Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e7162
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e7162
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2020
ISSN: 2525-4863
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Educação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra: um espaço de resistência à colonialidade e seus
mecanismos de poder
Yohana Marcela Sierra Casallas
1
, Darci Secchi
2
1, 2
Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT. Programa de Pós-Graduação em Educação. Avenida Fernando Corrêa da
Costa, 2367, Boa Esperança. Cuiabá - MT. Brasil.
Autor para correspondência/Author for correspondence: marcelasierra26@hotmail.com
RESUMO. Este trabalho é parte de uma pesquisa vinculada ao
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal de Mato Grosso, linha de Pesquisa dos Movimentos
Sociais, Política e Educação Popular, campus Cuiabá, com apoio
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES). Que teve como propósito analisar as
iniciativas pedagógicas e educativas desenvolvidas em escolas
do campo, coordenadas pelo Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) em Mato Grosso, como processos de
resistência ante a colonialidade e seus mecanismos de poder. É
uma pesquisa qualitativa, desenvolvida com os professores
gestores da escola Estadual Florestan Fernandes localizada no
Assentamento 12 de Outubro. As ferramentas investigativas
foram: entrevistas semi estruturadas, observação participante e
diários de campo. Com base nas entrevistas constatou-se que as
escolas do Movimento são estruturadas desde uma concepção
contra-hegemônica, com práticas pedagógicas diferenciadas. As
análises dos diários de campo revelam que esta escola
implementa os princípios filosóficos e pedagógicos do
Movimento, embora seja financiada pelo poder público.
Palavras-chave: Educação do Campo, Educação do MST,
Colonialidade.
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Education of the Movement of Landless Rural Workers: a
space of resistance to coloniality and its mechanisms of
power
ABSTRACT. This paper is part of an investigation linked to the
Post-graduate Education Program in the Federal University of
Mato Grosso, research on Social Movements, Politics and
Popular Education, Cuiabá, with the support of the Coordination
for the Improvement of Higher Education Personnel (CAPES).
Its purpose is to analyze the pedagogical and educational
initiatives developed in rural schools, under the coordination of
the Movement of Landless Workers (MST) in Mato Grosso, as a
process of resistance to coloniality and its mechanisms of
power. This is a qualitative research, developed with the
teachers and directors of the Florestan Fernandes National
School located in the October 12’s Settlement. The research
tools used were: semi structured interviews, participant
observation and field journals. Based on the interviews, it can be
seen that the MST’s schools are constituted from an anti-
hegemonic conception, with different pedagogical practices. The
field journals analysis reveals that this school implements the
philosophical and pedagogical principles of the Movement,
although financed by the public sector.
Keywords: Rural Education, MST’s Education, Coloniality.
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Educación del Movimiento de los Trabajadores Rurales
Sin Tierra: un espacio de resistencia a la colonialidad y sus
mecanismos de poder
RESUMEN. Este trabajo es parte de una investigación que está
vinculada al Programa de Pos graduación en Educación de la
Universidad Federal de Mato Grosso, línea de investigación de
los Movimientos Sociales, Política y Educación Popular, sede
Cuiabá, con el apoyo de La Coordinación de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Que tiene como
propósito analizar las iniciativas pedagógicas y educativas
desarrolladas en las escuelas de campo, bajo la coordinación del
Movimiento de los Trabajadores Sin Tierra (MST) en Mato
Grosso, como procesos de resistencia ante la colonialidad y sus
mecanismos de poder. Es una investigación de carácter
cualitativo, desarrollada con los profesores y directivos de la
escuela Estadual Florestan Fernandes ubicada en el
Asentamiento Doce de Octubre. Las herramientas investigativas
fueron: las entrevistas semiestructuradas, observación
participante y los diarios de campo. Con base a las entrevistas se
constata que las escuelas del movimiento son constituidas desde
una concepción contra hegemónica, con prácticas pedagógicas
diferentes, en cuanto al análisis de los diarios de campo se
verifico que esta escuela implementa los principios filosóficos y
pedagógicos del movimiento, aunque este bajo el dominio del
Estado.
Palabras claves: Educación del Campo, Educación del MST,
Colonialidad.
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Introdução
Desde a época colonial, as escolas
rurais e campesinas na América do Sul têm
sido ancoradas na educação tradicional que
prima pela transmissão de conhecimentos
em processos cognitivos elementares,
como saber ler e escrever. As escolas
urbanas, embora de matrizes tradicionais,
lidam com conteúdos mais abrangentes,
uma vez que são instadas a prover uma
formação que atenda a diversas demandas
específicas das cidades.
