Revista Brasileira de Educação do Campo
The Brazilian Scientific Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e7055
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
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2020
ISSN: 2525-4863
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Saberes profissionais e escola do campo: reflexões na voz
de professores
Francisca Maísa Maciel Gomes de Almeida
1
, Simone Cabral Marinho dos Santos
2
, Taysa Kelly da Silva
3
1, 2, 3
Universidade Estadual do Rio Grande do Norte - UERN. Programa de Pós-Graduação em Ensino (PPGE) / Núcleo de
Estudos em Educação (NEEd). Rodovia BR-405, s/n. Arizona. Pau dos Ferros - RN. Brasil.
Autor para correspondência/Author for correspondence: mayza_maciel@hotmail.com
RESUMO. Uma das grandes contribuições da Educação do
Campo é o reconhecimento da necessidade de saberes e fazeres
docentes forjados nas vivências únicas e singulares, tanto no seu
processo de formação quanto no cotidiano das suas atividades
como docentes. Este artigo objetiva refletir sobre os saberes
profissionais de docentes que atuam na escola do campo,
construídos, relacionados e mobilizados pelos professores de
acordo com as exigências e desafios provenientes dessa
realidade educacional. Trata-se de um estudo de campo, dentro
de uma abordagem qualitativa, realizado a partir da aplicação de
entrevista semiestruturada com quatro professoras que atuam em
uma escola do campo. Combinamos a pesquisa empírica com o
modelo epistemológico de compreensão e análise para os
saberes dos professores apresentado por Tardif (2011),
traduzidos em saberes profissionais, saberes disciplinares,
saberes curriculares e saberes experienciais. Os resultados da
pesquisa revelam que os professores valorizam os saberes
experienciais, sem desmerecer os saberes profissionais, pois,
sem formação específica para atuar na escola do campo, é no
cotidiano de suas funções que eles vivem situações concretas, a
partir das quais se faz necessário decidir as estratégias e ações
diante da situação apresentada.
Palavras-chave: Escola do Campo, Saberes Docentes,
Formação Profissional.
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Professional knowledge and rural school: reflections on the
teachersvoice
ABSTRACT. One of the great contributions of (new) Rural
Education is the recognition of the need for knowledge and
teaching skills forged in unique and singular experiences, both
in their training process and in the daily activities of their
activities as teachers. This article aims to reflect on the
professional knowledge of teachers who work in rural schools,
built, related and mobilized by teachers according to the
demands and challenges arising from this educational reality.
This is a field study, within a qualitative approach, carried out
through the application of semi-structured interviews with four
teachers who work in a rural school. We combine empirical
research with the epistemological model of understanding and
analysis for teachers’ knowledge presented by Tardif (2011),
translated into professional knowledge, disciplinary knowledge,
curricular knowledge and experiential knowledge. The results of
the research reveal that teachers value experiential knowledge,
without disparaging professional knowledge, because, without
specific training to work in the rural school, it is in their daily
tasks that they experience concrete situations, from which it is
necessary decide the strategies and actions in view of the
situation presented.
Keywords: Rural School, Teaching Knowledge, Professional
Training.
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Conocimiento profesional y escuela rural: reflexiones en la
voz de los docentes
RESUMEN. Una de las grandes contribuciones de la Educación
del Campo es el reconocimiento de la necesidad de saberes y
hacer docentes forjados en las vivencias únicas y singulares,
tanto en su proceso de formación como en el cotidiano de sus
actividades como docentes. Este artículo objetiva reflexionar
sobre los saberes profesionales de docentes que actúan en la
escuela del campo, construidos, relacionados y movilizados por
los maestros de acuerdo con las exigencias y desafíos
provenientes de esa realidad educativa. Se trata de un estudio de
campo, descriptivo y exploratorio con un abordaje cualitativo,
realizado a partir de la aplicación de cuestionarios
semiestructurados con cuatro maestros que actúan en escuelas
del campo. Combinamos la investigación empírica con el
modelo epistemológico de comprensión y análisis para los
saberes de los profesores presentado por Tardif (2011),
traducidos en saberes profesionales, saberes disciplinares,
saberes curriculares y saberes experienciales. Los resultados de
la investigación revelan que los maestros valoran los saberes
experienciales, pues, sin formación específica para actuar en la
escuela del campo, es en el cotidiano de sus funciones que viven
situaciones concretas, a partir de las cuales se hace necesario
decidir las estrategias y acciones ante la situación presentada.
Palabras clave: Escuela de Campo, Saberes Docentes,
Formación Profesional.
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Introdução
O cenário educacional aponta para o
exercício da docência com muitas tarefas,
responsabilidades e fazeres que exigem, a
cada momento, competências e saberes.
Nota-se um nivelamento nos cursos de
formação de professores, cujas discussões
destacam o alinhamento conceitual e
metodológico para atuação e prática
docente em escolas do campo e da cidade.
É cada vez mais distante na formação
de professores que atuam em escolas do
campo a preocupação em atender às
especificidades e particularidades do
cotidiano da ação docente nessa realidade
educacional. O parâmetro é o modelo de
escola urbana. Porém, não se pretende
demarcar e separar as duas realidades, mas
considerar as particularidades existentes
em cada espaço, fazendo com que ambas
dialoguem, se integrando com partes
diferentes e complementares de um
contexto.
Nesse sentido, os elementos que
fazem parte de um lugar permeiam a vida e
formam a identidade do sujeito. Uma
educação voltada para o desenvolvimento
do sujeito em sua totalidade deve se
preocupar com tais aspectos, pois quando
se trata de escolas do campo, é
fundamental voltar-se para as
práticas pedagógicas e educativas, visando
o contexto em que a escola está inserida. É
importante compreender que as pessoas
que vivem no campo possuem saberes,
símbolos e linguagem carregada de cultura
própria, que precisam ser respeitadas e
consideradas no processo de ensino e
aprendizagem.
Nesse pensamento, a Educação do
Campo, enquanto política pública, foi
impulsionada pela mobilização dos
diferentes sujeitos sociais que atuam no
campo, em favor de uma educação que
reconhecesse as diferenças dos sujeitos a
quem se destina, por meio de um currículo,
formação, gestão e financiamento próprios.
Ao longo da construção profissional,
os professores percorrem uma trajetória de
aquisição de saberes desenvolvidos de
acordo com o contexto, formação e
experiências vivenciadas. Frente a essa
problemática, nos questionamos: Que
saberes profissionais são mobilizados pelo
docente que atua em classe multisseriada
de uma escola do campo? Para responder
esse questionamento, objetivamos refletir
sobre os saberes profissionais de docentes
que atuam na escola do campo construídos,
relacionados e mobilizados pelos
professores de acordo com as exigências e
desafios provenientes dessa realidade
educacional. Para tanto, combinamos a
pesquisa empírica, feita com quatro
professoras que atuam em uma escola do
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campo situada no estado da Paraíba, com o
modelo epistemológico de compreensão e
análise para os saberes dos professores,
apresentado por Tardif (2011), traduzidos
em saberes profissionais, saberes
disciplinares, saberes curriculares e saberes
experienciais. A junção desses diferentes
saberes se fundamenta no fazer cotidiano
da profissão docente.
