Revista Brasileira de Educação do Campo
The Brazilian Scientific Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e7037
Tocantinópolis/Brasil
v. 4
e7037
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2019
ISSN: 2525-4863
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Pedagogia da Alternância como possibilidade de
permanência de estudantes camponeses em uma escola da
região do Alto Paranaíba
Gustavo Adriano Ferreira
1
, Verônica Klepka
2
1, 2
Universidade Federal do Triângulo Mineiro - UFTM. Departamento de Educação em Ciências, Matemática e Tecnologias
(DECMT) / Instituto de Ciências Exatas, Naturais e Educação (ICENE). Avenida Randolfo Borges Júnior, 1400, Unidade II -
Bairro Univerdecidade. Uberaba - MG. Brasil.
Autor para correspondência/Author for correspondence: gustavoferreira_kz@hotmail.com
RESUMO. Contemplar as necessidades dos trabalhadores
camponeses é uma das potencialidades propiciadas pela
Pedagogia da Alternância quando assumida como eixo
formativo. No que se refere à EJA, essas experiências são
escassas. Neste artigo, objetivou-se discutir a Pedagogia da
Alternância como contribuição/estratégia à permanência de
estudantes camponeses na escola da EJA-Ensino Médio em um
município do Alto Paranaíba. A pesquisa foi realizada por meio
de entrevistas com alunos do Ensino Médio, trabalhadores do
campo, matriculados na EJA de uma Escola Estadual bem como
com a gestão escolar. A entrevista com a direção escolar
demonstrou que o interesse na Pedagogia da Alternância visa
uma flexibilidade de tempo para os alunos, atendendo a outras
necessidades que não a dos estudos. A análise das entrevistas
com os alunos trabalhadores, nos mostra, por outro lado, que a
alternância é vista como potencial formativo contribuindo para a
redução da infrequência ou evasão escolar nos períodos mais
intensos em suas atividades na safra do café. Nesse sentido, a
Pedagogia da Alternância pode contribuir tanto sob um aspecto
mais instrumental quanto, do ponto de vista emancipatório,
como eixo formativo e reflexivo ao propiciar um olhar para as
demandas em relação a tempo e espaço desses estudantes
camponeses.
Palavras-chave: EJA, Trabalho, Educação do Campo, Evasão,
Pedagogia da Alternância.
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Pedagogy of Alternation as a possibility of permanence of
peasants students in a school of Alto Paranaiba region
ABSTRACT. To contemplate the needs of peasant workers is
one of the potentialities offered by the Alternation Pedagogy
when it is assumed as a formative axis. With regard to EJA,
these experiences are scarce. In this article, the objective was to
discuss the Alternance Pedagogy as a contribution/strategy to
the permanence of peasant students in the EJA in a town of Alto
Paranaíba. The research was conducted through interviews with
high school students, rural workers, matriculate in the EJA as
well as school management. The interview with the school
management showed that interest in Alternation Pedagogy aims
at a flexibility of time for students, attending to other needs than
studies. On the other hand, the analysis of the interviews with
the working students shows that the alternation is seen as a
formative potential contributing to the reduction of infrequence
or school evasion in the most intense periods in its activities in
the coffee harvest. In this sense, the Pedagogy of Alternation
can contribute both in a more instrumental aspect and, from the
emancipatory point of view, as a formative and reflective axis
by providing a look at the demands in relation to time and space
of these peasant students.
Keywords: EJA, Work, Rural Education, Evasion, Alternation
Pedagogy.
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Pedagogía de la Alternancia como posibilidad de
permanencia de estudiantes campesinos en una escuela de
la región del Alto Paranaíba
RESUMEN. Contemplar las necesidades de los trabajadores
campesinos es una potencialidad propiciada por la Pedagogía
del Alternancia cuando asumida como eje formativo. En la EJA,
esas experiencias son escasas. Se objetivó discutir la Pedagogía
de la Alternancia como contribución a la permanencia de
estudiantes campesinos en la escuela de la EJA en un municipio
del Alto Paranaíba. La investigación fue realizada por medio de
entrevistas con alumnos trabajadores del campo, matriculados
en la EJA así como con la gestión escolar. La entrevista con la
dirección escolar demostque el interés en la Pedagogía de la
Alternancia apunta a una flexibilidad de tiempo para los
alumnos, atendiendo a otras necesidades que no la de los
estudios. El análisis de las entrevistas con los alumnos
trabajadores, muestra, por otro lado, que la alternancia es vista
como potencial formativo contribuyendo a la reducción de la
infrecuencia o evasión escolar en los períodos más intensos en
sus actividades en la cosecha del café. La Pedagogía de la
Alternancia puede contribuir tanto bajo un aspecto más
instrumental como desde el punto de vista emancipatorio, como
eje formativo y reflexivo al propiciar una mirada a las demandas
en relación a tiempo y espacio de esos estudiantes campesinos.
Palabras clave: EJA, Trabajo, Educación del Campo, Evasión,
Pedagogía de la Alternancia.
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Introdução
No Brasil, a modalidade de Educação
voltada a Jovens e Adultos (EJA) tem sido
caracterizada por sua realização,
prioritariamente, no período noturno.
Equívoco que impede uma definição
realista da EJA partindo das
especificidades dos sujeitos aos quais
destina-se (Cortada, 2013).
O público da EJA vem se
modificando, especialmente nas últimas
décadas. Observa-se cada dia mais a
juvenilização das turmas (Machado, 2014),
resultado do “castigo” aplicado pelo
sistema escolar aos jovens repetentes e
indisciplinados frequentes no ensino
regular (Roggero, 2013). Mas entre esses
alunos, ainda muito jovens, povoam as
salas de aula da EJA jovens e adultos
também excluídos de outros contextos: “…
numa faixa etária diferenciada,
pertencentes a grupos culturais com
características singulares, excluídos da
escola e à margem do mercado de trabalho
pela condição de não escolarizados”.
(Jardilino & Araújo, 2014, p. 95). Dentre
os excluídos estão ainda outros sujeitos
submetidos a relações desiguais de poder,
saber e dominação. Subalternizados e
oprimidos em sua própria força de trabalho
(Arroyo, 2014). São também desses
sujeitos que a EJA pertence, torna-se fonte
de socialização e, mais que isso, expressão
de resistência (Gomez, 2012). Assim, a
chegada de sujeitos colocados à margem
pela sociedade ao sistema escolar, passa a
interrogar a própria escola, os professores,
os currículos e a organização do espaço.
A caracterização do desemprego e
das formas de trabalho instáveis a
que são submetidos esses jovens e
adultos, além de interrogar os
currículos, interroga, também, a
organização da própria EJA e da
escola, e a organização dos seus
tempos, sobretudo. Uma coisa é o
tempo de um trabalhador que sabe a
hora que entra e a hora que sai nas
oito horas de trabalho, e outra coisa é
o tempo de um sobrevivente em
situações informais de trabalho. Ele
não tem tempo, ou melhor, ele não
controla seu tempo, ou ele tem de
criar o seu tempo a partir dos tempos
de sobrevivência. Consequentemente,
não é um tempo que ele cria como
bem quer. Esse tempo tem de ser
criado em função do ganho de cada
dia. O tempo dele é tão instável
quanto a sua forma de trabalhar.
