Revista Brasileira de Educação do Campo
The Brazilian Scientific Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e6954
Tocantinópolis/Brasil
v. 4
e6954
10.20873/uft.rbec.e6954
2019
ISSN: 2525-4863
1
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Educação do Campo e a Pedagogia da Alternância: limites,
desafios e possibilidades na formação de professores
i
Sebastião Silva Soares
1
,
Selva Guimarães
2
1
Universidade Federal do Tocantins - UFT. Curso de Educação do Campo. Avenida Juraídes de Sena Abreu, s/n, Setor
Buritizinho, Arraias - TO. Brasil.
2
Universidade Federal de Uberlândia - UFU / Universidade de Uberaba - UNIUBE.
Autor para correspondência/Author for correspondence: sebastiaosilva@uft.edu.br
RESUMO. Este artigo propõe uma reflexão sobre os limites e
as potencialidades da Pedagogia da Alternância na formação de
professores no contexto da Educação do Campo. Apresentamos
um breve resgate histórico sobre a Pedagogia da Alternância e a
sua integração nos currículos dos cursos superiores de
Licenciatura em Educação do Campo implantados no Brasil, por
meio do Edital de Seleção n. 2/2012-Sesu/Setec/Secadi/MEC, de
31 de agosto daquele ano. Conforme narrativas de professores
formadores de duas instituições contempladas por essa chamada
pública na região Norte do Brasil, verificamos concepções,
limites, potencialidades e projeções futuras da Pedagogia da
Alternância.
Palavras-chave: Pedagogia da Alternância, Ensino Superior,
Educação do Campo.
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History of Rural Education and Pedagogy of Alternation:
limits, challenges and possibilities in teacher training
ABSTRACT. This article propose a reflection on the limits and
potentialities of the Alternation Pedagogy as an formative
device in the process of teaching and learning in teacher
education in the context of Countryside Education. We present a
brief historical rescue on the Alternation Pedagogy and its
integration in the curricula of the undergraduate courses in
Countryside Education implemented in Brazil, through the Call
for Selection n. 2/2012-Sesu/Setec/Secadi/MEC, of August 31
st
of that year. According to the narratives of teacher trainers of
two institutions contemplated by this public call in the Northern
region of Brazil, we verify conceptions, limits, potentialities and
future projections of Alternation Pedagogy.
Keywords: Alternation Pedagogy, Higher Education,
Countryside Education.
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Educación Rural y Pedagogía de la Alternancia: límites,
desafíos y posibilidades en la formación de profesores
RESUMEN. Este artículo proponer una reflexión sobre los
límites y las potencialidades de la Pedagogía de la Alternancia
en la formación de profesores en el contexto de la Educación
Rural. Presentamos un breve rescate histórico sobre la
Pedagogía de la Alternancia y su integración en los currículos de
los cursos superiores de Licenciatura en Educación Rural
implantados en Brasil, a través del Edicto de Selección n.
2/2012-Sesu/Setec/Secadi/MEC, del 31 de agosto de aquel año.
Conforme narrativas de profesores formadores das instituciones
contempladas por esa llamada pública en la región Norte de
Brasil, verificamos concepciones, límites, potencialidades y
proyecciones futuras de la Pedagogía de la Alternancia.
Palabras clave: Pedagogía de la Alternancia, Enseñanza
Superior, Educación Rural.
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Introdução
Este estudo tem por objetivo analisar
os limites e as potencialidades da
Pedagogia da Alternância na formação de
professores no contexto da Educação do
Campo, visto que necessidade de
compreender como a Pedagogia da
Alternância tem sido empregada nos cursos
de formação de professores do campo no
território brasileiro. Registra-se também
que este estudo é resultante dos dados de
um relatório de uma pesquisa
ii
de
doutorado.
A Pedagogia da Alternância tem
raízes no contexto francês do século XX,
nas Casas Familiares Rurais (CFRs)
denominadas como Maisons Familiales
Rurales. Nesse tempo, um grupo de
camponeses buscou alternativas de
formação para os seus filhos
permanecerem no campo. Segundo a
literatura, o espaço rural francês
vivenciava no período um descaso com a
falta de investimentos públicos, ocasionado
pela Primeira Guerra Mundial. No caso do
Brasil, especificamente, as iniciativas da
Pedagogia da Alternância na educação
básica foram implantadas no estado do
Espírito Santo em 1969, por intermédio do
Movimento de Educação Promocional do
Espírito Santo (Mepes), liderado pelo
jesuíta italiano Humberto Pietogrande.
Além disso, foram implantadas as Escolas
da Família Agrícola (EFAs).
Para Nosella (2012) iniciativa do
Mepes visou à promoção social, cultural e
econômica dos povos do campo no estado.
Com o passar dos anos, a proposta do
ensino por Alternância expandiu
gradativamente em diversos contextos
educativos e escolares no país, com
destaque para o trabalho desenvolvido
pelos Centros Familiares de Formação por
Alternância (CEFAs). De acordo com
Silva (2010), no território nacional mais
de 270 experiências em centros educativos
que adotam a Pedagogia da Alternância
nas práticas educativas. Para a autora, a
expansão dessas experiências permitiu a
formação da rede dos CEFAs, integrando
as regiões Norte, Nordeste, Sudeste,
Centro-Oeste e Sul. Tal iniciativa surgiu
pela necessidade de as instituições
proporem medidas na busca de
metodologias no contexto da Pedagogia da
Alternância, com vistas a superar os
desafios vivenciados para a permanência
do homem e da mulher no campo.
Ideias reforçam que a Alternância, na
relação tempo/espaço, “permite uma troca
de conhecimentos e fortalecimento dos
laços familiares e do vínculo dos
educandos com a sua comunidade”.
(Carvalho & Sales, 2016, p. 183), embora
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seja possível ressaltar que, em cada
contexto, possa haver Alternância(s). É
possível notar também que a Alternância
assume um reconhecimento jurídico no
sistema nacional de educação,
principalmente por propor e reconhecer a
importância da educação do campo e a
Pedagogia da Alternância como elemento
imprescindível na formação dos povos
campesinos, no que diz respeito à
integração entre família, comunidade e
escola (Passos & Melo, 2012).