Assim, os saberes profissionais dos
docentes analisados neste artigo são
apresentados primeiramente, a partir de
uma apreensão de aportes epistemológicos
recorrentes nos saberes profissionais da
formação docente no contexto das tensões
da Educação do Campo; em seguida, sob a
perspectiva da valorização dos saberes
forjados na vivência e na prática do
docente que atua em classe multisseriada
na escola do campo, lócus de realização da
pesquisa.
Epistemologia, saberes docentes e
formação profissional
Antes de iniciarmos a discussão, com
vistas aos pressupostos teóricos que
sustentam a pesquisa, se faz necessário um
breve esclarecimento sobre o termo
“epistemologia”. O conceito de
epistemologia remete a “um estudo sobre a
ciência tomada como sinônimo de
conhecimento. É, portanto, uma teoria do
conhecimento” e seu objeto de estudo é o
conhecimento científico (Dalarosa, 2008,
p. 344).
Gamboa (1996) descreve que a
epistemologia, como teoria da ciência, é
fruto de uma tradição positivista de ciência
e deve ser compreendida como uma teoria
do conhecimento científico. Para Gamboa
(apud Piaget, 1996), Epistemologia e
Teoria do Conhecimento são sinônimas,
definindo epistemologia como o estudo dos
conhecimentos válidos. Assim, tem-se uma
concepção mais completa em que o
conhecimento não é estático, podendo
passar por modificações ao longo dos
processos de construção do conhecimento.
Desse modo, ao falar sobre a
epistemologia da prática profissional,
Tardif (2011) retoma a historicidade da
epistemologia trazendo como contributo,
após a ascensão do positivismo de
Emmanuel Kant e a dissociação entre
filosofia e ciência, a modificação de teoria
do conhecimento para teoria da ciência,
sobre isso,
Chamamos de epistemologia da
prática profissional o estudo do
conjunto dos saberes utilizados
realmente pelos profissionais em seu
espaço de trabalho cotidiano para
desempenhar todas as suas tarefas.
Damos aqui à noção de ‘saber’ um
sentido amplo, que engloba os
conhecimentos, as competências, as
habilidades (ou aptidões) e as
atitudes. (Tardif, 2011, p. 255, grifos
do autor).
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Em um contexto de reconhecimento
dos diferentes saberes, descrito
anteriormente como “conjunto de saberes”,
é preciso refletir sobre os saberes docentes
com uma nomenclatura de saber plural.
Tardif (2011) aponta como sendo oriundos
da formação profissional e de saberes
disciplinares, curriculares e experienciais.
A classificação dos saberes docentes, de
acordo com Tardif (2011), está assim
definida:
a) Saberes da Formação
Profissional: o conjunto de saberes
transmitidos pelas instituições de formação
de professores trata-se dos conhecimentos
pedagógicos relacionados às técnicas e
métodos de ensino, legitimados
cientificamente e, igualmente transmitidos
aos professores ao longo do seu processo
de formação;
b) Saberes Disciplinares:
conjunto de saberes reconhecidos e
identificados como pertencentes aos
diferentes campos do conhecimento
(linguagem, ciências exatas, ciências
humanas, ciências biológicas, etc.). Esses
saberes, produzidos e acumulados pela
sociedade ao longo da história da
humanidade, são administrados pela
comunidade científica e o acesso a eles
deve ser possibilitado por meio das
instituições educacionais;
c) Saberes Curriculares:
conjunto de saberes relacionados à forma
como as instituições educacionais fazem a
gestão dos conhecimentos socialmente
produzidos, e que devem ser transmitidos
aos estudantes (saberes disciplinares).
Apresentam-se concretamente sob a forma
de programas escolares (objetivos,
conteúdos, métodos) que os professores
devem aprender e aplicar;
d) Saberes Experienciais:
conjunto de saberes que resultam do
próprio exercício da atividade profissional
docente. Esses saberes são produzidos
pelos professores por meio da vivência de
situações específicas relacionadas ao
espaço da escola e às relações
estabelecidas com alunos e colegas de
profissão.
Desse modo, imersos em suas
atuações, os professores, ao longo dos
anos, vão estabelecendo relações com os
respectivos saberes. Contudo, a posição de
destaque entre esses saberes, segundo o
autor, é ocupada pelos saberes
experienciais dos professores. Esse tipo de
saber o docente controla, diferente dos
demais que dependem de uma relação de
exterioridade a ele.
Nessa linha de raciocínio, quando se
pensa nos saberes profissionais, objeto de
nossa discussão, espera-se que tais saberes
sejam vivenciados no exercício da
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docência, em que o professor consiga
atrelar a sua prática aspectos da teoria
estudada nos cursos de licenciaturas
(Tardif, 2011). O autor ainda afirma que os
saberes profissionais são temporais, porque
mudam de características de acordo com
tempo, e também porque o docente, antes
mesmo de entrar na universidade, já advém
de uma realidade em que a docência é
vivenciada desde a infância. Ao mesmo
tempo, esses conhecimentos são plurais e
heterogêneos, uma vez que o professor
atua com diversas realidades com vistas a
vários objetivos.
Comumente, o entendimento é o de
que o papel da universidade é o de formar
profissionais úteis e necessários à
sociedade. Quando o, no caso da
docência, costuma-se apontar
distanciamento em relação ao
conhecimento adquirido na universidade
com o exercício da docência. Nessa
lógica, equivocadamente, teoria e prática
são tomadas por uma disputa, como se
estivessem em lados opostos. Logo,
romper com a dicotomia teoria e prática se
faz emergente. A formação assume um
papel além do ensino que pretende uma
mera atualização científica, pedagógica e
didática, e se transforma na possibilidade
de criar espaço de participação, reflexão e
formação (Imbernón, 2001).
Igualmente, é necessária uma
reflexão crítica sobre a realidade da
formação continuada de professores,
compreendendo o contexto da práxis da
formação, que carece de uma essência
epistemológica que o sustente. O viés
epistemológico da formação docente
conduz a experiência formativa do trabalho
pedagógico na escola e, aqui, repousa uma
grande tensão da política de Educação do
Campo: a formação de professores tem
reconhecido as especificidades que
demandam a realidade da escola do campo
e as implicações diretas dessa realidade na
atuação docente?
Nesse pensamento, a forma como os
professores pensam e organizam suas
práticas pedagógicas está intimamente
relacionada à perspectiva epistemológica
que assumem a respeito da construção do
conhecimento.
Por isso, a forma como os
professores compreendem
epistemologicamente os processos de
ensinar e aprender “... fazem avançar,
retardar ou a impedir o processo de
construção do conhecimento” (Becker,
1993, p. 9). De forma direta, a mudança de
concepção epistemológica sobre ensinar e
aprender na escola do campo não pode se
distanciar de objetivos que formam a
identidade da Educação do Campo. Em
síntese, a formação de professores para
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atuar nesse espaço comunga com a
formação de um sujeito articulado a um
projeto de emancipação humana e de
desenvolvimento para o campo.