Os processos de colonização
impostos aos povos campesinos latino-
americanos, em que a educação é uma
ferramenta substancial de domínio e
controle do modelo econômico, político e
cultural, está presente no cotidiano das
populações. Ou, nas palavras de Paulo
Freire: a educação se funda sobre uma
concepção bancária, como um ato de
depositar, transferir, transmitir valores e
conhecimentos, com o fim de adaptar o
sujeito às formas de dominação da classe
opressora e suas instituições (Freire, 1997).
É por isso que a colonização e a
subalternização são os processos mais
atrozes vividos pela população de América
Latina desde o final do século XV, quando
os conquistadores impuseram sua visão do
mundo sobre os povos nativos americanos.
Dessa forma, romperam com as estruturas
sociais estabelecidas nas populações
locais, aniquilando civilizações inteiras e,
com elas, toda a riqueza material,
espiritual, seus saberes ancestrais e suas
práticas educativas.
Sobre o tema, Solano (2015, p. 2)
destaca que “a partir de 1492
experimentamos um violento choque
sociocultural que produziu a submissão de
nossas culturas a um único movimento
histórico e, com ele, um único e
inquestionável marco civilizatório
assentado nos pretendidos valores de
universalidade, objetividade e
racionalidade”. Para o autor, a
subordinação foi promovida em todos os
campos da existência humana, e a
educação foi um dos espaços sociais mais
impactados pela dominação colonial,
destruindo os conhecimentos autóctones e
impondo um modelo educativo baseado na
memorização passiva e na repetição vazia.
Como sugerem diversos autores latino-
americanos, a escola e suas dinâmicas
educacionais são produtos do projeto
civilizador que se expressam pelos
conhecimentos eurocêntricos e que
desconsideram a essência dos povos
originários.
A educação, e com ela a escola,
tornam-se instrumentos de manutenção da
ideologia colonizadora, sobretudo em
instituições escolares rurais onde se
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disponibilizam parcos conhecimentos e se
estimula o engajamento como mão-de-obra
na produção agrícola. Portanto, implanta-
se uma educação descontextualizada,
que não leva-se em conta os saberes
ancestrais, a relação com seu território e
outros valores autóctones. Aos professores,
a atividade docente é exigida como um
mero trabalho assalariado,
desconsiderando a sua condição de
formador de sujeitos sociais. Para as
comunidades, oferece parte da alimentação
das crianças e induz os estudantes a
migrarem, precocemente, para os centros
urbanos em busca de uma suposta melhoria
de qualidade de vida.
As escolas dirigidas pelo MST têm
umas propostas pedagógicas e educativas
contra hegemônicas, que será exposto mais
adiante no texto. Mas também são regidas
e controladas pelo Estado, posto que é ele
quem contrata os professores, proporciona
a alimentação para os estudantes, assim
como o transporte e os textos escolares e,
alguns assentamentos, constroem também
as escolas. As escolas sendo controladas
pelo Estado têm a obrigação de trabalhar
com a base nacional comum curricular, os
mesmos conteúdos das outras escolas
rurais, por isso não tem uma autonomia
curricular plena.
Por essa razão e os demais
argumentos expostos anteriormente sobre a
colonialidade e suas relações de poder
dentro da escola campesina, surge o
questionamento: quais são as estratégias
educativas e pedagógicas que o MST
implementa nas escolas sob sua
coordenação que contrapõem o controle e
atuação do sistema econômico e o poder do
Estado?
Para responder a esse
questionamento, foi realizada uma
pesquisa no ano 2019 na escola Estadual
Florestan Fernandes no Assentamento
chamado 12 de Outubro, Município de
Cláudia, Estado de Mato Grosso, que é
dirigida pelo MST. A pesquisa tem por
objetivo analisar as práticas e experiências
pedagógicas da escola, como processos de
resistência ante a colonialidade e seus
mecanismos de poder.
A pesquisa é do tipo qualitativa, que
permite estabelecer um desenho de
investigação flexível, a partir da
formulação de duas preguntas que
proporcionaram um diálogo aberto e
amplo. Essas entrevistas foram feitas com
quatro professores e a diretora da escola,
sendo complementadas com observações
nas salas de aula, para assim poder
perceber os cenários e os atores sociais,
seu passado e as situações em que se
encontram atualmente. A pesquisa de
campo se deu na escola do assentamento
com os educadores e a diretora.
