Revista Brasileira de Educação do Campo
The Brazilian Scientific Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.v4e7063
Tocantinópolis/Brasil
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2019
ISSN: 2525-4863
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As tecnologias digitais de informação e comunicação pelo
prisma da linguagem digital
Rodrigo Martins Bersi
1
, José Carlos Miguel
2
, Dagoberto Buim Arena
3
1, 2, 3
Universidade Estadual Paulista - UNESP. Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC), Campus Marília. Programa de Pós-
Graduação em Educação. Avenida Higino Muzzi Filho, 737. Setor Universitário, Marília - SP. Brasil.
Autor para correspondência/Author for correspondence: rodrigom.bersi@gmail.com
RESUMO. O presente ensaio analisa as TDIC Tecnologias
Digitais de Informação e Comunicação pelo prisma da
linguagem, por atribuir às novas tecnologias o estatuto de
linguagem digital. Toma como referência aspectos da Teoria
Histórico Cultural, de matriz vigotskiana, e princípios da
filosofia da linguagem discutida por membros do chamado
Círculo de Bakhtin, para interpretar as tecnologias digitais,
como uma nova linguagem humana, e suas implicações para a
educação, Trata-se de uma leitura teórica sobre as TDIC, vistas
como revolução da técnica humana, porque ultrapassa a ótica
cotidiana de recursos como meros instrumentos. O intuito é
evidenciar seus aspectos de desenvolvimento, compreendida
como tecnologia intelectual que se configura na mediação que
estabelece entre os sujeitos da troca social e comunicativa, de
um lado, e da aprendizagem, de outro, e provoca mudanças
epistemológicas quanto ao conhecimento sobre a aprendizagem
humana. A partir desta ótica, é possível reconhecer as
especificidades da linguagem digital, em relação à oralidade e à
escrita, como uma linguagem autônoma e em construção, que
permite articular conceitos como scripts, multimodalidade e
hipertexto, assim como implementar noções como a de
navegação e a de enunciados digitais. Esse novo conjunto
enriquece as discussões teóricas e epistemológicas a respeito das
TDIC no contexto educacional, e a reconhecer suas
implicações para a aprendizagem e o desenvolvimento humano
para além de seu viés utilitarista.
Palavras-chave: TDIC, Linguagem Digital, Instrumentos
Digitais.
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The digital technologies of information and
communication by the prism of digital language
ABSTRACT. This essay analyzes TDIC - Digital Information
and Communication Technologies through the prism of
language, as it gives the new technologies the status of digital
language. It takes aspects of Vygotsky's Historical Cultural
Theory, and principles of the philosophy of language discussed
by members of the so-called Bakhtin Circle, to interpret digital
technologies as a new human language and their implications for
education. It is a theoretical reading about TDICs, seen as a
revolution in human technique, because it goes beyond the daily
perspective of resources as mere instruments. The aim is to
highlight its aspects of development, understood as intellectual
technology that is configured in the mediation that establishes
between the subjects of social and communicative exchange, on
the one hand, and learning, on the other, and causes
epistemological changes regarding knowledge about learning
human. From this perspective, it is possible to recognize the
specificities of digital language in relation to orality and writing
as an autonomous and under construction language, which
allows articulating concepts such as scripts, multimodality and
hypertext, as well as implementing notions such as navigation
and that of digital utterances. This enriches theoretical and
epistemological discussions about TDIC in the educational
context, and acknowledges its implications for learning and
human development beyond its utilitarian bias.
Keywords: TDIC, Digital Language, Digital Instruments.
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Las tecnologías digitales de información y comunicación
por el prisma de la lengua digital
RESUMEN. Este ensayo analiza TDIC - Tecnologías digitales
de información y comunicación - a través del prisma del
lenguaje, ya que le da a las nuevas tecnologías el estado del
lenguaje digital. Se refiere a aspectos de la teoría histórica
cultural vigotskiana y los principios de la filosofía del lenguaje
discutidos por los miembros del llamado Círculo Bakhtin para
interpretar las tecnologías digitales como un nuevo lenguaje
humano y sus implicaciones para la educación. Es una lectura
teórica sobre las TDIC, vista como una revolución en la técnica
humana, porque va más allá de la perspectiva diaria de los
recursos como meros instrumentos. El objetivo es resaltar sus
aspectos de desarrollo, entendidos como tecnología intelectual
que se configura en la mediación que establece entre los sujetos
del intercambio social y comunicativo, por un lado, y el
aprendizaje, por el otro, y provoca cambios epistemológicos con
respecto al conocimiento sobre el aprendizaje humano. Desde
esta perspectiva, es posible reconocer las especificidades del
lenguaje digital en relación con la oralidad y la escritura como
un lenguaje autónomo y en construcción, que permite articular
conceptos como guiones, multimodalidad e hipertexto, así como
implementar nociones como navegación y el de los enunciados
digitales. Esto enriquece las discusiones teóricas y
epistemológicas sobre TDIC en el contexto educativo, y
reconoce sus implicaciones para el aprendizaje y el desarrollo
humano más allá de su sesgo utilitario.