A valorização dos Saberes da Educação
do Campo
As transformações ocorridas no
mundo moderno trouxeram grande impacto
à vida cotidiana, em que o processo de
globalização e de inovação tecnológica
aumentou as exigências da sociedade do
capital no século XXI, e o perfil que se
espera dos sujeitos para atuar no mercado
de trabalho (Batista, 2016). O cenário de
trabalho passou a exigir dos trabalhadores,
habilidades, competências e saberes,
tornando o espaço ainda mais competitivo.
No campo da educação, essas
mudanças também trouxeram modificações
no papel do professor e no exercício do
trabalho docente. Para Oliveira (2014), a
ampliação do papel do docente se deu,
dentre outros aspectos, com a consequente
influência dos órgãos internacionais,
considerando as metas educacionais de
países em desenvolvimento, como o Brasil.
Em se tratando de Educação do Campo, o
modo de comparecimento da pauta sobre
formação de professores na agenda pública
emerge de tensões, entre elas; a de
intencionalizar o processo de formação na
perspectiva da práxis, acompanhada da
valorização identitária e cultural do meio
rural. Situando o contexto da formação de
professores para escola do campo, Caldart
(2002) afirma:
Construir a educação do campo
significa formar educadores e
educadoras do e desde o povo que
vive no campo como sujeitos dessas
políticas públicas que estamos
ajudando a construir e também do
projeto educativo que nos
identifica. Como fazer isso é uma das
questões que deve continuar nos
ocupando especialmente. (Caldart,
2002, p. 25).
O fragmento reafirma a necessidade
de educadores do campo terem uma
formação contextualizada, de acordo com a
realidade vivida ali, ao mesmo tempo que
devem assumir o papel de agente
transformador dessa mesma realidade,
transformando o conhecimento em ação. O
docente que atua na escola do campo é
aquele que pode e deve cultivar o
sentimento de valorização e identidade
com o meio rural, abrindo espaço para o
debate sobre o papel do educador, para
além da natureza social da sua profissão,
resultante da transformação de sua práxis e
dos diversos saberes instituídos (Santos,
2012).
Seguindo esse direcionamento, o
paradigma da Educação do Campo requer:
1) a superação do antagonismo entre a
cidade e o campo, que passam a ser vistos
como complementares e de igual valor; 2)
a valorização e o respeito à existência de
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tempos e modos diferentes de ser, viver e
produzir, contrariando a pretensa
superioridade do urbano sobre o rural e
admitindo variados modelos de
organização da educação e da escola
(MEC, 2007).
Nesse sentido, a vida e o espaço do
campo possuem suas particularidades, logo
a formação de professor não está alheia à
realidade do campo. Como sugere
Rebouças (2013), as formações para
docentes que atuam no campo devem
considerar uma reflexão coletiva,
construindo novas ideias e fazeres,
transformando as suas práticas e atentando
para os interesses dos grupos sociais nos
quais a sua atuação está sendo vivenciada.
Porém, existe um nivelamento durante as
formações, em que as discussões permeiam
a atuação e a prática docente para a
demanda das escolas das cidades. Alencar
(2010) assinala a ausência na realidade
brasileira de política de formação voltada
para os professores do campo, o que teve e
ainda tem, é um modelo parâmetro de
experiências e currículos urbano. Segundo
Santos (2012, p. 119), a escola do campo
está inserida em um contexto que
... tende a perpetuar a imposição de
um modelo educativo que,
historicamente, tem servido mais à
cidade do que mesmo ao campo. Na
contramão, é preciso construir uma
unidade para a tarefa que se coloca
para os sujeitos a que essa educação
se destina: reafirmar o compromisso
coletivo com uma visão de campo, de
educação e de política pública,
superando o ideal de escola
concebida como uma invenção da
cidade para preparar as elites para
governar e a camada popular para ser
mão-de-obra. (Santos, 2012, p. 119).
O que se deve combater, de acordo
com Santos (2012) e Oliveira (2014), é o
antagonismo dicotômico entre campo e
cidade, entendidos como territorialidades
que se complementam e dialogam, que
compõem faces de uma mesma realidade
estrutural, marcada pela divisão de classes
e pela exploração do trabalho em nome do
capital, regida por uma lógica hegemônica
capitalista e por experiências de
resistência.
De certo, se faz necessário refletir
sobre as situações vivenciadas em cada
espaço e, a partir dessa reflexão, construir
um diálogo entre culturas que se
complementam sem colocar nenhuma em
evidência ou superioridade. Um professor
do campo deve ter a consciência da
importância da escola como agente
colaborador e de manutenção e valorização
da vida no campo nos sentidos culturais,
sociais, políticos e biológicos, o que deve
ser entendido como uma constante para
professores de todas as áreas, em uma
perspectiva multidisciplinar (Oliveira,
2014). Para Alencar (2010), a partir da
década de 1990, iniciaram-se no meio
rural, lutas por políticas públicas, reforma
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agrária e a defesa de um projeto de
sociedade baseado no desenvolvimento
sustentável para o campo, em que os
debates acerca do papel rural no
desenvolvimento econômico, político e
social da nação fizeram construir um novo
conceito sobre o rural. A mudança de
paradigma de educação rural para
educação do campo não se traduz de forma
tão simples, uma vez que necessita de
transformações estruturais (Alencar, 2010).
Assim é necessário estabelecer a
diferença entre os conceitos de educação
rural e educação do campo. Para Alencar
(2010), a educação rural apreende a
concepção do espaço geográfico rural,
caracterizada por uma educação com
valores urbanos, que favorece a migração e
tem como base um projeto de sociedade
fortalecido no latifúndio e no agronegócio.
o campo engloba o conceito de território
que defende um projeto de sociedade
baseado no desenvolvimento sustentável
do campo, valorizando o sentimento de
pertença do povo do campo produzindo
uma reflexão sobre o contexto social
enfocando a questão da terra. Para Oliveira
(2014), na abordagem de educação do
campo, um novo status é dado ao
professor, o de um indivíduo carregado de
conhecimentos, com competência para que
tais conhecimentos sejam materializados
em produção, e prontamente apto e criativo
na resolução de problemas, sem permitir
que toda essa grande engrenagem seja
interrompida. A cada dia mais, saberes e
atribuições são requeridas do professor,
que envolvem além de proatividade,
criatividade, disponibilidade, disposição, a
capacidade de resiliência para vencer as
dificuldades diárias de sua prática.
Porém, nem sempre é dado suporte
para que o professor exerça tais
atribuições, sejam elas matérias ou
pedagógicas, principalmente nas escolas
públicas. Não é possível pensar em um
professor multi-saberes e multitarefas,
funções e papéis, sem interligar
experiências e possibilidades em que os
saberes docentes estejam atrelados aos
contextos reais e as condições concretas da
prática pedagógica (Oliveira, 2014).
Desconsiderar o universo de saberes que
envolve um espaço é torná-lo invisível
diante dos olhos de quem os vê. Romper
com essa invisibilidade é um dos desafios
para os professores, pois muitas vezes eles
também não reconhecem seus saberes
profissionais. Esse é o um dos maiores
desafios do professor, o do reconhecimento
do seu saber, suas memórias, sua vida e
experiências, sua autoria e criatividade
profissional, pois são conduzidos pela
conformação de uma homogeneização
identitária (Alencar, 2010).
