Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e6994
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
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2020
ISSN: 2525-4863
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Usos do livro didático de Ciências em uma escola do
campo
Raimunda Alves Melo
1
,
Antonia Pereira de Macedo
2
1, 2
Universidade Federal do Piauí - UFPI. Centro de Ciências da Educação. Campus Universitário Ministro Petrônio Portella.
Ininga. Teresina - PI. Brasil.
Autor para correspondência/Author for correspondence: raimundinhamelo@yahoo.com.br
RESUMO. O objetivo geral deste estudo é compreender a
utilização do Livro Didático (LD) de Ciências Naturais em
turmas do ao ano de escolas do campo. Especificamente, a
pesquisa objetiva conhecer os usos metodológicos do LD de
Ciências Naturais em turmas do ao ano do Ensino
Fundamental de escolas do campo e identificar como os
professores utilizam o LD de Ciências Naturais. Realizou-se
pesquisa descritiva, de abordagem qualitativa, por ser esse tipo
de pesquisa o que melhor se adequou ao objeto e aos objetivos
do estudo. Como instrumentos de coleta de dados, utilizou-se a
observação simples e a entrevista. O estudo foi realizado em
uma escola do campo, situada no município de Juazeiro do
Piauí. As interlocutoras foram duas professoras que trabalham
com o componente curricular de Ciências Naturais e que
aderiram à investigação de forma livre e consciente. Os
resultados apontam que as tensões metodológicas na utilização
do LD de Ciências Naturais incluem falhas no processo de
escolha e na disponibilização, pelo Ministério da Educação
(MEC), de materiais que não valorizam a realidade camponesa.
Dessa forma, é necessário a implementação de formações
continuadas através das quais os docentes reflitam sobre suas
concepções de campo e cultura camponesa e dinamizem as
formas de utilização dos LDs.
Palavras-chave: Ensino de Ciências, Escola do Campo, Livro
didático.
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Uses of the Science textbook in a rural school
ABSTRACT. The general objective of this study is to
understand the use of the Didactic Book (LD) of Natural
Sciences in classes from 6th to 9th year of rural schools.
Specifically, the research aimed to know the methodological
uses of the Natural Sciences LD in classes from the 6th to the
9th year of elementary school in rural schools and to identify
how teachers use the LD of Natural Sciences. Descriptive
research was carried out, with a qualitative approach, since this
type of research was the one best suited to the object and
objectives of the study. Data collection instruments, simple
observation and interview were used as instruments. The study
was carried out in one of the rural located in the municipality of
Juazeiro do Piauí. The interlocutors were two teachers who
works with the curricular component of Natural Sciences and
who joined the research in a free and conscious way. The results
point out that methodological tensions in the use of the Natural
Sciences LD, include failures in the selection process and the
availability by the Ministry of Education (MEC) of materials
that do not value peasant reality. Thus, it is necessary to
implement continuous training processes through which teachers
reflect on their conceptions of rural and peasant culture and
dynamize the ways of using LDs.
Keywords: Teaching Science, Rural School, Textbook.
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Utilizaciones del libro didáctico de la Ciencia en una
escuela rural
RESUMEN. El objetivo general de este estudio es comprender
la utilización del Libro Didáctico (LD) de Ciencias Naturales en
grupos del al año de escuelas del campo. En concreto, la
investigación objetivó conocer los usos metodológicos del LD
de Ciencias Naturales en grupos del 6º al 9º año de la Enseñanza
Fundamental de escuelas del campo e identificar cómo los
profesores utilizan el LD de Ciencias Naturales. Se realizó una
investigación descriptiva, de abordaje cualitativo, por ser ese
tipo de investigación lo que mejor se adecuó al objeto y
objetivos del estudio. Se utilizó como instrumentos de
recolección de datos, la observación simple y la entrevista. El
estudio se llevó a cabo en una escuela de campo ubicada en el
municipio de Juazeiro do Piauí. Las interlocutoras fueron dos
profesores que trabajan con el componente curricular de
Ciencias Naturales y que se adhirieron a la investigación de
forma libre y consciente. Los resultados apuntan que las
tensiones metodológicas en la utilización del LD de Ciencias
Naturales, incluyen fallas en el proceso de elección y la puesta a
disposición, por el Ministerio de Educación (MEC), de
materiales que no valoran la realidad campesina. De esta forma,
es necesario la implementación de procesos de formación
continuada a través de los cuales, los docentes reflexionan sobre
sus concepciones de campo y cultura campesina y dinamizan las
formas de utilización de los LDs.
Palabras clave: Enseñanza de Ciencias, Escuela Rural, Libro
Didáctico.
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Introdução
O Livro Didático (LD) é um
instrumento de ação docente, um produto
social que, apesar de estar aparentemente
pronto e acabado, torna-se vivo e
dinâmico, a partir das relações
estabelecidas entre os sujeitos da ação
pedagógica: professor e aluno. Pela sua
relevância no processo de ensino e
aprendizagem, tem ocupado lugar de
destaque e convergência nas discussões
dos mais diversos sujeitos legisladores,
avaliadores, mercado editorial, professores,
pesquisadores, entre outros que,
preocupados em observá-lo, baseiam suas
análises a partir de variados ângulos.
Estudos realizados por Lima (2012,
p. 02) informam que, entre esses olhares,
estão aqueles que o defendem como
ferramenta de trabalho do professor no
interior da escola e, por outro lado, aqueles
que o acusam de ser um mero instrumento
a serviço da dominação que impera nas
sociedades de classe, consequentemente,
um instrumento que subjuga os sujeitos do
processo de ensino e aprendizagem,
professor e aluno, a “engolirem verdades”,
milimetricamente emolduradas. Uma
terceira vertente, consiste naqueles que
acreditam ser o livro apenas uma
ferramenta e que, a partir da formação do
professor e de sua competência analítica e
cognitiva, poder-se fazer dessa
ferramenta um aliado; logo, não seria ele
o livro nem herói nem vilão (Lima,
2012).
No âmbito da Educação do Campo,
as discussões sobre o uso do LD são
polêmicas, uma vez que essa perspectiva
educacional tem como princípios, o
respeito à diversidade do campo em seus
aspectos sociais, culturais, ambientais,
políticos, econômicos, de gênero,
geracional e de raça e etnia; e a valorização
da identidade da escola do campo, por
meio de projetos pedagógicos com
conteúdos curriculares e metodologias
adequadas às reais necessidades dos alunos
do campo, bem como, a flexibilidade na
organização escolar, incluindo adequação
do calendário escolar às fases do ciclo
agrícola e às condições climáticas, entre
outros (Brasil, 2005).