Diante dessa caracterização dos
tempos de trabalho pela instabilidade,
que tempos de EJA e da escola se
atreverão a ser estáveis?
propostas, ainda raras, da
organização dos tempos construídos
em diálogo entre os tempos escolares
e os tempos de trabalho. Difícil às
escolas quebrar a rigidez de seus
tempos. Muito mais difícil à EJA.
(Arroyo, 2017, p. 61).
Portanto, segundo Oliveira (2016),
falar de educação de jovens e adultos não é
falar apenas de especificidade etária. É a
especificidade cultural, o primordial na
EJA.
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O adulto, para a educação de jovens e
adultos ...é geralmente o migrante
que chega às grandes metrópoles
provenientes de áreas rurais
empobrecidas, filho de trabalhadores
rurais não qualificados e com baixo
nível de instrução escolar (muito
frequentemente analfabetos), ele
próprio com uma passagem curta e
não sistemática pela escola e
trabalhando em ocupações urbanas
não qualificadas, após a experiência
no trabalho rural na infância e na
adolescência ... (Oliveira, 2016, p.
197-198).
Nessa dimensão cultural, dois fatores
podem contribuir para processos de evasão
e repetência na EJA. O primeiro refere-se
ao distanciamento entre a escola e os
alunos, que dela participam; o segundo, é
que o sistema escolar funciona com regras
e linguagem bastante distantes do cotidiano
real das pessoas. Juntos, distanciamento
pessoal e linguagem extremamente
estereotipada levam jovens e adultos da
EJA a se sentirem ainda mais estrangeiros
na cultura escolar, que em nenhum
momento dialoga com sua própria cultura,
tipicamente voltada a alguma forma de
trabalho.
Dentre as possibilidades de articular
os tempos e vivências de trabalho, com os
tempos e vivências do modo escolar, está a
Pedagogia da Alternância.
Um dos pilares da Educação do
Campo, a Pedagogia da Alternância,
significa, entre outras coisas, uma forma de
experienciar a formação, respeitando-se
territórios e tempos. Segundo Nascimento
(2003), a Pedagogia da Alternância é uma
pedagogia de resistência cultural frente à
hegemonia neoliberal existente na
educação brasileira. Nasce justamente
como resposta às problemáticas para a
formação de jovens do meio rural no país
com o objetivo de constituir um modelo
educacional que “responda às necessidades
reais da formação [de camponeses],
integrando sua experiência no campo
produtivo, sua cultura, sua consciência
social, com os conhecimentos técnicos e
científicos necessários ao desenvolvimento
das pessoas, da produção e do seu meio...”.
(Gomes, 2012, p. 11).
A partir desta perspectiva, neste
artigo, apresentamos parte dos resultados
de uma pesquisa de Trabalho de Conclusão
de Curso, feita em 2018 pelo primeiro
autor, na época estudante do Curso de
Licenciatura em Educação do Campo, área
do conhecimento Ciências da Natureza,
com sujeitos camponeses, trabalhadores na
safra de café em um município do interior
de Minas Gerais. Safristas e alunos da
EJA, esses trabalhadores exibem uma
dinâmica própria com a educação e com a
escola, entremeada por ausência nos
períodos de safra, caracterizando, ao olhar
do sistema escolar, o abandono, também
chamado de evasão. Desse modo,
objetivou-se com a pesquisa discutir a
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Pedagogia da Alternância como
contribuição/estratégia à permanência de
estudantes camponeses na EJA-Ensino
Médio de uma escola localizada em um
município do Alto Paranaíba.
A Pedagogia da Alternância como
ferramenta de reação política à exclusão
social de jovens e adultos trabalhadores
As primeiras experiências de
formação por alternância tiveram início no
Brasil em 1960, a partir da Escola Família
Agrícola (EFA). Duas décadas depois,
registra-se a criação das Casas Familiares
Rurais e de para essas experiências
foram crescendo significativamente. Silva
(2010) aponta que no ano de 2006
passavam de 200 o número de Centros
Familiares de Formação por Alternância
(CEFFA’s) no país, o que reflete a
diversidade de exemplos formativos
voltados a jovens e adultos, tendo a
“pedagogia da alternância como um dos
eixos centrais de suas propostas de
formação”. (Silva, 2010, p. 182).
Somando-se a outros sujeitos no
movimento nacional pela Educação do
Campo, as EFA’s conquistaram espaços e
políticas legais que materializam as lutas
dos povos do campo por uma educação
voltada ao atendimento do público de fora
do centro urbano (Nosella, 2012), resultado
das “tensões da luta dos agricultores por
reconhecimento de sua categoria e
condições humanas de trabalho”. (Cordeiro
& Cardoso, 2016, p. 159). Como marco
legal, temos instituída em 2002, as
Diretrizes Operacionais para as escolas do
campo pelo Ministério da Educação.
Tais lutas históricas no Brasil
permitem percebermos que alternância,
trabalho e educação estão estreitamente
articulados entre si positivamente quando
se pensa em uma educação fundamentada
no trabalho
enquanto atividade criadora e
constitutiva do ser humano articulado
à educação. Esta articulação é
essencial para organizar a escola na
perspectiva da transformação social e
da emancipação humana ... não basta
que o trabalho entre na escola, que se
alterne trabalho e ensino. É preciso
muito mais que isso. É preciso que o
trabalho e a educação sejam a
expressão de um projeto estratégico
de transformação social. Que o
trabalho para além da mediação entre
o homem e a natureza seja também
uma forma de mediação com a
atualidade dos alunos. Assim, o
trabalho articulado com a educação
provoca a ruptura ao fazer com que a
escola se relacione com a vida e não
com o capital (Trindade &
Vendamini, 2011, p. 43-44).
Por outro lado, a mesma articulação
pode servir como instrumento de
reprodução do capital e exploração
humana, quando negativamente reforça o
ideal da escola capitalista voltada à
qualificação do trabalhador por si só, como
destacam Trindade e Vendamini (2011).
Nesse sentido, Pedagogia da Alternância
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apresenta-se em diferentes nuances, ora
como metodologia; método e sistema, ora
como alternar físicos (Silva, 2010). Daí a
crítica a uma pedagogia que simplesmente
reafirme a divisão do trabalho e da
educação fazendo com que esta última seja
condição para o alcance da primeira
(Trindade & Vendamini, 2011). Por isso, é
também papel da Educação de Jovens e
Adultos reagir a esse processo,
reivindicando a Pedagogia da Alternância
como modelo educacional para a formação
de jovens e adultos trabalhadores,
refletindo sobre qual tipo de alternância
demanda.
Experiências brasileiras da EJA com a
Pedagogia da Alternância
Propor a Pedagogia da Alternância
para a modalidade de Educação de Jovens
e Adultos não é uma novidade, embora
sejam escassas na literatura as experiências
realizadas em espaços formais de
escolarização, para além daquelas
desenvolvidas pelas CEFFA’s.
