Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e7058
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e7058
10.20873/uft.rbec.e7058
2020
ISSN: 2525-4863
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Formação por “área” de professores da Educação do
Campo
Wender Faleiro
1
, Geize Kelle Nunes Ribeiro
2
, Magno Nunes Farias
3
1, 2
Universidade Federal de Catalão - UFCat. Programa de s-Graduação em Educação. Avenida Dr. Lamartine Pinto de
Avelar, 1120, Setor Universitário. Catalão - GO. Brasil.
3
Universidade Federal de São Carlos - UFSCar.
Autor para correspondência/Author for correspondence: wender.faleiro@gmail.com
RESUMO. O estudo teórico-reflexivo apresenta ponderações
sobre a formação por área de conhecimento sob à luz da
Pedagogia Histórico-Crítica, dialogando principalmente com
Saviani (1999, 2011, 2016), Santos (2013) e Caldart (2011),
com a finalidade de questionar o porquê da Licenciatura em
Educação do Campo almejar um modelo formativo diferente das
demais licenciaturas implantadas no Brasil. A formação por área
de conhecimento será constituída se estiver dentro da
perspectiva da interdisciplinaridade, na qual os Educadores do
Campo buscam articular conhecimentos científicos, superar sua
fragmentação e, principalmente, ter como referência e dar
centralidade para a compreensão da realidade do Campo e sua
transformação. Entende-se que esse tipo de formação é uma
forma de construir e produzir conhecimento contra-hegemônico,
na medida em que coloca o processo de educação em um
movimento dinâmico e integrado entre mais de uma disciplina,
tendo em vista que a fragmentação leva a limitação e alienação
para se compreender as realidades. Dessa forma, vemos a
necessidade de avançarmos em discussões sobre os aspectos
estruturantes das LEdoCs, a finalidade e intencionalidade do
curso mediante a luta pela educação dos sujeitos campesinos.
Palavras-chave: Formação de Professores, Educação do
Campo, Pedagogia Histórico-Crítica.
Faleiro, W., Ribeiro, G. K. N., & Farias, M. N. (2020). Formação por “área” de professores da Educação do Campo...
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Training for “area” of Rural Education
ABSTRACT. The theoretical-reflective study presents
considerations on training by area of knowledge in the light of
Historical-Critical Pedagogy, dialoguing mainly with Saviani
(1999, 2011, 2016), Santos (2013) and Caldart (2011), in order
to question why the Degree in Rural Education aims at a training
model different from the other degrees implemented in Brazil.
Training by area of knowledge will only be constituted if it is
within the perspective of interdisciplinarity, in which Field
Educators seek to articulate scientific knowledge, overcome its
fragmentation and, mainly, have as a reference and give
centrality for understanding the reality of the Field and its
transformation. It is understood that this type of training is a
way to build and produce counter-hegemonic knowledge, as it
places the education process in a dynamic and integrated
movement between more than one discipline, considering that
fragmentation leads to limitation and alienation to understand
the realities. Thus, we see the need to move forward in
discussions on the structuring aspects of LEdoCs, the purpose
and intentionality of the course through the struggle for the
education of peasant subjects.
Keywords: Teacher Training, Rural Education, Historic
Pedagogy.
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Formación por “área” de profesores de la Educación del
Campo
RESUMEN. El estudio teórico-reflexivo presenta
consideraciones sobre la capacitación por área de conocimiento
a la luz de la pedagogía histórico-crítica, dialogando
principalmente con Saviani (1999, 2011, 2016), Santos (2013) y
Caldart (2011), para cuestionar por qué el Grado en Educación
Rural apunta a un modelo de capacitación diferente de los otros
títulos implementados en Brasil. La capacitación por área de
conocimiento solo se constituirá si está dentro de la perspectiva
de la interdisciplinariedad, en la cual los educadores de campo
buscan articular el conocimiento científico, superar su
fragmentación y, principalmente, tener como referencia y dar
centralidad para comprender la realidad del campo y su
transformación Se entiende que este tipo de capacitación es una
forma de construir y producir conocimiento contra hegemónico,
ya que ubica el proceso educativo en un movimiento dinámico e
integrado entre más de una disciplina, considerando que la
fragmentación conduce a la limitación y alienación para
comprender las realidades. Por lo tanto, vemos la necesidad de
avanzar en las discusiones sobre los aspectos estructurantes de
los LEdoC, el propósito y la intencionalidad del curso a través
de la lucha por la educación de los sujetos campesinos.
Palabras clave: Formación de Profesores, Educación del
Campo, Pedagogía Histórico-Crítica.
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Introdução
Na primeira década desse século a
Educação do Campo foi inserida nas
agendas de políticas educacionais
brasileiras, sob uma nova óptica sobre os
direitos dos povos do Campo, os afirmando
e reconhecendo como cidadãos
possuidores de modos de vidas específicos.
Assim, a Educação do Campo pode se
caracterizar como um movimento contra-
hegemônico, pois suas concepções são
antagônicas ao modelo hegemônico de
educação urbanocêntrica, pautado no
discurso capitalista e na ideologia
civilizatória (Arroyo, 2007; Carvalho,
2011). Segundo Farias e Faleiro (2019),
isso ocorre como consequência da
militância de movimentos e organizações
sociais, que após um longo processo de
lutas pressionaram o Estado para
consolidar políticas públicas voltadas para
Educação do Campo, entre elas a
implantação de cursos de Licenciaturas em
Educação do Campo (LEdoCs
i
), com a
finalidade de formar Educadores do
Campo, tendo como protagonistas desses
processos os sujeitos do Campo, suas
experiências, demandas e movimentos.
