores,
educandos, moradores da escola,
comunidade externa)”. Esse organismo tem
a função de acompanhar a turma, a rotina
escolar e o desenvolvimento do projeto
político pedagógico.
Há, ainda, a Coordenação Geral do
Núcleo de Base que é a instância que
congrega todos os segmentos organizados
na escola, quais sejam, os representantes
de cada núcleo de base das turmas, um
representante do núcleo de base Milton
Santos, um coordenador do CAPP, e
representante dos setores de produção.
Desse modo, a forma como está
organizada a divisão do trabalho e a
tomada de decisões na EMS possibilita o
exercício da gestão democrática por meio
da auto-organização dos alunos e da
participação de todos os moradores,
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professores e coordenadores nas instâncias
de poder da escola.
A seguir apresentamos um relato que
expressa à auto-organização dos alunos e a
condição que assumem como sujeitos na
organização e na partilha do poder na
escola.
Não tem quem manda aqui na escola,
é um coletivo que discute, que toma
as decisões. A escola, ela não é um
fim em si mesma, ela não tá aqui
num espaço pra estar. Em primeiro é
o nosso Movimento e depois é um
coletivo que gerencia e que faz parte
aqui. Seja a coordenação político
pedagógica, sejam os moradores e as
turmas. (Educanda A da EMS, 2015).
A estrutura de poder da EMS e sua
forma de organização diferem, em
essência, das escolas técnicas estatais
oficiais. As escolas públicas estatais, em
sua grande maioria, têm conselhos
escolares pouco ou nada atuantes, e o
diretor submete-se às determinações
advindas da secretária de estado. Como
afirma Paro (2012), o diretor assume a
figura de preposto deste aparelho estatal.
Nesse sentido, uma mudança
substancial nas relações de poder
vivenciadas na EMS, pois os educandos,
moradores e educadores vivenciam uma
práxis coletiva de tomada de decisão. É
provável que a vivência de relações
coletivas e democráticas acarrete processos
de subjetivação e a construção de
personalidades diferentes daquelas pessoas
que trabalham e educam-se em espaços
onde prevalecem estruturas organizativas
hierárquicas, nas quais os educandos não
são convocados a expressarem-se,
trabalharem e organizarem a totalidade da
vida escolar. O relato da educanda A
(2015) é elucidativo a esse respeito.
Acho que essa vivência mesmo em
coletivo. Dessa coisa de sempre você
estar preocupado com o outro,
cuidando do outro ... E dessa coisa
também de não ter patrão, de não ter
que ser mandado. Porque antes de eu
vir pra cá, eu trabalhei numa
empresa, eu morei na cidade dois
anos e é uma outra forma de viver.
Hoje mesmo eu não conseguiria
trabalhar numa empresa.
Observando o processo basal de
auto-organização dos estudantes do
Movimento em luta e a sua participação
equitativa no poder de tomada de decisão,
podemos afirmar que a autogestão parece
ser o elemento estruturante das relações de
trabalho que se estabelecem na escola.
Desse modo, a formação para o trabalho e
pelo trabalho na EMS é ao mesmo tempo
técnica e política.
Vínculo entre educação e trabalho na
pedagogia do MST
Um dos pilares fundamentais que
sustenta a pedagogia do MST é o trabalho
como princípio educativo. O vínculo entre
educação e trabalho é considerado como
um princípio pedagógico na prática
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educacional do Movimento (MST, 1999).
As principais referências do MST para
embasar teoricamente o seu projeto
educativo advêm da denominada
pedagogia socialista soviética, elaborada,
em especial, pelos educadores do início da
revolução russa, como Pistrak, Makarenko
e Shulgin (Dal Ri, 2004, Caldart, 2013),
embora haja em sua proposta influências
de outras correntes teóricas.
O trabalho que se vislumbra é o
produtivo real e não alienado. Sendo
assim, os estudantes devem atuar na vida
social, trazer para a escola os desafios
postos pela realidade e a escola deve
constituir-se em espaço para aprimorar o
processo produtivo e as relações de
produção, compreender e desenvolver os
processos de trabalho em benefício da
coletividade. Além disso, a própria escola
deve ser compreendida como local de
trabalho e organizada sob a forma de
autogestão pelos alunos. Pergher (2012)
salienta que no IEJC a organização e a
gestão da escola são tarefas privilegiadas
de trabalho.
Shulgin (2013) enfatiza que o
trabalho tem centralidade na formação, e
argumenta que se o desenvolvimento das
crianças e jovens não tiverem como
fundamento o trabalho social, haverá
apenas habilidades como meio para
realizar fins, as quais não são suficientes
para a formação de uma moral comunista e
para a construção de um trabalho útil à
comunidade. Desse modo, salienta a
necessidade de introduzir o trabalho social
em todas as etapas de formação, em
oposição às atividades escolares que
simulam o trabalho e empobrecem o seu
sentido.