Santos (2013) apresenta conceitos
da Pedagogia da Alternância em um
contexto de PROEJA Quilombola em
Castanhal/PA, visando uma nova
educação, diferente daquela pautada na
educação formal comum nos centros
urbanos, mas que valorizasse o saber
popular daqueles povos, levando em
consideração as peculiaridades da região,
da cultura e da tradição local,
possibilitando novas aprendizagens para
aqueles que permanecem em suas
comunidades de origem.
Cordeiro e Cardoso (2016) discutem
a implantação da Pedagogia da Alternância
como fundamentação teórica para a
Educação de Jovens Adultos para
Pescadores em uma comunidade pesqueira
em Angra dos Reis/RJ. O interesse pela
continuidade aos estudos veio de jovens e
adultos com intenções profissionais. Os
primeiros encontros com os moradores
dessa comunidade tiveram como pauta: o
estudo da realidade local; o que o
educando trazia de conhecimento e que
dialogava com conceitos científicos; dentre
outros aspectos. Através destes encontros
foi possível traçar o objetivo e a matriz
curricular da EJA Pescadores, respeitando,
assim, os parâmetros exigidos. Assim, o
período de estudo desses pescadores foi
dividido em tempo presencial, que era o
tempo-escola, e o tempo-comunidade, que
era no período de pesca profissional.
Segundo Oliveira (2016), ao
apresentar as experiências da Pedagogia da
Alternância no PROEJA em Santa
Inês/BA, discute que alguns docentes
afirmaram que essa pedagogia, no
município em questão, tinha mais procura
por camponeses e que contribuiu com a
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diminuição da evasão escolar. O autor
alerta para o grande número de jovens
entre 18 e 29 anos nessa EJA. Faixa etária
justificada pela pressão formativa do
mercado de trabalho sobre esses jovens. Na
pesquisa, constatou-se que a Pedagogia da
Alternância, segundo os alunos, tem
contribuído também para uma melhora na
qualidade de vida em geral, pois o que eles
aprendem durante o TE, aplicam em casa,
com as famílias e na comunidade durante o
TC.
É preciso considerar que as poucas
experiências publicadas de EJA a partir da
Pedagogia da Alternância, podem ser
consequência de uma dificuldade de
articulação dela com a população alvo. Isso
porque falamos de uma Pedagogia da
Alternância fluída, em permanente
construção e, para isso, dependente das
questões da comunidade, seus contextos de
vida, organização e participação da
comunidade. É o conhecimento do seu
público que fará surgir objetivos,
diretrizes, matrizes curriculares e até o
calendário para uma EJA em alternância,
sem deixar de considerar toda a legislação
e aspectos curriculares para uma Educação
nesta modalidade. Juntos, os
conhecimentos advindos dos alunos
trabalhadores e os conhecimentos escolares
complementam e reciclam-se
periodicamente, que não um padrão a
ser seguido, mas um público a ser
atendido.
Segundo Gimonet (1999) citado por
Kuenzer e Lima (2013), trata-se de uma
profunda mudança no sistema educativo
brasileiro.
Ela [a Pedagogia da Alternância] nos
introduz num outro sistema
educativo, pois a escola do século
XX, tal qual a conhecemos e
vivenciamos, será cada vez mais
inadequada para este mundo veloz,
em plena mutação no que diz respeito
aos extraordinários avanços
tecnológicos que caminham mais
rápido do que o homem. Um mundo
complexo que exigirá outra educação
sistêmica. A formação em
alternância, a pedagogia da
alternância será um dos componentes
da escola do futuro. (Gimonet, 1999,
p. 39 citado por Kuenzer & Lima,
2013, p. 527).
Ainda para o autor, concretizar a
pedagogia da alternância é ter audácia
pedagógica a um movimento educativo
(Kuenzer & Lima, 2013).
Desenvolvimento: contexto, sujeitos e
natureza da pesquisa
Resultado de pesquisa desenvolvida
em Trabalho de Conclusão de Curso para a
Licenciatura em Educação do Campo, área
do Conhecimento Ciências da Natureza,
este trabalho se justifica na proximidade do
contexto prático com a realidade formativa
do então licenciando. A aproximação
familiar com trabalhadores camponeses e a
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relação estabelecida com safristas vindos
de mudança do nordeste com toda a
família, para o trabalho nas plantações de
café em um município do interior do
Estado de Minas Gerais, fizeram o autor
questionar o modo como esses
trabalhadores viam a educação; como era
esse acesso; quais eram suas dificuldades.
Muitos desses camponeses deixam seus
filhos com outros parentes em sua terra
natal, quando as esposas também os
acompanham, para que as crianças não
abandonem a escola. Durante todo esse
contato com os camponeses trabalhadores,
percebeu-se que frequentavam a escola
com grande dificuldade, sendo a grande
maioria analfabeta funcional e outros
totalmente analfabetos.
Esses camponeses diziam que nunca
tiveram a educação em primeiro plano,
pois sempre passaram por dificuldades e
precisaram trabalhar desde muito cedo.
Alguns pais relatavam a vontade de trazer
seus filhos para trabalharem na safra, mas
não eram autorizados pelo patrão, por
serem menores de idade. Assim, percebe-
se que qualquer oportunidade de emprego
que aparecer para o filho desse camponês
no futuro, fará com que ele abandone a
escola por motivos relacionados, algumas
das vezes, ao próprio sustento da família,
repetindo-se um ciclo vicioso de
precarização e subalternização humana.
A formação no curso de licenciatura
em Educação do Campo permitiu ainda a
inserção do então estudante, autor deste
trabalho, durante seu primeiro Estágio
Curricular Obrigatório, em uma turma da
Educação de Jovens e Adultos (EJA) do
Ensino Fundamental II. Na ocasião, viu de
perto a vontade desses jovens e adultos,
trabalhadores, em aprender e,
principalmente, em acreditar em uma vida
melhor através da educação.
Durante o período de safra neste
município, a evasão escolar de um pequeno
grupo de alunos trabalhadores e/ou
moradores do campo foi observada. Esses
alunos, devido ao trabalho exaustivo e
precário, sentem-se cansados para irem à
escola à noite. Outros se mudam para as
fazendas dos cafeicultores durante o
período da safra, para não precisarem fazer
grandes deslocamentos da cidade para o
campo e do campo para a cidade todos os
dias, ganhando mais tempo na colheita.
Interessante notar que, após o
período de safra, esses trabalhadores
retornaram à escola para dar continuidade
aos estudos e relataram a dificuldade em
conciliar o trabalho com a escolarização.
Assim, emergiu a pergunta que direcionou
a pesquisa: De que modo a Pedagogia da
Alternância pode contribuir para reduzir a
evasão escolar, decorrente do trabalho, de
estudantes da EJA do Ensino Médio de
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uma Escola Estadual de Minas Gerais?
Desse modo, constituiu-se nosso principal
objetivo: discutir a Pedagogia da
Alternância como contribuição/estratégia à
permanência desses estudantes camponeses
na EJA - Ensino Médio.
A pesquisa foi realizada em um
município localizado na região do Alto
Paranaíba, no Estado de Minas Gerais. A
cidade possui aproximadamente 15 mil
habitantes (IBGE, 2017). Sua principal
renda é através da colheita do café, a qual
gera o maior número de empregos no local.