Nesses termos, tal proposta da
Pedagogia da Alternância “ultrapassa os
muros das escolas e as formalidades das
instituições, acontece como práxis, de
maneira simultânea nos cotidianos
escolares, familiares e comunitários”.
(Carvalho, 2016, p. 21). Queiroz (2004, p.
104) argumenta que os povos do Campo
necessitam de uma proposta de educação
que corresponda a necessidades sociais,
isto é, que apresente “uma sinergia, uma
integração, uma interpenetração rompendo
com a dicotomia teoria e prática, abstrato e
concreto, saberes formalizados e
habilidades”.
Segundo Souza e Mendes (2012), na
região Norte do Brasil, o estado do Pará foi
o pioneiro na implantação da Alternância,
com a participação direta da associação
regional das Casas Familiares Rurais
(CFRs) do Rio Grande do Sul. Já no
Amazonas, as atividades começaram em
1996, na Casa Familiar Rural de Boa Vista
dos Ramos. No caso dos cursos de
graduação, a Alternância começou a ser
implantada no país com os cursos de
Pedagogia da Terra desenvolvidos nas
instituições publicas de Ensino Superior
em parceria com os movimentos sociais,
por exemplo, o MST. As primeiras
experiências registradas, segundo a
literatura no contexto do Ensino Superior,
ocorreram no Sul do país e,
posteriormente, em Espírito Santo, Minas
Gerais, Bahia e Mato Grosso.
Costa e Monteiro (2014)
argumentam que ações da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG) foram os
pilares para a inserção da Pedagogia da
Alternância nos cursos de Licenciaturas em
Educação do Campo via Edital de Seleção
n. 2/2012 da Secretaria de Educação
Superior, da Secretaria de Educação
Profissional e Tecnológica, da Secretaria
de Educação Continuada, Alfabetização,
Diversidade e Inclusão e do Ministério da
Educação (Sesu/Setec/Secadi/MEC), de 31
de agosto de 2012. Essa legislação
propunha fortalecer os cursos no âmbito do
ensino, da pesquisa e da extensão das
universidades públicas federais.
Evidenciamos que a Pedagogia da
Alternância permite que as instituições de
ensino, os professores e os alunos criem
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mecanismos que aproximem o ensino da
realidade da comunidade. Em outras
palavras, as ações estabelecidas no
contexto do campo, mais especificamente
no que tange à Pedagogia da Alternância,
não se referem a uma “proposta que
destaca a exclusão social e carência social,
mas que afirma a identidade sociocultural,
que valoriza as matrizes culturais
significativas para os sujeitos e que destaca
as trajetórias sociais como fonte de
aprendizagem”. (Souza, 2012, p. 78).
Na Alternância a valorização e o
reconhecimento do campo como lugar de
vida, cultura e identidades sociais,
superando a visão histórica do âmbito rural
apenas como espaço de produção
agropecuária e agroindustrial. Como
proposta pedagógica inovadora no Ensino
Superior brasileiro, no sentido de
superação de paradigmas, acreditamos que
a Pedagogia da Alternância vem romper
com o modelo do ensinar pela mera
transmissão (Freire, 2012), promovendo
práticas mais dialógicas e colaborativas na
formação dos sujeitos. Desse modo, a
proposta educativa da Pedagogia da
Alternância vem ampliar as dimensões
dialógicas e formativas na/da/para
universidade e comunidade (Molina,
2015), com participação direta dos sujeitos
sociais nas tomadas de decisões e
valorização dos saberes da vida, da cultura,
das crenças e produção do conhecimento
científico e popular.
Breve histórico da Educação do Campo
Para dar continuidade às reflexões,
devemos analisar o surgimento da
Educação do Campo no Brasil, a fim de
compreendemos como a Pedagogia da
Alternância se torna um dispositivo de
formação nos cursos de licenciatura para
os povos do Campo. A Educação do
Campo é resultado da luta dos
trabalhadores camponeses por um projeto
de sociedade. Nesse caso, “o campo é
concebido como espaço de vida e
resistência, onde camponeses lutam por
acesso a terra e pela oportunidade de
permanecer nela”. (Viera & Silva-Junior,
p. 33, 2014). A proposta da Educação do
Campo emerge como uma política pública
direcionada aos povos do contexto campo
não apenas como medidas paliativas do
governo, mas como um território de lutas,
desejos e interesses de direitos
conquistados pelo povo campesino e por
movimentos sociais. O paradigma da
Educação do Campo rompe com o modelo
da Educação Rural, compreendido nas
áreas rurais como mecanismo de
desvalorização e descontextualizado dos
saberes e identidade da população
campesina.
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Fernandes e Molina (2004) afirmam
que a Educação Rural tem sua origem no
pensamento latifundiário brasileiro, sendo
uma forma de controle político sobre a
terra e os povos que nela vivem e
trabalham. Para os autores, a proposta da
Educação Rural vem atender a lógica do
capitalismo agrário, que concebe o campo
como lugar de atraso, espaço de produção
econômica e manutenção da vida urbana.
Em contraposição a este projeto da
Educação Rural, surge a Educação do
Campo como bandeira de luta em defesa
pela terra e a igualdade de direitos, em
especial o acesso à educação pública de
qualidade social, pensada e planejada com
a participação direta dos sujeitos
campesinos.
Nesse sentido, a Educação do Campo
está contida nos princípios do
paradigma da questão agrária,
enquanto a Educação Rural es
contida nos princípios do paradigma
do capitalismo agrário. A Educação
do Campo vem sendo construída
pelos movimentos camponeses a
partir do princípio da autonomia dos
territórios materiais e imaterais. A
Educação Rural vem sendo
construída por diferentes instituições
a partir dos princípios do paradigma
do capitalismo agrário, em que os
camponeses não são protagonistas do
processo, mas subalternos aos
interesses do capital. (Fernandes,
2006, p. 09).
Ao analisar histórico do projeto da
Educação do Campo, o perceptíveis
alguns eventos fundamentais na
consolidação e valorização da vida
campesina na área da política educacional.