Ao longo do período de implantação
(2008-2014), mesmo que algumas políticas
educacionais se mostrem contraditórias
sobre essas questões, os avanços
estruturais e legais foram percebidos
(Souza, 2008; Munarim, 2011). Contudo,
no ano de 2016, frente aos cenários
políticos vivenciados no país, com cortes
orçamentários e, ao fim da vigência do
Edital PROCAMPO n. 02/2012 que
garantiu a implantação de quarenta e duas
LEdoCs em todo território nacional, o
futuro da consolidação e manutenção dos
princípios formativos da Educação do
Campo ficaram estremecidos.
É importante perceber com que força
e de que forma as LEdoCs estão sendo
implementadas dentro das Instituições de
Ensino Superior (IES), com a finalidade de
fortalecer esse movimento em meio às
ameaças conjunturais, analisando seus
princípios, especificidades e
intencionalidades, principalmente no que
tange as particularidades de se formar
professores para o território camponês
brasileiro. Dissemos isso, pois é necessário
o compromisso em assumir as LEdoCs
como processos contra-hegemônicos
antagônicos ao interesse do capital, da
mercantilização e do aligeiramento da
formação docente.
Temos ciência e concordamos com
Barros e Hage (2018, p. 280) “que é
preciso desvelar as amarras sociais do
capitalismo na educação e as ideologias
que a cercam, pois é importante para não
criarmos ilusões de soluções fáceis para os
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problemas da educação e da formação”.
Não podemos esquecer do processo de
degradação da educação e
profissionalização docente sofridos ao
longo da história, e muito menos, dos
interesses capitalistas que estão por trás
desse processo. Ainda, vale ressaltar outros
amarrilhos presentes no processo
formativo dos docentes em nosso país,
principalmente no que concerne, segundo
Saviani (2004), ao caráter adaptativo ao
modelo hegemônico proposto pela
UNESCO e pelo Banco Mundial. Modelo
esse muito sedutor e que merece cuidado,
porque, conforme Santos (2013), é
pseudocrítico das pedagogias do capital e,
muitas vezes são utilizadas e reproduzidas
por docentes, militantes e intelectuais da
pedagogia contra-hegemônica.
Ao longo de nossa breve jornada
enquanto pesquisadores e atuantes na
formação de professores na LEdoC nos
deparamos por vários pontos e
contrapontos que nos inquietam e nos
moveram a reflexões coletivas. Aqui nesse
texto trazemos uma delas, que a nosso ver
é muito importante e, de certa forma, é um
pilar para a consolidação da Educação do
Campo. Como o próprio título sugere não
traremos respostas, mas ponderações sobre
a formação por área do conhecimento sob
à luz da Pedagogia Histórico-Crítica.
Formação de Professores do Campo e a
Pedagogia Histórico-Crítica
Para definir educação é necessário
entender a natureza do homem, porque,
como escreve Saviani (2011, p. 11), “a
educação é um fenômeno próprio dos seres
humanos”. O homem diferencia-se dos
demais animais pelas suas relações com a
natureza. Os animais adaptam-se à
natureza, garantindo sua existência
naturalmente. Enquanto que o homem
adapta a natureza a si (transforma a
natureza), produzindo sua existência
continuamente por meio do trabalho. Em
outras palavras, “para sobreviver, o homem
necessita extrair da natureza, ativa, e
intencionalmente, os meios de sua
subsistência. Ao fazer isso, ele inicia o
processo de transformação da natureza,
criando um mundo humano (o mundo da
cultura)” (Saviani, 2011, p. 11). Ainda,
corroborando com esse pensamento,
Leontiev (1978, p. 267, grifo do autor)
afirma que
... as aptidões e caracteres
especificamente humanos não se
transmitem de modo algum por
hereditariedade biológica, mas
adquirem-se no decurso da vida por
um processo de apropriação da
cultura criada pelas gerações
precedentes... Podemos dizer que
cada indivíduo aprende a ser homem.
O que a natureza lhe dá quando nasce
não lhe basta para viver em
sociedade. É-lhe ainda preciso
adquirir o que foi alcançado no
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decurso do desenvolvimento
histórico da sociedade humana.
Logo, nós não nascemos
humanizados, é por meio da educação que
nos humanizamos. A educação é a
condição fundamental para que cada
indivíduo se efetive como ser histórico e
social. Dessa forma,
O trabalho educativo é o ato de
produzir, direta e intencionalmente,
em cada indivíduo singular, a
humanidade que é produzida
histórica e coletivamente pelo
conjunto dos homens. Assim, o
objeto da educação diz respeito, de
um lado, à identificação dos
elementos culturais que precisam ser
assimilados pelos indivíduos da
espécie humana para que eles se
tornem humanos e, de outro lado e
concomitantemente, à descoberta das
formas mais adequadas para atingir
esse objetivo (Saviani, 2011, p. 13).
O papel da escola consiste na
socialização do saber sistematizado, em
possibilitar a aquisição de instrumentos
que condicionam a transmissão e
assimilação do saber elaborado. Com
efeito, a escola atual tem configurado
como reprodutora da organização social
gerida pelo modo de produção capitalista,
reproduzindo e reafirmando os modelos de
subordinação e dominação da classe
dominante, a qual está dedicada na
manutenção de seu domínio, portanto, não
tem interesse na transformação histórica da
escola (Saviani, 1999).