De fato, esse material de apoio aos
professores, utilizado de forma monótona e
prescritiva, pode dificultar que a
abordagem dos conhecimentos escolares
seja feita de forma contextualizada, não
valorizar os saberes e as potencialidades
existentes nas comunidades e não
contribuir para o desenvolvimento de uma
educação dotada de sentido e significado,
capaz de colaborar para a transformação do
espaço camponês.
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Considerando o exposto, o presente
estudo partiu do seguinte problema: que
tensões metodológicas existem na
utilização do LD de Ciências Naturais em
turmas do ao ano do Ensino
Fundamental? A definição deste problema
foi delineada a partir de questões
norteadoras. A primeira é a concepção de
que o LD é um instrumento/ferramenta de
trabalho muito presente no sistema de
educação formal e, certamente, nas salas
de aula das escolas brasileiras. É através
dele que se materializam as estruturas
curriculares definidas, a priori, a partir dos
interesses de uma dada sociedade, para um
determinado grupo dentro da educação
formal, com base nas formas de enxergar o
mundo e as pessoas usuárias dessa
ferramenta. Portanto, constitui um espaço
privilegiado para disseminação das
diversas ideologias, interesses, discursos e
valores.
A segunda questão é que o LD é uma
construção, instrumento de ação docente e,
ao mesmo tempo, um produto social, que
pode se tornar dinâmico no espaço da
escola, a partir das relações que os sujeitos
da ação pedagógica estabelecem nos seus
diferentes usos, eximindo-o da ideia de que
seja um material pronto e acabado, a fim
de ser consumido por professores e alunos.
Desse modo, houve prevalência das
proposições da primeira questão, uma vez
que se percebeu a falta de criatividade e
criticidade na utilização desse recurso.
A proposta deste estudo aflorou a
partir das vivências de uma das autoras
como estagiária do Curso de Licenciatura
em Educação do Campo, fato que
possibilitou perceber que o LD é um dos
principais materiais de suporte de trabalho
docente para abordagem dos
conhecimentos escolares. O objetivo geral
foi compreender a utilização do LD de
Ciências Naturais em turmas do ao
ano em escolas do campo.
Especificamente, a pesquisa objetivou
conhecer os usos metodológicos do LD de
Ciências Naturais em turmas do ao
ano do Ensino Fundamental de escolas do
campo e identificar como os professores
utilizam esse recurso nos anos finais do
Ensino Fundamental.
Dessa forma, pesquisar as tensões
metodológicas que existem na utilização
do LD é relevante, pois contribui para a
produção de conhecimentos científicos e
reflexões teóricas na área, possibilitando
aos leitores e pesquisadores,
conhecimentos sobre essa política pública,
bem como, os conflitos e as tensões que
estão envoltas na sua utilização e suas
possíveis contribuições para o ensino de
Ciências Naturais e para a Educação do
Campo.
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Metodologia
Foi realizada pesquisa descritiva, de
abordagem qualitativa, por ser esse tipo de
pesquisa o que melhor se adequou ao
objeto e aos objetivos deste estudo. A
respeito desse tipo de pesquisa, Chizzotti
(2006, p. 28) afirma que o “termo
qualitativo implica uma partilha densa com
pessoas, fatos e locais que constituem
objetos de pesquisa, para extrair desse
convívio os significados visíveis e latentes
que somente são perceptíveis a uma
atenção sensível”.
O cenário da pesquisa foi uma escola
do município de Juazeiro do Piauí-PI. Esta
dispõe de 13 turmas, sendo uma
multisseriada, composta por alunos do e
ano do Ensino Fundamental; as demais
turmas são seriadas e atendem a alunos do
ao ano. A instituição conta com 27
funcionários, sendo 18 professores; o
número total de alunos é de 135, sendo 65
matriculados no turno da manhã e 70 no
turno da tarde.
Os interlocutores do estudo foram
professoras que trabalham com a disciplina
de Ciências Naturais, que aderiram à
investigação de forma livre e consciente.
Neste estudo, serão denominadas de ML e
AK para preservar suas identidades. ML
possui 45 anos de idade, 20 dedicados ao
magistério; 8 anos ministra aulas de
Ciências Naturais, mas não possui
formação específica na área. AK possui 28
anos de idade, 5 anos dedicados à
docência, trabalha com Ciências apenas
1 ano, também não possui formação
específica na área.
Para atingir o objetivo da pesquisa,
foram utilizados como instrumentos de
produção de dados a observação simples, o
questionário e a entrevista. Segundo Gil
(2011), a observação simples se constitui
em um elemento fundamental para a
pesquisa, pois desempenha papel
imprescindível na sua feitura, sobretudo,
na fase de produção dos dados. Também é
caracterizada como aquela em que o
pesquisador observa de maneira
espontânea os fatos que ocorrem em torno
do objeto de estudo. No entanto, esse tipo
de observação requer um mínimo de
controle na obtenção dos dados, exigindo
do pesquisador não apenas a coleta dos
dados, mas a análise e a interpretação
destes, para posterior sistematização (Gil,
2011). A observação foi feita em turmas do
ao ano do Ensino Fundamental,
especificamente nas aulas de Ciências
Naturais. O controle dos dados foi
realizado através de um roteiro de
observação e um diário para fazer
anotações.
Sobre a entrevista, Lakatos e
Marconi (1992) consideram que se trata de
uma técnica de uso e produção de dados,
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através da qual, o investigador se coloca
frente ao sujeito investigado, formulando
perguntas, com o objetivo de produzir
dados que lhe servirão de orientação.
Nesse caso, é empregado para obtenção de
informações sobre o que as pessoas sabem,
acreditam, esperam, sentem, desejam,
pretendem fazer, fazem ou fizeram, com
relação ao tema da pesquisa, a sua vida e a
formação em relação à leitura.
Os dados foram organizados,
categorizados e analisados com o auxílio
da técnica da análise de conteúdo (Bardin,
2011), que envolve descrição objetiva e
sistemática do conteúdo manifestado nos
dados dos interlocutores. Essa técnica de
análise consiste em desmontar a estrutura e
os elementos de determinado conteúdo
para elucidar suas diferentes características
e fornecer a extração de sua significação
para a compreensão dos saberes docentes
vinculados aos diversos usos do LD.
Aspectos históricos e legais sobre o
Livro Didático no Brasil
A trajetória de utilização do LD no
Brasil, em 2019, demarca 75 anos de
história, com períodos de lentidão, que
deram lugar a cronogramas, definição de
recursos, cuidados com a qualidade, adesão
dos professores, enfim, a um conjunto de
ações que levou a estruturação do atual
Programa Nacional do Livro Didático do
Ministério da Educação (PNLD/MEC).