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Entre o universo metodológico das
pesquisas qualitativas, utilizamos a
ferramenta de pesquisa Investigação Ação
Participativa (IAP) que incorpora algumas
noções de Paulo Freire como a
conscientização crítica, ensinamento e
aprendizagem, fortalecimento da
organização social e práxis pedagógica
(Sirvent, 2018). A IAP se constitui como
uma ferramenta investigativa que prioriza
os grupos sociais marginalizados,
tornando-se uma forma descolonizadora
dentro do âmbito educativo e investigativo.
Entende que grupos sociais oprimidos têm
a capacidade de analisar e avaliar sua
realidade, para buscar alternativas
adequadas para seu contexto (Fals, 1998).
A IAP auxilia na pesquisa, porém, o
trabalho e a vida cotidiana são vivências
progressivas que requerem um
compromisso, uma postura ética e política,
enfim, uma filosofia de vida convergente
com as expectativas dos sujeitos
pesquisados. Por conseguinte, para a
realização da pesquisa se implementou a
metodologia IAP, com as técnicas de
entrevistas semiestruturadas, observação
participante e diários de campo,
“ferramentas investigativas de utilização
flexível e ágeis derivadas da Sociologia e
da Antropologia” (Fals, 1998, p. 30).
Este trabalho contribui com o debate
acadêmico e social, assim como com a
transformação da escola campesina voltada
para as expectativas e necessidades dos
camponeses. Parra (1986) constata que a
deficiência no sistema escolar é evidente,
mas no contexto rural é ainda maior, que
a escola se instaurou como um elemento
integrador da nacionalidade a partir de uma
visão urbanizadora, gerando dificuldades
para a adaptação de um currículo único
sustentado na cultura camponesa. Dessa
forma, está sendo um elemento estranho
para meninos e meninas camponeses, que
receberam na infância, a partir da
organização familiar e comunitária, a
socialização de um mundo camponês.
Surgimento do MST
É importante fazer uma breve
incursão acerca do surgimento do MST
(Movimento dos Trabalhadores Sem Terra)
para compreender a relação do Movimento
com a educação, que, sua luta não é
pela terra, mas também por outros direitos
dos camponeses, entre os quais se destaca
a educação. “A educação do MST se
enfoca na produção da formação humana,
vinculada às raízes de um processo de
humanização mais profundo onde se
articula a terra, trabalho, memória e
dignidade” (Caldart, 2001, p. 2010).
A gênesis do Movimento foi
determinada por vários fatores, o mais
importante, o socioeconômico, posto que,
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na década de 1970 o Brasil (governado
pela ditadura militar) promoveu a
modernização e mecanização da
agricultura com características capitalistas.
“A concentração de terra e a exclusão da
pequena agricultura geraram um fluxo
migratório da população do Sul para as
regiões de colonização como Mato Grosso,
Pará e Rondônia” (Stedile, 2012, p. 18).
Como essas regiões colonizadas não
tinham vocação para a agricultura familiar,
nelas se instaurou a extração de madeira e
a atividade pecuária. Muitos camponeses
decidiram migrar para as grandes
metrópoles que viviam um processo de
industrialização acelerado. Isso resultou na
mudança de atividade econômica em
lugares distantes dos seus nichos
históricos. Uns camponeses emigraram
para as metrópoles sem possibilidades de
trabalho; outros resolveram lutar pela terra,
resistindo ante aos embates do sistema
econômico e político. Foi assim que surgiu
a base social do MST que tem como
objetivo lutar pela terra, contra a
colonização e exigir a reforma agrária
(Stedile, 2012).
Um segundo aspecto foi a atuação do
trabalho pastoral, com a igreja católica e a
igreja luterana, vinculadas na Comissão
Pastoral da Terra, voltado para a
conscientização dos camponeses e
reorganização de suas lutas por direitos
expressos nos seguintes versos: “queremos
terra na terra / temos terra no céu.
Tratou-se de uma iniciativa ancorada na
teologia da liberação, que iniciou e
frutificou no Centro-Oeste em 1975 e logo
se espalhou por todo o país” (Stedile, 2012,
p. 21).