Durante o período de safra, a cidade recebe
grande número de trabalhadores de outros
estados brasileiros, principalmente da
região nordeste. Situação bastante
abordada pela literatura.
Levando em consideração a
categorização geográfica e populacional do
IBGE (2017), a cidade em questão é
definida como um município rural
adjacente, uma subcategoria que considera
como município predominantemente rural
aquele que possui entre 10 e 25 mil
habitantes. Para o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), a
ruralidade é um atributo que demarca a
relação dos povos com a natureza, com as
cidades e com as pessoas entre si.
Esta cidade possui apenas uma
escola localizada na zona rural, ofertando
somente o Ensino Fundamental I. Os
alunos que moram longe desta escola ou
que cursaram o Fundamental I são
obrigados a estudarem nas escolas centrais
da cidade. O deslocamento desses alunos
do campo, para a região urbana da cidade,
é feito pelo transporte escolar oferecido
pelo município.
A pesquisa foi realizada em uma
Escola Estadual que atende os anos finais
do Ensino Fundamental, o Ensino Médio, a
EJA (Ensino Médio) e o Magistério. A
EJA nessa escola é composta por duas
turmas de ano, uma turma de e outra
de ano. Todas as turmas de EJA são do
período noturno. Foram convidados para
esta pesquisa: alunos da EJA dos três anos
do Ensino Médio que trabalhavam na zona
rural e a direção escolar.
A pesquisa configurou-se como do
tipo qualitativa que, para Godoy (1995, p.
62), tem o “ambiente natural como fonte
direta de dados e o pesquisador como
instrumento fundamental” e teve como
instrumento de pesquisa a entrevista
semiestruturada, direcionada por roteiros
previamente construídos. Para os alunos
pesquisados, este roteiro contou com 24
questões que visavam investigar os
motivos ou interesse que os levam a
retornar à EJA após o período de safra. Já
para a direção escolar, o roteiro composto
por 22 questões tinha o objetivo de analisar
o período crítico de alto índice de evasão
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dos estudantes da EJA no Ensino Médio
dessa Escola Estadual.
Após o convite, o aceite para
participar voluntariamente da pesquisa e a
assinatura dos Termos de Consentimento
Livre e Esclarecido (CAAE n.
95446718.0.0000.5154), foram
entrevistados quatro alunos trabalhadores,
sendo dois homens e duas mulheres, dois
deles cursando o ano EJA, um aluno do
ano EJA e um aluno do ano EJA, e
também a direção escolar. Todas as
entrevistas foram gravadas em áudio e
posteriormente transcritas. Para a
entrevista com os alunos, também
contamos com anotações em caderno de
campo. O sigilo dos pesquisados foi
mantido, pois foram identificados por
códigos: P (Pesquisador), E
n
(Entrevistados, alunos da EJA, sendo
n
correspondente à ordem de resposta ao
questionário) e, D (Direção da Escola).
Depois de transcritas, todas as respostas
dos entrevistados, às entrevistas, foram
analisadas a partir da categorização ou
agrupamento de questões ou temáticas
similares presentes nas falas. Os resultados
alcançados foram interpretados com
auxílio da literatura sobre Educação do
Campo, Pedagogia da Alternância e
Educação de Jovens e Adultos.
Resultados e análises
A entrevista com a direção escolar
nos mostrou que a instituição pesquisada é
a única escola pública no município que
oferece, desde 2004, o Ensino Médio na
modalidade EJA. Ainda existe na cidade a
EJA para os anos finais do Ensino
Fundamental II, oferecida em outra escola
e com baixa procura, o que impossibilita a
abertura de novas turmas.
Segundo a direção, a escola foco
desta pesquisa recebe alunos cuja profissão
predominante é a de prestadores de
serviços no comércio local, autônomos,
trabalhadores na construção civil,
lavradores, safristas no período de colheita
e cuidadores das lavouras de café. Esse
público, em sua maioria, possui faixa etária
entre 18 e 26 anos. A pouca idade dos
alunos da EJA nos faz refletir sobre as
dificuldades presentes em nossa sociedade
que afetam esse público, fazendo com que
muitos sonhos sejam interrompidos.
Segundo Jardilino e Araújo (2014), a
própria LDB contribuiu para a entrada de
jovens na EJA.
Ao possibilitar a certificação do
Ensino Fundamental para os maiores
de quinze anos e do Ensino Médio
para os maiores de dezoito anos, a lei
não apenas ampliou o espaço de
atendimento ao direito de jovens e
adultos trabalhadores retomarem seus
estudos, como permitiu que muitos
jovens se transferissem para a EJA
com o propósito de acelerar seus
estudos. O ingresso antecipado dos
jovens no mercado de trabalho
também é um dos fatores
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responsáveis por sua presença na
EJA. (Jardilino & Araújo, 2014, p.
183-184).
Nesse sentido, a diretora pesquisada
ressalta que a frequência desse público na
EJA é alternada, isto porque:
...a frequência é um pouco difícil
principalmente em alguns
períodos onde o trabalho é mais
intenso. Né? Quando a gente fala
das pessoas que trabalham
durante a safra, essas pessoas
nesse período têm um pouco mais
de dificuldade. Outra dificuldade
que a gente enfrenta é, são
pessoas que trabalham em
sistema de turno, às vezes chegam
atrasados com frequência ou até
faltam em função do trabalho (D).
Observamos, segundo relata a
própria diretora, que o trabalho tem um
peso muito grande quando se levanta o
motivo ou a causa do número de faltas ou
de evasões dos alunos da EJA nesta escola.
Segundo Ireland (2009 citado por Laibida
& Pryjma, 2013, p. 8), “muitas vezes, o
estudante não deixa voluntariamente a
escola. Faz isso por causa da família ou do
trabalho”. Assim como tem aqueles alunos
que abandonam a EJA por motivos
relacionados ao trabalho e sustento
familiar, também se encontram nessa
escola, alunos que mesmo em período de
trabalho intenso não deixam de frequentar
as aulas. Isso é comum entre os alunos
adultos dessa EJA.
As pessoas mais velhas que nós
matriculamos aqui que por
ventura desistiram, alegaram
mesmo a dificuldade de
acompanhar conteúdo. ... O
trabalho é claro que é um fator
que pesa. Né? Mas o que a gente
acompanha, assim, o principal
período de evasão é dos alunos do
Ano, porque os que estão
engajados ali no e período
né?, eles normalmente tem um
pouquinho mais de persistência
mesmo em época de safra (D).
Tais aspectos do abandono escolar
relacionados à EJA podem parecer
isolados, mas na verdade estão conectados
quando se pensa quem são esses sujeitos e
de onde vêm. São pessoas que trabalham
em rotinas desgastantes e precárias, seja
em períodos de muita chuva ou muito sol,
saindo muito cedo de casa e retornando
apenas ao final da tarde, com poucos
minutos ou nada para um almoço digno.