Palabras clave: TDIC, Lenguaje Digital, Instrumentos
Digitales.
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Introdução
As experiências humanas
modificam-se em virtude de suas relações
mediadas pelos meios de comunicação e
linguagem. Transformam-se nos diferentes
momentos históricos, conforme as
tecnologias ou suportes de comunicação
disponíveis. Essa mesma situação ocorre
no momento contemporâneo com as TDIC
Tecnologias Digitais de Informação e
Comunicação. As relações sociais e
epistemológicas se reconfiguram, porque
há novas possibilidades de comunicação,
de aprendizagem e, portanto, de
desenvolvimento humano. Muitos aspectos
cotidianos da vida alteram-se, como as
compras, o trabalho, os relacionamentos,
os estudos, a forma do trabalho, dentre
tantos outros. São mudanças profundas não
nas práticas humanas, mas na
linguagem, na produção de conhecimentos,
de como eles são organizados e como
redesenham a realidade.
Pensar as TDIC como suportes de
uma linguagem digital possibilita atribuir a
estas novas tecnologias o estatuto de
linguagem, de maneira a aprofundar nossas
atuais reflexões e superar as visões
puramente utilitaristas das tecnologias,
principalmente no contexto educacional. A
partir desta perspectiva ou prisma de visão
é possível rever e analisar as
consequências e possibilidades de sua
manifestação como mediadora das relações
humanas. Trata-se de um ensaio em que
inicialmente se aborda a relação da
linguagem oral com a escrita, identificando
a independência entre estes dois sistemas
de comunicação e desenvolvimento, para
em seguida levantar o problema das TDIC
como linguagem digital, apresentando suas
especificidades e independências em
relação à oralidade e à escrita, assim como
reconhecer o nascimento de linguagem
humana, com suportes materiais nas TDIC,
outras modalidade de leitura e de escrita
digital específicas, gêneros discursivos
digitais e procedimentos de navegação.
Na navegação ou na leitura de textos
digitais, utiliza-se o suporte material das
TDIC com estratégias específicas de leitura
e de significação dos enunciados nesses
ambientes, semelhantes aos gêneros
discursivos fora dos espaços digitais, na
linguagem oral e escrita no suporte papel,
por exemplo. Procuramos pontos comuns
para nossa interpretação da linguagem
digital em relação à oralidade e à escrita,
utilizando como fio condutor a geração de
sentidos, necessária ao ato comunicativo e
às especificidades de leitura e escrita nos
diferentes suportes materiais de linguagem.
Os gêneros discursivos (Bakhtin, 2016)
conhecidos modificam-se no âmbito
digital, se apropriam de novos elementos
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nestes ambientes, incorporam a
multimodalidade, os hiperlinks e
desenvolvem características próprias que
se modificam a cada experiência dos
usuários.
Ao refletir acerca das proximidades e
especificidades da leitura e escrita com as
TDIC ou suportes digitais de linguagem,
procuramos explorar as possibilidades de
interpretação destes recursos, não mais
como meros instrumentos ou recursos
digitais, mas com o estatuto de linguagem
digital, pelo prisma de uma nova
linguagem humana. Vale dizer que isso
significa não somente rever práticas de
leitura e escrita diferenciadas, a partir de
um novo suporte material, as TDIC, mas
também vislumbrar novas possibilidades
de comunicação e desenvolvimento, por
um prisma que reconhece maior
complexidade na incorporação das TDIC
em atividades cotidianas humanas, as
modificações epistemológicas no processo
de apropriação pelos sujeitos e de
desenvolvimento humano por esta nova
linguagem.