Entretanto, reconhecemos o processo
de escolarização como sendo um dos
instrumentos de superação das relações
sociais de dominação/subordinação que
sofrem a classe trabalhadora. A classe
dominada (trabalhadora) será liberta
quando dominar aquilo que a classe
dominante domina, dizemos com relação
ao domínio da cultura, o qual é o
instrumento essencial para a participação
política das massas. “Se os membros das
camadas populares não dominam os
conteúdos culturais, eles não podem fazer
valer os seus interesses, porque ficam
desarmados contra os dominadores, que se
servem exatamente desses conteúdos
culturais para legitimar e consolidar a sua
dominação” (Saviani, 1999, p. 66). E
ainda,
Uma pedagogia articulada com os
interesses populares valorizará, pois,
a escola; não será indiferente ao que
ocorre em seu interior; está
empenhada em que a escola funcione
bem; portanto, estará interessada em
métodos de ensino eficazes. Tais
métodos se situarão para além dos
métodos tradicionais e novos,
superando por incorporação as
contribuições de uns e de outros.
Portanto, serão métodos que
estimularão a atividade e iniciativa
dos alunos sem abrir mão, porém, da
iniciativa do professor; favorecerão o
diálogo dos alunos entre si e com o
professor, mas sem deixar de
valorizar o diálogo com a cultura
acumulada historicamente; levarão
em conta os interesses dos alunos, os
ritmos de aprendizagem e o
desenvolvimento psicológico mas
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sem perder de vista a sistematização
lógica dos conhecimentos, sua
ordenação e gradação para efeitos do
processo de transmissão-assimilação
dos conteúdos cognitivos (Saviani,
1999, p. 79).
Nesse âmbito, abrimos essa
discussão para caracterizar a Educação do
Campo e fazer alguns
apontamentos/aproximações com a
Pedagogia Histórico-Crítica, levando em
consideração seu objetivo de
transformação social e de luta contra a
seletividade, discriminação e o
rebaixamento do ensino das classes
dominadas (Saviani, 1999). A Educação do
Campo configura-se como a luta dos
trabalhadores e trabalhadoras campesinos
ii
por acesso à Educação pública, gratuita e
de qualidade em todos os níveis de ensino.
Em outras palavras, é a luta por uma
educação formal que valoriza a identidade
desse povo, atenda suas necessidades e seja
um instrumento de superação das
desigualdades cio-históricas sofridas
(Caldart, 2012).
A realidade que produz a Educação
do Campo não é nova, mas ela
inaugurou uma forma de fazer seu
enfrentamento. Ao afirmar a luta por
políticas públicas que garantam aos
trabalhadores do Campo o direito à
educação, especialmente à escola, e a
uma educação que seja no e do
Campo, os Movimentos Sociais
interrogam a sociedade brasileira: por
que em nossa formação social os
camponeses não precisam ter acesso
à escola e a propalada
universalização da Educação Básica
não inclui os trabalhadores do
Campo? Uma interrogação que
remete à outra: por que em nosso país
foi possível, afinal, constituir
diferentes mecanismos para impedir
a universalização da educação
escolar básica, mesmo pensada
dentro dos parâmetros das relações
sociais capitalistas? (Caldart, 2012, p.
261).
Assim, a Educação do Campo
representa a educação dos camponeses.
Não é uma educação para e nem apenas
com, mas sim resultado do enfrentamento
social por acesso à educação feita por eles
mesmos. Desse modo, para que essa
educação seja contemplada, é fundamental
a valorização do trabalho docente e uma
formação específica nessa perspectiva.
Arroyo (2012, p. 361-367) apresenta os
principais objetivos da formação de
Educadores do Campo:
Superar um protótipo único,
genérico de docente-educador para
a Educação Básica;
Repensar e redefinir a relação entre
o Estado, as instituições e os
Movimentos Sociais;
Formar professores com capacidade
crítica, reflexiva para transformar a
realidade, capazes de
reconhecer/incorporar a riqueza de
saberes do trabalho, da terra, das
experiências e das ações coletivas e
sociais dos povos do Campo;
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Incorporar a história de produção
das desigualdades e das relações
políticas de
dominação/subordinação da
agricultura, dos povos do Campo e
seus trabalhadores à lógica do
capital;
Incorporar uma formação plural
para funções plurais (educativa,
diretiva e organizativa);
Superar a fragmentação do
conhecimento;
Superar visões inferiorizantes de
outras formas de pensar, de outras
culturas e seus coletivos e avançar
para posturas de reconhecimento e
diálogo entre modos de pensar.
Nesse sentido, a partir da pressão e
das demandas apresentadas pelos
Movimentos Sociais e sindicais, em 2012,
foram selecionadas 42 IES para
implantarem a LEdoC. Vale destacar que,
anteriormente a isso, em 2008, quatro
universidades
iii
foram convidadas para
desenvolver uma experiência piloto, em
função da experiência em formação de
Educadores do Campo e/ou experiências
com implementação de licenciatura por
área de conhecimento e/ou experiência em
gestão compartilhada com os sujeitos do
Campo e suas representações” (Antunes-
Rocha, Diniz & Oliveira, 2011, p. 19). A
proposta desta implantação inicial “visava
estimular nas universidades públicas a
criação de projetos de ensino, pesquisa e
extensão no âmbito da formação de
educadores para atuação com as
populações que trabalham e vivem no e do
Campo(id. e ibid.). Santos (2013, p. 95)
apresenta algumas justificativas para a
criação da LEdoC:
a) a precariedade das escolas do meio
rural; b) a questão da multisseriação;
c) a necessidade de professores
formados por áreas do conhecimento
numa perspectiva multi e
interdisciplinar para dar conta da
escassez de docentes no meio rural;
d) a necessidade de superação da
fragmentação do conhecimento na
educação escolar por meio da
formação por áreas do conhecimento.