As primeiras iniciativas referentes à
elaboração e à disponibilização de material
didático surgiram, no Brasil, inicialmente
em 1929, ainda de forma tímida e
insatisfatória. Somente com o passar dos
anos é que houve avanço nos processos de
aquisição e distribuição desse instrumento
para as instituições públicas de ensino.
Um dos principais desafios foi
sempre a disponibilização de recursos
públicos para atender à demanda de alunos
matriculados na Educação Básica, sendo
que, inicialmente, os livros eram
disponibilizados apenas para o Ensino
Fundamental e somente depois, foi
possível o acesso desse material para o
Ensino Médio e outras modalidades de
educação, como a Educação de Jovens e
Adultos (EJA), a Educação Especial e a
Educação do Campo.
Um importante fato na trajetória
histórica do LD foi a implantação do
Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD), criado através do Decreto
91.542, de 19 de agosto de 1985, com o
intuito de apresentar livros com os
conteúdos mais organizados e, também,
promover a distribuição destes, por todo o
território brasileiro.
Sobre esse programa, Souza e Soares
(2011, p. 2) esclarecem que:
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O Programa Nacional do Livro
Didático é o maior programa mundial
em distribuição gratuita deste
material educativo. Livros de várias
disciplinas como português,
matemática, ciências, história e
geografia, dicionários linguísticos e
enciclopédicos, CDs, atlas etc. são
distribuídos gratuitamente para
alunos da rede pública de ensino.
Assim, graças ao PNLD, estudantes
de todo o país, matriculados no Ensino
Fundamental e Médio, nas diferentes
modalidades de educação, têm acesso ao
LD e também a demais materiais
complementares, como dicionários,
enciclopédias e outros recursos, que são de
fundamental importância para o processo
de ensino e aprendizagem.
No que se refere aos aspectos legais,
o Brasil possui ampla legislação que trata
sobre o dever do Estado quanto à
disponibilização de investimentos para
aquisição de materiais didáticos e
pedagógicos. Em seu Art. 4º, a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Brasileira
(LDB 9.394/96) afirma que o dever do
Estado com educação escolar pública será
efetivado mediante a garantia de
atendimento ao educando, em todas as
etapas da Educação Básica, por meio de
programas suplementares de material
didático-escolar e insumos indispensáveis
ao desenvolvimento do processo de ensino
e aprendizagem. Portanto, sendo o LD
recurso de fundamental importância para a
aprendizagem dos alunos, supõe-se afirmar
que a referida lei trata sobre esse material.
Em se tratando especificamente das
escolas do campo, o Decreto 7.352, de 04
de novembro de 2010, afirma em seu Art.
1º § 4º que:
A Educação do Campo concretizar-
se mediante a oferta de formação
inicial e continuada de profissionais
da educação, a garantia de condições
de infraestrutura e transporte escolar,
bem como de materiais e livros
didáticos, equipamentos,
laboratórios, biblioteca e áreas de
lazer e desporto adequados ao projeto
político-pedagógico e em
conformidade com a realidade local e
a diversidade das populações do
campo. (Brasil, 2010a, p. 1).
O Decreto é claro ao definir
condições para que a Educação do Campo
seja desenvolvida com qualidade
socialmente referenciada, definindo,
inclusive, condições de trabalho para os
professores e de aprendizagem para os
alunos, entre elas, a disponibilidade de LD,
em conformidade com a diversidade das
populações camponesas; contudo, nas
seções de observação simples, evidenciou-
se que existem desafios, entre eles: a
estrutura precária dos espaços físicos e a
ausência de materiais didáticos
contextualizados.
Nesse contexto, é pertinente abordar
o que está posto no Art. do Decreto
7.084, de 27 de janeiro de 2010, o qual
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trata especificamente da funcionalidade
das ações do PNLD, segundo o qual:
Os programas de material didático
executados no âmbito do Ministério
da Educação são destinados a prover
as escolas de educação básica pública
das redes federal, estaduais,
municipais e do Distrito Federal de
obras didáticas, pedagógicas e
literárias, bem como de outros
materiais de apoio à prática
educativa, de forma sistemática,
regular e gratuita (Brasil, 2010b, p.
2).
Nas seções de observação simples foi
possível perceber que, além dos LDs, as
escolas também contam com considerável
acervo de obras pedagógicas e literárias.
Os livros de Literatura Infantil compõem
os cantinhos de leitura e são utilizados com
frequência pelas professoras,
principalmente, as que atuam na Educação
Infantil e nos anos iniciais do Ensino
Fundamental. Nos anos finais desse nível
de ensino, existe pouco incentivo para a
formação de alunos leitores, assim como a
utilização de materiais distribuídos pelo
Ministério da Educação (MEC).
No tocante à avaliação do LD, o
Decreto 7.084/2010, precisamente em seu
Art. 19º, aponta que a avaliação
pedagógica dos LDs no âmbito do PNLD
deve ser realizada com base em critérios
comuns e critérios específicos para os
diversos componentes curriculares,
considerando-se, necessariamente, sem
prejuízo de outros:
I - o respeito à legislação, às
diretrizes e normas gerais da
educação;
II - a observância de princípios éticos
necessários à construção da cidadania
e ao convívio social republicano;
III - a coerência e adequação da
abordagem teórico-metodológica;
IV - a correção e atualização de
conceitos, informações e
procedimentos;
V - a adequação e a pertinência das
orientações prestadas ao professor; e
VI - a adequação da estrutura
editorial e do projeto gráfico. (Brasil,
2010b, p. 2).
Refletindo sobre isso, cabe salientar
que, mesmo assim, esse material ainda
chega às escolas com qualidade abaixo do
esperado pelos educadores, e é muito
comum também, ser distribuído nas
escolas em quantidade insuficiente para os
alunos, uma vez que esta distribuição é
feita com base nos dados do censo
educacional do ano anterior.
No âmbito dos anos finais do Ensino
Fundamental, os materiais didáticos
distribuídos para os alunos das escolas do
campo possuem as mesmas características
dos que são distribuídos para escolas da
zona urbana; no entanto, o ideal é que
esses materiais, ao serem produzidos,
considerem as especificidades do campo,
contemplem conteúdos que possam
caracterizar o contexto desses indivíduos,
pois como é que esses sujeitos
desenvolverão saberes e conhecimentos
significativos, se os conteúdos abordados
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não o permitirem? Esta indagação é feita
considerando a riqueza dos saberes das
populações campesinas, principalmente,
levando em conta o contato que se tem
com a natureza diariamente e que pode ser
discutido no componente curricular de
Ciências Naturais.