Comunicação e desenvolvimento pela
linguagem
A linguagem tem papel essencial no
desenvolvimento do pensamento humano,
porque não é possível separar pensamento
e palavra, meio pelo qual os
conhecimentos são apropriados e
internalizados pelos sujeitos, ou seja, o
pensamento verbalizado é refinado pelo
desenvolvimento da linguagem. A leitura é
mais que um simples meio ou instrumento
de comunicação e informação, pois é
elemento de desenvolvimento humano que
possibilita ao sujeito conhecer novas
informações e formular novas ideias a
partir dessas práticas, de maneira rápida,
olhando para as páginas e fazendo uma
leitura silenciosa, altamente eficiente,
correndo os olhos sobre o texto, se
apropriando de novos saberes. É capaz de
ressignificar conhecimentos apropriados
anteriormente e modificá-los. Estes atos de
escrita e de leitura, imbricados um ao outro
(Souchier, 2015) provoca uma nova
reestruturação do pensamento e a
reorganização dos conhecimentos a partir
das novas informações, em um jogo
interno de atribuição de significados.
Compreende-se que essa linguagem
vai além do sentido de instrumentalização
ao reconhece-la como elemento de
desenvolvimento e comunicação humana,
assim não desvinculamos pensamento e
palavra, pois pelo pensamento verbalizado
desenvolvemos maneiras de interpretar o
mundo ao redor, de dar nome às coisas,
classificar objetos, e de estabelecermos
relações de troca social. A linguagem é
fundadora da cultura e apresenta-se como o
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que existe de mais característico entre os
seres humanos, ou seja, a capacidade de
abstrair e de fazer generalizações, por meio
da linguagem, lidando com pensamentos
constituído por palavras, tornando-se
conscientes de suas condições de sujeitos.
Nesse processo desenvolvem suas funções
psíquicas superiores (Vygotsky, 1995) e
reorganizam conhecimentos na forma de
cultura. A capacidade de abstração, de
internalizar os objetos, forma uma rede de
significados e de generalizações, que
permitem o desenvolvimento do
pensamento verbalizado e a atribuição de
significados ao mundo pela mediação com
a linguagem (Vygotsky, 1995).
O desenvolvimento das atividades
cotidianas pela linguagem em trabalhos
pedagógicos necessita da colaboração dos
outros. Mediados pelo uso social da língua,
pela oralidade, escrita ou agora a
linguagem digital, as relações humanas são
recriadas porque é “por meio da interação
com outras pessoas que a linguagem se
transforma e se desenvolve, e os gêneros e
estilos se solidificam, se desintegram e
melhoram”. (Barton, 2017, p. 50). As
atividades de leitura nesta perspectiva vão
além da decodificação de símbolos
gráficos a partir do que é perceptível, pela
conversão e reconversão de elementos
(fonema-grafema-fonema; oralidade-
escrita-oralidade), da vocalização de
palavras e escrita de palavras, para serem
alavancas de comunicação e de
desenvolvimento humano, em uma
perspectiva da leitura entendida como
atribuição de sentidos por homens em
relação dialógica (Bakhtin, 2016), que
coloca o leitor como interlocutor nessa
atividade, com o objetivo de dialogar com
o texto e com o seu autor, na busca por
significados, a partir dos objetivos da
leitura (Foucambert, 2008).
Os gregos e latinos, na Antiguidade,
utilizavam a escrita contínua, sem
intervalos brancos. As letras eram escritas
em caixa alta, pouco agradável para a
visão, porque fora inicialmente pensada
como simples registro necessário para a
sonorização das letras, para a posterior
composição de fonemas, palavras e
orações (Carvallo, 1999). A leitura
acontecia habitualmente em público, em
voz alta, em eventos quando eram lidos
textos previamente ensaiados e poesias
decoradas. O códice, no império
romano, que se aproxima dos livros como
conhecemos atualmente, representa uma
revolução para as práticas de leitura, por
ser um novo suporte, que possibilitava o
desenvolvimento de novos modos de
leitura. Este novo suporte possibilitou o
surgimento do sumário, facilitou a
produção de livros e estimulou novas
práticas de leituras, como a notação de
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glosas, ou seja, rascunhos com reflexões ao
longo da leitura, possível porque uma das
mãos restava livre, permitindo também a
leitura simultânea entre o texto principal e
outros suplementares (Carvallo, 1999).