Como diz Arroyo (2017, p. 10), “... os
alunos chegam às escolas em longos
itinerários por justiça”. Portanto, não
fazem parte do trabalho urbano, com
horário restrito de oito horas, com hora
para entrar, sair e almoçar, tendo o
excedente como registro extra. Pelo
contrário, fazem parte de trabalhos
invisibilizados ou relegados a ocupações
nas quais os direitos trabalhistas sequer
chegam. Trabalham muitas vezes
endividados pelos empréstimos
antecipados, tomados pelo empregador,
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para poderem sair de suas regiões ou
deixar com a família algum dinheiro até o
próximo período. São, portanto,
marginalizados de direitos, aumentando
ainda mais os índices de analfabetismo no
Brasil em relação às estatísticas regionais,
de gênero e de domicílio.
Segundo dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE, 2018), a região nordeste do país
ainda concentra a maior taxa de
analfabetismos das pessoas de 15 anos ou
mais, registrando a maior taxa entre as
regiões, 14,5%. Com relação ao gênero, as
mulheres tem superado pouco a pouco o
analfabetismo na última década, quando
comparadas aos homens que agora
destacam nas estatísticas. No Brasil, em
2012, os números eram de 8,4% de
analfabetismo feminino, contra 9,0% de
analfabetismo masculino. Bastante
invisibilizado, o território rural ainda é
aquele que mais sofre com as altas taxas de
analfabetismo no Brasil. São 21,1 % frente
a 6,6% da região urbana (Jardilino &
Araújo, 2014).
A não identificação de quem são
esses sujeitos da EJA contribui ainda mais
para esse número, e nesse sentido,
percebemos que a própria escola
desconhece sua inserção territorial.
Ao ser questionada a respeito da
escola ser ou não considerada uma escola
do campo, a diretora se mostrou surpresa
em relação a essa informação. Segundo
ela: “... assim, éh, o conhecimento em
relação a ser escola campo a gente não,
não recebe a informação dessa maneira
pela Superintendência”. Ao que parece, a
própria Secretaria da Educação do
município não leva em conta a
classificação geográfica e territorial do
IBGE (2017) para a definição de sua
inserção local, conforme anteriormente
discutido neste trabalho. Por outro lado, a
consideração como Escola do Campo
perpassa também pelo aspecto tanto
ideológico quanto político. O
reconhecimento de sua inserção local no
território e a demanda atendida, não apenas
na modalidade EJA que recebe também
na educação básica muitos alunos do
campo, implicaria em modificações na
forma de se conceber o ensino oferecido
quanto também em sua metodologia.
uma questão com a qual muitas escolas
precisam debater.
No âmbito da EJA para moradores e
trabalhadores do campo, ainda que se
perguntar se o conhecimento escolar,
concebido para voltar-se à criança e ao
adolescente, é a forma mais adequada de se
trabalhar com jovens e adultos (Arroyo,
2006). Oliveira (2016) discute que muito
diferente do que se pensava, o aspecto
cognitivo do adulto, assim como o da
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criança, está constantemente em mudança.
O adulto insere-se em um mundo de
relações interpessoais e de trabalho de um
modo distinto do da criança e do jovem.
Com isso o adulto
Traz consigo uma história mais longa
(e provavelmente mais complexa) de
experiências, conhecimentos
acumulados e reflexões sobre o
mundo externo, sobre si mesmo e
sobre as outras pessoas. Com relação
à inserção em situações de
aprendizagem, essas peculiaridades
da etapa de vida em que se encontra
o adulto fazem com que ele traga
consigo diferentes habilidades e
dificuldades (em comparação à
criança) e, provavelmente, maior
capacidade de reflexão sobre o
conhecimento e sobre seus próprios
processos de aprendizagem.
(Oliveira, 2001, p. 18).
Com relação à periodicidade do
ensino, a direção diz que a EJA nesta
escola ocorre nos cinco dias da semana,
com quatro horas de aula por dia. A
redução necessária da carga horária, de
cinco para quatro aulas de 45 minutos, foi
feita como tentativa de diminuir o número
de alunos que chegavam atrasados na
primeira aula, devido ao horário de saída
do trabalho. Mas devemos observar que
este mecanismo funciona apenas se
considerado o tipo de trabalho assalariado
e urbano, quando se tem um horário para
encerrar-se. Desse modo, a medida de
redução da carga horária diária não é eficaz
para o estudante trabalhador do campo, que
continua excluído dos processos. Para
completar a carga horária necessária para
aprovação, a escola passou a realizar
atividades dentro da escola, como feiras,
por exemplo.
Quanto ao período de evasão
observado pela escola, a secretaria
informou que em determinados períodos
do ano o número de alunos ausentes às
aulas é maior, especificamente nos meses
de abril e maio, quando o aluno já está
quase terminando o primeiro semestre.
Analisamos que o período de maior
evasão, mencionado pela escola, coincide
com a época em que se inicia a safra de
café no município em questão, o qual
proporciona maior número de empregos
para a população. Esse momento em que o
trabalho é mais intenso está associado ao
tipo de profissão que predomina entre os
estudantes da EJA desta escola.
A colheita do café, no município
mineiro pesquisado, é o momento de maior
oportunidade de trabalho. Mesmo esse tipo
de trabalho sendo muito desgastante e
sofrido, é grande o número de
trabalhadores vindos de diferentes regiões
do Brasil para trabalharem na colheita. É
pouco o número de trabalhadores do
próprio município, pois os adultos não
conseguem mais continuar o trabalho e os
jovens não se interessam por esse tipo de
atividade. É frequente a chegada de ônibus
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clandestinos e precários no município, os
quais trazem esses safristas para a colheita.
Pensando no contexto em que a
escola desta pesquisa encontra-se inserida,
a direção aponta que mudanças vêm sendo
feitas, a começar pela disciplina de
Diversidade, Inclusão e Mundo do
Trabalho, oferecida aos alunos do Ensino
Médio, tanto EJA quanto regular, e que
tem como objetivo direcionar os alunos
para o mercado de trabalho, através de
projetos pautados no empreendedorismo,
conforme o interesse deles. Segundo a
diretora, tudo isso ainda está muito vazio,
os alunos e professores ainda se perdem
nesse novo projeto oferecido pela escola. A
esse respeito, avaliamos que mesmo
tentando dialogar com a questão do
trabalho, fruto do cotidiano vivenciado
pelo menos pelos alunos da EJA dessa
escola, a educação oferecida acentua ainda
mais as diferenças, ao mesmo tempo em
que cumpre e reforça a lógica do capital.
Assim, “a educação correspondente a essa
sociedade que tem na divisão do trabalho
um meio de se reproduzir e se perpetuar,
caracteriza-se como uma educação voltada
para a adequação do indivíduo ao meio”.
(Trindade & Vendramini, 2011, p. 34) e
não a sua emancipação.
Isso se acentua ainda mais na visão
de escola e de EJA apresentada por seu
próprio corpo docente e gestão.