Não significa dizer que é preciso
disponibilizar LDs contendo apenas
conteúdos sobre a realidade do campo, mas
que esse recurso possa contemplar aspectos
gerais e específicos, que possibilitem a
formação humana e a valorização da
cultura, dos costumes, das tradições e dos
saberes dos sujeitos do campo. Assim, a
utilização de materiais e LDs que tomem
as realidades campesinas como referência é
um dos passos importantes para a
construção, pelas novas gerações, de
vínculos positivos com o campo.
Os diversos usos metodológicos do Livro
Didático
O LD é um instrumento utilizado no
processo de ensino e aprendizagem pelos
professores e alunos. Trata-se de uma
tradição tão forte dentro da educação
brasileira, que o seu acolhimento
independe da vontade e da decisão dos
professores. “Não é à toa que a imagem
estilizada do professor apresenta-o com um
livro nas mãos, dando a entender que o
ensino, o livro e o conhecimento são
elementos inseparáveis, indicotomizáveis”
(Silva, 1996, p. 8).
Lajolo (1996) conceitua o LD como
um material escrito, editado, vendido e
comprado, utilizado em aulas e cursos de
forma sistemática. Reforça que, em países
como o Brasil, marcado por precaríssima
situação educacional, esse material, de uso
predominante, determina os conteúdos e
condiciona as estratégias de ensino, de
forma decisiva. Desse modo, embora não
seja o único material didático utilizado por
alunos e professores, ele pode ser decisivo
no processo, fato que justifica a
necessidade, cada vez maior, de ampliação
de olhares para a utilização desse material
nas escolas.
Sobre esse recurso, Silva (1996)
afirma que seu uso pelos professores é
influenciado pela organização do ensino,
pelo valor atribuído a esse material pelos
gestores públicos e docentes, bem como,
pela influência que as editoras exercem,
com o objetivo de vendê-los para as
escolas, conforme se pode inferir:
Sustenta essa tradição o olhar
saudosista dos países, a organização
escolar como um todo, o marketing
das editoras e o próprio imaginário
que orienta as decisões pedagógicas
do educador. E aprender, dentro das
fronteiras do contexto escolar,
significa atender às liturgias do livro,
dentre as quais se destaca aquela do
livro “didático”: comprar na livraria
no início de cada ano letivo, usar o
ritmo do professor, fazer as lições,
chegar à metade ou aos três quartos
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dos conteúdos ali inscritos e dizer
amém, pois é assim mesmo (e
somente assim) que se aprende.
(Silva, 1996, p. 8).
Diante dessa afirmação, é perceptível
que a existência do LD tem grande
dimensão no ensino, sendo um instrumento
tradicionalmente muito utilizado; contudo,
se o educador não tiver habilidade para
trabalhar com aquele de forma crítica e
criativa, o processo de ensino e
aprendizagem não passará da reprodução e
memorização de conteúdos,
desconsiderando assim, a proposta ideal,
que é a construção do conhecimento.
Lajolo (1996, p. 8) afirma que, caso
o professor utilize esse material de forma
crítica e consciente, explicitando suas
concepções de educação e as teorias que
fundamentam a disciplina de que se ocupa
o livro, ele pode se transformar em um
material de referência para a prática
docente, uma vez que “o pior livro pode
ficar bom na sala de um bom professor e o
melhor livro desanda na sala de um mau
professor, uma vez que o livro é apenas um
instrumento auxiliar da aprendizagem”.
Em se tratando do ensino de Ciências
Naturais nas escolas do campo, cabe
salientar a importância do texto escrito
para facilitar a discussão de conceitos e
fatos. Outro aspecto de fundamental
importância é conter exercícios que
promovam a fixação dos conteúdos, dispor
da presença de esquemas e figuras, que
facilitem o entendimento do conteúdo,
pois, na medida em que o professor faz a
leitura dos textos, deve fazer também, o
estudo dos esquemas e das figuras para
facilitar a compreensão dos alunos.
Apesar de ser importante, a sua
utilidade é eficiente somente até certo
ponto. Isso se afirma pelo fato de não
serem descartadas as possibilidades de
erros. Considerando isso, o professor
precisa ter um olhar bastante crítico para
detectar possíveis erros e evitar que eles
sejam reproduzidos, comprometendo,
assim, o aprendizado dos educandos.
Também é preciso ficar atento se os
conteúdos são apresentados de forma
descontextualizada, com quantidade de
informações abaixo do necessitado,
desfavorecendo a discussão sobre eles,
bem como, dificuldades de relacioná-los
com os saberes dos estudantes. Nesse
sentido, a contextualização de materiais e
LDs precisa ser compreendida como
exercício teórico e prático de ampliação da
abordagem pedagógica no processo de
ensino e aprendizagem e deve vir
acompanhada do mesmo exercício por
parte de educadores e educadoras, quer
sejam do campo ou da cidade.
Os coletivos de educadores do
campo e os movimentos sociais, que
possuem experiências em trabalhar os
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conteúdos de forma contextualizada, têm
defendido o uso de materiais e livros
contextualizados, numa perspectiva de
diálogo com realidades mais amplas e não
de restrição a um contexto rural,
pretensamente puro ou idealizado.
Diante de todos esses detalhes, é
óbvio que os LDs não devem ser utilizados
como único recurso no processo de ensino
e aprendizagem. A respeito dessa questão,
Moreira e Candau (2008, p. 2) apontam
que:
Uma educação de qualidade deve
permitir ao estudante ir além dos
referentes de seu mundo cotidiano,
assumindo-o e ampliando-o, de modo
a tornar-se um sujeito ativo na
mudança de seu contexto. Para que
isso ocorra, são indispensáveis
conhecimentos e experiências
escolares que garantam ao aluno uma
visão acurada da realidade em que
está inserido (favorecendo lhe uma
ação consciente no mundo imediato)
e que contribuam para a expansão de
seu universo cultural.
Quando se utiliza os LDs como único
recurso, a educação não acontece na
horizontalidade, de forma transformadora,
na perspectiva da libertação e da
emancipação. Pelo contrário, o ensino
ocorre de forma isolada e distante da
realidade dos estudantes, que o livro é
uma ferramenta que não apresenta tudo
aquilo que é necessário ser abordado.
É fundamental que o professor
procure ter conhecimento antecipado dos
conteúdos dos LDs. Nesse contexto,
Libâneo (1990, p. 146) afirma que:
Ao selecionar os conteúdos da rie
em que irá trabalhar, o professor
precisa analisar os textos, verificar
como são abordados os assuntos,
para enrique-los com sua própria
contribuição e a dos alunos,
comparando o que se afirma com
fatos, problemas, realidades da
vivência real dos alunos ... Ao
recorrer ao livro didático para
escolher os conteúdos, elaborar o
plano de ensino e de aulas, é
necessário ao professor o domínio
seguro da matéria e bastante
sensibilidade crítica.