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Quando os professores reconhecem
dentro de sua prática, começam também a
visualizar suas possibilidades e limitações,
tornando possível repensar suas ações
(Rebouças, 2013). Nesse mesmo
pensamento, Oliveira (2014) afirma ser
necessária a identidade entre os docentes e
as escolas do campo, demandando
reconhecimento do percurso histórico que
conduziu as populações camponesas a este
cenário. Porém, muitos dos professores que
lecionam no campo não residem e não
tiveram uma formação voltada para esse
espaço. Como sugere Alencar (2010), ser
professor do campo exige rever posições
sobre a educação, a escola, o aluno, o
currículo e a sua própria formação. Para
conseguir dar conta, o professor necessita
da capacidade de integrar os diversos
saberes instituídos por Tardif (2011): os
saberes das disciplinas, os saberes
curriculares, os saberes da formação
profissional e os saberes da experiência.
Segundo Oliveira (2014), os saberes
da docência, através das experiências da
vivência do cotidiano, advindo da relação
com meio social e geográfico, como
também, os saberes das experiências, que
se formam a partir da prática e do
cotidiano na relação com atividades
docentes, possibilitam a reconstrução e a
formação do sujeito docente: afetivo, ético,
estético e cognitivo, viabilizando e dando
sentido à prática. É preciso considerar os
saberes para além dos conteúdos didáticos
que nascem por meio das vivências, que
não são organizados em livros didáticos,
que se aprende por meio da experiência
prática, carregados de significado para o
sujeito, pois é parte indissociável de si.
Tais saberes forjados nas experiências
devem ser valorizados dentro das salas de
aulas
Dentro desse raciocínio, a Educação
no Campo é um direito conquistado
mediante as lutas sociais, que defendem o
direito de estudar no lugar onde vivem,
sem necessidade de deslocar-se para outras
localidades, deixando de lado uma parte
importante na construção do processo de
aprendizagem; a valorização da identidade,
os saberes, memórias e sua cultura local.
Para Oliveira (2014), a escola do campo é
organismo do campo para articular cultura,
vida e trabalho, para além do ideário de
reserva de mercado.
Se considerarmos os alunos que
estudaram em escolas públicas e do campo,
os desafios podem ser ainda maiores. A
população do campo ocupou, por muito
tempo, uma posição inferiorizada, em que
foram excluídos no processo do
desenvolvimento capitalista, marcados por
escravidão, exploração, expropriação e
expulsão (êxodo) do campo (Oliveira,
2014).
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Assim, a concepção de educação que
emerge da luta da classe trabalhadora no
campo é pautada pela ideia de
emancipação do trabalho em relação à
subordinação ao capital, colocando a
intencionalidade de articular educação e
trabalho em um projeto emancipador
(Molina, 2015). A Educação do Campo
resiste, com duras marcas de negação do
poder público e descaso social. O campo,
muitas vezes, é visto como um local de
trabalho árduo, produção agrícola ou como
um espaço de lazer e descanso, onde as
pessoas da cidade se refugiam da vida
corrida e tecnológica urbana. Essa visão
corrobora com um olhar de atraso para
vida do campo. Ao longo do tempo, as
políticas educacionais voltadas às escolas
do campo têm sido esquecidas pelos
poderes públicos que se esquivam de sua
responsabilidade ao tratamento
diferenciado dado aos sujeitos de direitos
desse espaço (Morais & Santos, 2019).
Nesse sentido, os sujeitos do campo
buscam na educação a oportunidade de se
tornar visível socialmente, tendo a
oportunidade de construir seu espaço,
integrando o mercado de trabalho de
mudar a realidade e, principalmente, de
serem visto e valorizados socialmente. Em
outras palavras, os elementos que
envolvem a escola do campo devem ser
objetivados como contexto de
aprendizagem, de forma que a riqueza
natural e cultural do território da escola do
campo seja tempo-espaço formativo
(Oliveira, 2014). Para Molina (2015), falar
em Educação do Campo significa falar da
questão agrária, da reforma agrária, da
desconcentração fundiária, da necessidade
de enfrentamento e de superação da lógica
de organização da sociedade capitalista,
que tudo transforma em mercadoria: a
terra, o trabalho, os alimentos, a água, a
vida. Assim, os movimentos sociais do
campo, carregaram os tijolos e as
esperanças históricas na construção destas
escolas e correm o risco de novo
alijamento do processo educacional dos
seus jovens quando o Estado impede, em
virtude da burocracia e normas
institucionais engessadas, a inserção das
dimensões peculiares a estes sujeitos e a
própria atuação efetiva da comunidade
dentro da escola (Oliveira, 2014).
Procedimentos metodológicos
Com enfoque qualitativo, aliamos o
trabalho compartilhado, coletivo e criativo
com o aprendizado cotidiano da realidade
investigada. Trazemos uma abordagem
qualitativa, por se tratar de um tipo de
investigação com foco nas
particularidades, subjetividades e
experiências de indivíduos e/ou grupos.
Assim,
Almeida, F. M. M. G., Santos, S. C. M., & Silva, T. K. (2020). Saberes profissionais e escola do campo: reflexões na voz de
professores...
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...a pesquisa qualitativa trabalha com
o universo de significados, motivos,
aspirações, crenças, valores e
atitudes, o que corresponde a um
espaço mais profundo das relações,
dos processos e dos fenômenos que
não podem ser reduzidos à
operacionalização de variáveis.
(Minayo, 2001, p. 22).
Dentro dessa gica, focamos em
responder questões que envolvam as
especificidades do ambiente pesquisado,
nos preocupando em verificar a realidade
em que os sujeitos estão inseridos, que não
é possível ser meramente quantificado.
Esse tipo de abordagem qualitativa permite
uma percepção mais apurada de uma
realidade, compreendendo os aspectos e as
atitudes dos comportamentos dos
indivíduos.
Quanto aos procedimentos, a
pesquisa é do tipo bibliográfica e de
campo. Na pesquisa bibliográfica, dada a
finalidade de colocar o pesquisador em
contato com o que já se produziu a respeito
do tema da pesquisa, nos apropriamos das
contribuições de Tardif (2011), em
especial, além de autores como Gamboa
(1996), Imbernón (2001), Dalarosa (2008)
e Macenhan, Tozetto e Brandt (2016) sobre
os saberes docentes, com enfoque aos
saberes profissionais. Para tratar da
formação docente e da realidade da escola
do campo, trouxemos as discussões de
Arroyo e Fernandes (1999), Arroyo,
Caldart e Molina (2004), Alencar (2010),
Santos (2012), Oliveira (2014) e Molina
(2015), dentre outros.
Em termos de estudo de campo,
particularmente, é um momento importante
de descoberta e criação. Uma pesquisa, de
alguma forma, é um relato de descoberta
do que não se sabe, numa permanente
conversão de aprendiz de investigador. Em
experiências próprias de pesquisa de
campo trazemos para o debate a pesquisa
realizada na Escola Flor de Mandacaru, na
comunidade rural Sertão, localizada no
município de São João do Rio do Peixe, no
alto sertão paraibano. Para fins de garantir
o anonimato, adotamos um nome fictício
para a escola e a comunidade rural em que
o estudo foi realizado. O critério para a
escolha dessa escola se deu em função da
aproximação das pesquisadoras com a
instituição, por meio de uma atividade
formativa realizada anterior à pesquisa. Em
face disso, na tentativa de realizar
processos formativos mais adequados às
necessidades emergentes da escola,
desenvolvemos uma atitude de
investigação.