O terceiro fator foi a situação política
do Brasil naquela época em que a ditadura
militar governava o país com ambiente de
repressão, torturas, persecuções,
autoritarismo e censura aos meios de
comunicação. A suspensão dos direitos
constitucionais provocou o movimento
estudantil e sindical que tomou as ruas para
exigir o respeito pelos direitos humanos e a
volta da democratização no país. “O MST
não surgiu só da vontade do camponês. Ele
pôde se constituir como um movimento
social importante porque coincidiu com um
processo mais amplo de luta pela
democratização” (Stedile, 2012, p. 24).
Esses fatores foram determinantes
para o nascimento do MST. Em 1981,
organizou-se o acampamento Encruzilhada
Natalino em Ronda Alta, no Estado de Rio
Grande do Sul, com mais de 500 famílias
camponesas que exigiam a reforma agrária,
pela distribuição equitativa da terra, mas
também contra a ditadura militar. Esse
acampamento estava cercado pelas tropas
do exército brasileiro, mas contou com o
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respaldo da sociedade urbana, que também
combatia a ditadura (Morissawa, 2001).
Dessa maneira, a luta da
Encruzilhada Natalino adquiriu um caráter
nacional, posto que, teve o apoio da
sociedade brasileira representada pelas
igrejas, sindicatos dos trabalhadores rurais
e urbanos, comissões de direitos humanos,
políticos de partidos de oposição ao regime
militar, universitários e outras entidades da
sociedade civil. Essas entidades
organizavam campanhas de doação de
alimento e faziam a defesa dos acampados.
“Daí que a vitória Encruzilhada Natalino,
foi a vitória de toda a sociedade brasileira
democrática. O MST considera-se, assim,
resultado não da vontade do trabalhador
rural, mas também de toda a sociedade
brasileira” (Morissawa, 2001, p. 128).
Dentro do processo de construção do
MST, educação é percebida como base
fundamental para a luta pela terra, contra o
latifúndio e a ignorância. Luta que deve ser
feita nos assentamentos, com as crianças,
jovens e adultos. Em concordância Caldart
expõe:
Os sem-terra do MST estão sendo
sujeitos de um movimento que acaba
pondo em questão o modo de ser da
sociedade capitalista atual e a cultura
reproduzida e consolidada por ela.
Fazem isto não porque professem
idéias revolucionárias, nem porque
este seja o conteúdo de cada uma de
suas ações tomadas em si mesmas.
Contestam a ordem social pelo
conjunto (contraditório) do que
fazem nas ocupações, nos
acampamentos, nos assentamentos,
nas marchas, na educação de suas
crianças, jovens e adultos; pelo jeito
de ser de sua coletividade, que
projeta valores que não o os
mesmos cultivados pelo formato da
sociedade atual; fazem isto,
sobretudo, pelo processo de
humanização que representam, e
pelos novos sujeitos que põem em
cena na história do país (2001, p.
210).
Como manifesta Caldart o
Movimento aposta na formação de sujeitos
com valores opostos à cultura capitalista,
fortalecendo a humanidade de seus
integrantes. Por isso o processo educativo
no início teve como foco erradicar o
analfabetismo dos assentados. Na
atualidade, o Movimento luta por garantir
o acesso de crianças e jovens à educação e
à escolarização nos vários níveis, em
cumprimento ao Artigo 06 da Constituição
que declara que a educação faz parte dos
direitos sociais (Supremo Tribunal Federal,
2019).
O Movimento elaborou parâmetros
que auxiliam seu princípio educativo a
partir de duas vertentes. A primeira, de
caráter filosófico onde se plasma a visão e
percepção do mundo, assim como deveria
ser a relação do sujeito com a sociedade; a
segunda, se concretiza pelo princípio
filosófico, com práticas diferenciadas e
uma constante práxis metodológica
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centrada nos processos educativos das
escolas (MST, 1996).
A partir desses princípios, surgiu a
pedagogia do Movimento, chamada
Pedagogia do Movimento Sem Terra,
entendida e compreendida como teoria e
prática, da formação humana
especialmente das novas gerações. O MST
busca, a partir de sua pedagogia, formar
sujeitos que se identifiquem como parte do
Movimento “Os sem-terra se educam como
Sem Terra (sujeito social, pessoa humana,
nome próprio) sendo do MST, o que quer
dizer, construindo o Movimento que
produz e reproduz sua própria identidade
ou conformação humana e histórica”
(Caldart, 2001, p. 2018).