Assim, é necessário que, cada vez
mais, os professores observem os LDs
detalhadamente, para perceber quais são as
desvantagens que eles trazem consigo, bem
como, para pensar em estratégias que
promovam o ensino contextualizado,
dialogando com a realidade dos sujeitos. O
LD é um recurso de fundamental
importância para as escolas públicas e, por
desfrutar dessa relevância, foi incluído nas
políticas educacionais, como o PNLD, por
exemplo, fazendo com que o poder público
cumpra sua parte na garantia de materiais
didáticos e pedagógicos que contribuam
para a qualidade da educação.
Portanto, os LDs contribuem para o
processo de ensino e aprendizagem, mas é
necessário saber utilizá-los, para que
possam, de fato, cumprir esse papel.
Quando não contemplarem a realidade dos
sujeitos do campo, a prática do professor
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demanda amplas reflexões a respeito desse
material, cabendo a esse profissional,
selecionar materiais complementares, para
que seja possível relacionar com o
cotidiano dos alunos, com o olhar
minucioso, a fim de identificar aspectos
que não sejam relevantes ou que possam
prejudicar o aprendizado dos educandos.
O Livro Didático no ensino de Ciências
das escolas do campo: revelações das
professoras
Neste estudo, foi constatado que, na
prática das duas professoras interlocutoras,
o LD é utilizado como principal recurso. A
respeito dessa questão, ML afirmou que
utiliza o livro em quase todas as suas aulas;
e AK informou que utiliza em todas as
aulas, mesmo quando usa outros recursos.
Sobre essas constatações, Menezes e
Santos (2001, p. 1) apontam também que:
... é um material pedagógico
considerado o mais tradicional e
certamente o mais utilizado nas
escolas. O Banco Mundial situa o
livro em quarto lugar de importância
na aprendizagem dos alunos. Já a
UNESCO considera o livro como o
“suporte mais fácil de manejar e mais
econômico”. No Brasil, a política
educacional considera o livro
didático como “um dos principais
insumos da instituição escolar”.
Não há dúvidas sobre a relevância
atribuída ao LD, seja no âmbito das
políticas educacionais, seja no âmbito da
prática docente. Nas seções de observação
simples, foi evidenciado que o LD é
utilizado diariamente pelas duas
professoras, em todas as aulas, enfocando a
discussão dos conteúdos dispostos nesse
material e a realização de exercícios
propostos. A única exceção registrada, foi
em uma aula em que a professora ML
realizou uma dinâmica na qual a cada
aluno foi solicitado a escolher o nome de
uma árvore e que, na sequência, fizesse
uma defesa sobre a preservação do meio
ambiente, estimulando reflexões sobre a
importância da natureza. Isso não estava no
livro, mas ela trouxe esse momento para
enriquecer a aula.
No âmbito da utilização desse
recurso didático, vale refletir que, em
algumas práticas, sua utilização supera as
históricas e conhecidas formas de ensino
baseadas na memorização mecânica de
conteúdos, abrindo espaços para uma
abordagem mais dinâmica, significativa e
inclusiva, do ponto de vista dos alunos. Em
outras situações, o LD é utilizado como um
mero instrumento de trabalho, que não
contempla a realidade dos alunos e acaba
por não atrair o interesse dos mesmos.
Segundo Libâneo, Oliveira e Toschi
(2003), a escola deve oferecer aos
educandos oportunidades para que
desenvolvam suas capacidades,
potencialidades e habilidades. Uma das
formas de garantir a aprendizagem
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significativa é a abordagem de conteúdos
que favoreçam a compreensão da realidade
social na qual estão inseridos. Nesse
aspecto, o LD se apresenta como recurso
relevante para a abordagem dos conteúdos,
bem como, para o desenvolvimento dos
aspectos cognitivos, mas precisa ser
explorado de forma criativa e significativa.
Diante disso, os LDs podem ser
considerados como instrumentos que
auxiliam a aprendizagem dos alunos,
cabendo aos professores, a
responsabilidade pela definição de usos
desse recurso, contextualizando os seus
conteúdos, relacionando-os com a
realidade dos estudantes, bem como,
fazendo complementações, através de
pesquisas, atividades, leituras extras, entre
outras possibilidades.
De posse do LD, os professores
devem planejar e desenvolver situações de
ensino e aprendizagem que favoreçam a
ampliação do senso crítico do alunado,
instigando-os a relacionar os conteúdos
com o meio social em que vivem e com as
diferentes relações de poder que envolvem
a produção e socialização do
conhecimento. Segundo Gadotti (2003, p.
53), o profissional da educação precisa:
... perguntar-se: por que aprender,
para quê, contra quê, contra quem. O
processo de aprendizagem não é
neutro. O importante é aprender a
pensar, a pensar a realidade e não
pensar pensamentos já pensados. Mas
a função do educador não acha aí: é
preciso pronunciar-se sobre essa
realidade que deve ser não apenas
pensada, mas transformada.
Nesse contexto, vale destacar que o
componente curricular Ciências Naturais
pode ser entendido como um conjunto de
conhecimentos, um campo de estudo muito
interessante. Além disso, se constitui como
um componente obrigatório no currículo
do Ensino Fundamental. Uma das
principais importâncias do ensino desta
disciplina, segundo os Parâmetros
Curriculares Nacionais, é:
mostrar a Ciência como um
conhecimento que colabora para a
compreensão do mundo e suas
transformações, para reconhecer o
homem como parte do universo e
como indivíduo, é a meta que se
propõe para o ensino da área na
escola fundamental. (Brasil, 1997, p.
21).
Nesse sentido, é necessário que os
professores dessa disciplina desenvolvam
situações de ensino que favoreçam uma
maior aproximação das atividades
escolares com a realidade dos alunos,
almejando que eles conheçam e
problematizem a realidade social na qual
estão inseridos, bem como, questionem as
diferentes formas de relação do ser
humano com a natureza e suas implicações
para a continuidade da vida no planeta
Terra.
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Desse modo, o ensino de Ciências
Naturais nas escolas do campo requer
maior valorização, organização e
planejamento escolar, vinculados com a
realidade e as vivências dos estudantes,
criando condições fundamentais para a
utilização e o aproveitamento significativo
dos diferentes tempos e espaços de
formação disponíveis na escola e no seu
entorno.
No que se refere à concepção das
professoras sobre o LD, AK considera que
esse recurso atende a todas as suas
necessidades; ML enfatizou notar
deficiências, sobretudo, no que se refere a
itens relativos à abordagem da realidade
dos alunos. Reforça que:
O livro didático é um recurso
auxiliar e não o objeto principal
para o professor desenvolver seu
trabalho, pois observo que não
atende às necessidades de
aprendizagens dos meus alunos.