Logo, a LEdoC é uma nova
modalidade de graduação, que pretende
“formar e habilitar profissionais para
atuação nos anos finais do ensino
fundamental e médio, tendo como objeto
de estudo e de práticas as escolas de
Educação Básica do Campo” (Molina &
Sá, 2012, p. 468). A organização curricular
prevê regime de alternância, que
compreende em tempo escola/universidade
e tempo comunidade, tendo em vista a
articulação intrínseca entre educação e a
realidade específica das populações do
Campo. Além disso, segundo as autoras
(id. e ibid.), “esta metodologia intenciona
evitar que o ingresso de jovens e adultos na
educação superior reforce a alternativa de
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deixar de viver no Campo, bem como
objetiva facilitar o acesso e a permanência
no curso dos professores em exercício”.
Espera-se que o curso garanta um
perfil de formação docente tridimensional
(plural): 1) habilitação da docência por
área de conhecimento; 2) gestão de
processos educativos escolares; e 3) gestão
de processos educativos comunitários. A
formação por áreas de conhecimento visa
superar a fragmentação tradicional que
centralidade à forma disciplinar e mudar o
modo de produção do conhecimento na
universidade e na escola do Campo, tendo
em vista a compreensão da totalidade e da
complexidade dos processos encontrados
na realidade. As LEdoCs distinguem-se em
quatro áreas de conhecimento: 1)
Linguagens (Língua Portuguesa, Artes e
Literatura; 2) Ciências Humanas e Sociais;
3) Ciências da Natureza e Matemática; 4)
Ciências Agrárias (Molina & Sá, 2012).
Formação por “área de conhecimento”
Vimos que a LEdoC almeja
caminhos diferentes dos modelos
formativos de professores implantados no
Brasil, daí surge a pergunta, foco de nosso
texto: Por que a formação por área de
conhecimento?
Inicialmente é necessário
compreendermos os motivos que levaram a
não construção de uma licenciatura
disciplinar. Primeiramente, pelo fato de
muitas vezes as escolas do Campo
sofrerem com a inviabilidade em manter
professores por disciplinas (devido ao
baixo número de estudantes e pela
distância das escolas), busca-se, assim,
equacionar essa problemática formando
docentes com um leque maior de
possibilidades de atuação. Segundo,
porque a formação por disciplina traria
barreiras para construir um curso que se
propõe a superar uma formação com
saberes fragmentados, que objetiva forjar a
interdisciplinaridade entre disciplinas e a
realidade concreta. Ademais, a ideia de
área já estava sendo dialogada pelo
Ministério da Educação para a Educação
Básica, seria uma proposta mais facilmente
de ser aceita (Caldart, 2011). Arroyo
(2007, p. 168) aponta para essas
perspectivas também:
Uma das causas da negação da
educação fundamental (5
a
a 8
a
) e
média para a adolescência e
juventude do Campo é a dificuldade
de garantir nas pequenas e dispersas
escolas um corpo de professores
licenciados por disciplina. Os
Movimentos Sociais propõem outros
modelos de formação de docentes
qualificados por áreas do
conhecimento, propiciando a
formação em duas áreas, o que
viabilizaria a ampliação de séries na
educação fundamental e média.
Tanto Caldart (2011) quanto Arroyo
(2007) trazem então que a formação por
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área de conhecimento é uma demanda que
está em diálogo e é requerida também
pelos Movimentos Sociais, com o objetivo
de superar processos de exclusão
educacional no Ensino Fundamental e
Médio. Assim, a formação por área de
conhecimento se consolida e busca
viabilizar duas questões:
... a criação de mais escolas no
Campo (menos professores nas
escolas com mais carga horária,
assumindo a docência em mais de
uma disciplina), e de constituir
equipes docentes (por área),
fortalecendo a proposta de um
trabalho integrado em vista de
superar a lógica da fragmentação
curricular e seu afastamento das
questões da realidade, algo tão
criticado por todos. O trabalho por
área poderia ser um bom pretexto
para a rediscussão da forma de
organização curricular das escolas do
Campo (Caldart, 2011, p. 107).
Percebe-se então que a formação por
área de conhecimento se coloca como
possibilidade e com o potencial para gerar
dois movimentos: fortalecimento da rede
escolar do Campo, com número reduzido
de docentes capazes de atuar em mais de
uma disciplina; como perspectiva para a
superação de uma ciência e uma forma de
educação que se constrói fragmentada
(positivista). Assim, a formação por área
busca repensar a lógica educacional
instituída historicamente e consolidada em
disciplinas fragmentadas e pouco
dialogadas entre si, buscando repensar a
organização curricular das LEdoCs e assim
das próprias escolas do Campo.
Molina e (2012) afirmam essas
questões, colocando a formação por área
como uma das principais características da
Licenciatura, enquanto estratégia principal
para a ampliação da oferta de Educação
Básica no Campo, ampliando as
possibilidades das crianças e jovens terem
acesso e permanência em escolas em seus
territórios de origem; e como estratégia
potente para romper gicas de construção
e conhecimento fragmentadas,
desestabilizando perspectivas que levam a
disciplinarização da compreensão
complexa da realidade do Campo.
Pauta-se na construção de uma nova
lógica curricular, em que os conhecimentos
tradicionalmente disciplinares se integram
e dialogam entre si interdisciplinaridade
mediatizados pela realidade do Campo e
do mundo. Dessa maneira, o Edital
PROCAMPO n. 02/2012 vem afirmando
essas questões ao condicionar a construção
de Projetos Políticos-Pedagógicos de
acordo com a formação por área de
conhecimento, a fim de expandir a
Educação Básica nas comunidades do
Campo e superar desigualdades históricas
sofridas por estes povos.