As práticas de leitura se modificaram
com a criação do códice, transformaram
também a noção do objeto livro,
possibilitaram leituras menos
fragmentadas, já que este novo material,
em comparação com o antigo rolo de
papiro, comportava maior quantidade de
informações, além de possibilitar uma
organização mais eficaz dos capítulos, com
uso de novos recursos como sumário e
paginação (Desbordes, 1995). Essa
configuração possibilitava leituras na
sequência desejada. O estudo silencioso
dos textos escritos tornou-se uma prática
nos monastérios do período medieval. Era
uma leitura reflexiva, com objeto e
objetivo de estudo diferentes dos tempos
anteriores, porque havia preocupações com
a interpretação, principalmente dos textos
sagrados. Neste contexto a escrita afasta-se
da modalidade oral da língua e aproxima-
se de uma linguagem visível, portanto,
silenciosa e voltada aos olhos, como
informa Parkes: “já no século VII, Isidoro
de Sevilha considerava as letras sinais sem
sons, os quais tinham o poder de nos
transmitir de forma silenciosa as falas”.
(Parkes, 1999, p. 106).
A leitura na transição da Idade Média
para a Idade Moderna apresenta-se
bastante distante das práticas orais da
antiguidade clássica, com destaque aos
estudos escolásticos e universitários, que
apresentam práticas silenciosas de leitura
“Quando a leitura se mostrava segura e
rápida, o olho precedia a boca: tratava-se,
em última análise, de uma leitura ao
mesmo tempo oral e visual”. (Carvallo,
1999, p. 80). Entre as necessidades e
práticas de leitura dos textos medievais, era
comum o uso de glosas, notações nas
páginas dos textos e de resumos para
consultas rápidas. Os leitores utilizavam
textos comumente sumarizados e
compilados. Os objetivos dessas práticas
era facilitar a interpretação e a
interpretação de textos clássicos, com a
consulta a florilégios, ou seja, pequenos
textos com vocabulário simplificado
escritos pelos próprios estudiosos, que
podiam ser lidos de maneira silenciosa e
independente da oralidade.
A exposição panorâmica de algumas
práticas de leitura desenvolvidas
historicamente e a sua relação com as
tecnologias das épocas apontam para
diferenças na maneira de ler, de utilização
da linguagem, da mobilização de
procedimentos, da criação de gêneros, da
reconfiguração de necessidades e objetivos
em cada momento histórico e da sua
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relação com os suportes materiais
disponíveis. Portanto, ler e escrever são
tecnologias do pensamento verbalizado,
apoiados em suportes que se
desenvolveram historicamente, a partir das
necessidades e objetivos dos leitores. Em
cada momento histórico materiais
disponíveis para tais atividades, tornando-
se cada vez mais independentes a relação
entre oralidade e escrita, tanto em sua
estrutura quanto em sua composição frente
a outras linguagens. O foco se dirige para
os sentidos dos textos e para a visualização
das marcas gráficas.
A navegação como a leitura de textos
híbridos
Como as necessidades humanas
criam novos suportes materiais vinculados
estreitamente à linguagem e às formas de
troca social, são modificados também os
modos de ler e de escrever os textos. Ao
se atribuir o estatuto de linguagem às
TDIC reconhece-se uma maneira
diferenciada de mobilizar recursos
epistemológicos e procedimentos próprios,
suportes, programas, aplicativos
específicos, constituintes das novas
relações na sociedade contemporânea. As
nuances e especificidades da leitura
mediada pelas TDIC é o que denominamos
navegação.
A leitura da escrita em papel é mais
linear e sequencial, enquanto o texto
na tela o hipertexto pode ser lido
de forma multilinear, acionando
links, abrindo a leitura para múltiplas
possibilidades ... presente não em
páginas, mas em dimensões
superpostas e que se reconfiguram a
cada nova leitura. (Girotto, 2013, p.
344).
As necessidades dos leitores se
transformam, exigem a criação de novos
suportes, modificam os procedimentos de
leitura, norteiam a visão de como o leitor
enfrenta o caminho para compreensão e os
sentidos, reconhecendo as nuances e
especificidades de cada gênero discursivo.
O bom leitor, por exemplo, de uma notícia
em mídia impressa, toma uma série de
atitudes para chegar à compreensão dos
sentidos desses enunciados, isto é, de uma
unidade do discurso, entre elas a de
mobilizar seu conhecimento a respeito do
assunto (Girotto, 2010), porque “a
recordação do sentido que tiramos de
experiências passadas é a fundação de toda
nova compreensão da linguagem e do
mundo...relacionadas a tudo o mais que
conhecemos”. (Smith, 1989, p. 22).