Na EMS, o trabalho como princípio
educativo aparece em dois momentos: a)
na organização e gestão da escola, uma vez
que não trabalho assalariado e os alunos
cuidam desde a manutenção física, como
limpeza e alimentação, até a organização
do trabalho pedagógico na escola; b) no
trabalho concreto realizado nos
assentamentos, previsto no processo
formativo que contempla tempo escola e
tempo comunidade por meio da pedagogia
da alternância. A denominada pedagogia
da alternância prevê um período na escola,
denominado de tempo escola, em geral em
torno de três meses, no qual os alunos
estudam, e um período, denominado de
tempo comunidade, no qual os alunos
voltam aos assentamentos e acampamentos
para colocar em prática os conhecimentos
adquiridos.
No tempo comunidade, o educando é
acompanhado por um responsável
encarregado de auxiliá-lo a inserir-se nas
atividades produtivas e de organização da
luta existentes no local. Trata-se de um
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período em que o educando trabalha no
lote e se envolve nas atividades do
assentamento ou acampamento. Essa é
uma dimensão do trabalho real, do qual
tratam Pistrak (2005) e Shulgin (2013),
pois os saberes construídos no tempo
escola são aprimorados e confrontados
com os saberes que se extrai do trabalho
real.
Tem que acontecer no tempo
escola/comunidade, que é essa
inserção na vida do movimento, nas
lutas. Então eles levam tarefa daqui
para a comunidade. Não é só o curso,
você tem que estar lá, tem que se
inserir nas tarefas de organização: se
tem mobilização, se o pessoal está
discutindo as linhas de produção do
assentamento, tem que participar.
(Membro da Coordenação Executiva
da EMS, 2015).
O tempo escola e o tempo
comunidade não são concebidos como
momentos separados no sentido da escola
constituir-se no local do conhecimento e a
comunidade no da aplicação. De acordo
com o Membro D da coordenação
pedagógica da escola (2015), a postura de
que o técnico vai para a comunidade levar
conhecimento acaba repelindo o camponês
e não o auxilia na resolução dos problemas
da prática. O que se pretende é que o
formado seja um técnico, militante e
educador, no sentido de estabelecer um
diálogo com a comunidade para auxiliar a
resolver os problemas locais. Toná e
Guhur (2009) denominam essa
metodologia pautada no diálogo e na
investigação da realidade local de Diálogo
de Saberes.
Ressaltamos, ainda, que nesse
sentido os estudantes da EMS são também
trabalhadores e a inserção no trabalho de
modo a adquirir conhecimentos e a
aprimorar o local faz com que os
conhecimentos técnicos e científicos
aprendidos nos tempos escola e
comunidade sejam compreendidos tendo
vínculos com os problemas concretos e os
projetos de vida dos assentamentos, ou
seja, são contextualizados pela prática
social. Os educandos, ao desmistificarem
a visão de neutralidade da ciência e da
técnica, conferem outro sentido ao
conhecimento e ao trabalho real e
concebem a dimensão técnica e política de
modo imbricado.
Como quando discute tecnologia, o
problema não está em si na ciência,
mas na forma como se utiliza dela.
Então eu acho que conteúdos
técnicos você pode ter em outra
escola agrícola. Por exemplo, quando
a gente teve bovinocultura, de
mutilação, de castrar, de inseminação
...Mas o que difere mesmo é essa
questão mesmo do compromisso, da
questão que não é a cnica pela
técnica, porque agroecologia envolve
um conjunto de questões, que vai
desde o manejo até as próprias
relações que se estabelece na família
ou na comunidade que ela faz parte.
(Educanda A, 2015).
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Na escola oficial estatal, mesmo em
cursos profissionais, o trabalho real não
integra a formação, pois o modelo de
escola burguesa prioriza o academicismo
desconectado da vida social, cujos saberes
e conhecimentos, em sua maior parte, não
têm funcionalidade para a sociedade.
Nesse sentido, introduzir o trabalho real
como princípio educativo implica o
rompimento com o paradigma de ciência
vigente, da qual emanam conhecimentos
considerados universais e, portanto,
neutros. Ao constituir a escola
fundamentada no trabalho, enquanto
atividade humana coletiva, também o
conjunto de conhecimentos e saberes é
modificado em decorrência da perspectiva
de classe em que é tratado e da necessidade
posta pela vida social. A necessidade de
criar uma nova sociabilidade pautada na
organização coletiva do trabalho suscita o
desenvolvimento de tecnologias próprias,
com base em conhecimentos direcionados
para esse fim. O melhor exemplo de uma
de nova matriz tecnológica encontra-se na
aplicação da agroecologia na produção de
produtos agrícolas.