A interdisciplinaridade está atrelada
a toda sua organização pela formação por
área de conhecimento, diz respeito ao
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movimento que deve ser realizado em
construir essa formação de forma a
dialogar todas as disciplinas que compõem
a área de conhecimento em questão (por
exemplo, a Química, a Física, a
Astronomia, a Geologia e a Biologia que
compõem a área de conhecimento Ciências
da Natureza), além de diálogos
interdisciplinares com outros campos de
conhecimento (como Sociologia,
Antropologia, Linguagem) a fim de
compreender as diversas dimensões sobre
o pensar a educação e o Campo e formar
Educadores do Campo com habilitação em
Ciências da Natureza, por exemplo,
capazes de ter um leque de conhecimento
para transformar a realidade e as
contradições que perpassam a vida dos
sujeitos campesinos.
Destacamos que para haver
interdisciplinaridade efetiva é necessário
“... estruturar o Currículo de forma a
proporcionar uma visão ampla e atual da
ciência numa organização aberta que
permita estabelecer relações
interdisciplinares e articulações conceituais
não no campo de saberes de referência
como em outros campos” (Veiga, 2004, p.
105). Assim, entendemos que “a
interdisciplinaridade estimula o diálogo
entre conhecimentos e, ao mesmo tempo,
sua fragmentação em generalidades.
Significa, portanto, o estabelecimento de
conexões entre diferentes saberes e
diferentes áreas de conhecimento. A
interdisciplinaridade é coletiva” (Veiga,
2004, p. 66).
Diante do exposto, a formação por
área de conhecimento almeja a
desfragmentação do conhecimento e a
superação de uma Pedagogia Capitalista
disciplinar, que tende a isolar as questões
em determinadas disciplinas, que limitam a
compreensão do sujeito (alienada em
apenas uma perspectiva) em entender a
realidade complexa (Caldart, 2000).
Assim, pauta-se na compreensão
acadêmica interdisciplinar sobre as
características socioculturais e ambientais
que demarcam o território de existência
coletiva dos educandos vinculados ao
curso” (Moreno, 2014, p. 191). Pode-se
afirmar que esse movimento
interdisciplinar
... demonstra a insatisfação com o
saber fragmentado que está posto.
Para tal, a interdisciplinaridade
propõe um avanço em relação ao
ensino tradicional, com base na
reflexão crítica sobre a própria
estrutura do conhecimento com o
intuito de superar o isolamento entre
as disciplinas e repensar o próprio
papel dos educadores na formação
dos alunos para o contexto atual em
que estamos inseridos (Moreno,
2014, p. 190).
Desta forma, a formação por área de
conhecimento só se constituirá dentro da
perspectiva da interdisciplinaridade, na
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medida em que os Educadores do Campo,
articularem os conhecimentos científicos,
superarem sua fragmentação, e
principalmente terem como referência e
darem centralidade para a compreensão da
realidade do Campo e sua transformação.
Sendo uma forma de construir e produzir
conhecimento contra-hegemônico, visto
que coloca o processo de educação um
movimento dinâmico e integrado entre
mais de uma disciplina, tendo em vista que
a fragmentação leva a limitação e
alienação para se compreender as
realidades.
Cabe destacar que essa perspectiva
na LEdoC não prevê a abolição da
organização curricular por disciplinas, mas
instiga que, mesmo que a organização seja
disciplinar, esses conhecimentos sejam
dialogados de forma interdisciplinar, não
construindo muros entre os conhecimentos,
tendo em vista que todos são essenciais
para se compreender determinadas
realidades, colocando o trabalho
pedagógico em outro, que para fins
didáticos mantém os saberes disciplinares,
mas não legitimam e reproduzem a
disciplinaridade na centralidade do
processo, pelo contrário, busca romper e
construir diálogos.
Caldart (2011, p. 111) nos apresenta
três possibilidades para o estudo das áreas,
tendo como foco “... pelo menos três
visões diferentes sobre os rumos da
transformação da escola”.
A primeira possibilidade é a área
ancorada em uma visão neoliberal de
escola. Nessa visão, não se leva em conta a
apropriação do conhecimento
fundamentada na produção histórica e
social do saber. Busca-se ... um
referencial pragmático e instrumental de
ajustes necessários na forma escolar para
que ela continue a cumprir sua função
social relacionada às exigências
(contraditórias) de reprodução da forma de
sociedade que a criou e a sustenta”
(Caldart, 2011, p. 112). Essa abordagem
não contempla as finalidades formativas da
LEdoC.
A segunda possibilidade é a área
ancorada em uma análise histórico-crítica
da escola. “A busca da desfragmentação do
conhecimento dá-se, nessa abordagem,
pela contextualização dos conteúdos, por
meio de uma didática que os relacione com
dimensões da prática social” (Caldart,
2011, p. 112).
E por fim, a terceira possibilidade
de ancoragem do trabalho docente por
áreas, a qual deve ser assumida pela
LEdoC, é a incorporação de reflexões da
visão histórico-crítica da educação, ... em
especial sobre o trabalho com os conteúdos
na perspectiva da apropriação do
conhecimento pela classe trabalhadora”
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(Caldart, 2011, p. 112), com um
entendimento diferenciado sobre a
abrangência da tarefa educativa da escola.
Uma vez que, entende-se que “a forma da
escola educa, e não apenas seus conteúdos
de ensino. Por isso, é essa forma, ou seja, a
lógica do trabalho escolar como um todo,
que precisa ser alterada para colocá-la na
direção da sociedade dos trabalhadores
(isso inclui os conteúdos, mas não se
restringe a eles)” (Caldart, 2011, p. 113).