Vemos, na contemporaneidade, o
desenvolvimento das TDIC como suportes
de comunicação e de leitura digital, que
representa uma revolução na maneira de
ler e de se apropriar desses textos ou
enunciados digitais, assim como a
modificação da maneira como esses textos
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digitais são encarados pelos leitores e a
maneira como esses gêneros discursivos no
âmbito digital são formulados.
Encarar as especificidades da leitura
dos textos e de seus diversos gêneros
discursivos ressalta a necessidade de
reconhecer a possibilidade de que os textos
digitais também possuem suas
singularidades e que precisam ser
sistematizadas pelo leitor em papel ou na
tela. A leitura digital, ou navegação,
acontece diretamente na tela e se apresenta
singular em sua estrutura, conteúdo, forma
e estética, porque lida com textos híbridos,
que requerem dos sujeitos leitores atitudes
diferentes das adotadas nos textos
impressos ou na língua oral; são indícios
de comportamentos de leitor específicos na
relação com suportes específicos e gêneros
específicos. A noção de navegação
reconhece que são necessários
procedimentos de leitura específicos para a
mediação com as TDIC, porque os textos
são híbridos e multimodais, com escritas,
imagens, imagens em movimento, vídeos e
links, possibilitando uma leitura dinâmica
e interativa, composta por uma
coletividade de indivíduos em um processo
de complementariedade.
As noções de hibridismo e de
multimodalidade nos textos digitais
configuram-se como as principais
características desta nova modalidade de
escrita e de leitura digital ou de navegação,
não mais delimitada por páginas ou
sumários, mas com inúmeras
possibilidades de colaboração e diálogo
com referências externas, facilmente
anexadas por meio de hiperlinks ao texto
digital original (Barton, 2017; Lévy, 1993).
A Comunicação Mediada por Computador
(CMC) traz práticas de navegação mais
dêiticas, ou seja, na leitura digital o leitor
compõe novas significações a cada
interação com os usuários na rede. Ele
enxerga os textos digitais em
profundidade, modifica também sua
própria experiência no ato de mediação
com as TDIC, porque os usuários não
aplicam o mesmo conjunto de
características de CMC a todos os
contextos; ao contrário, eles
constantemente se reapropriam de suas
formas de escrita em diferentes modos de
CMC para adequá-los a diferentes
propósitos”. (Barton, 2017, p. 17).
As TDIC representam um novo
suporte para uma linguagem própria para
um leitor na linguagem digital,
impulsionado pela colaboração entre os
sujeitos, em situação de multimodalidade,
e pelas múltiplas possibilidades de escrita
digital, dos gêneros digitais e hiperlinks.
Enquanto a leitura dos textos escritos
localiza-se na interlocução entre o autor, o
texto e o leitor, os textos digitais, com sua
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multimodalidade, fazem a interlocução não
somente dos textos com os autores e
leitores, mas entre os leitores que
compõem a atividade de leitura, por meio
da participação em rede, em forma, por
exemplo, de comentários e postagens em
páginas digitais como blogs, fóruns e perfis
em redes sociais.
A compreensão do leitor como
interlocutor aprofunda-se ao deslocar-se do
papel para a tela, principalmente nos
enunciados digitais que se encontram em
web 2.0, pois nessa plataforma é essencial
e parte estrutural de sua composição, a
participação do sujeito leitor, o internauta,
expert na linguagem digital, hábil
navegador ou leitor, verdadeiramente
incluído na cultura digital, que não
completa e dialoga com os textos, no papel
de interlocutor, mas também participa
diretamente da composição dos enunciados
digitais. Entendemos enunciado como uma
unidade real da troca verbal, completa de
sentido e que se configura como elo em
uma cadeia de discursos, colocando-se na
alternância entre os sujeitos (Bakhtin,
2016).
Os enunciados digitais destacam-se
de maneira generalizada nas páginas de
web, nos programas e aplicativos, pois se
tratam de unidades reais da atividade
comunicativa, em suporte digital,
compostos de maneira colaborativa entre
os usuários da rede e com sentido a ser
sempre completado. Os enunciados digitais
configuram-se pela composição de muitas
vozes: pelas participações dos usuários na
rede e pela implementação da linguagem
digital. O script, por exemplo, é uma
sequência de códigos e comandos, que
devem ser escritos com sintaxe e ortografia
corretas. Não compõem enunciados
digitais até que sejam compilados, ou seja,
até que estejam prontos e operantes em
alguma interface de sistema, pois ainda não
possuem sentido completo em um contexto
digital.