Ser um integrante dos Sem Terra
hoje é bem mais do que ser um trabalhador
ou uma trabalhadora que não tem terra, ou
mesmo que luta por ela “Sem Terra é uma
identidade historicamente construída,
primeiro como uma afirmação de uma
condição social: sem-terra, e aos poucos
não mais como uma circunstância de vida a
ser superada, mas sim como uma
identidade de cultivo: somos Sem Terra do
MST!” (MST, 2001, p. 19).
O Movimento tem uma estrutura
educativa voltada para as necessidades de
seus integrantes, fortalecendo os processos
identitários e estimulando seu
compromisso com as bandeiras da luta do
MST. A luta pela escola começou junto
com a luta pela terra, mas o movimento
tem a preocupação constante da educação
das novas gerações, por que elas devem
continuar com a luta pela terra e o projeto
da construção de uma nova sociedade, mas
para isso o movimento sabe que precisa ser
uma organização duradoura com una luta
da vida inteira (Caldart, 2001).
Assentamento 12 de Outubro: território
de resistência
O MST se expandiu por todo Brasil,
chegando a Mato Grosso no ano 1995,
ocupando as fazendas na região sul do
estado, conquistando assim seus primeiros
assentamentos. Mas foi no período de 2003
a 2007 que o MST intensificou sua
organização e instalou acampamentos e
assentamentos por todo o Estado (Santos,
2016).
Dentre as conquistas desse período
está o Assentamento 12 de Outubro, que
teve a primeira tentativa de organizar o
assentamento no ano 2004 quando iniciou
o processo de negociação da fazenda
Panorama. Participaram das negociações
os representantes do Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (INCRA),
o Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST), Comissão Pastoral da
Terra e o então proprietário da fazenda
Marcos Barros. Com o êxito das
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negociações, as famílias foram assentadas
nas terras da antiga fazenda, mas logo
foram surpreendidas por uma reintegração
de posse impetrada por outro fazendeiro
que se dizia proprietário da referia área
(Santos, 2016). Como consequências, as
famílias regressaram aos antigos
acampamentos Claudinei de Barros em
Sinop/MT; Dorcelina Folador, em
Sorriso/MT; e Mario Lago, em União do
Sul/MT, com a decisão de continuar
lutando pelo assentamento. Posteriormente,
se reuniram para obstruírem o tráfico de
veículos pela rodovia BR 163 e
acamparam na frente na fazenda, apoiados
pela Comissão Pastoral da Terra, exigindo
das autoridades a imediata liberação da
área.
Novamente, se instalaram ao lado do
Acampamento Nova Aliança (ainda
coordenado pela CPT), que durante
todo tempo havia se mantido às
margens da BR-163, em frente à
fazenda requerida. Após muito
debate entre as coordenações das
entidades CPT e MST, com
momentos beirando à ruptura
completa, chegaram a um
entendimento de que em 30% da área
desmatada assentariam famílias da
base da CPT e o restante, 70%,
ficaria para famílias da base do MST
(Souza, 2014, p. 150).
A estratégia do Movimento logrou
êxito e em dezembro do ano 2007, o MST
com sua bandeira e seu slogan “ocupar,
resistir e produzir” passou a ocupar a
fazenda. Assim, aquele grande latifúndio
com mais de 6 mil hectares de terra, (que,
outrora, fez parte do Parque das
Castanheiras e era cobiçado por dois
pretensos proprietários) passou a ser a terra
de centenas de famílias camponesas. Mas
como sempre relembra Stedile, o MST não
se preocupa com terra, mas também
com a escola, com educação, posto que ela
pode derrubar três cercas: do latifúndio, da
ignorância e do capital. Partindo dessa
afirmação percebe-se a maneira com que o
Movimento articula a ocupação da terra
com a escola onde se fortalecem os
processos comunitários, de resistência e de
luta.
Assim como o Assentamento 12 de
Outubro foi uma conquista do MST pela
terra, a educação escolar também o foi. A
trajetória da escola iniciou em 2007, com
aulas para filhos dos assentados embaixo
de árvores ou barracas de lonas pretas
improvisadas. No ano de 2010 foi
construída a infraestrutura da escola em
forma de mutirão pelos pais, mães,
estudantes e professores.
A escola do assentamento, como
todas as que pertencem ao Movimento,
recebem seu nome homenageando grandes
intelectuais da América Latina, que lutam
pela transformação da sociedade. Neste
caso, recebeu o nome de Florestan
Fernandes, intelectual e militante que
defendeu iniciativas educacionais
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vinculadas aos interesses dos camponeses.