Em 1997, por exemplo, foi realizado o I
Encontro Nacional de Educadores da
Reforma Agrária (Enera). Participantes do
Enera em 1997 apresentaram reflexões e
questões que demarcaram a esfera rural
não como lugar da produção agrícola e
manutenção da produção urbana, mas sim
de identidades e saberes. Isso porque a
política educacional para os povos do
campo, conhecida tradicionalmente como
Educação Rural, foi uma proposta que
vivenciou o silenciamento estratégico de
investimentos público e a ausência do
protagonismo dos seus sujeitos. Assim, o
projeto da Educação do Campo sonhado e
desejado pelos movimentos sociais é
inovador, por apresentar características
alicerçadas na história do homem e da
mulher do campo e nas suas necessidades
sociais (Arroyo & Fernandes, 1999).
De fato, a Educação do Campo
reconhece o âmbito rural como um
espaço/tempo marcado por saberes,
construção e afirmação de identidades. A
política educacional da Educação do
Campo não é um recurso para fortalecer a
presença do homem e da mulher do campo
em benefício da produção agrícola
direcionada à rede urbana e às ordens do
capitalismo agrário, bem como das ideias
tradicionais da Educação Rural como
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extensão do centro urbano e local de
produção. O paradigma da Educação do
Campo propõe destruir o ideário da
Educação da Rural (Santos, 2013),
caracterizado como instrumento de
reprodução e manutenção da estrutura
agrária da elite latifundiária. Molina e
Antunes-Rocha (2014, p. 28) afirmam que
é fundamental compreender a Educação do
Campo como “uma educação específica e
diferenciada, voltada para os interesses da
vida no campo, alicerçada numa concepção
de educação como formação humana e
comprometida com a estratégia específica
de produção da vida no campo”.
Em 1998, depois das reflexões
assumidas no I Enera, foi realizada a
conferência “Por uma Educação do
Campo” em Luziânia, Goiás, cujo principal
objetivo foi o fortalecimento de reflexões e
a proposição na criação de Diretrizes
Operacionais para a educação básica do
campo no país (Kolling, Nery, & Molina,
1999). No mesmo ano de 1998 foi criado o
Pronera, que tem o propósito de fortalecer
a educação nas áreas de Reforma Agrária
estimulando, propondo, criando,
desenvolvendo e coordenando projetos
educacionais. Assim, o Pronera e as
Diretrizes Nacionais da Educação do
Campo, dentre outros movimentos que
ocorrem no país, promovem debates
importantes de propostas formativas que
valorizem o homem e mulher do campo e
sua formação integral, além de contribuir
com a formação dos professores que atuam
ou atuarão no âmbito do território
campesino.
em 2007 foi criado o Programa de
Apoio à Formação Superior em
Licenciatura em Educação do Campo
Procampo
iii
, por intermédio do MEC e da
Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização, Diversidade e Inclusão
(Secadi). Para Santos e Silva (2016, p.
140), o Procampo reafirma a necessidade
de propor uma educação pública e de
qualidade social direcionada aos povos do
campo, visto que “a instituição escolar, os
currículos, as histórias, identidades e
memórias de educadores/as foram
constantemente desconsideradas” na
formulação das políticas para esse público.
Carvalho (2016, p. 19) menciona que
o Procampo “é resultado de demandas
apresentadas pelos movimentos sociais no
documental final da II Conferência
Nacional de Educação do Campo em 2014,
e pelo esforço do Grupo de Trabalho em
Educação do Campo liderado pela Secadi
em 2005”. Para a autora, as propostas do
programa apresentam uma perspectiva
ampliada de educação que supera as
dimensões prescritivas do processo de
ensinar e aprender, ao integrar escola e
comunidade.
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No ano de 2013 foi implantado o
Programa Nacional de Educação do
Campo (Pronacampo) pelo Decreto n.
7.352 e instituído por meio da Portaria n.
86, de de fevereiro de 2013, que visa
oferecer apoio técnico para implementação
da Política Nacional de Educação do
Campo a partir de quatro eixos de ação:
gestão e práticas pedagógicas; formação de
educadores; educação profissional e
tecnológica; e infraestrutura (Molina,
2015). Por um lado, a expansão da oferta
de cursos voltados à Educação do Campo
no país é construída a partir das
experiências de outros projetos do governo
como o Procampo, além da integração de
outras iniciativas que fomentam a política
de educação do campo.
Nota-se que um dos ganhos
significativos do Pronacampo concerne à
expansão dos cursos de licenciaturas em
Educação do Campo implantados em
diversas Instituições Federais de Ensino
Superior (IFES), por meio de editais
públicos, em que 45 propostas foram
aprovadas no território nacional. Vale
ressaltar que “os cursos aprovados nesse
edital teriam a vigência de três anos de
recursos específicos para sua implantação e
a oferta no mínimo de 120 vagas por ano
para cursos novos, e, 60 vagas para
ampliação de cursos existentes”.
(Carvalho, 2016, p. 20).
Molina (2015), no entanto,
argumenta que a expansão supracitada, no
território brasileiro, necessita de mais
monitoramento e compreensão das ações
realizadas, particularmente nos aspectos
político, pedagógico, metodológico da
Pedagogia da Alternância, financeiro e
estrutural. Isso porque a maioria das
instituições selecionadas pelo edital de
seleção n. 2/2012-Sesu/Setec/Secadi/MEC
oferece cursos com diversas habilitações
nas áreas de Humanas, Ciências Exatas,
Ciências da Natureza e Biológica,
Linguagens e Artes. Contudo, elas não
apresentam, no histórico, ações
relacionadas à Educação do Campo, bem
como a formação de recursos humanos.
Articulado a isso, o fato da Educação
do Campo ser uma política genuína dos
povos do campo faz com que, no contexto
da prática, seja materializada conforme a
compreensão e intenção dos sujeitos, ou
seja, para além das questões pedagógicas e
formação de forças de trabalho, como
propõem ações governamentais, em favor
das exigências econômicas. Nesse ponto
anterior, a necessidade de compreender
as políticas públicas como artefatos
discursivos e históricos, visto que
proposições estabelecidas nas legislações
educacionais são carregadas de intenções e
significados.