Além das especificidades dos
gêneros discursivos digitais, a
peculiaridade do enunciado aprofunda-se
ao tratar de suas fronteiras, pois na
linguagem oral os interlocutores de um
diálogo deixam claras suas posições pela
fala. Na linguagem escrita o enunciado está
emoldurado pela alternância entre os
sujeitos e em textos completos de sentido.
No âmbito digital suas fronteiras
confundem-se com o conceito bakhtiniano
de conclusibilidade (Bakhtin, 2016), ou
seja, um comentário em rede social e um
script em linguagem de programação,
ainda não estão completos de sentido e
necessitam de mais unidades da linguagem
digital para se compor, completando-se no
conjunto dos comentários, pela
multimodalidade entre os sujeitos, em uma
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página ou na compilação deste script,
portanto, as páginas de web podem, em
alguns casos, delimitar as fronteiras do
enunciado digital, pois são compostas por
textos digitais, repletos de hiperlinks, com
inúmeras participações dos usuários, e se
completam com sentidos somente na
composição e configuração da página.
O ato da leitura destes enunciados
digitais, a navegação, deve reconhecer e
orientar o olhar para o fato de que se
tratam de textos híbridos, que contém
referências externas como links, áudios,
vídeos, imagens e scripts, e que são
compostos de maneira colaborativa, sem
um autor específico, mas que muitos são
compostos em colaboração, sem se
delimitar claramente os sujeitos nos
enunciados, sem se enquadrar em
fronteiras fixas, mas vistos como textos
multimodais, construídos entre os usuários,
em colaboração e que não podem ser
facilmente controlados:
O layout de itens diferentes numa
página também é projetado para que
o sentido seja apreendido...quando se
trata de multimodalidade na tela do
computador, é relativamente fácil
para qualquer um produzir textos
multimodais. Os usuários podem
misturar linguagem, imagem e vídeos
e têm um grande controle sobre a cor,
o layout e a fonte. (Barton, 2017, p.
47).
A navegação, nesta perspectiva é
mais do que utilizar computadores para
trabalho comunicação, lazer, estudos ou
outros objetivos; é articular hipertextos
multimodais pela CMC Comunicação
Mediada por Computador. A navegação
mobiliza atitudes específicas e lida com
vários sentidos em situações singulares
mediados pelas TDIC, explorando, por
exemplo, a visão, por meio de telas
brilhantes e imagens em altíssima
resolução, o tato pela ponta dos dedos
como em telas touchscreen ou utilizando a
audição, nos vídeos e áudios. Toda essa
complexidade soma-se à composição
colaborativa e multimodal, que articula
várias vozes num elo de sentidos, para
compor os enunciados e as especificidades
dos múltiplos gêneros discursivos no
âmbito digital. A navegação ou a leitura
digital é um processo de atribuir sentido
aos textos digitais e uma atitude de
reconhecer as nuances e especificidades
dos enunciados e gêneros digitais.
Tecnologias digitais de informação e
comunicação pelo prisma da linguagem
As TDIC representam uma revolução
como novo suporte para a linguagem que
possibilita a comunicação e o
desenvolvimento humano “Aprender a ler
não somente é importante como forma de
possibilidades ampliadas de comunicação,
mas como tecnologia a transformar o
sujeito aprendiz em sua inserção direta
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num mundo mediado por novas e
sofisticadas tecnologias”. (Girotto, 2013, p.
344). As semelhanças das TDIC com as
linguagens humanas estão em sua imersão
social, de comunicação, mas também na
criação do conhecimento, de cunho
epistemológico, de desenvolvimento
humano. alterações na estrutura do
pensamento, refinadas ainda mais pelas
linguagens digitais, pelo contato mediado
por tecnologias, seus gêneros e seus
suportes. em suportes. A comunicação
acontece não mais mediada somente pela
linguagem oral e escrita, mas também pela
linguagem digital e TDIC, ressignificando
a maneira de construir os conhecimentos e
atuar no mundo. Assim “Novas maneiras
de pensar e de conviver estão sendo
elaboradas no mundo das
telecomunicações e da informática. Escrita,
leitura, visão, audição, criação,
aprendizagem são capturados por uma
informática cada vez mais avançada”.
(Lévy, 1993, p. 7).