Como manifesta Caldart (2012), a
educação do MST em suas escolas, tem
como foco a formação humana e sua
relação com a terra, com as dinâmicas
camponesas e a luta pela reforma agrária.
Os educandos da Escola Estadual
Florestan Fernandes são oriundos de
famílias que residem no Assentamento 12
de Outubro, coordenado pelo MST; do
Assentamento Nova Aliança, coordenado
pela CPT; da Comunidade Nova
Esperança, uma associação de famílias
camponesas sem vinculação com
movimentos sociais e filhos dos
empregados das fazendas próximas. A
escola atualmente tem uma equipe de nove
professores, três funcionárias (diretora,
orientadora pedagógica e a secretária) duas
cozinheiras, duas senhoras da limpeza e
três vigilantes, e atende a um total de 108
estudantes.
Convergente com seu histórico, a
escola Estadual Florestan Fernandes conta
com um Projeto Político Pedagógico
centrado na educação do campo. Uma
escola com a função social, cultural,
política, ideológica e ambiental,
responsável pela conscientização dos
trabalhadores na luta por uma sociedade
justa e igualitária. Sua organização
curricular e gestão favorecem os processos
participativos, com raízes no projeto
educativo do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra.
Igualmente, a escola tem os
fundamentos epistêmicos e pedagógicos
propostos por Paulo Freire, como a
educação libertadora e autônoma, onde o
respeito, a dignidade e a autonomia do
educando são de suma importância. Essa
filosofia foi compartilhada no passado pelo
sociólogo Florestan Fernandes, quando fez
um chamado aos intelectuais para saírem
para além dos muros das universidades e
desenvolverem ações no campo para
compreender a realidade social e as
experiências concretas.
Educação do MST e Educação do campo
Durante os primeiros anos de
formação do MST sua prioridade foi a luta
e conquista pela terra. Mas o Movimento
sabia que precisava conquistar outros
direitos para os camponeses, entre eles a
educação, tida como uma ferramenta
essencial para compreender a conjuntura
política, as mudanças econômicas e sociais
e os processos históricos no Brasil e no
mundo.
Por isso, o Movimento passou a
investir numa educação diferenciada que
correspondesse ao projeto social que
desenvolviam e que combatesse a estrutura
do capitalismo, uma vez que, segundo
Mészaros (2005) a educação “tornou-se
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uma peça do processo de acumulação de
capital e de estabelecimento de um
consenso que torna possível a reprodução
do injusto sistema de classes”. Para o
autor, em “lugar de instrumento da
emancipação humana, agora é mecanismo
de perpetuação e reprodução desse
sistema” (Mészaros, 2005, p. 15).
O Movimento está consciente da
importância da educação escolar em seus
assentamentos. A ocupação da escola pelo
Movimento tem vários significados, entre
eles a mobilização das famílias assentadas
pelo direito à escola diferenciada, com uma
proposta pedagógica específica para as
escolas conquistadas e a incorporação da
escola com as dinâmicas do Movimento. O
desejo é que todos os assentamentos
tenham uma escola diferenciada com um
sentido político forte na formação de seus
sujeitos e cuja centralidade expressem os
processos de luta pela reforma agrária e
pelos direitos dos camponeses.
Para cumprir tais objetivos, o MST
estabeleceu princípios educativos
diferenciados, que o Movimento assume
a educação como um ato político que
vincula os processos sociais e visam a
transformação da sociedade atual desde
uma nova ordem fundada na justiça social,
na radicalização democrática e nos valores
humanistas e socialistas (MST, 1996).
Conforme exposto em seu programa,
o Movimento tem cinco princípios
filosóficos educativos que visibilizam a
visão do mundo e as concepções gerais da
sociedade e a compreensão do processo
educativo. Tais princípios são: 1. Educação
para a transformação social. 2. Educação
para o trabalho e a cooperação. 3.
Educação voltada para as várias dimensões
da pessoa humana. 4. Educação para os
valores humanistas e socialistas. 5.
Educação como um processo permanente
de formação e transformação humana
(MST, 1996, p. 10).