A Escola Flor de Mandacaru contou,
em 2018, com 87 alunos, sendo 15
matriculados na educação infantil, 23 no
ensino fundamental séries iniciais, e 59
matriculados na Educação Jovens e
Adultos (EJA). Os alunos que frequentam
a Escola Flor de Mandacaru são de origem
Almeida, F. M. M. G., Santos, S. C. M., & Silva, T. K. (2020). Saberes profissionais e escola do campo: reflexões na voz de
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da própria comunidade e de mais três
comunidades rurais próximas à escola. A
estrutura física da escola pode ser assim
descrita: quatro salas de aula, uma
despensa, dois banheiros simples, um
refeitório, uma sala de professores, uma
biblioteca e uma pequena copa.
Quanto aos informantes,
participaram da pesquisa quatro
professores, que representam a totalidade
do quadro docente que atuou nessa escola
no ano de 2018 na Educação Infantil e no
Ensino Fundamental séries iniciais (1º ao
ano). Dois dos docentes pesquisados
atuam em classes multisseriadas, ou seja,
um docente para atender diferentes séries
no mesmo espaço físico (sala de aula), com
alunos de diferentes idades e níveis de
aprendizagem. A pesquisa foi realizada por
meio de entrevista, no período de setembro
a dezembro de 2018, no âmbito da unidade
escolar, sem que se tenha utilizado o áudio
ou o vídeo para gravação. O aceite para
participar da pesquisa está registrado na
assinatura do Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido (TCLE).
Fizemos uso da entrevista
semiestruturada no intuito de recolher
dados descritivos com a linguagem do
próprio sujeito, por meio da comunicação
entre pesquisador e entrevistado. A
entrevista foi planejada com a elaboração
de perguntas, respeitando as
especificidades de cada sujeito, embora
tenham sofrido reformulação e alteração,
na medida em que dúvidas ou novos
questionamentos surgiam ao longo da
entrevista. O uso desse instrumento nos
permitiu analisar aspectos da subjetividade
dos docentes que pudessem se configurar
como determinantes do processo de
trabalho e, ao mesmo tempo, permitir o
desvelamento de questões próprias ao
grupo estudado. Nas questões abordadas na
entrevista, pautamos: perfil, formação
docente e saberes adquiridos ao longo da
trajetória de atuação.
Quanto à caracterização dos sujeitos
da pesquisa, por questões éticas, utilizamos
pseudônimos para designar as
respondentes, com intuito de assegurar o
anonimato: P1 e P2, P3 e P4. Assim,
teremos P1 e P2, P3, e P4 com referência a
inicial para Professora. Na tabela 1,
fazemos uma apresentação do perfil das
respondentes:
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Tabela 1 - Perfil dos sujeitos da pesquisa.
Pseudônimo/sujeito
P1
P2
P3
P4
Idade
25 anos
30 anos
26 anos
Formação inicial, ano e
instituição
Pedagogia
2017 UFCG
Pedagogia
2000 UFPB
Pedagogia
2007 UFCG
Pedagogia
2017 UFCG
Pós-graduação/Ano de
conclusão
Psicopedagogia
2018
Não possui
Psicopedagogia
Não possui
Característica da
Instituição
Pública
Pública
Pública
Pública
Tempo de atuação
profissional
6 anos
26 anos
13 anos
2 anos
Série que
leciona/número de
alunos(as) em 2018
Pré I, II e II*
15
1º ao 3º*
10
4º ano
8
5º ano
5
*Classe multisseriada. Fonte: Dados da pesquisa (2018).
Ao observar os dados da tabela 1, as
docentes apresentam faixa etária de 26 a 30
anos e, das quatro, somente uma se negou
a dizer a idade. Quando consideramos a
formação, todas as docentes possuem
graduação em Pedagogia, porém, em
relação à formação continuada, a nível de
pós-graduação, somente as docentes P1 e
P3 afirmam possuir, ambas
Psicopedagogia, diferentemente de P2 e P4
que não possuem pós-graduação, mesmo a
docente P2 atuando há 26 anos na área. Em
relação ao tempo de atuação profissional,
percebe-se uma diferença entre o tempo de
atuação profissional, uma vez que as
docentes P1 e P4 atuam há seis e dois anos,
respectivamente, enquanto a docente P2
atua há vinte e seis anos, e P3 há treze
anos. Todas as docentes atuam em escolas
do campo da rede pública.
Nessa fase de tratamento dos dados,
procuramos combinar as falas das
entrevistadas com os autores que discutem
formação, saberes e escola do campo, sob
o prisma das particularidades envolvidas
no espaço escolar, sua dinâmica,
funcionamento e organização. Foi possível
desvelar algumas categorias a partir dos
dados apurados. Foram elas: “saberes
profissionais na Educação do Campo”;
“formação profissional na Educação do
Campo” e “desafios enfrentados na
Educação do Campo”.
Saberes profissionais e Educação do
Campo: o que dizem as professoras
Nesta seção, abordaremos os
resultados da pesquisa, a partir das
seguintes categorias: “saberes profissionais
na Educação do Campo”; “formação
profissional na Educação do Campo” e
“desafios enfrentados na Educação do
Campo”.
Almeida, F. M. M. G., Santos, S. C. M., & Silva, T. K. (2020). Saberes profissionais e escola do campo: reflexões na voz de
professores...
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Partimos da primeira categoria, a
formação profissional, considerando que a
necessidade de formação do professor é
vivenciada em duas fases distintas: inicial
e continuada. A formação inicial do
docente, segundo Tardif (2011, p. 288),
“visa a habituar os alunos os futuros
professores à prática profissional dos
professores de profissão e a fazer deles
práticos reflexivos”. Contudo, apenas a
formação inicial não satisfaz as
necessidades do docente, à medida que
busca outros mecanismos, como é o caso
da formação continuada. As quatro
docentes entrevistas, P1, P2, P3 e P4,
possuem graduação em Pedagogia, com
tempo de atuação em escola do campo,
respectivamente, de 6, 26, 2 e 13 anos.
Assim, tratando sobre a presença de
disciplina de Educação do Campo na
graduação (formação inicial), participação
em cursos de formação continuada e a
relevância que atribuíam a essa discussão,
a tabela 2 assim nos ilustra:
Tabela 2 - Disciplina em Educação do Campo.
Pseudônimo/sujeito
P1
P2
P3
P4
Cursou disciplina em Educação do
Campo na graduação
Sim
Não
Não
Não
Participação em formação para
atuação da escola do Campo.
Não
Sim
Não
Sim
Relevância de formações voltadas
para Educação do Campo
Sim
Sim
Não
Sim
Fonte: Dados da pesquisa (2018).