Assim, é interessante para o trabalho
docente por áreas de conhecimento na
LEdoC considerar a orientação teórico-
metodológica da Pedagogia Histórico-
Crítica em função da transformação da
escola integrando a junção teoria-prática,
“... fundamentalmente práticas de trabalho
e de organização coletiva dos estudantes,
totalidade inserida na luta pela criação de
novas relações sociais e na formação
omnilateral dos trabalhadores que lhe
corresponde” (Caldart, 2011, p. 114).
Contribuições da Pedagogia Histórico-
Crítica para a formação de professores
do Campo
Vale-nos atentar à orientação
pedagógica do método histórico-crítico.
Saviani (2016, p. 21) afirma que “a
Pedagogia Histórico-Crítica entende a
educação como uma atividade mediadora
no interior da prática social” e apresenta
cinco momentos do seu método articulando
com o cenário específico da Educação do
Campo, tendo a prática social como ponto
de partida e ponto de chegada, conforme
apresentado na Figura 1.
Figura 1 - Momentos do método histórico-crítico.
Fonte: Adaptado de Saviani (2016).
O primeiro passo do método
histórico-crítico é a prática social, que é
comum tanto ao professor quanto ao
estudante, mas é vivenciada diferentemente
pelos envolvidos. Isso acontece porque o
professor deve ter uma visão sintética da
prática social, ou seja, “ele deverá ter uma
compreensão articulada das múltiplas
determinações que caracterizam a
sociedade atual” (Saviani, 2016, p. 22). Os
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estudantes, no ponto de partida, têm uma
visão sincrética da prática social, ou seja,
“... têm uma compreensão ainda superficial
marcada pelas vivências empíricas presas
às impressões imediatas” (Saviani, 2016, p.
22). Partindo das premissas do autor a fim
de pensar a prática pedagógica da
Educação do Campo, o professor precisa
compreender a essencialidade da terra para
a vida humana, bem como o problema
agrário e a luta de classes no Campo,
levando em conta as características
específicas de cada situação.
O segundo passo desse método é a
problematização, ou seja, ... o ato de
detectar as questões que precisam ser
resolvidas no âmbito da prática social e
como a educação poderá encaminhar as
devidas soluções” (Saviani, 2016, p. 36). O
terceiro passo é a instrumentalização,
“entendida como a apropriação dos
instrumentos teóricos e práticos
necessários ao equacionamento dos
problemas detectados na prática social”
(Saviani, 2016, p. 36). O quarto passo é a
catarse, que é “o ponto culminante do
processo pedagógico, quando ocorre a
efetiva incorporação dos instrumentos
culturais, transformados em elementos de
transformação social” (Saviani, 2016, p.
36). Por fim, o quinto passo (o ponto de
chegada) do método proposto pela
Pedagogia Histórico-Crítica é a própria
prática social, a qual passa a ser entendida
em nível sintético pelos estudantes.
Em suma, na visão histórico-crítica,
a educação
... poderá cumprir o seu papel, se
os professores previamente
compreenderem a historicidade do
mundo atual, capacitando-se a
identificar os componentes
educativos nele albergados. A partir
desse requisito estarão qualificados a
trabalhar com os educandos os
problemas postos pela prática social,
propiciando-lhes o acesso aos
instrumentos por meio dos quais
atingirão o momento catártico em
que os diferentes aspectos que
compõem a estrutura social serão
progressivamente elaborados na
forma de superestrutura em sua
inconsciência e incorporados como
uma espécie de segunda natureza que
conferirá uma nova qualidade à sua
prática social (Saviani, 2016, p. 23).
Vale ressaltar que, segundo Saviani
(2016, p. 37), não existe uma ordem, uma
sequência, pré-determinada para realizar
esse método: primeiro, a problematização,
depois a instrumentação e a catarse. É
preciso considerar o movimento dialético
da sua teoria, entendendo que “na verdade,
esses momentos se imbricam”. Outro
aspecto importante a se destacar é sobre a
prática social. Durante o processo de
mediação do trabalho pedagógico, a
compreensão e a vivência da prática social
alteram-se qualitativamente. Assim, a
prática social do ponto de partida (primeiro
momento) é e não é a mesma do ponto de
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chegada (quinto momento). O autor
explica que
É a mesma porque é ela própria que
constitui ao mesmo tempo o suporte
e o contexto, o pressuposto e o alvo,
o fundamento e a finalidade da
prática pedagógica. E não é a mesma,
se considerarmos que o modo de nos
situarmos em seu interior se alterou
qualitativamente pela mediação da
ação pedagógica (Saviani, 2016, p.
38).
Logo, a orientação teórico-
metodológica da Pedagogia Histórico-
Crítica trata-se de uma sequência dialética
com a finalidade de compreender a
existência humana em sua totalidade,
tornando-se um processo consistente,
coerente e eficaz na luta pela
transformação da sociedade. Santos
(2013), analisa criticamente os
fundamentos pedagógicos da LEdoC na
tentativa de refletir sobre as pedagogias
contra-hegemônicas rumo à superação das
relações de dominação e subordinação da
classe dominada. Ele argumenta que essa
modalidade de formação
... entra em contradição com seu
enraizamento das lutas da classe
trabalhadora ao adotar fundamentos
teóricos oriundos do escolanovismo e
do relativismo epistemológico e
cultural, que se constituíram em
suportes para as reformas no âmbito
da formação de professores levadas a
cabo, desde os anos de 1990, pelas
políticas conhecidas como
neoliberais (Santos, 2013, p. 5).