Ademais, conta com os princípios
pedagógicos, que são percebidos como os
meios para concretizar os princípios
filosóficos educativos, tendo como pilar a
reflexão metodológica. Neste caso,
organizam sua proposta educativa de
acordo com as necessidades de cada
comunidade. O Movimento configura 13
princípios pedagógicos que toda instituição
educativa sob sua coordenação deve
cumprir: 1) relação entre prática e teoria;
2) combinação metodológica entre
processo de ensino e capacitação; 3) a
realidade como base da produção do
conhecimento; 4) conteúdos formativos
socialmente úteis; 5) educação para o
trabalho e pelo trabalho; 6) vínculo
orgânico entre processos educativos e
processos políticos; 7) vínculo orgânico
Casallas, Y. M. S., & Secchi, D. (2020). Educação do movimento dos trabalhadores sem terra: um espaço de resistência à
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entre processos educativos e processos
econômicos; 8) vínculo orgânico entre
educação e cultura; 9) gestão democrática;
10) auto-organização dos/das professores;
11) criação de coletivos pedagógicos e
formação permanente dos educadores e
educadoras; 12) atitudes e habilidades de
pesquisa; 13) combinação entre projetos
pedagógicos coletivos e individuais (MST,
1996,p.11).
Esses princípios filosóficos e
pedagógicos demonstram que o MST,
desde seu início, havia projetado uma
pedagogia própria, que procura estabelecer
os vínculos entre a educação e trabalho e
entre a educação e a comunidade. Ou nas
palavras de Agostini: “o MST e sua
educação têm como eixo ... valores
socialistas e humanistas, como o trabalho
coletivo, o trabalho socialmente útil, o
trabalho como princípio educativo”
(Agostini, 2011, p. 166).
O MST sempre lutou por uma
concepção diferente de educação, não
apenas com seus princípios educativos,
mas também com uma nova formulação de
educação do campo, que nasceu a partir do
I encontro Nacional de Educadores e
Educadoras da Reforma Agrária (Enera)
em 1997 sob a coordenação do MST e em
parceria com o Fundo das Nações Unidas
para a Infância (Unicef), a Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência
e a Cultura (Unesco), a Confederação
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a
Universidade de Brasília (Molina, 2006).
Cinco anos depois, em 2002, foi aprovada
a Resolução CNE/CEB 01, que estabeleceu
as Diretrizes Operacionais da Educação do
Campo, materializando um importante
avanço para a educação do campo. Com
ela, o MST passou a ter uma importante
influência no novo paradigma da educação
do campo.
Práticas pedagógicas e educativas
descoloniais do MST
Da análise dos resultados da
pesquisa, pode-se afirmar que a Escola
Estadual Florestan Fernandes possui
diferentes práticas pedagógicas e
educacionais que podem contrapor-se à
colonialidade e seus mecanismos de poder.
“A escola Estadual Florestam Fernandes
trabalha a humanidade dos estudantes,
assim como sua formação política e
criticidade para que possam intervir em sua
realidade, durante o tempo da permanência
na escola e depois que eles salgam de
aqui” (Entrevistado 1, informação verbal,
18 de março 2019).
É importante ressaltar que essa
educação diferenciada é produto da luta e
do trabalho contínuo do MST como
movimento social e político, não pela
distribuição equitativa da terra, mas
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também pelos direitos dos camponeses,
incluindo a educação com seu
representante mais significativo, a escola.
“O Movimento luta pelos direitos dos
trabalhadores sem-terra, entre eles a
educação com as escolas dos
assentamentos, escolas do campo com
educação problematizada a, onde os
sujeitos podem escolher seus próprios
caminhos” (Entrevistado 2, informação
verbal, 21 de março 2019).
Com efeito, o MST é um movimento
que conduz um projeto político
educacional que busca romper com a
estrutura hegemônica do Estado. Ou, nas
palavras de Pinheiro: "No MST um
esforço permanente para denunciar e
desafiar o projeto da modernidade
ocidental, bem como umas duas variantes
contemporâneas, representadas pelo
projeto político neoliberal” (Pinheiro,
2015, p. 400).
Esse projeto de modernidade na
América Latina foi estabelecido a partir da
formação dos primeiros estados nacionais,
e teve como base fundamental a
dominação simbólica e ideológica por
meio de um projeto econômico que excluía
os povos originários e camponeses,
submetendo-os ao domínio cultural
político e econômico da cidade sobre o
campo (Pinheiro, 2015).