Como nota-se na tabela, somente P1
cursou disciplina relacionada à Educação
do Campo em sua formação inicial,
mostrando que as instituições formadoras,
durante os anos de formação das
entrevistadas, não ofereceram disciplinas
específicas para atuação na Educação do
Campo. Para Alencar (2010), a formação
do professor pode apresentar-se como
caminho para a transformação da Educação
do Campo em sua defesa por uma
educação e uma escola diferente da que
existe na realidade da área rural. Para
Macenhan, Tozetto e Brandto (2016, p.
510):
Um programa, preocupado com a
formação profissional ampla,
oportuniza caminhos para a pesquisa
e mostra que, para aprender a
Almeida, F. M. M. G., Santos, S. C. M., & Silva, T. K. (2020). Saberes profissionais e escola do campo: reflexões na voz de
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ensinar, não há uma receita ou um
momento de finalização na formação
para o exercício da prática em sala.
Nessa perspectiva, aprender a ensinar
depende não apenas da formação
inicial ou continuada de modo
dissociado, mas da formação dos
professores a partir da concepção de
desenvolvimento profissional
docente. Ao tratarmos de
desenvolvimento profissional,
certamente a formação inicial dos
professores é uma das peças chaves
desse processo.
O trabalho docente em escolas rurais
exige dos professores olhares sensíveis e
atentos às questões sobre a comunidade, a
sua produção econômica e às demandas
dos sujeitos que ali vivem, exigindo da sua
formação inicial um caráter mais amplo em
forma de conteúdos, práticas e
metodologias contextualizadas. No lastro
dessas considerações, está também a
formação continuada. Das quatro
entrevistadas, duas participaram de cursos
realizados de forma esporádica, sem muito
aprofundamento de proposição e discussão
de metodologias e conteúdos que
considerem as especificidades e
necessidades do campo. A ausência de
formações voltadas para área do campo
nivela os espaços escolares, sem considerar
suas diferenças. Alencar (2010) pontua que
quando se coloca a formação do professor
posta e desenvolvida na área rural,
transportada da área urbana, não valoriza a
memória, história, produção e cultura do
povo do campo. Assim, uma formação de
professores na perspectiva da Educação do
Campo é planejada e executada com base
na participação ativa de professores,
possibilitando-os aprendizagens
permanentes que combinem saberes
específicos da profissão docente, com o
contexto educacional e social da escola e
do seu entorno.
Outro ponto que Alencar (2010)
alerta é sobre a falta de estrutura e
experiência dos professores para o
desenvolvimento entre saberes escolares e
saberes do cotidiano. Em outras palavras,
as práticas pedagógicas dos docentes não
relacionam a educação formal (conteúdos
sistematizados apropriados no ambiente
acadêmico) à educação não formal
(conteúdos que se aprendem no mundo da
vida) e à educação informal (conteúdos
que se aprendem no processo de
socialização).
Com isso, estamos diante da
condição real que o processo de
escolarização não pode se distanciar dos
seguintes objetivos: i) integrar a
escolarização à qualificação profissional e
social; ii) integrar os conhecimentos
científicos (saberes escolares) ao
conhecimento da realidade (contexto social
local e global) e ao conhecimento anterior
do aluno (saberes ligados à experiência de
vida do educando); iii) formar a identidade
da população do campo como sujeito
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articulado a um projeto de emancipação
humana e de desenvolvimento para o
campo (Alencar, 2010).
Nesse sentido, quando o professor
possui uma boa bagagem de
conhecimentos, ele tem mais
possibilidades de proporcionar uma
aprendizagem satisfatória à criança
(Macenhan, Tozetto & Brandt, 2016). Na
verdade, o conhecimento lhe subsídios
para estimular a aprendizagem e o
desenvolvimento integral dos alunos de
forma integral, considerando as
potencialidades, capacidades, dificuldades
bem como atender os objetivos propostos
do currículo.
Nessa discussão, um dado que
merece destaque está exposto na questão
sobre a importância da formação para
Educação no Campo, em que a docente P3
diz não considerar isso importante, sendo
contrária aos posicionamentos das demais
e sem justificar o porquê. Vale ressaltar
que na questão anterior, a docente não
cursou disciplina sobre Educação do
Campo no período da sua formação inicial
nem participou de formação continuada.
Ainda que a política de Educação do
Campo parta do reconhecimento da
necessidade de saberes e fazeres docentes
forjados nas vivências únicas e singulares
da escola do campo. Assim, é preciso que
o docente se reconheça como sujeito que
mantém uma relação de pertencimentos
e/ou valorização com a cultura do campo.
Pensando assim, negar a relação
intrínseca entre escola e o lugar que
pertence, fragiliza o modo de integração
dos saberes ao cotidiano das suas
atividades como docentes. No entanto, essa
negação pode ser condicionada à falta de
informação sobre as especificidades da
Educação do Campo, como é o caso das
entrevistadas (Alencar, 2010).
De outra forma, as docentes P2 e P4
afirmam que participaram desse tipo de
formação, ressaltando, inclusive, que
foram oferecidas por meio da secretaria de
educação de outro município que ambas
são professoras, enquanto P1 e P3 dizem
que não participaram deste tipo de
formação.
Como vemos, a carência de uma
formação para os professores não prepara
para uma atuação que supere as condições
de marginalização da educação no meio
rural. A aprendizagem que acontece pela
partilha entre os sujeitos que convivem no
ambiente escolar é qualitativa, porém, o
professor precisa ter o conhecimento
aprofundado, no sentido de promover a
dinâmica de sala de aula, conduzindo o
processo de diálogo, seja possível a
elevação do nível conceitual do grupo
como um todo (Macenhan, Tozetto &
Brandto, 2016). Assim, os saberes
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profissionais são mobilizados por meio de
processos de socialização estabelecidos ao
longo da vida, como família, escola,
alunos, colegas de profissão e, claro, nas
instituições de formação. Essas relações
influenciam suas decisões, posições e
comportamentos diante do evento, da
situação e circunstância apresentadas.
De fato, a falta de uma
sistematização formativa, aliada à
precarização dos serviços, fragiliza a
atuação do professor. A carência de uma
política pública de formação interligada a
fatores de ordem cultural e social é um dos
maiores entraves para a vivência de um
conjunto de situações didático-pedagógicas
a serem vivenciadas nos espaços
educativos do campo.
Saberes profissionais na Educação do
Campo
Aqui discutimos a compreensão
acerca dos saberes profissionais na
Educação do Campo. Segundo Oliveira
(2014), os saberes da docência são
formados através das experiências do
cotidiano, advindos da relação com o meio
social e geográfico, como também os
saberes das experiências que se formam a
partir da prática e do cotidiano na relação
com as atividades docentes.
Sobre isso, a docente P3 afirma que
“enquanto educadores estamos em
constante formação e aprendemos sobre a
cultura, os valores do povo do campo”
(Informação verbal), mas não traz
argumentos que falem sobre os saberes
adquiridos na realidade descrita, falando da
aprendizagem de modo geral. Em relação à
fala da professora P4, temos;
Nós, professores aprendemos todos
os dias na nossa prática docente.
Aprendemos com nossos alunos, com
os pais deles, com as pessoas que
fazem parte da comunidade, com a
equipe escolar. É impossível
mensurar quantas vivências e
aprendizagens levamos em nossa
bagagem. (Informação verbal - P4).