Questionada sobre a possibilidade de
articular a EJA a um projeto com o eixo da
Pedagogia da Alternância, a direção
escolar alegou desconhecimento e
complementou:
Acabei de conhecer, através de
você. Né? Mas, assim, achei
extremamente interessante e a
gente vê, assim, falando da
realidade da escola, por exemplo,
às vezes um aluno ele precisa se
ausentar pra fazer um período,
ali, de autoescola, pra conseguir
a habilitação de motorista, pra
automóveis. É, são dias que o
aluno precisa se ausentar. Né? E
a escola ela essa margem de
quantidades de faltas, então de
repente poderia transformar essa,
essa falta em produtiva, algo
produtivo. Eu achei interessante e
acredito que sim, seria um
formato interessante. (D)
Na fala da diretora, percebemos que
ela associa a Pedagogia da Alternância,
recém conhecida, à flexibilidade para
aqueles alunos que estão com o intuito de
se habilitar como motoristas. Mas, como
vimos, o período de maior evasão está
relacionado ao período de safra no
município. Nesse sentido, um
direcionamento ou até mesmo uma visão
ingênua sobre quem são os sujeitos que
frequentam a EJA, o que fazem, suas
vivências e culturas e mais grave, o que
realmente precisam. Arroyo (2006) atenta
para o fato que os currículos têm um papel
nesse aspecto, pois sempre foram pensados
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para o que seu corpo docente entende
como necessidade dos alunos.
Nunca deixaram de ser referencial.
Se são vistos como empregáveis,
como mercadoria para o mercado,
todos os currículos voltar-se-ão para
capacitar essa mercadoria. Na época
em que começamos a vê-los como
cidadãos, passamos a pensar em
pedagogias críticas. Dependendo do
olhar que se tem sobre os educandos,
a escola é uma ou outra, o currículo é
um ou outro, o perfil do educador é
um ou outro, suas especificidades são
umas ou outras. (Arroyo, 2006, p.
23).
É equívoco de uma instituição
escolar adotar, como premissa, que todos
que por ela passam estão em busca
unicamente de qualificação para mercado
de trabalho e o sonho do
empreendedorismo. Essa lógica precisa ser
rompida, porque antes de mais nada a
escola serve para uma vida mais autônoma,
crítica e consciente, uma vez que a leitura
do mundo precede sempre a leitura da
palavra, nos ensina Paulo Freire (2016).
Portanto, na perspectiva da direção escolar,
a Pedagogia da Alternância seria um
instrumento para alternar tempos e
espaços. Segundo Silva (2012), essa forma
de organizar a alternância corresponde à
denominada falsa alternância, resultante
da isenção de qualquer ligação entre a
formação do indivíduo e as atividades
práticas de seu cotidiano. Do ponto de
vista dos alunos trabalhadores, a relação da
escola com o trabalho do campo é inerente.
Para contextualizar e ajudar a
compreender de onde falam estes sujeitos,
apresentamos a seguir, de modo sintético,
um resumo do perfil dos pesquisados e, na
sequência, as entrevistas realizadas com
esses alunos trabalhadores da EJA que
participaram da pesquisa.
Quadro 1 Breve perfil dos alunos trabalhadores entrevistados.
Pesquisado
Cidade Natal
Idade
Estado
Civil
Ano
Cursado
Trabalho
Carteira
Assinada
E
1
São Paulo/SP
36 anos
Casada
1º EJA
Cabeleireira e
Safrista
(colheita, rastelação e
adubação)
Não
E
2
Canarana/BA
38 anos
Solteira
2º EJA
Safrista
(colheita, plantio,
capina e desbrota)
Uma vez
ao ano
E
3
Campos
Altos/MG
36 anos
Casado
2º EJA
Jardineiro e
Safrista
(colheita e plantio)
Não
E
4
Campos
Altos/MG
19 anos
Solteiro
3º EJA
Tratorista e outros
Sim
Fonte: Elaborado pelos pesquisadores.
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Como podemos perceber no Quadro
1, todos os alunos entrevistados possuem
alguma função ligada ao campo e
trabalham no período de safra no interior
do estado de Minas Gerais. Além disso,
ocupam mais de uma atividade durante a
safra, como plantio, colheita, capina,
rastelação, adubação, etc. Alguns atuam
paralelamente em outros trabalhos aos
finais de semana, antes e depois da safra
para complementar a renda familiar. Isso
confirma a fala de Arroyo (2007) ao dizer
que esses sujeitos não possuem uma
configuração clara de trabalhador. E que
no decorrer do percurso vai construindo
itinerários de trabalho e de sobrevivência
conforme o que aparece. A frase que
apareceu na fala de todos os entrevistados,
quando perguntados sobre sua função
específica no trabalho, foi: “... é, o que
surgir a gente faz.” (E
3
). Tal fato, somado
a outro muito preocupante, é que apenas
um entrevistado possui carteira assinada
durante todo o ano de trabalho, assim os
demais ainda sofrem com a instabilidade
salarial e a informalidade.
De acordo com estes estudantes
trabalhadores, o período de safra no
município vai de maio/junho até outubro,
dependendo do ano, exigindo muito
fisicamente do trabalhador nas atividades.
Assim, alegam ser o período em que eles
mais trabalham e quando o serviço é mais
“puxado”, pois cumprem a mesma carga
horária nos períodos que não são de safra,
porém trabalhando muito mais. É esse o
motivo relatado por todos quanto à
dificuldade em ser frequente às aulas no
período de safra, pois além do cansaço
físico, eles consideram a carga horária da
EJA muito extensa, como diz E
2
: “Chegar
da roça cansada e ter que vir a para a
escola. Fico até 22h30, chego em casa
é 23h, tenho que arrumar meus trem
para ir pra roça. No outro dia cedo tenho
que levantar 05h, senão não prazo de
eu fazer meu café. Estou chegando sempre
atrasada [na escola].” (E
2
). E
4
também
diz que o trabalho atrapalha seus estudos:
“Atrapalha! Tipo assim... quando chega
na safra. Vamos supor... na safra
atrapalha muito, chega muito tarde, talvez
a gente chega cansado do serviço” (E
4
).
Essa jornada impacta ainda na falta
de tempo para se dedicar mais ao estudo,
como é o caso de E
2
. Segundo ela: Não
tenho prazo pra mim ficar estudando,
lendo as coisas. O pessoal da escola me
ajuda muito e meus amigos me ajudam
muito.” (E
2
). Esses alunos se sentem
perdidos e atrasados quando chegam à
escola, pois não tiveram tempo de abrir o
caderno e relembrar os conteúdos da
última aula. Ainda assim, já se percebe que
o interesse na escola é algo subentendido
em suas falas.
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Retornar aos estudos parece um
movimento cíclico para esses sujeitos que
um dia foram jovens que, condenados à
sobrevivência, abandonaram a escola assim
como fazem seus filhos hoje, os jovens e
adultos da EJA de amanhã. A maioria dos
entrevistados possui filhos que estão
matriculados conforme a idade escolar
exigida para aquela turma. No entanto,
nem todos os filhos de E1 estão na escola,
pois tiveram que abandonar os estudos
para poderem trabalhar e ajudar em casa.