Para resolver esse problema eu
desenvolvo estratégias para
enriquecer o ensino. (Dados da
entrevista).
De fato, no ensino de Ciências
Naturais é importante que o professor faça
opção por recursos que garantam a
explanação dos conteúdos, articulando-os
com a realidade dos alunos, de maneira
que estes reconheçam os diferentes
elementos da natureza e as relações de vida
no planeta. A respeito dessa questão, os
Parâmetros Curriculares Nacionais para o
Ensino de Ciências afirmam que:
São divulgadas críticas ao ensino de
Ciências centrado na memorização
dos conteúdos, ao ensino
enciclopédico e fora de contexto
social, cultural ou ambiental, que
resulta em uma aprendizagem
momentânea, ‘para a prova’, que não
se sustenta a médio ou longo prazo.
Por outro lado, é sabido que aulas
interessantes de ciência envolvem
coisas bem diferentes, como, por
exemplo, ler texto científico,
experimentar e observar, fazer
resumo, esquematizar ideias, ler
matéria jornalística, valorizar ...
dessa forma o conhecimento
científico, que também é construção
humana, pode auxiliar os alunos a
compreenderem sua realidade global
ou regional. (Brasil, 1997, p. 58).
Considerando as proposições da
Educação do Campo, outras fontes
precisam ser utilizadas para suprir os
conhecimentos que o LD não oferece, ou
até oferece, mas necessita de materiais
complementares, para garantir a eficiência
da discussão. Quando o livro é utilizado
como único recurso, a educação acontece
na verticalidade, comprometendo o
desenvolvimento de um olhar crítico,
capaz de entender a sociedade e o mundo
ao seu redor. Diante disso, é confirmada a
necessidade de utilização de outros
recursos didáticos e que o LD seja
utilizado de forma crítica e consciente,
conforme afirma Lajolo (1996).
Ainda sobre a deficiência dos LDs,
ML destacou que encontra dificuldades na
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sua utilização. Segundo ela, o livro
utilizado no 9° ano do Ensino Fundamental
é muito pobre e o contempla os
conteúdos de forma aprofundada. Ressalta
que as questões de cálculos mostram
apenas o resultado e não apresentam o
desfecho, o que é necessário para os alunos
aprenderem com o professor resolvendo
passo a passo. Esta afirmação deixa
implicitamente clara a dificuldade da
professora em compreender e ministrar os
conteúdos dessa disciplina, uma vez que
ela não possui formação na área.
A respeito dessa questão, é válido
ressaltar que existe uma contradição na
formação acadêmica de ambas as
professoras, visto que não são formadas na
área de Ciências da Natureza. Como as
professoras ministram aulas de uma
disciplina em que não foram formadas?
Dominam os conhecimentos específicos
dessa área? Sentem dificuldades? Sobre
isso, cabe salientar que Freire (1983, p.
131), no livro Pedagogia da Esperança,
reforça sua preocupação com a prática
educativa fundamentada, dando ênfase, de
maneira especial, à área de Ciências
Naturais, ao afirmar que:
... ninguém ensina o que não sabe.
Mas também ninguém, numa
perspectiva democrática, deveria
ensinar o que sabe sem, de um lado,
saber o que sabem e em que nível
sabe aqueles e aquelas a quem vai
ensinar o que sabe. De outro, sem
respeitar esse saber, parte do qual se
acha implícito na leitura do mundo
dos que vão aprender o que quem vai
ensinar sabe.
De acordo com esses pressupostos,
ressalta-se a importância da formação
específica e do aprofundamento dos
conhecimentos da área para o exercício da
profissão docente. Desse modo, considera-
se, que tanto a atuação profissional, quanto
os resultados da prática docente na sala de
aula, podem ser mais significativos quando
os professores possuem formação
específica na área de atuação.
Nessa perspectiva, os Parâmetros
Curriculares Nacionais informam que é
importante compreender que cabe ao
professor “selecionar, organizar e
problematizar conteúdos de modo a
promover um avanço no desenvolvimento
intelectual do aluno, na sua construção
como ser social” (Brasil, 1997, p. 28).
Nesse ínterim, questiona-se: como o
professor de Ciências Naturais, sem
formação específica, desenvolve a contento
a sua função? Nesse caso, é necessário que
este busque uma segunda licenciatura, que
a Secretaria Municipal de Educação
desenvolva processos de formação
continuada e forneça apoio pedagógico,
para que os professores superem essas
dificuldades.
Sobre a escolha do LD, somente ML
confessou participar desse processo. Ela
mencionou que o tempo de avaliação é
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pouco, não permitindo que o professor
conheça realmente a qualidade do livro.
Diante disso, percebe-se que existem
falhas no processo de seleção dos LDs,
cabendo aos gestores escolares e à
Secretaria Municipal de Educação,
assegurarem tempos e espaços para que os
docentes avaliem verdadeiramente os
livros e selecionem aqueles que
consideram como sendo os melhores, uma
vez que um importante passo na boa
utilização do LD é o processo de escolha
pelos professores. Sobre essa questão,
Lajolo (1996, p. 4) informa que “a escolha
e a utilização do livro didático precisam ser
fundamentadas na competência dos
professores que, junto com os alunos, vão
fazer dele instrumento de aprendizagem”.
Nesse contexto, Ribas e Buzen
(2015) apontam os principais itens que
precisam ser questionados pelos
professores no processo de escolha do LD,
dentre eles: se a seleção de conteúdos
(objetos a ensinar) é adequada; se a
sequência em que os conteúdos são
apresentados é coerente com as metas de
aprendizagem definidas pela escola; se o
conjunto de conteúdos, assim como a
abordagem didática dada a eles, é
adequado ao perfil dos alunos da escola; se
a obra contempla os núcleos mais
importantes do trabalho da área disciplinar,
tendo em vista, os objetivos de formação e
as aprendizagens estabelecidos para os
anos escolares; se o projeto gráfico da obra
é adequado aos interesses e as
necessidades dos alunos; se o Manual do
Professor contribui de forma significativa
para o trabalho docente.
No que se refere ao processo de
escolha do LD, muitos aspectos devem ser
considerados, por exemplo, é importante os
professores verificarem se esse material
apresenta textos informativos, ilustrações,
diagramas e tabelas, sugestão de
exercícios, proposição de experiências e
pesquisas, entre outras atividades e
conteúdos, cuja leitura favoreça a
aprendizagem dos estudantes, uma vez
que:
A apropriação de seus conceitos e
procedimentos pode contribuir para o
questionamento do que se e ouve,
para a ampliação das explicações
acerca dos fenômenos da natureza,
para a compreensão e valoração dos
modos de intervir na natureza e de
utilizar seus recursos, para a
compreensão dos recursos
tecnológicos que realizam essas
mediações, para a reflexão sobre
questões éticas implícitas nas
relações entre Ciência, Sociedade e
Tecnologia. (Brasil, 1997, p. 21-22).