A fala da docente retoma ao
pensamento de Tardif (2011) sobre os
saberes experienciais, saberes específicos
desenvolvidos pelos docentes na prática
cotidiana e no conhecimento do meio em
que estão inseridos. Para as respondentes,
os principais saberes são apreendidos com
a prática na escola do campo. Sobre isso,
P1 aponta que, no exercício da sua atuação,
encontrou alguns problemas relacionados à
indisciplina e acrescenta: “foram esses
percalços que fizeram surgir aprendizagem
de novos métodos de ensino que
contribuíram para a minha adaptação na
comunidade” (Informação verbal). Do
mesmo modo, P2 afirmou que é
“necessário ter humildade e compreender a
realidade da Educação no Campo,
buscando mecanismos para que os
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aprendentes conheçam suas origens e
costumes(Informação verbal). A fala das
entrevistadas reproduz a ideia de teoria e
prática como opositoras e em disputa,
como se não estivessem intimamente
relacionadas e interdependentes. A
formação docente compreende os saberes
apreendidos e as experiências vivenciadas.
Dessa forma, acerca dos saberes da
sua formação profissional preparar para
atuação na escola do campo, P1 e P4
compartilham da ideia de que os saberes da
formação profissional não preparam para a
atuação no espaço do campo, embora P1
enfatize que as vivências aprendidas na
graduação possibilitaram exercer boas
práticas em sala de aula. P4 assim nos
diz: “nunca estamos prontos”, e
complementa a reposta afirmando que
“aprende-se a ser professor do campo,
sendo professor de uma escola do campo
(Informação verbal). Por outro lado, P2
descreve que o saber profissional
possibilita ter conhecimento amplo e
satisfatório relacionado à Educação do
Campo, mas reconhece a necessidade de, a
cada dia se aprofundar mais, pois tudo está
em constante evolução. A entrevistada P3
afirma que a formação profissional lhe
preparou para atuação na escola do campo,
sem, contudo, complementar ou justificar a
afirmativa.
Como vemos, é recorrente na fala
das entrevistadas que, no exercício
cotidiano da sua função, as situações
vivenciadas na sala de aula necessitam de
habilidade, desenvolvimento de
alternativas e estratégias, muitas vezes,
condicionadas a improvisação. Embora
reconheçam os saberes advindos da
formação inicial, admitem que o saber da
experiência prevalece quando se trata da
própria vivência diária da tarefa de ensinar.
Aqui, o saber docente se faz no fazer
cotidiano da profissão. Os saberes que
surgem da experiência são fundamentais e
dotados de riquezas, porém não podemos
deixar de evidenciar a importância de
formações especificas como fonte de
aprendizado e desenvolvimento do
trabalho do professor.
Educação no Campo: desafios e
perspectivas
Na categoria sobre os desafios para
atuação nas escolas do campo, a fala da
professora P1 denuncia a falta de estrutura
e recursos. De acordo com Arroyo, Caldart
e Molina (2004, p.10), a “escola no meio
rural passou a ser tratada como resíduo do
sistema educacional brasileiro”. Nesse
mesmo raciocínio, a professora P3 afirma
que o maior desafio é a aproximação com a
comunidade, pois como não reside na
localidade onde trabalha, o vínculo
Almeida, F. M. M. G., Santos, S. C. M., & Silva, T. K. (2020). Saberes profissionais e escola do campo: reflexões na voz de
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estabelecido com o seu espaço de atuação
profissional se por meio dos alunos,
sem uma maior aproximação com a
comunidade. Existe uma necessidade de
identidade entre os professores e as escolas
do campo que demanda reconhecimento
das dimensões, principalmente do percurso
histórico que conduziu as populações
camponesas a este cenário de invisibilidade
(Oliveira, 2014). De outro modo, P2 e P4
afirmam que o principal desafio é lidar
com as salas multisseriadas.
Lembramos que o termo
multisseriado ou multianos é designado a
turmas que apresentam faixa etária de
idades e seriações diferentes em uma
mesma sala de aula. Esse modelo
apresenta-se, principalmente na escola do
campo, pois as turmas são formadas com
poucos alunos de cada ano. Na sala de aula
um único professor, assumindo, muitas
vezes, múltiplas funções, para duas, três e
até quatro ries diferentes ao mesmo
tempo e no mesmo espaço (Druzian &
Meurer, 2013).
Assim, trabalhar com a classe
multisseriada é um desafio para os
docentes que, durante a formação inicial
e/ou continuada, defasagem, ou mesmo
inexistência de orientações para atuarem
nesses espaços, que necessitam de uma
organização e tempo específicos. Por essa
razão, o cotidiano do professor e sua
metodologia ganham novamente destaque
nesse estudo quando mobilizados pelos
saberes da prática e das experiências
vividas em seu meio. Essa realidade tem
gerado uma sobrecarga no docente: turmas
multisseriadas, diversas e diferentes,
dificuldades estruturais como transportes
ou falta dele, carência financeira da
família, situações de discriminação quanto
à origem do campo, dentre outros, mas que
conseguiram superá-las por meio da
educação (Morais, 2017).
Porém, não é multisseriação o maior
obstáculo para o professor, mas a falta dos
recursos necessários para que ele
desenvolva um trabalho de qualidade. A
escola multisseriada no campo ainda é o
principal viés de acesso das comunidades
rurais à educação. O fato é que temos que
lutar pela garantia de qualidade desse
ensino, prejudicado pela precariedade da
estrutura e inadequado ao trabalho docente,
mas nunca defender o seu fechamento.
Para romper com a lógica do fechamento
das escolas do campo, Arroyo e Fernandes
(1999) defendem a organização do ensino
por ciclos de formação, como uma forma
de diminuir o trabalho do profissional
docente, pois os alunos estariam divididos
por bagagem de experiências, encontradas
de acordo com os conteúdos, através de
cada ciclo vivido eles:
Almeida, F. M. M. G., Santos, S. C. M., & Silva, T. K. (2020). Saberes profissionais e escola do campo: reflexões na voz de
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Organizar as escolas do campo por
ciclos, no meu entender, seria um
grande avanço. Porque a escola rural
trabalha crianças de idade
próximas, socializadas de maneira
bastante interativa, vivenciando
experiências sociais, culturais, de
produção muito próximas. A escola
não separaria a crianças e
adolescentes por níveis de conteúdos
aprendidos, por séries, mas
aproximaria por experiências, idades
culturais, sociais, aprendizados,
socialização. (Arroyo & Fernandes,
1999, p. 36).
Como vemos, o relacionamento entre
as crianças de idade distintas favorece a
aquisição de saberes e vivências,
contribuindo para o desenvolvimento
integral da criança. Nos últimos anos “a
política tem sido a de estimular cada vez
mais os estudos na cidade, buscando
diminuir o número de escolas no campo,
sob a alegação de que são as mais caras e
tornam-se inviáveis” (Arroyo, Caldart &
Molina, 2004 p. 35). Isso faz com que os
alunos se desloquem de sua comunidade
até a cidade para ter acesso à escola.