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Constatamos assim, que a Educação
do Campo possui uma perspectiva histórica
de lutas e resistências, sobretudo no campo
das políticas educacionais, nas quais os
povos do campo eram lembrados no
passado apenas como sujeitos sem saberes
e que não necessitavam de formação de
qualidade social para atuar nas relações
sociais. Por meio do tipo de ensino
supracitado, os povos do Campo são
inseridos e valorizados nos diversos
contextos sociais como sujeitos de direito e
reconhecimento cultural.
Na matriz de origem, a Educação do
Campo visa à construção de um projeto
contra-hegemônico dos povos do campo.
Isto é construir uma sociedade, em que o
campo seja espaço de vida e bem de todos,
sem interesse de dominação de classes
(Santos 2013). A Educação do Campo
objetiva superar o padrão dual da
educação, reconhecendo o território do
campo, as culturas, o saber popular, como
domínios de produção de vida e afirmação
de identidades. Além disso, bandeira
emancipatória contra a lógica capitalista,
que desconhece as dimensões
socioculturais da realidade campesina e a
heterogeneidade do campo e dos sujeitos
sociais.
Metodologia da pesquisa
Frente ao propósito do trabalho,
utilizamo-nos dos princípios da pesquisa
narrativa em educação (Jovchelovitch e
Bauer, 2010), em que quatro docentes
fizeram parte da investigação três
mulheres e um homem de duas
instituições da região Norte Brasil, que
foram contempladas pelo edital de seleção
n. 2/2012-Sesu/Setec/Secadi/MEC. O
critério de seleção das instituições foi
decorrente do forte investimento do
governo federal brasileiro na implantação
das Licenciaturas em Educação do Campo
na Região Norte do Brasil, que quando
comparada as demais regiões do país, sofre
ainda com a falta de oferta e melhorias nas
condições do ensino público na Educação
Básica e Ensino Superior. A seguir
descrevemos o perfil dos cursos
selecionados.
Conforme informações disponíveis
no Projeto de Curso da primeira instituição
selecionada, no estado de Rondônia,
observamos que a licenciatura em
Educação do Campo com formação em
Ciências da Natureza e Ciências Humanas
e Sociais é resultado do edital de chamada
pública Sesu/Setec/Secadi n. 2, de 31 de
agosto de 2012. O objetivo geral desse
curso é contribuir com a efetivação da
inclusão social ao formar professores para
os anos finais dos Ensinos Fundamental e
Médio, em consonância com a realidade
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socioeconômica e cultural específica das
populações campesinas.
A justificativa da criação do curso
parte da análise realizada na região da
instituição, em que foi possível observar
uma carência de professores com as
habilitações a serem ofertadas no curso,
particularmente para atender às realidades
específicas do Campo. O público-alvo é
composto por assentados, ribeirinhos,
agricultores, quilombolas, indígenas,
seringueiros, pescadores, dentre outros.
Assim, a licenciatura em Educação do
Campo tem como proposta habilitar
professores para atuar nas disciplinas de
Ciências, Química, Física, Biologia,
Sociologia e Filosofia nos Ensinos
Fundamental e Médio.
Segundo o Projeto Pedagógico do
Curso, no processo de ingresso do curso
são disponibilizadas 120 vagas, sendo 60
para ciências da natureza e 60 para as
humanas. uma carga horária de 3.900h,
divididas em 3.200h voltadas às disciplinas
curriculares, 400h para estágio
supervisionado docente, 200h de atividades
complementares e 100h para seminários
temáticos. O tempo de conclusão do curso
é de quatro anos e, no máximo, cinco anos
e meio.
A proposta metodológica da
licenciatura em Educação do Campo é
baseada na Pedagogia da Alternância
organizada em dois tempos: o Tempo
Universidade (TU) e o Tempo
Comunidade (TC)
iv
. O curso funciona no
sistema de semi-internato, em que o TU
possui aulas nos turnos matutino,
vespertino e noturno, ao passo que o TC
ocorre em três semanas, com atividades
didáticas e práticas.
Nesses termos, a base curricular do
curso é composta por 40 componentes
curriculares, com um optativo para os
acadêmicos como componente curricular
complementar
v
, oferecido no terceiro
semestre. No campo do ensino, da pesquisa
e da extensão, o curso deve buscar o
desenvolvimento de ações com a
vinculação a outros grupos do campus. É
explicitada no mesmo documento a
cooparticipação dos movimentos sociais na
gestão do curso. Quanto à formação
pedagógica do professor foi perceptível,
em nossa análise, que as duas habilitações
iniciam a oferta das disciplinas constantes
no “Núcleo de Formação Integrador” a
partir do período. Psicologia da
Educação, Língua Brasileira de Sinais
(LIBRAS), Legislação Educacional,
Didática, Estágio I, II e III, entre outras são
apresentadas aos alunos na metade do
curso, conforme a matriz curricular de cada
habilitação.
A licenciatura em Educação do
Campo da segunda instituição pesquisada,
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no estado do Tocantins, com formação nas
áreas de Artes Visuais Música, foi
implantada a partir do edital de chamada
pública Sesu/Setec/Secadi n. 2, de 31 de
agosto de 2012, assim como os outros 42
cursos implantados no território nacional e
aprovados por meio dessa seleção. As
atividades tiveram início em 2013, com a
chegada dos primeiros professores
aprovados no concurso público destinado
ao curso, sendo eles responsáveis pela
organização e estruturação pedagógica. No
âmbito acadêmico, as atividades
começaram em abril de 2014, com o
ingresso de 120 alunos divididos em duas
turmas de 60 alunos.
Tal curso foi criado devido ao
engajamento social e político de um grupo
de professores que visam promover a
defesa dos povos do Campo na instituição
e na região. A justificativa para tais
habilitações na licenciatura em Educação
do Campo faz parte de um estudo
organizado pelo Observatório da Educação
do Campo, no qual se demonstrou a
carência de profissionais atuantes nas
escolas do Campo, mais especificamente
nas áreas de Artes e Música.