O contato direto com essas
tecnologias pela navegação, em mediação
com a linguagem digital, incide
diretamente na maneira como o leitor em
ambiente digital age e mobiliza
procedimentos de leitura, assim modifica
sua ação no mundo mediado por TDIC. Os
primeiros historiadores fizeram narrativas
que extrapolaram as noções de
temporalidade até a chegada desta nova
tecnologia. Agora é possível registrar ainda
mais a vida e os tempos pelas linguagens,
porque “Sem escrita, não datas nem
arquivos, não listas de observações,
tabelas de números, não códigos
legislativos, nem sistemas filosóficos e
muitos menos crítica destes sistemas”.
(Lévy, 1993, p. 96).
A aprendizagem e o contato direto
com essas tecnologias são essenciais para a
leitura de um mundo mediado também
pelo digital, porém seu desenvolvimento
não aparece de modo espontâneo, por isso
necessita de ser ensinado, pois não se
aprende apenas por nascer em um mundo
imerso em TDIC, como habilidades
imanentes deste determinado momento
histórico. São conhecimentos socialmente
construídos com a mediação da linguagem
digital, no contato direto com estes
recursos e com trocas com o outro. O
desenvolvimento e a aprendizagem desta
linguagem depende da tecnobiografia dos
sujeitos e não da idade. “É por essa razão
que, ao pesquisar o uso da linguagem
online, enfatizamos as vivências das
pessoas e suas relações cotidianas com as
tecnologias, ou o que é referido como
tecnobiografias”. (Barton, 2017, p. 41).
As TDICs vistas pelo prisma da
linguagem permitem orientar o ato de ler e
de escrever para o sentido do ato
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comunicativo no âmbito digital, como uma
prática multimodal, colaborativa, com
hipertextos, com referências externas e
múltiplas mídias. Toma-se consciência das
possibilidades de desenvolvimento e do
funcionamento desta linguagem ao se
reconhecer sua estrutura e sintaxe próprias,
assim como os procedimentos de leitura e
práticas específicas que ampliam o
conceito muito além de um viés utilitarista,
para o situar numa perspectiva de
comunicação e de desenvolvimento do
homem.
A leitura das TDIC com o estatuto de
linguagem digital permite reconhecer mais
claramente as possibilidades de
desenvolvimento proporcionadas por este
novo suporte material e de comunicação
humana, assim como possibilita interpretar
as nuances da leitura e escrita digital ou
navegação frente a essas práticas nos
enunciados e gêneros digitais. Os gêneros
discursivos, por exemplo, aprofundam-se
em suas especificidades no âmbito digital,
pois se modificam em cada caso, a cada
nova realidade ou contexto de produção e
publicação. Esses gêneros devem também
se preocupar com uma série de questões
relativas a sua divulgação na Web 2.0,
como formato dos conteúdos, maneiras de
acesso dos usuários, interações e
comentários nas plataformas, assim como a
coleta e verificação de informações,
acompanhando a agilidade das mudanças e
o problema das fake news.
Existem gêneros discursivos próprios
do âmbito digital como memes e e-mails.
Os blogs, sem um similar direto fora da
linguagem digital, mais próximos de
diários e listas, criaram um campo próprio
na internet chamado de blogosfera, que
compõe uma comunidade de blogs, pelos
quais tanto os donos e editores, quanto os
leitores e internautas, podem interagir entre
essas páginas, fazer referências entre si e
anexar novos conteúdos, funcionando
como uma comunidade social. O gênero e-
mail é similar à carta, mas no âmbito
digital apresenta uma nova roupagem e
uma estrutura ampliada. Um e-mail
permite quase que instantaneamente a troca
de correspondências, o envio de
documentos, conversas entre múltiplos
destinatários ao mesmo tempo, diálogos
em tempo real, acesso a múltiplos recursos
de escritório e o cadastro em diversas
plataformas digitais, além da experiência
do usuário, que se modifica a cada
navegador de internet, sistema operacional,
servidor de e-mail utilizado pelo internauta
e layout da página. A personalização
permite que o usuário modifique a
interface para obter uma melhor
experiência, portanto, é possível alterar o
tema, a exibição da caixa de entrada do e-
mail e densidade.
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Reconhecemos que é necessária a
análise caso a caso para cada gênero
discursivo, em cada contexto específico de
utilização, seja em linguagem oral, escrita
ou no âmbito digital. A produção de uma
carta, por exemplo, que apresenta suas
particularidades na linguagem escrita em
sua estrutura e produção, ganha nova
roupagem como um gênero discursivo
digital e características diferenciadas de
composição. O e-mail, as trocas
simultâneas entre destinatários, o envio de
arquivos, o cadastro em outras plataformas
digitais, acesso a recursos de escritório, a
personalização da caixa de entrada e outras
possibilidades ampliadas, são possíveis
somente nestes ambientes digitais.