Avaliando essa questão, entende-se
que o ensino de Ciências Naturais traz
consigo a tendência ao desenvolvimento da
investigação, como forma de aprendizagem
dos conteúdos, compreendendo que é
através da pesquisa que são desenvolvidas
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as capacidades de enxergar os fenômenos
explicados por essa disciplina. Desse
modo, o LD precisa dispor de atividades e
orientações que estimulem o
desenvolvimento da pesquisa, estimulem a
realização de experimentos, aulas práticas,
entre outras possibilidades.
O fato é que, na atualidade, são
presenciados acontecimentos sociais,
políticos e econômicos, bem como,
avanços científicos e tecnológicos, e,
assim, a escola precisa ter a capacidade de
interagir com todas essas informações,
transformando-as em conhecimentos
escolares, “fazendo-se palco do grande
diálogo de linguagens e de códigos que,
porque existem na sociedade, precisam
estar presentes na escola, sendo o livro
didático um bom portador para elas”
(Lajolo, 1996, p. 5).
Para tanto, o material didático e a
metodologia aplicada dirão muito sobre o
resultado do trabalho educativo. Quanto a
isso, Krasilchik (1987, p. 45) ressalta que
“o professor é o elemento do sistema que
tem acesso direto e contato contínuo com
os estudantes ... É ele também quem
decide, em última instância, sobre a
utilização dos materiais didáticos”.
Portanto, são muitos aspectos
relativos ao uso dos LDs, necessários de
atenção no que diz respeito a esse material,
desde o processo de escolha, pois este diz
muito sobre a qualidade de livro que
chegará às escolas. Contudo, acontecendo
de forma insatisfatória, certamente
ocasionará falhas no ensino, dificultando a
aprendizagem dos educandos.
Principalmente, no caso da escola lócus
dessa investigação, onde o LD é o
principal recurso utilizado pelas
professoras no desenvolvimento de suas
aulas.
No entanto, além da escolha é
necessário que as secretarias de educação
desenvolvam ações que favoreçam a
utilização significativa do LD pelos
professores, entre as quais: propiciar e
orientar uma interação adequada entre o
professor e os alunos, em torno dos
conhecimentos a serem ensinados (a
compreensão de um texto, um conceito,
um tipo de raciocínio, um modo de fazer
etc.); colaborar para que os aprendizes e
docentes atinjam os objetivos e as metas
estabelecidas no planejamento escolar;
auxiliar no processo de construção dos
conhecimentos, indicando diferentes
possibilidades e recursos didáticos
adequados.
Além dessas condições estruturais
fornecidas pelas secretarias municipais de
educação, os coordenadores pedagógicos
possuem relevante papel no
desenvolvimento de ações, contribuindo
para a utilização significativa dos LDs,
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entre as quais, aponta-se: fornecer
informações e suscitar reflexões coletivas,
envolvendo professores nos processos de
escolhas e utilização dos LDs; assegurar o
acesso ao Guia de LDs (PNLD/MEC),
além da análise cuidadosa das resenhas
neles contidas e da ampliação de acervos
das obras didáticas propriamente ditas,
para exame do professor; estabelecer
controle de formas de pressões ou
interferências de editoras ou outras
instâncias, alheias ao processo
institucional, para que as decisões de
caráter pedagógico não se submetam a
interesses parciais ou estritamente
comerciais.
No mais, os professores possuem
papel de destaque, uma vez que são eles
quem planejam e desenvolvem situações
de aprendizagem, devendo, assim, levantar
as necessidades de aprendizagens dos
alunos, considerando a sua realidade,
podendo relacionar com os conteúdos
disponíveis nos livros; realizar leitura e
discussão dos conteúdos em grupos,
relacionando com o cotidiano dos alunos;
selecionar os conteúdos, pensando na
importância e na relevância social que
esses possam favorecer ao aprendizado dos
alunos, entre outras situações.
Nesse contexto, as concepções de
aprendizagens estão ligadas ao
conhecimento proposto para os sujeitos e
aos conteúdos selecionados. Desse modo,
as concepções de ensino precisam estar
ligadas à apresentação de conteúdos com
conceitos e metodologias que favoreçam a
leitura de mundo e a formação política e
social dos sujeitos, para que possam
compreender sua realidade e o mundo ao
seu redor.
Vale refletir que, por meio dos
conteúdos, certos grupos sociais podem
expressar sua visão de mundo, ideias
relativas ao modelo de sociedade que se
almejam, as verdades que desejam que
sejam acreditadas dentre outros aspectos. É
perceptível que algumas classes sociais,
que são sujeitos importantes na construção
da sociedade, não são valorizadas pelos
LDs. É preciso desmistificar a ideia de que
os livros estão bons porque foram feitos
por pessoas de muita sabedoria, sem se
questionar e refletir sobre as possibilidades
de tais livros poderem apresentar objetivos
negativos implícitos, que possam
comprometer a transformação e a
emancipação dos alunos.
Daí, a necessidade de outros recursos
didáticos, que possibilitem aos alunos ler
as entrelinhas, que favoreçam a
socialização da riqueza intelectual dos
indivíduos, abrindo possibilidades para que
possam trilhar caminhos de libertação
intelectual, enxergando o mundo por várias
dimensões, reconhecendo-se como sujeitos
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que contribuem para a construção e a
transformação da sociedade.
Considerações finais
Na síntese conclusiva deste estudo, o
texto “Rolha pedagógica” contempla
reflexões sobre o papel dos recursos
didáticos e seus usos na prática
pedagógica, fato que lhe confere potencial
para subsidiar o fechamento dessa
investigação, conforme se observa:
Quadro 1 - Texto reflexivo.
ROLHA PEDAGÓGICA
Um Supervisor Pedagógico visitou uma escola de ensino fundamental. Em seu trajeto observou algo que lhe
chamou a atenção: uma professora estava entrincheirada atrás de seu escritório, os alunos faziam a maior
bagunça; o quadro era caótico.
Decidiu, então, se apresentar:
- Com licença, sou o Supervisor... Algum problema?
- Estou completamente perdida senhor, não sei o que fazer com estas crianças. Não tenho lâminas de
apresentações, não tenho livros, o ministério não envia sequer o mínimo material didático, o tenho recursos
eletrônicos, não tenho nada novo para lhes mostrar, nem o que lhes dizer!
O Supervisor, que era um docente de alma, viu uma rolha sobre o escritório, a tomou, e com serenidade oriental
falou com as crianças:
- Alguém sabe o que é isto?
- Uma rolha! - gritaram os alunos surpresos.