O curso pesquisado visa, ainda,
oferecer uma formação contextualizada nas
áreas de Artes e Música, que possibilite ao
aluno formar uma identidade docente,
comprometida com a cultura, às lutas
sociais e o campo brasileiro. A estrutura
metodológica está articulada com os
princípios da Pedagogia da Alternância,
compreendido em TU e TC: As atividades
do TU e TC são realizadas nos meses de
janeiro/fevereiro e julho/agosto, e, durante
encontros sistemáticos no intervalo de cada
TU, parte constituinte das disciplinas e do
Seminário Integrador.
O currículo do curso expõe que a
formação dos alunos no TU ocorre no
período das férias escolares, de janeiro e
julho, pois o público-alvo é composto por
professores leigos que atuam nos contextos
das escolas do Campo nos outros meses do
ano. Para tal objetivo, organizou-se o
currículo em quatro núcleos distintos e
inter-relacionados (de Formação, Comum,
Específico e de Atividades
Complementares), cujas ações são
desenvolvidas na formação dos alunos no
TU e TC. Além disso, constam no Projeto
do Curso dimensões conceituais dos
núcleos que dialogam com a proposta da
Alternância, o qual valoriza os
conhecimentos científicos integrados aos
saberes populares, às identidades e às
vivências dos alunos. A carga horária desta
licenciatura em Educação do Campo é de
3.300h, dividida em: Disciplinas do Ciclo
Básico, com 1.155h; Disciplinas do Ciclo
Profissional, com 1.350h; Disciplinas de
Formação Complementar, com 180h;
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Atividades Complementares, com 210h; e
Estágios Curriculares, com 405h. O tempo
mínimo de conclusão é de oito semestres e,
no máximo, 12. Nesses termos, as
disciplinas que compõem o eixo possuem
uma carga horária total de 795h,
distribuídas em 585h teóricas e 210h
práticas.
A carga horária das disciplinas no
eixo pedagógico é, em média, de 60h,
sobretudo em Filosofia da Educação,
Psicologia da Educação, Didática Geral e
Avaliação da Aprendizagem. A disciplina
de Práticas Pedagógicas da Educação do
Campo, parte integrante desse eixo,
apresenta no currículo uma carga horária
maior que 75h. Além disso, são ofertadas
disciplinas optativas, que representam o
total de 180 horas na formação dos alunos.
Embora a estrutura curricular da
licenciatura investigada saliente que os
estágios não devem ser apresentados como
disciplinas na dimensão pedagógica, eles
possuem uma carga horária total de 405h.
No caso da integração entre ensino,
pesquisa e extensão, é exposto que tais
atividades são desenvolvidas por meio de
planos de estudos, pesquisas e trabalhos
acadêmicos, com visitas a alunos e
realização de dinâmicas comunitárias que
integram a participação da universidade e
da comunidade.
Descrito isso, os professores
formadores
vi
dos cursos foram
selecionados com base em informações
prévias sobre os docentes ingressantes nos
cursos pesquisados, por meio do Grupo de
Estudos e Pesquisa em Educação do
Campo da Universidade Federal do
Tocantins Brasil, além da disponibilidade
e aceite. As entrevistas foram realizadas
por meio de roteiro semiestruturado com
os colaboradores elas ocorreram de
setembro a novembro de 2017, nas
próprias instituições onde trabalham. Na
entrevista, buscamos registrar sentidos,
significados e concepções que os
formadores atribuem à Pedagogia da
Alternância na formação de professores,
com base nas seguintes provocações:
1. Como você entende e concebe a
Pedagogia da Alternância no Curso
de Licenciatura em Educação do
Campo?
2. Como tem desenvolvido a
Pedagogia da Alternância na sua
prática pedagógica?
3. Quais possibilidades e limites que
você argumentaria em torno dessa
abordagem para os professores em
formação inicial do referido curso?
Após a coleta das narrativas,
empregamos o processo de transcrição do
texto oral para a produção escrita,
conforme as orientações de trabalho com
as fontes orais (Guimarães, 2006). Cumpre
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dizer que, para analisar as narrativas,
empregamos uma leitura analítica
interpretativo-compreensiva (Souza, 2014)
por meio de unidades de significados
frente aos resultados. A escolha por essa
abordagem justifica-se pela produção dos
dados narrativos do estudo, bem como a
valorização intersubjetiva das narrações
dos professores. A carta de cessão foi
assinada pelos professores no ato das
entrevistas. Assim, o propósito do trabalho
não foi generalizar o emprego da
Alternância na universidade, mas mapear e
registrar as possibilidades e limitações da
implementação dessa abordagem na
formação docente, principalmente no atual
contexto dos desmontes educacionais que o
país vivencia, no âmbito da política de
formação de professores da Educação
Básica e do Ensino Superior.
Resultados e discussão
Neste espaço, privilegiaremos as
narrativas dos docentes sobre a Pedagogia
da Alternância no Ensino Superior. Os
professores são considerados iniciantes,
pois apresentam menos de cinco anos de
efetivo exercício na docência universitária
(Soares & Guimarães, 2017). As
experiências narradas pelos professores,
nesse momento da trajetória profissional,
demonstraram, na maioria das vezes, a
sensação de dúvida, insegurança e falta de
habilidade na organização didática e
pedagógica da sala de aula. Os professores
se graduaram em distintas áreas do
conhecimento Artes Visuais, Música,
Agronomia e Pedagogia da Terra , em
que duas são doutoras, uma é mestre e o
professor cursava o mestrado no momento
da entrevista. No que diz respeito às
concepções sobre a Pedagogia da
Alternância, os colaboradores afirmaram,
in verbis:
Penso que a Alternância na
Educação do Campo é
compreender que a vida
acadêmica não está descolada da
vida social. É compreender que
essa pessoa que está na
universidade tem uma vida para
além da universidade ela tem
família, cuida de filhos, de neto
(temos muitas avós e avôs aqui no
curso) num movimento que tem
atividades, tem uma comunidade
em que ela consegue fazer
relações do curso com a
comunidade. A ideia da
Alternância tem a
intencionalidade de trazer a vida
para a universidade e também
levar a universidade para a vida.