Ainda, complementa sua ideia
afirmando que, os que dedicam à
construção dessa licenciatura devem ter em
questão a necessidade de uma “análise
crítica de projetos que se propõem a
contribuir para a transformação social, mas
que em suas formulações pedagógicas
acabam incorporando, sem uma
perspectiva de superação, as concepções
hegemônicas/reacionárias no campo
educacional” (Santos, 2013, p. 5-6). Para
ele, existem muitas controvérsias acerca de
algumas reivindicações dos Movimentos
Sociais com relação ao papel
transformador da escola. Em linhas gerais,
ele enfatiza que
Alguns entendem que a escola não
contribui na luta revolucionária por
ser reprodutora das relações sociais
dominantes. Outros avaliam que a
centralidade das atividades
educativas se encontra nos saberes
locais e intersubjetivos existentes
num mundo diverso e complexo,
modulado pelas incontáveis
realidades étnicas, campesinas e
urbanas, cujas racionalidades e
culturas são variadas. Existem
aqueles que advogam uma pedagogia
prática, considerando os Movimentos
Sociais os portadores da nova e
verdadeira educação. A forma de
escola e a defesa da apropriação do
conhecimento sistematizado seriam
nocivas para as organizações
populares. Há, ainda, os que julgam
ser necessária a superação da escola
atual, pois a mesma não traz a vida
dos estudantes para o seu interior,
não se preocupa com o entorno e
centra sua atividade educativa no
cognitivo (Santos, 2013, p. 90).
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Todos esses argumentos acabam por
desvalorizar a importância da
escolarização, enfatizando um caráter
negativo ao ato educativo, uma vez que o
considera prejudicial para o estudante,
porque impede que ele aprenda de acordo
com seus próprios interesses e curiosidade.
Saviani (2011, p. 71) afirma que no
processo pedagógico os interesses dos
estudantes devem ser considerados, porém,
O problema é o seguinte: quais são os
interesses do aluno? De que aluno
estamos falando, do aluno empírico
iv
ou do aluno concreto? O aluno
empírico, o indivíduo imediatamente
observável, tem determinadas
sensações, desejos e aspirações que
correspondem à sua condição
empírica imediata. Estes desejos e
aspirações não correspondem
necessariamente aos interesses reais,
definidos pelas condições sociais que
situam enquanto indivíduo concreto...
Nem sempre o que a criança
manifesta à primeira vista como
sendo de seu interesse é de seu
interesse como ser concreto, inserido
em determinadas relações sociais.
Em contrapartida, conteúdos que ela
tende a rejeitar são, no entanto, de
seu maior interesse enquanto
indivíduos concretos.
Na citação acima, Saviani (2011) nos
chama a atenção para o objeto específico
do trabalho escolar, o saber sistematizado.
Se o conhecimento científico está sendo
secundarizado, diluído ou até mesmo
negado diante de tantas atividades que a
escola se propõe a fazer, a escola não está
cumprindo seu papel. Com relação a isso,
muitas vezes usa-se a expressão: Tudo o
que a escola faz é currículo! “Exemplo
disso são as comemorações nas escolas,
que se espalhavam por todo o ano letivo, às
quais agora se associam, ou a elas são
acrescidos, os denominados temas
transversais, como educação ambiental,
educação sexual, educação para trânsito
etc.(Saviani, 2011, p. 87). Porém, o autor
é bastante enfático ao definir currículo
como “as atividades essenciais que a
escola não pode deixar de desenvolver, sob
pena de se descaracterizar, de perder a sua
especificidade” (Saviani, 2011, p. 87).
Nesse sentido, Santos (2013, p. 127)
afirma: “No contexto de desvalorização da
objetividade do conhecimento, nada mais
coerente do que esvaziar a escola de sua
função social de socializar o conhecimento
objetivo. Em seu lugar, hipervalorizam-se
as relações interpessoais, a experiência
vivencial singular e imediata”. Tanto
Saviani (1999, 2011) quanto Santos (2013)
defendem a importância da
apropriação/assimilação de conteúdos na
luta pela superação das relações sociais de
exploração.
Uma possibilidade de superação da
formação fragmentada de professores na
perspectiva da Pedagogia Histórico-
Crítica, segundo Santos (2013, p. 131-132)
citando Saviani (1932), é a formação para
a licenciatura ser diferente do bacharelado,
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considerando que “ensino é diferente de
pesquisa ou atuação no ramo profissional
liberal”
v
e a “necessidade tanto do
conhecimento específico pedagógico
quanto dos conhecimentos específicos das
ciências que são trabalhadas na formação
dos indivíduos na educação escolar”
(Santos, 2013, p. 132). Assim, o autor
finaliza que
Para a Pedagogia Histórico-Crítica,
em vez de formar os especialistas ou
os generalistas por área de
conhecimento, seria realmente
necessário formar educadores com
uma sólida fundamentação teórica,
desenvolvida a partir e em função das
exigências da ação educativa nas
condições brasileiras, capaz de
enfrentar os desafios educacionais na
cidade ou no Campo, os quais não
são apenas de ordem pedagógica,
mas também sócio-históricas e
organizativas da escola e das lutas de
classe (Santos, 2013, p. 133).
Dessa forma, levando em conta a
socialização do conhecimento
sistematizado, o processo escolar é
entendido como o elemento de maior
interesse e importância rumo à
compreensão da realidade humana,
construída pelos homens, a partir do
processo de trabalho ao longo do tempo.
Partindo da premissa marxista de que é do
mais desenvolvido que se compreende o
menos desenvolvido, Saviani (2011, p. 88)
garante a impossibilidade de compreensão
da educação sem a escola, “porque a escola
é a forma dominante e principal de
educação. Assim, para compreender as
diferentes modalidades de educação, exige-
se a compreensão da escola. Em
contrapartida, a escola pode ser
compreendida independentemente das
demais modalidades de educação”.