- Muito bem. E de onde vem a rolha?
- Da garrafa. Uma máquina a coloca. De uma árvore. Da cortiça. Da madeira. respondiam as crianças
animadas.
- E o que dá para fazer com madeira? continuava entusiasta o docente.
- Cadeiras. Uma mesa. Um barco!
- Muito bem, então teremos um barco. Quem se anima a desenhá-lo? Quem faz um mapa na lousa e indica o
porto mais próximo para o nosso barquinho? Escrevam a qual Estado brasileiro corresponde. E qual é o outro
porto mais próximo que o é brasileiro? A qual país corresponde? Alguém lembra que personagens famosos
nasceram ali?
- Alguém lembra o que produz esse país? Por acaso, alguém conhece alguma canção desse lugar?
E assim, começou uma aula variadíssima de desenho, geografia, história, economia, música, etc. A professora
ficou muito impressionada. Quando a aula terminou, comovida, disse ao Supervisor:
- Senhor, nunca esquecerei a valiosa lição que hoje me ensinou.
Muitíssimo obrigada!!!
O tempo passou. O Supervisor voltou à escola e procurou pela professora. A encontrou novamente encolhida
atrás de seu escritório, os alunos, outra vez, em desordem total.
- Mas, professora, o que houve? Lembra de mim?
- Mas é claro, como poderia esquecê-lo? Que sorte que o senhor voltou!
Não encontro a rolha. Onde a deixou?
(Autor desconhecido)
Fonte: Recuperado de: http://educa-tube.blogspot.com/2015/03/a-rolha-pedagogica-uma-reflexao-sobre.html.
Acesso em: 30 mar. 2019.
Este texto suscita muitas reflexões
sobre a utilização dos materiais didáticos,
evidenciando que seu uso criativo e crítico
implica que os professores possuam
saberes pedagógicos e conhecimentos
específicos da área de atuação. Tal questão
demanda, necessariamente, que os
docentes passem por processos de
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formação inicial e continuada que os
preparem para a utilização desses recursos.
Além disso, é necessário acompanhamento
e orientação por parte dos coordenadores
pedagógicos, com o propósito de sanar as
dúvidas, as dificuldades e as condições de
trabalho garantidas pelas secretarias de
educação.
A história evidencia que o uso de um
recurso pedagógico pode potencializar a
prática dos professores, favorecendo
melhores resultados na aprendizagem dos
alunos, mas não substitui a ação, a
criatividade desse profissional no
planejamento e no desenvolvimento de
situações de ensino que favoreçam a
aprendizagem.
No âmbito das escolas do campo,
esse processo inclui a aquisição de LDs
que tomem as realidades campesinas como
referência, pois esse é um dos passos
importantes para a construção, pelas novas
gerações, de vínculos positivos com o
campo. Não se trata, porém, apenas de
adquirir livros contextualizados, mas de
participar de processos formativos, através
dos quais, os professores possam mudar as
suas concepções, princípios, crenças sobre
o campo e o que o caracteriza. A
compreensão mais ampla do campo em sua
dinâmica (continuidades e rupturas),
precisa orientar essa contextualização e
ajudar a identificar com qual projeto de
sujeito e de sociedade está vinculado.
É necessário que o professor tenha
sabedoria e responsabilidade na tarefa da
formação humana, pois a partir dos
ensinamentos escolares é oportunizada aos
estudantes a aprendizagem, a obtenção de
conhecimentos. E a forma como esse
conhecimento é ensinado e aprendido,
reflete na sociedade.
Pesquisar sobre o LD possibilitou a
ampliação de conhecimentos sobre a
utilização desse recurso, conhecer os usos
metodológicos em aulas, exclusivamente
de Ciências Naturais numa escola de
Ensino Fundamental, localizada no campo.
Percebe-se que o LD, um material
preparado e distribuído para atender aos
diversos contextos brasileiros, ainda não
atende satisfatoriamente às especificidades
do campo, não valoriza a identidade
camponesa, uma vez que esta é diversa.
Também, não converge para a valorização
da cultura camponesa em seus diversos
aspectos, fato que torna esse material um
instrumento que pode reprimir a formação
de sujeitos críticos e transformadores de
seu meio, como propõe a Educação do
Campo.
A partir da pesquisa ficou evidente
que as professoras fazem dos LDs sua
principal ferramenta de trabalho. No
entanto, seguem seus conteúdos no dia a
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dia, tornando o ensino longe da realidade
dos alunos, já que apresentam conteúdos
distantes do contexto social em eles vivem.
Sabe-se que a ciência é constituída a
partir de rigor teórico e metodológico, que
se relacionam diretamente com os fatos e
os acontecimentos que ocorrem ao nosso
redor. Caso os professores não
oportunizem aos estudantes a percepção e
a investigação desses aspectos, o ensino
torna-se desinteressante e sem sentido para
os educandos.
Portanto, é possível adquirir
conhecimentos abrangentes dentro da
ciência, principalmente, no que se refere à
vida e à natureza, visto que a ciência
explica fatos surpreendentes; no entanto, é
uma temática que deve ser abordada com
recursos apropriados e através de caminhos
possíveis de chegar a resultados
significativos. Do mesmo modo, as aulas
devem ser ministradas por professores com
formação específica na área.
Dessa forma, faz-se necessário a
implementação de processos de formação
continuada, através dos quais os docentes
reflitam sobre suas concepções de campo e
cultura camponesa e dinamizem as formas
de utilização dos LDs nos processos de
ensino e aprendizagem.
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Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 08/06/2019
Aprovado em: 20/01/2020
Publicado em: 28/10/2020
Received on June 08th, 2019
Accepted on January 20th, 2020
Published on October, 28th, 2020
Contribuições no artigo: As autoras foram as
responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for
the designing, delineating, analyzing and interpreting the
data, production of the manuscript, critical revision of the
content and approval of the final version published.
Conflitos de interesse: As autoras declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Raimunda Alves Melo
http://orcid.org/0000-0003-3652-8213
Antonia Pereira de Macedo
http://orcid.org/0000-0003-3185-3164
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Melo, R. A., & Macedo, A. P. (2020). Usos do livro didático
de Ciências em uma escola do campo. Rev. Bras. Educ.
Camp., 5, e6994. http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e6994
Melo, R. A., & Macedo, A. P. (2020). Usos do livro didático de Ciências em uma escola do campo...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e6994
10.20873/uft.rbec.e6994
2020
ISSN: 2525-4863
24
ABNT
MELO, R. A.; MACEDO, A. P. Usos do livro didático de
Ciências em uma escola do campo. Rev. Bras. Educ.
Camp., Tocantinópolis, v. 5, e6994, 2020.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e6994