(P01F).
A Alternância, para mim, é o ato
de o aluno aprender em sala de
aula e aplicar aquele
conhecimento na comunidade
dele. É o que tenho tentado fazer,
talvez pelo meu perfil, que é
trabalhar com Agricultura, com
recursos naturais. Talvez isso seja
mais fácil, de uma forma geral.
(P02F).
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Entendo a Pedagogia da
Alternância deste jeito: ela é uma
proposta diferenciada de
educação, e acho que integra esse
conhecimento à vida. que você
entender isso e conseguir
executar junto com seus pares é
complicado. Até porque as
pessoas têm essa tendência,
principalmente dentro do campo
da educação, em que seguem
muito a linha tradicional das
coisas, aquele modelo de
educação tradicional e regular
que a gente vê. Então, os cursos
de Educação no Campo vão ser
sempre esses que vêm à margem,
questionando o sistema regular e
tradicional. É desse modo que
vejo. (P03F).
Em relação à minha compreensão
por Pedagogia da Alternância,
vejo que depois de tantos debates
que a gente participou e de
leituras, cheguei à conclusão de
que a Alternância seria momentos
da universidade junto com a
comunidade, onde aqueles alunos
que são da comunidade e
participam da vida acadêmica
demonstram, para os seus lá da
comunidade, o que adquiriram
não de conhecimento, mas de
prática, de motivação para
exercer a modificação necessária
na comunidade. (P04M).
Diante das narrativas, a Pedagogia da
Alternância é compreendida pelos
colaboradores em diversos ângulos de
análise. Para 01F, por exemplo, a
metodologia da Alternância diz respeito ao
reconhecimento do aluno como sujeito
social, que apresenta na sua formação uma
história de vida que precisa ser valorizada
nas práticas pedagógicas institucionais. Os
postulados de 01F se distanciam das ideias
apresentadas por 02F, que compreende a
Alternância na sua dimensão prática. Para
a última, tal metodologia sinaliza o
desenvolvimento prático dos
conhecimentos apreendidos no espaço
institucional pelos alunos, particularmente
na universidade.
na concepção do docente 04M,
a percepção de que a Pedagogia da
Alternância é um movimento em que o
aluno relaciona a teoria com a prática na
comunidade. Para 03F, a Pedagogia da
Alternância integra os conhecimentos
científicos com a realidade de vida dos
alunos, o que, de certo ponto, se relaciona
com as ideias dos formadores 02F e 04M.
No entanto, 03F ressalta que tal proposta
apresenta limitações na execução,
principalmente no contexto educacional,
que ainda possui um modelo tradicional de
ensino.
Para os colaboradores da pesquisa, a
Pedagogia da Alternância passa ser
compreendida como uma metodologia que
não visa apenas transmitir os
conhecimentos teóricos aos alunos, pois
estes também devem ser uma fonte de
aplicação e mudança da realidade social.
Em outras palavras, a “ideia da
Alternância tem a intencionalidade de
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trazer a vida para a universidade e
também levar a universidade para a vida”,
como frisou 01F.
Carvalho (2016) pontua que a
formação do professor, sob a perspectiva
da Alternância, deve estar atrelada a
conteúdos socioformativos capazes de
contribuir com o desenvolvimento de uma
nova base societária, produtiva e cultural.
Para a autora, o projeto formativo para a
Educação do Campo, integrado à
Pedagogia da Alternância, deve se voltar à
transformação da sociedade e à
emancipação dos sujeitos. Para Passos e
Melo (2012, p. 244), a essência da
Pedagogia da Alternância é o diálogo
entre o saber sistematizado e o saber
popular em que o educando e a sua
realidade são o foco central do processo de
ensino-aprendizagem”.
Entendemos também que o
movimento formativo nesse caso, para a
formação de professores na Pedagogia da
Alternância deve ser concebido na
dimensão da práxis crítica como atividade
humana, em que supera a perspectiva da
racionalidade técnica que, por sua vez, visa
apenas aos interesses do capital e à
formação de nova mão de obra para o
mercado de trabalho (Veiga, 2009). No que
tange ao desenvolvimento da Pedagogia da
Alternância nas práticas docentes na
universidade e na comunidade, os
professores afirmaram que as práticas
contribuem com os ideais da Pedagogia da
Alternância, particularmente na articulação
entre universidade e comunidade, como
mencionou 02F:
Por exemplo, os alunos, hoje, têm
uma aula sobre formação de solos
o que é o solo, como é que o
solo é formado, qual a
importância, como é que o solo se
altera conforme o uso da terra. A
gente isso na sala, conversa...
Eles sabem de uma forma geral
na prática, mas eles veem os
aspectos técnicos. E eles fazem
no tempo-comunidade. (P02F).
Para uma comparação analítica, os
docentes ressaltaram que o começo das
atividades da Pedagogia da Alternância na
licenciatura em Educação do Campo em
que atuam apresentou limitações na
organização e execução, como narrado a
seguir:
Uma coisa interessante aqui no
curso é que, antes, ele tava sendo
de um jeito; é como se a
Alternância aqui estava sendo
feita por disciplina. Agora, nesse
semestre, a gente começou a
mudar e deu um resultado que
achei bem interessante, bem mais
próximo da Alternância, das
coisas que li sobre, tudo que
refleti e que vejo que deve ser.
Hoje, as práticas foram
integradas, com grupos de três ou
quatro professores: cada um deles
vai às comunidades e desenvolve
uma prática num sentido
interdisciplinar, propondo assim
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uma organização de um evento
artístico ou cultural com os
alunos. (P03F).
Estávamos chegando e indo
para a sala de aula de uma
escolinha da comunidade,
“derramando conteúdo” e
voltando para trás. No momento
atual, está começando a ter uma
ideia próxima a essa, porque a
gente não tem mais recursos para
ir; com isso, a gente vai uma vez,
fazendo um evento, junto com as
escolas e a comunidade hoje
está parecendo aquele tipo de
Alternância que penso que seja.
Não sei se é o certo, mas penso
que seja assim. (P04M).