Nesse pensamento, ao abordar o
vínculo de relação e identidade com a
comunidade as docentes P1, P2 e P4
afirmaram sentir-se parte do espaço, pois
ambas residem ou nasceram no espaço do
campo: “sou parte da história. Sou parte da
comunidade. Meus alunos carregam nas
veias o sangue dos mesmos antepassados
que eu” (Informação verbal - P2). Para
Santos (2012), é necessário reconhecermos
os sentimentos dos que vivem na e da terra,
pois recriam o sentimento de pertença e
reconstroem suas identidades com a terra e
sua comunidade. Sem dúvidas, esse
sentimento aliado ao olhar de valorização
acerca do espaço da escola reconhecendo e
considerando as potencialidades, a cultura
e os saberes da comunidade tornam a
prática pedagógica mais significativa, pois
é dotada de sentido. A docente P3 também
relatou que possui vínculos com os alunos,
pois conhece suas famílias e modo de vida,
afirmando conhecer a comunidade e seu
modo de viver e relacionar-se, mas não
pertence a esse espaço. Um dos problemas,
segundo Alencar (2010, p. 218):
O que impossibilita a incorporação
da vida campesina, da identidade do
campo, da vida, história, memória,
saberes e lutas do sujeito do campo
no interior da escola, como parte da
práxis pedagógica, pois o próprio
docente não tem reconhecido o seu
saber, suas memórias, sua vida e
experiências, sua autoria e
criatividade profissional, pois são
regidos a uma conformação de
identidade que o homogeneíza.
(Alencar, 2010, p. 218).
Assim, ao interrogar se os saberes
curriculares da sua escola estão
organizados para contemplar o contexto e a
realidade do campo, as professoras P1 e P2
afirmaram que sim, as professoras P3 e
P4 relataram que não, mas que buscam
adaptar na prática:
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O currículo é imposto para todas as
escolas como se todos fossem iguais,
mas nós adaptamos a realidade do
nosso aluno. Se o livro trás um texto
sobre o dia no shopping, podemos
criar um texto sobre o dia no ude.
(P4).
Nesse sentindo, as Diretrizes
Curriculares Nacionais Gerais para a
Educação Básica de 2010 estabelecem que:
Art. 35 Na modalidade de Educação
Básica do Campo, a educação para a
população rural está prevista com
adequações necessárias às
peculiaridades da vida no campo e de
cada região, definindo-se orientações
para três aspectos essenciais à
organização da ação pedagógica:
I - conteúdos curriculares e
metodologias apropriadas às reais
necessidades e interesses dos
estudantes da zona rural;
II - organização escolar própria,
incluindo adequação do calendário
escolar às fases do ciclo agrícola e às
condições climáticas;
III - adequação à natureza do
trabalho na zona rural. (Brasil, 2010,
p. 12).
Mesmo estando estabelecido nas
Diretrizes que o currículo e a organização
escolar sejam desenvolvidos considerando
as condições ambientais e culturais, é
imposto para os professores um currículo
nivelado, em que ele deve fazer as
adaptações necessárias. Assim, é
importante questionarmos: Os professores
conseguem planejar suas aulas atendendo
essas exigências? Para Alencar (2010), a
prática pedagógica do professor do campo
necessita extrapolar os conhecimentos
disciplinares, trazendo temas que são
naturalizados no espaço de formação e
transportados à sala de aula pela docência.
O professor deve ir além dos conteúdos
disciplinares, ampliando o olhar para o
próprio espaço, considerar seu chão como
único, plural e fecundo para
desenvolvimento do aluno.
Desse modo, os desafios do exercício
da docência na realidade das escolas do
campo se apresentam de inúmeras formas,
desde a ausência de recursos a lacunas na
formação, porém, como dito por uma das
sujeitas “se aprende a ser professor da
Educação do Campo, sendo professor em
uma escola do campo”. O que nos remete
ao ensinamento de Freire (1995, p. 58):
“ninguém começa a ser educador numa
certa terça-feira às quatro horas da tarde.
Ninguém nasce educador ou marcado para
ser educador. A gente se faz educador, a
gente se forma, como educador,
permanentemente, na prática e na reflexão
sobre a prática”.
Considerações Finais
Compreendemos que a construção do
saber e do conhecimento como algo
permanente, é construído e modificado a
partir da junção teoria e prática educativa,
sem esquecer do exercício da formação
continuada. A escuta das vozes dos sujeitos
de nossa pesquisa revela que os educadores
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que atuam na escola do campo dão maior
ênfase ao saber experiencial, seguido do
saber disciplinar e da formação. Os
professores valorizam os saberes
experienciais, sem desmerecer os saberes
profissionais, pois, sem formação
específica para atuar na escola do campo, é
no cotidiano das suas funções que vivem
situações concretas a partir das quais se faz
necessário decidir as estratégias e ações
diante da situação apresentada.
Essa postura prevalece em função de
limitações relacionadas ao curso de
formação inicial, ao fato que, de acordo
com as respondentes, não são todos os
cursos de licenciaturas que trabalham
disciplinas relacionadas a este campo de
atuação. É fato também a ausência de
formações no âmbito municipal para
auxiliar os docentes que trabalham na
Educação do Campo.
Assim, além da necessidade explícita
de formação voltada para atuação docente,
é necessário melhoria nas condições de
trabalho, que ainda são precárias na escola
do campo. De acordo com o documento do
Ministério da Educação, além da baixa
qualificação e dos salários inferiores aos da
zona urbana, eles enfrentam, entre outras
dificuldades, sobrecarga de trabalho, alta
rotatividade e dificuldade de acesso à
escola, em função das condições das
estradas e da falta de ajuda de custo para a
locomoção (Brasil, 2007, p. 33). Soma-se a
isso, a constante instabilidade da existência
da escola na comunidade rural, sob a
alegação de que são as mais caras e
tornam-se inviáveis. Nessa visão
equivocada, a escola do campo está fadada
ao desaparecimento, tem vida útil limitada
a um período para o qual foi projetada a
fim de atender requisitos de desempenho
estabelecidos.
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Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 19/06/2019
Aprovado em: 20/01/2020
Publicado em: 30/04/2020
Received on June 19th, 2019
Accepted on January 20th, 2020
Published on April, 30th, 2020
Contribuições no artigo: As autoras foram as
responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for
the designing, delineating, analyzing and interpreting the
data, production of the manuscript, critical revision of the
content and approval of the final version published.
Conflitos de interesse: As autoras declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Francisca Maísa Maciel Gomes de Almeida
http://orcid.org/0000-0003-2437-2282
Simone Cabral Marinho dos Santos
http://orcid.org/0000-0001-8338-8482
Taysa Kelly da Silva
http://orcid.org/0000-0001-7305-5078
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Almeida, F. M. M. G., Santos, S. C. M., & Silva, T. K.
(2020). Saberes profissionais e escola do campo:
reflexões na voz de professores. Rev. Bras. Educ. Camp.,
5, e7055. http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e7055
ABNT
ALMEIDA, F. M. M. G.; SANTOS, S. C. M.; SILVA, T. K.
Saberes profissionais e escola do campo: reflexões na voz
de professores. Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis,
v. 5, e7055, 2020.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e7055