Shulgin (2013, p. 143), referindo-se
ao contexto soviético, esclarece o sentido
do trabalho social como sendo aquele que
obtém um efeito econômico real e que
serve para auxiliar a coletividade na
fazenda, no conselho e na área social mais
ampla.
Conclusão
A formação do Técnico em
Agroecologia na EMS tem o intuito de
instaurar o trabalho associado e a
cooperação sob o princípio da organicidade
e da democracia no tempo escola e no
tempo comunidade. Para isso, o educando
é inserido na dinâmica da organização e na
tomada de decisões na escola e, quando
está no tempo comunidade, na cooperação
no local, e quanto mais houver cooperação
nos assentamentos, mais profícua será a
formação do educando e sua inserção no
trabalho real.
Desse modo, o trabalho enquanto
princípio educativo está operante na
organização da EMS. A organização e
gestão da EMS corroboram, ainda que não
de modo generalizado, a desconstrução do
trabalho estranhado, uma vez que
educandos, educadores e trabalhadores são
incitados a desenvolver formas coletivas de
gestão e de organização social. Isso faz
com que a EMS constitua-se em um espaço
de aprimoramento da luta pela reforma
agrária, um espaço que contribui para a
modificação do processo produtivo e das
relações de trabalho no campo.
Além disso, podemos afirmar que a
EMS é um caso bem sucedido de formação
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em agroecologia, seguindo a nova matriz
produtiva definida pelo MST. Em geral, a
grande maioria dos formados volta para
suas comunidades de origem realizando o
trabalho técnico de aplicação da ciência
agroecológica na produção, não como
trabalhadores assalariados, mas como
membros de uma comunidade de trabalho.
Isso parece importante. Segundo Antunes
(2018, p. 339), o empreendimento coletivo
e,
... societal por um trabalho cheio de
sentido e pela vida autêntica fora do
trabalho, por um tempo disponível
para o trabalho e por um tempo
verdadeiramente livre e autônomo
fora do trabalho ambos, portanto,
desassociados do controle e do
comando opressivos do capital , se
converte em elemento essencial na
construção de uma sociedade
socialista não mais regulada pelo
sistema de metabolismo social do
capital e seus mecanismos de
subordinação, não mais voltada para
a destruição da natureza, mas sim
para uma autêntica preservação
ambiental, compatível tanto em
relação às reais necessidades
humanas quanto à imperiosa e
imprescindível preservação da
ecologia.
Desse modo, um princípio
importante ou imprescindível é, então,
conceber o trabalho como atividade vital,
como autoatividade. Um tipo de educação,
como a do MST, que objetiva a articulação
do ensino com o trabalho produtivo
coletivo democrático visando à prática de
uma nova matriz produtiva agroecólogica,
traz, sem dúvida, uma contribuição
importante para a educação profissional no
campo, em especial na área do
conhecimento estudado.
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Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 27/04/2019
Aprovado em: 10/05/2019
Publicado em: 17/10/2019
Received on April 27th, 2019
Accepted on May 10th, 2019
Published on October, 17th, 2019
Contribuições no artigo: As autoras foram responsáveis
por todas as etapas e resultados da pesquisa, a
Alaniz, E. P., & Dal Ri, N. M. (2019). Educação, trabalho e formação profissional no MST: a experiência do Curso de
Agroecologia da Escola Milton Santos...
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saber: elaboração, análise e interpretação dos dados;
escrita e revisão do conteúdo do manuscrito e; aprovação
da versão publicada.
Author Contributions: The authors were responsible for
the designing, delineating, analyzing and interpreting the
data, production of the manuscript, critical revision of the
content and approval of the final version published.
Conflitos de interesse: As autoras declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Erika Porceli Alaniz
http://orcid.org/0000-0002-8855-4045
Neusa Maria Dal Ri
http://orcid.org/0000-0002-3000-2280
Como citar este artigo / How to cite this article
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Alaniz, E. P., & Dal Ri, N. M. (2019). Educação, trabalho e
formação profissional no MST: a experiência do Curso de
Agroecologia da Escola Milton Santos. Rev. Bras. Educ.
Camp., 4, e6789. DOI:
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e6789
ABNT
ALANIZ, E. P.; DAL Ri, N. M. Educação, trabalho e
formação profissional no MST: a experiência do Curso de
Agroecologia da Escola Milton Santos. Rev. Bras. Educ.
Camp., Tocantinópolis, v. 4, e6789, 2019. DOI:
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e6789