De acordo com P03F e P04M, a
Pedagogia da Alternância, no decorrer das
atividades do curso, ganhou novos
significados e concepções, principalmente
para superar a ideia de que a Alternância se
refere a articular a transmissão de
conhecimento na universidade e
comunidade, criando a falsa ideia de
integração da universidade com a
comunidade dos alunos. Costa e Monteiro
(2014, p. 120) ponderam que a integração
da Pedagogia da Alternância, nos
processos avaliativo-formativos dos alunos
na licenciatura em Educação do Campo
envolve um trabalho de ruptura com o
paradigma dominante no ensino e na
pesquisa, cuja realidade é a centralidade na
articulação e debate do conhecimento
científico com outros tipos de saberes”.
Diante das narrativas dos docentes,
percebe-se que as ações desenvolvidas no
tempo presente, em se tratando dos dois
cursos da Educação do Campo em análise,
têm buscado inserir os alunos como
sujeitos ativos do processo formativo e
agentes de transformações sociais por meio
de práticas que integram a universidade
com a comunidade. Porém, o 01F ressaltou
as dificuldades vivenciadas na
implementação da Pedagogia da
Alternância na prática docente:
Tive dificuldade de desenvolver a
Alternância nessa forma, que são
seis dias de tempo-universidade,
aulas de manhã e à tarde, dez
horas de aula por dia e uma etapa
por mês são quatro etapas por
semestre. É um tempo muito curto
aqui e muito curto na
comunidade. Devido a esse curto
espaço de tempo e à necessidade
de trabalhar os conhecimentos
com os alunos, tenho dificuldade
de trazer a vida para a
universidade. É aula o dia todo:
um período são cinco horas de
uma disciplina, e inclusive
dificuldade de levar a
universidade para a vida. O que
eles levam são muitos trabalhos.
(P01F).
Nesse caso, o 01F exemplifica a
organização metodológica do trabalho
desenvolvido na Pedagogia da Alternância
no Ensino Superior, em especial a
distribuição da carga horária.
Encontramos, na reflexão dessa professora,
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elementos importantes que precisam ser
analisados por todos os sujeitos sociais
envolvidos que desenvolvem tal proposta
nas suas práticas pedagógicas. Além de
inserir no currículo uma metodologia
formativa, a exemplo da Pedagogia da
Alternância, entendemos que é primordial
a compreensão sobre as possibilidades e os
limites dessa proposta na matriz formativa
de um curso.
Isso porque muitas vezes os
formadores irão desenvolver a prática
pedagógica a partir das suas vivências
profissionais, demonstrando dilemas ou
possibilidades formativas na promoção da
aprendizagem dos alunos. Além disso, tal
ação educativa pode ser uma arena
curricular de conflitos e ordens discursivas
entre os sujeitos sociais (Macedo & Lopes,
2002).
Outra questão importante diz respeito
a entender os contextos históricos, sociais e
culturais em que esses sujeitos sociais
estão inseridos, de modo a desenvolver
ações que contribuam de modo
significativo com a formação humana,
social e profissional dos alunos.
Tal constatação inevitavelmente nos
faz compreender que as práticas da
Pedagogia de Alternância, nos cursos de
licenciatura, não podem ser pensadas
apenas na dimensão pedagógica ou
metodológica; cremos que uma proposta
como essa é, antes, uma ação política
Freire, 2012), deve estar impressa nos
projetos de cursos, Isso demanda dos
sujeitos à mobilização de saberes e a
revisão permanente das práticas
construídas, como frisaram 03F e 04M
neste tópico.
No tocante às limitações da
Pedagogia da Alternância nos cursos em
questão, os docentes mencionaram que a
maioria das dificuldades está relacionada
às compreensões apresentadas por grupo
de docentes e alunos sobre a Alternância.
Ademais, existem problemas de ordem
técnica e didático-metodológica e
financeira, como narraram P01F e P02F:
Parece-me que não tempo e
que os alunos não conseguem
vivenciar os tempos. As turmas
reclamam muito porque têm
muitos trabalhos. No curso
percebo certa dificuldade do
tempo-comunidade, porque está
sendo disciplinar: cada disciplina
tem 30 horas do tempo-
comunidade, cada professor faz
do jeito que acha melhor. Não
um planejamento de todos os
professores do semestre para o
tempo-comunidade, o que é
necessário. Inclusive, estamos
tentando colocar isso para o
próximo PPC, para que não seja
um tempo-comunidade
disciplinar. (P01F).
Em relação às possibilidades e
aos limites dessa perspectiva na
formação avaliativa e formativa
do professor, entendo que o que
limita são os recursos financeiros,
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pontualmente. E outra questão
também é que muitos professores
vêm de universos muito diferentes
da realidade dos alunos. Então,
antes de você ter experiência com
aquilo acho que pelo menos no
seu primeiro contato , talvez
você fique meio perdido. “O que
eu vou fazer?” foi mais ou
menos assim para mim. Sobre as
possibilidades, acho que ela
contribui, principalmente, para
fazer essa relação entre sala de
aula e cotidiano, ver na prática
aquilo que é abordado em sala de
aula. (P02F).
Pelas narrativas das docentes, a
Pedagogia da Alternância, nos cursos para
a docência, apresenta limitações de ordem
técnica, logística, metodológica,
pedagógica e financeira. Primeiramente,
evidencia-se a falta de uma formação
pedagógica do corpo docente sobre a
metodologia da Pedagogia da Alternância
no processo de ensino-aprendizagem, pois,
conforme assinalado no quadro teórico
deste texto, a inserção da Alternância no
Ensino Superior no país é recente. Além
disso, a maioria dos professores, não
apresentava à época da pesquisa,
conhecimento e experiências profissionais
com a Pedagogia da Alternância.
Conforme outra narrativa de uma das
colaboradoras, constatamos a crença de
muitas pessoas sobre o processo de ensino-
aprendizagem considerado válido apenas
nos espaços formais das instituições de
ensino, como afirmou P03F: Acho difícil
para as pessoas entenderem a Alternância
e viverem ela. Mesmo para quem vem
desse sistema regular e entra na Educação
do Campo, eles não vão ter a amplitude de
visão pra conseguir. Nem todo mundo tem,
e é difícil você fazer esse exercício de
convencimento”. Outra questão
interessante se refere à falta de
conhecimento dos professores sobre a
realidade em que irão atuar, como
assinalado por P02F ou seja, as ideias
entre as formadoras dialogam entre si.