Conforme nos lembra Gomes (2012), as
crianças no contexto do campo são
integradas muito cedo ao trabalho seja
devido a necessária complementação da
renda, seja para a produção familiar das
pequenas propriedades. Essa é a realidade
do campo no Brasil. Em um de seus livros,
Miguel Arroyo aponta justamente a
construção dessa identidade de trabalhador
passada de pais para filhos:
... reconhecer que suas identidades e
valores de trabalhadores vêm da
família, da classe. As identidades
aprendidas como membros de família
de trabalhadores e aprendidas desde a
infância-adolescência, sobrevivendo
do trabalho, exigem ser trabalhadas
nos processos de sua educação. O
estudo, a compreensão desses
delicados processos de formação, de
construção das identidades de
trabalhadores/as que levam às escolas
e à EJA exige ser central nos
currículos de formação dos seus
educadores. Dessas vivências vêm os
processos mais marcantes de sua
formação. (Arroyo, 2017, p. 47).
O mesmo aconteceu com maioria dos
alunos trabalhadores desta pesquisa, que
pararam de estudar muito cedo por motivos
relacionados ao sustento da família,
precariedade das escolas naquela época,
entre outros fatores. O retorno desses
jovens e adultos aos estudos é uma luta
enfrentada diariamente dentro e fora da
escola, pois são diversas as barreiras
encontradas por eles nesse caminho, entre
eles: os conteúdos, o cansaço, o trabalho,
etc. Além de terem que conciliar os
estudos com o trabalho, uma das
entrevistadas encontra outra barreira por
estar estudando: o preconceito.
Ao ser questionada se recebe algum
tipo de apoio por estar estudando, E1
afirma: “Não! Nenhum. Meus filhos foram
os primeiros que me criticaram. Eu estou
aqui na raça e na necessidade mesmo.
Enfrentei muito preconceito e ainda
enfrento da minha própria família, dos
vizinhos.” (E1). Muitas das vezes, a crítica
por uma pessoa estar estudando, depois de
anos fora da escola, vem da própria
família, mas também de seus vizinhos,
segundo ela, por deixar seus filhos com
outra pessoa para poder ir à escola.
Dois dos entrevistados haviam se
matriculado em alguma EJA de outro
município antes. A volta desses
entrevistados aos estudos, conforme
pudemos perceber, está ligada a conquista
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de um novo emprego através da educação.
Todos eles pensam em continuar os
estudos, se formar e ingressar no Ensino
Superior, uma característica que condiz
com a idade desses estudantes em
específico (Quadro 1). Mas como a
educação é vista também como liberdade,
emancipação, para eles, a educação tem
um poder transformador, como diz uma
das entrevistadas: “A educação é
fundamental” (E1).
Quando questionada a respeito de
mudar de emprego após concluir os
estudos, E2 afirma: É tudo que eu quero!
Quero sim, nosso Deus! Ninguém gosta de
estar nesse serviço. Assim, é bom porque
você ganhando o seu, mas é muito
puxado”. A procura por um novo emprego
e a saída do trabalhador do campo para
trabalhar na cidade é algo comum entre os
entrevistados, mas que se ressaltar o
quão informal e degradante é o trabalho no
campo do qual falamos aqui. Como disse
Arroyo (2017, p. 57), “Esse trabalho
informal precarizado, sem prazo, não
aparece nos currículos como realidade e
como forma de trabalho nem como
horizonte”. E2 contou que se sentiu
constrangida quando participou de uma
seletiva de emprego e o gerente da empresa
anunciou que os participantes que não
tivessem o Ensino Médio completo
poderiam sair da sala, pois estavam
desclassificados para a vaga. Segundo ela,
esse foi o momento em que passou a
acreditar que somente a educação faria
conseguir um emprego melhor. A
estudante trabalhadora se sentiu
desvalorizada, pois percebeu que até para
“limpar chão” (E2), algo cotidiano em
nossas vidas, as pessoas precisavam de
estudo.
Desse modo, todos os entrevistados
afirmam que a conclusão dos estudos
passou a ser uma necessidade, uma
exigência na sociedade. Outro ponto que os
entrevistados levantaram foi o avanço da
tecnologia, principalmente no campo, o
que fez com que a mão de obra deles fosse
substituída por maquinários.
...foi a necessidade. Né! As coisa
vai evoluindo e a gente vai
ficando pra trás. Então, daqui uns
tempo não vai ter mais serviço de
roça, tem minguado muito,
trabalha muito, ganha muito
pouco, não é como era antes.
Então o único recurso agora é
voltar pra escola. Né! Que é onde
adquire conhecimento (E1).
A tecnologia vai ocupando seu
espaço no campo e seus trabalhadores
veem de perto o seu emprego sendo
substituído por máquinas. Emprego esse
que tende a se tornar escasso no município.
Outro ponto que não passa
despercebido na fala de E1 é a percepção
de que apenas consome o conhecimento
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por meio da escola, e não produz
conhecimento. A desvalorização de sua
própria cultura, modo de viver também é
introjetada nesses camponeses por meio da
ideologia urbanocêntrica presente na
sociedade e veiculada pelos grandes meios
de comunicação, a interesse da reprodução
dos latifúndios e exploração do trabalho no
campo. A exploração do trabalho é uma
dificuldade enfrentada por grande maioria
dos alunos que precisam conciliar os
estudos com o trabalho.
Nesse sentido, a EJA é também local
de empoderamento, de silenciamento. O
silêncio é a marca desses homens e
mulheres que buscam a escola, silenciados
ou em processos de silenciamento em casa,
na família, no trabalho. Tornam-se
excluídos e sabem que o são. A EJA torna-
se poder na medida em que esses sujeitos
descobrem-se com o poder de falar (Reis,
2011). Ao falarem, seus conhecimentos
não devem ser vistos como grosseiros, de
sendo comum ou pré-científicos. Ao
contrário, assim como os conteúdos da
escola são ouvidos e aprendidos, direito do
aluno, a escola também
tem o direito e o dever de ouvir,
aprender as concepções, vivências,
culturas, valores, conhecimentos,
formas de entenderse se e entender
o real e a rica vivência da diversidade
vinda desses coletivos. Sobretudo, de
sua história de segregação e
silenciamento, que também é um
espaço de produção de conhecimento
e de valores. (Arroyo, 2008, p. 31).
A integração de conhecimentos
advindos dos povos tradicionais
relacionados às suas práticas sociais tem
grande potencial de favorecer mutuamente
o desenvolvimento de conceitos científicos
(Crepalde et al., 2019). Uma amostra dessa
potencialidade foi desenvolvida pelo
primeiro autor, durante o estágio IV do
curso de Licenciatura em Educação do
Campo - Ciências da Natureza, quando
desenvolveu um projeto de intervenção
voltado a construção de um material
pedagógico contextualizado para aulas
práticas de Física na EJA, por meio do
Relógio de Sol. Outras experiências que
resgatam os saberes e conhecimentos
contidos nas práticas sociais dos alunos
trabalhadores têm sido desenvolvidas, por
alunos da Educação do Campo de uma
Universidade Mineira, em EJA’s pelo
estado de Minas Gerais.
Observamos que mesmo com a
modificação da carga horária, segundo a
Diretora, para que os alunos que trabalham
pudessem chegar a tempo do primeiro
horário, não atende suas necessidades.
Trata-se de uma questão de
homogeneização de temporalidades frente
uma heterogeneidade de sujeitos, por isso
os alunos trabalhadores se queixam da
organização rígida e hierárquica do sistema
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escolar que não respeita os tempos deles.