Considerações finais
A luta por uma educação gratuita e
de qualidade para os povos do Campo, não
para eles, mas, de modo geral, para a
classe trabalhadora, é constante e
necessária, tendo em vista a importância
desse grupo de indivíduos se apropriarem
da cultura, do saber
sistematizado/elaborado historicamente,
para fazerem valer seus interesses, de se
afirmarem presentes na sociedade como
sujeitos políticos e sociais.
A LEdoC, sem dúvida, tem
contribuído pela emergência do
movimento em defesa da Educação do
Campo, na medida que os trabalhadores
rurais conquistaram a possibilidade de
adentrar o ambiente universitário. Santos
(2013, p. 154) destaca que o professorado
preparado nas bases dos princípios
formativos dessa modalidade de
graduação, “... mais do que uma
alternativa, é uma possibilidade real de
construção de espaços impulsionadores
para a superação de modelos de formação
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docente distanciados da realidade
concreta”.
Com relação à Pedagogia Histórico-
Crítica, acreditamos que esse método
dispõe-se de um aporte teórico-prático que
pode contribuir nessa luta pela superação
dessa divisão social, pela socialização dos
instrumentos de assimilação/transmissão
do saber escolar. “Uma educação, em
suma, que torne acessíveis aos
trabalhadores do Campo os conhecimentos
produzidos pela humanidade permitindo-
lhes, assim, incorporar em sua atividade os
avanços tecnológicos sem o que não será
viável o tão almejado desenvolvimento
sustentável” (Saviani, 2016, p. 42).
Por fim, como a LEdoC propõe a
superação das tendências dominantes nas
políticas de educação do meio rural para o
desenvolvimento emancipatório no Brasil,
é importante ter cautela com as
aproximações dos princípios da Educação
do Campo aos princípios escolanovistas e
relativistas presentes em pedagogias não-
críticas. Isso porque, de acordo com Santos
(2013, p. 154), “esta contradição,
considerada por alguns como algo menor,
tem implicações profundas no
desenvolvimento dos indivíduos e na
qualidade da organização dos coletivos de
lutas sociais”.
Como discutido, a Educação Popular
em nosso país está envolvida por interesses
divergentes e capitalistas que muitas vezes
iludem e corrompem o verdadeiro
significado dela. Ainda, considerando que
essa licenciatura é recente e, ainda, não
possui diretrizes curriculares para a
formação de professores, surge a
necessidade de avançarmos em um longo
caminho a experienciar, a refletir e a
dialogar sobre aspectos estruturantes das
LEdoCs desde a organização dos tempos e
espaços de formação, a organização
político-pedagógica, a inclusão de fato de
toda a diversidade cultural e
heterogeneidade de sujeitos e territórios
envolvidos, até a posição honesta e
consciente das IES e dos docentes que
atuam nas LEdoCs sobre a finalidade,
intencionalidades e para a superação de
processos de exclusão sócio-históricas para
a educação desses sujeitos.
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i
Existem diversas siglas para Licenciatura em
Educação do Campo, como EDUCampo, LEDOC,
LC, entre outras. Aqui optamos pelo uso de LEdoC.
ii
Trabalhadores e trabalhadoras campesinas nesse
texto refere-se “sejam aos camponeses, incluindo os
quilombolas, sejam as nações indígenas, sejam os
diversos tipos de assalariados vinculados à vida e
ao trabalho no meio rural” (Kolling, Nery &
Molina, 1999, p. 26 apud Caldart, 2012, p. 260).
iii
As universidades indicadas para desenvolver um
projeto-piloto da Licenciatura em Educação do
Campo foram: Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG); Universidade Federal da Bahia
(UFBA); Universidade Federal de Sergipe (UFS) e
Universidade de Brasília (UnB).
iv
Nesse sentido, concreto e empírico se distinguem:
“Os conteúdos empíricos manifestam-se na
experiência imediata. Os conteúdos concretos são
captados em suas múltiplas relações, o que pode
ocorrer pela mediação do abstrato. Para chegar ao
concreto, é preciso superar o empírico pela via do
abstrato” (Saviani, 2011, p. 70).
v
O autor não está em defesa da divisão alienada do
trabalho na sociedade capitalista, pelo contrário, ele
entende que “um ambiente de pesquisa faz parte do
processo de formação do professor na universidade,
mas não de forma dissociada da transmissão e
apropriação do conhecimento científico” (Santos,
2013, p. 132).
Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 21/06/2019
Aprovado em: 20/01/2020
Publicado em: 25/11/2020
Received on June 21th, 2019
Accepted on January 20th, 2020
Published on November, 25th, 2020
Contribuições no artigo: Os autores foram os
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Faleiro, W., Ribeiro, G. K. N., & Farias, M. N. (2020). Formação por “área” de professores da Educação do Campo...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e7058
10.20873/uft.rbec.e7058
2020
ISSN: 2525-4863
21
Conflitos de interesse: Os autores declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Wender Faleiro
http://orcid.org/0000-0001-6419-296X
Geize Kelle Nunes Ribeiro
http://orcid.org/0000-0003-4053-7788
Magno Nunes Farias
http://orcid.org/0000-0002-9249-1497
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Faleiro, W., Ribeiro, G. K. N., & Farias, M. N. (2020).
Formação por “área” de professores da Educação do
Campo. Rev. Bras. Educ. Camp., 5, e6297.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e6297
ABNT
FALEIRO, W.; RIBEIRO, G. K. N.; FARIAS, M. N.
Formação por “área” de professores da Educação do
Campo. Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 5,
e6297, 2020. http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e6297