Isso também é comprovado no
estudo de Costa e Monteiro (2014, p. 123),
para quem a Alternância impõe desafios
aos formadores, especialmente quando se
trata de estabelecer o diálogo entre as
disciplinas e os tempos educativos”. Diante
dos dados, acreditamos que seja necessário
o professor conhecer o contexto em que irá
atuar, bem como o perfil do público que
desenvolverá o seu fazer docente,
particularmente quando concebemos a
docência como ação histórica, política,
formativa e sociocultural (Veiga, 2009).
Desse modo, as narrativas expressam
as fragilidades dos cursos sobre a
implementação da Pedagogia da
Alternância, principalmente nas dimensões
conceituais, metodológicas e de recursos
humanos e financeiros. Isso pode ser
justificado pela pouca experiência
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profissional dos professores com o
desenvolvimento da Pedagogia da
Alternância no campo docente, visto que
apenas uma docente, apresentou no seu
percurso de formação acadêmica, vivência
direta com a Pedagogia da Alternância
durante o curso de Pedagogia da Terra.
Apesar de reconhecermos as possibilidades
da Alternância na formação de professores,
o contexto da pesquisa, demonstrou que é
preciso avançar muito na consolidação e
identidade da Pedagogia da Alternância na
formação de professores, principalmente
quando pensamos em ações inovadoras que
possam contribuir com a melhoria do
ensino e emancipação dos povos do
campo. Ressaltamos, também, a
necessidade de programas e políticas de
formação docente no âmbito da Pedagogia
da Alternância, em especial, para os
professores que estão iniciando a carreira
docente, fase compreendida como um
momento de descobertas, desafios e
superação no desenvolvimento profissional
docente.
Considerações finais
Diante das ideias expostas,
consideramos pertinente um olhar holístico
para as práticas construídas no âmbito da
Pedagogia da Alternância nos cursos da
Educação do Campo, sobretudo as
compreensões sobre essa perspectiva
formativa para cada grupo de trabalho e
contexto. Constatamos a necessidade dos
professores e instituições apreenderem os
princípios da Pedagogia da Alternância
como uma metodologia formativa
integrada à vida dos povos que vivem no e
do Campo. Ficou nítido que a Alternância
materializada nos cursos deve valorizar
diretrizes, instrumentos e práticas que
integram a universidade com a sociedade,
que articulem tempos, espaços e sujeitos
em processos de desenvolvimento humano
e acadêmico.
Evidenciamos a importância das
instituições de ensino promover o dialogo
dos saberes tradicional/popular e o
conhecimento científico, não como
elementos opostos ou contraditórios, mas
interdependentes de uma história, cultura e
povo, numa esfera multicultural e global. É
visível, a necessidade da formação de
espaços colaborativos entre (instituições,
professores, alunos e demais sujeitos
sociais), destinados ao debate, ao
diagnostico, a avaliação e reconstrução
permanente das práticas construídas.
De modo mais objetivo, enfatizamos
a necessidade de novos estudos e pesquisas
sobre a Pedagogia da Alternância no
âmbito acadêmico, pois é ainda um tema
escasso no âmbito do Ensino Superior,
particularmente nos tempos de incertezas
que assolam as instituições de ensino, o
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que a nosso ver, impacta diretamente no
desenvolvimento pedagógico e nas
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Tocantinópolis/Brasil
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10.20873/uft.rbec.e6954
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novos sentidos, novas perspectivas (pp. 13-
22). (2a ed.) Campinas: Papirus.
i
Este texto é uma versão ampliada do capítulo de
livro publicado na Coleção “Avaliação do Ensino
Superior”, editado em 2018, pela CRV. O trabalho
é resultado dos dados de uma pesquisa de
doutorado.
ii
O presente trabalho foi realizado com apoio da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior Brasil (CAPES) Código de
Financiamento 001.
iii
Segundo Santos e Silva (2016), as primeiras
iniciativas do Procampo ocorreram na Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), na Universidade
Federal da Bahia (UFBA), na Universidade Federal
de Sergipe (UFS) e na Universidade Federal de
Brasília (UnB), instituições que apresentavam
experiências na oferta de cursos relacionados à
Educação do Campo.
iv
Pedagogia da Alternância é compreendida como
instrumento pedagógico que guia e orienta a
organização do curso em bases práticas. Ela é
constituída por dois tempos: TU e TC.
v
Para os alunos da habilitação em Ciências
Humanas e Sociais, é ofertada a disciplina
“Etnociências e Saberes da Terra”. Para os alunos
com habilitação em Ciências da Natureza é
disponibilizada a disciplina “Geopolítica das
Migrações”.
vi
Nesta pesquisa os professores foram identificados
com elementos alfanuméricos, a fim de preservar a
identidade das professoras colaboradoras e do
professor colaborador do estudo.
Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 29/05/2019
Aprovado em: 08/07/2019
Publicado em: 19/12/2019
Received on May 29th, 2019
Accepted on July 08th, 2019
Published on December, 19th, 2019
Contribuições no artigo: Os autores foram os
responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for
the designing, delineating, analyzing and interpreting the
data, production of the manuscript, critical revision of the
content and approval of the final version published.
Conflitos de interesse: Os autores declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Sebastião Silva Soares
http://orcid.org/0000-0002-5572-014X
Selva Guimarães
http://orcid.org/0000-0002-8956-9564
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Soares, S. S., & Guimarães, S. (2019). Educação do
Campo e a Pedagogia da Alternância: limites, desafios e
possibilidades na formação de professores. Rev. Bras.
Educ. Camp., 4, e6954. DOI:
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e6954
ABNT
SOARES, S. S.; GUIMARÃES, S. Educação do Campo e
a Pedagogia da Alternância: limites, desafios e
possibilidades na formação de professores. Rev. Bras.
Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 4, e6954, 2019. DOI:
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e6954