De fato, a relação com o tempo em salas de
aula da EJA é bem próxima da
temporalidade do ensino regular, que
funciona no mesmo horário que a EJA,
também nessa mesma escola. Nem sempre
uma EJA é fechada por falta de público, às
vezes é o modo como essa EJA funciona
que não atende ao seu público. É preciso
que a escola enxergue esse aluno da EJA
de uma maneira diferente. Como discute
Arroyo (2009, p. 16):
Ver os jovens-adultos como
trabalhadores exige não -los
apenas como estudantes em
percursos escolares truncados a
serem supridos. Nem sequer vê-los
como estudantes que trabalham. Ser
trabalhador não é um acidente a mais
na sua condição de estudantes. Como
ser pobres e lutar pela sobrevivência
em trabalhos formais ou informais
não é um acidente dos jovens-adultos
estudantes na EJA. (Arroyo, 2009, p.
16).
Todas as dimensões observadas em
nossos dados ressaltam a pertinência de
uma nova pedagogia para a EJA, uma
Pedagogia que considere a flexibilidade de
tempo, necessária a jovens e adultos
trabalhadores, mas muito mais que isso,
considere uma formação voltada da
necessidade e para a necessidade desses
sujeitos em primeiro lugar.
A Pedagogia da Alternância não se
caracteriza apenas em teoria e prática ou
nos diferentes espaços físicos vivenciados
em épocas do ano. São diversas as
possibilidades de interação que essa
Pedagogia proporciona, como: interação
dos estudantes, dos educadores, das
instituições, da comunidade, dos saberes.
A troca de conhecimento e vivências é o
mais rico dessa Pedagogia. Para Silva
(2012), a alternância ao romper com os
lugares, momentos e conteúdos formativos
exige o estabelecimento de relações entre
esses processos.
A proposta da Pedagogia da
Alternância ao dividir sua forma de ensino
em Tempo Comunidade e Tempo Escola
proporcionaria maior flexibilidade aos
alunos. “Nessa perspectiva, a alternância
não se reduz também ao simples alternar
físico de tempos e espaços: tempo e espaço
escolar X tempo e espaço
socioprofissional. Ela cria e se recria a
partir de um mundo complexo de relações”
(Borges, et al., 2012, p. 40). Seria a
recriação do que entendemos por Educação
de Jovens e Adultos. Como diz Arroyo
(2017, p. 40), “Quando adultos, jovens,
adolescentes populares são outros, a EJA e
a docência são obrigadas a serem outras. O
pensamento pedagógico é obrigado a ser
pedagógico. Educador”.
Considerações finais
Este trabalho, resultado de uma
pesquisa de Trabalho de Conclusão de
Ferreira, G. A., & Klepka, V. (2019). Pedagogia da Alternância como possibilidade de permanência de estudantes camponeses em
uma escola da região do Alto Paranaíba...
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Curso em Educação do Campo área do
conhecimento Ciências da Natureza,
procurou responder: De que modo a
Pedagogia da Alternância pode contribuir
para reduzir a evasão escolar, decorrente
do trabalho, de estudantes da EJA do
Ensino Médio de uma Escola Estadual de
Minas Gerais.
Nossos dados demonstraram que a
frequência ou abandono escolar na
modalidade EJA desta escola, estão
diretamente relacionados às atividades de
sobrevivência, mais especificamente em
períodos da safra do café. Este público da
EJA corresponde a sujeitos migrantes de
regiões do nordeste brasileiro, mas também
do próprio estado de Minas Gerais que, ao
se deslocarem para o trabalho nesses
períodos mais longos de produção agrícola,
veem na escola uma continuidade de suas
vidas para além do trabalho. Nesse sentido,
a alternância, diferentemente da lógica
apresentada pela direção escolar, de modo
instrumental, cumpriria a função de
aproximar a observação nos espaços
vividos, subsidiando, a escola, dados para
o trabalho escolar, ainda que esta não seja
a alternância ideal.
Por outro lado, a natureza do
trabalho e da condição de vida dos
estudantes trabalhadores pesquisados exibe
outra possibilidade de alternância para
EJA, uma alternância real, formativa,
conforme nos explica Silva (2012).
A alternância real... consiste em
uma efetiva implicação,
envolvimento do alternante em
tarefas da atividade produtiva, de
maneira a relacionar suas ações com
a reflexão sobre o porquê e o como
das atividades desenvolvidas. ...É
esta efetiva implicação do
estudante, através do seu projeto
pessoal e, consequentemente das
instituições envolvidas, que
distingue de maneira fundamental
este tipo de alternância...
caracterizada por forte interação
entre diferentes momentos da
aprendizagem - quer elas sejam
individuais, relacionais, didáticas ou
institucionais, com possibilidades
de transformação dos seus campos e
dos atores em presença. (Silva,
2012, p. 26).
Percebemos assim, que a Pedagogia
da Alternância foi entendida de diferentes
maneiras pelos entrevistados.
A implantação da Pedagogia da
Alternância, numa perspectiva mais
formativa e emancipatória, na EJA no
contexto dessa Escola Estadual do interior
de Minas Gerais, poderia contribuir, se
assumida como estratégia à permanência
desses estudantes camponeses, desde que
alguns pontos passem a fazer parte das
reflexões da escola, tais como:
a) Reconhecer-se como escola
do campo;
b) Compreender a dimensão
política, pedagógica e ideológica contida
nas propostas escolares voltadas ao campo;
Ferreira, G. A., & Klepka, V. (2019). Pedagogia da Alternância como possibilidade de permanência de estudantes camponeses em
uma escola da região do Alto Paranaíba...
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c) Reconhecer seus sujeitos
como alunos trabalhadores formais e
informais;
d) Modificar, a partir da
demanda de seu público, suas pedagogias;
e) Refletir nos conteúdos
curriculares, uma educação voltada para
além da diplomação e o trabalho
considerando o direito a uma educação
para a vida;
f) Considerar as
especificidades que o mundo da vida e o
mundo da escola demandam dos alunos
trabalhadores, ou seja, suas
temporalidades. O tempo do trabalho e da
vida sempre vem primeiro ao tempo
regulamentar da escola.
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Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 17/06/2019
Aprovado em: 20/08/2019
Publicado em: 19/12/2019
Received on June 17th, 2019
Accepted on August 20th, 2019
Published on December, 19th, 2019
Contribuições no artigo: Os autores foram os
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pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for
the designing, delineating, analyzing and interpreting the
data, production of the manuscript, critical revision of the
content and approval of the final version published.
Conflitos de interesse: Os autores declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Gustavo Adriano Ferreira
http://orcid.org/0000-0003-4559-6066
Verônica Klepka
http://orcid.org/0000-0002-9937-9852
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Ferreira, G. A., & Klepka, V. (2019). Pedagogia da
Alternância como possibilidade de permanência de
estudantes camponeses em uma escola da região do Alto
Paranaíba. Rev. Bras. Educ. Camp., 4, e7037. DOI:
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e7037
ABNT
FERREIRA, G. A.; KLEPKA, V. Pedagogia da Alternância
como possibilidade de permanência de estudantes
camponeses em uma escola da região do Alto Paranaíba.
Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 4, e7037,
2019. DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e7037