Diante destes fatores, a linguagem
digital representa mais do que uma
adaptação para os gêneros discursivos nos
suportes digitais. É uma verdadeira
reconfiguração em sua estrutura, forma,
ética e maneira de composição (Rojo,
2015). As regras de funcionamento interno
de um mesmo gênero discursivo se
reconfiguram neste novo suporte, tornam-
se mais complexos e apropriam-se de
novos elementos, objetivos e
funcionalidades. Os gêneros discursivos
digitais não podem ser simplesmente
transpostos de um suporte material para o
outro sem que se reconheçam essas
nuances entre a linguagem digital e a
linguagem escrita ou oral.
Trata-se de uma orientação
epistemológica do leitor sobre o texto lido,
ou neste caso, uma adequação do olhar do
navegador frente ao suporte digital e aos
gêneros discursivos nestes ambientes, para,
na atividade de leitura digital, a navegação,
reconhecer as nuances dos gêneros digitais
sem se utilizar da transposição entre a
escrita e o digital, mas implementando
verdadeiramente novos gêneros
discursivos, com singularidades e
configurações próprias nestes suportes
digitais.
Conclusão
A leitura epistemológica das TDICs
pelo prisma da linguagem reconhece
múltiplas possibilidades, pois essas
tecnologias tornam-se mais que suportes de
comunicação. Alcançam o estatuto de
linguagem, reconhecida como instrumento
do desenvolvimento humano, capaz de
gerar cultura. Interpretar as tecnologias
digitais como linguagem permite melhor
atuar num mundo mediado por elas, tão
presentes de maneira imperativa nas
atividades humanas. Tratam-se de
tecnologias intelectuais, de linguagem.
Mais que meros instrumentos de
comunicação, mobilizam recursos
semióticos distintos e requerem dos
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sujeitos a mobilização de atitudes
específicas não congeladas no tempo,
porque o seu núcleo é marcadamente
mutante.
Os suportes materiais modificam a
maneira que o ser humano interage
socialmente mediado pela linguagem,
portanto uma inclusão digital depende
primeiramente do contato direto com estes
suportes materiais, aceitando-se o teclado e
mouse como os principais e mais
desenvolvidos instrumentos de mediação,
acoplados ao computador. Interpretar as
TDICs como linguagem permite superar a
visão de mera instrumentalização dos
equipamentos para explorar as
possibilidades ampliadas de comunicação,
construção de sentidos e desenvolvimento
humano.
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Informações do artigo / Article Information
Recebido em: 24/06/2019
Aprovado em: 30/08/2019
Publicado em: 11/12/2019
Received on June 24th, 2019
Accepted on August 30th, 2019
Published on December, 11th, 2019
Contribuições no artigo: O autor Rodrigo foi responsável
pela elaboração primeira, escrita e submissão do texto. O
autor Dagoberto fez as revisões no artigo e foi o professor
da disciplina que mobilizou as leituras e reflexões para o
artigo. O autor José contribuiu com a revisão final do
manuscrito. Todos os autores aprovaram a versão final
publicada.
Author Contributions: The author Rodrigo was
responsible for the first elaboration, writing and submission
of the article. The author Dagoberto made the revisions in
the article and was the teacher of the discipline that
mobilized the readings and reflections for the article. The
author José contributed to the final revision of the
manuscript. All authors approved the final version
published.
Conflitos de interesse: Os autores declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Rodrigo Martins Bersi
http://orcid.org/0000-0003-1823-2515
José Carlos Miguel
http://orcid.org/0000-0001-9660-3612
Dagoberto Buim Arena
http://orcid.org/0000-0001-9285-6487
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Bersi, R. M., Miguel, J. C., & Arena, D. B. (2019). As
tecnologias digitais de informação e comunicação pelo
prisma da linguagem digital. Rev. Bras. Educ. Camp., 4,
e7063. DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e7063
ABNT
BERSI, R. M.; MIGUEL, J. C.; ARENA, D. B. As
tecnologias digitais de informação e comunicação pelo
prisma da linguagem digital. Rev. Bras. Educ. Camp.,
Tocantinópolis, v. 4, e7063, 2019. DOI:
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e7063