No entanto, Quijano argumenta que a
dominação ideológica e cultural simbólica
foi estabelecida a partir do momento da
colonização, uma vez que os europeus com
sua ideia de superioridade deixaram
vestígios de diferenciação racial, étnica ou
econômica em seus descendentes
americanos. Em palavras do autor:
O euro centrismo, portanto, não é a
perspectiva cognitiva dos europeus
exclusivamente, ou dos
dominantes do capitalismo mundial,
mas sim do conjunto dos educados
sob sua hegemonia” esta perspectiva
se consolidou através do tempo
sustentada em um conjunto de
práticas, relações e saberes do mundo
capitalista, tão assim que se
naturalizou pela sociedade sem
chegar a ser questionada (Quijano,
2007, p. 94).
Ainda que os dois autores
compartilhem o mesmo pensamento sobre
as desigualdades e a segregação social que
a modernidade deixou para trás, os dois se
distanciaram das possíveis causas.
Enquanto Pinheiro afirma que esse
problema foi gerado a partir do projeto
econômico dos novos Estados Nacionais,
Quijano sustenta que é uma consequência
da invasão europeia aos territórios de Abya
Yala
1
e como resultado disso é a exclusão
que é o pilar da colonialidade.
A contribuição teórica dos dois
autores, independente da causalidade,
demonstra a segregação social herdada da
modernidade, e como o Movimento MST
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está apostando na educação como um meio
para romper essa estrutura, com práticas
pedagógicas e educativas
contrahegenomicas, em divergência com a
educação colonial de corte tradicional.
Tais práticas buscam formar sujeitos
políticos com consciência crítica de sua
realidade. Não em vão, os suportes teóricos
e pedagógicos são os postulados por Paulo
Freire, com a pedagogia da autonomia e do
oprimido, onde o essencial é a liberdade do
educando para pensar e tomar suas
próprias decisões.
Quanto mais se problematizam os
educandos, como seres no mundo e
com o mundo, tanto mais se sentirão
desafiados. Tão mais desafiados,
quanto mais obrigados a responder ao
desafio. Desafiados, compreendem o
desafio na própria ao de captá-lo.
Mas, precisamente porque captam o
desafio como um problema em suas
conexões com outros, num plano de
totalidade e não como algo
petrificado, a compreensão resultante
tender a tornar-se crescentemente
crítica, por isto, cada vez mais
desalienada (Freire, 1997, p. 40).
A Escola Estadual Florestan
Fernandes, apoiada em uma educação
problematizada, possui um currículo crítico
que contrasta com o currículo hegemônico
estabelecido por entidades oficiais, como o
Ministério da Educação e as secretarias
estaduais e municipais.
O objetivo do currículo crítico é
totalmente contrário ao currículo
mais tradicional; os segundos tentam
converter os eventos da realidade a
que se referem, bem como suas
justificativas e interpretações, em
algo natural e inquestionável, algo
como o senso comum. No entanto, o
currículo crítico tenta forçar os
alunos a questionar os
conhecimentos, atitudes e
comportamentos que consideram
"naturais" e "óbvios". O currículo
crítico não apenas lida com a seleção
de outros conteúdos culturais como
forma de reconstruir os
conhecimentos disponíveis para a
comunidade, mas também se
interessa pelas estratégias de ensino e
aprendizagem que facilitam esse
processo de reflexão, participação
democrática e exercício do saber.
Responsabilidade e solidariedade
(Torres, 1998, p. 200).
Como manifesta Torres, o currículo
crítico é sustentado em uma seleção de
temáticas e conteúdo adequado para
fomentar a criticidade e os
questionamentos nos educandos, mas
também as estratégias de ensino
aprendizagem e as práticas pedagógicas.
Em concordância, a escola Estadual
Florestam Fernandes promove um
currículo critico, mas também oculto,
que o governo exige uma base curricular
nacional.
Nós trabalhamos um currículo oculto
e não tem que ser na aula de
classe, também fora, nas reuniões,
nos encontros, nas atividades que a
gente participa e que pode organizar
com os alunos, mas em outros
ambientes, então a gente pode estar
trabalhando isso sim. Mesmo assim
na sala de aula agente trabalha os
conteúdos da forma diferenciada a
educação tradicional, seja um
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currículo crítico e ao mesmo tempo
oculto (Entrevistado 3, informação
verbal, 25 de março 2019).
É perceptível, a partir da fala dos
professores e das observações na pesquisa
do campo, que a escola Estadual Florestam
Fernandes verdadeiramente trabalha um
currículo crítico, que ademais deve estar
oculto, por conta das imposições
burocráticas do governo. O currículo na
escola está desenhado a partir de três
caraterísticas essenciais, que se encontram
descritas no Projeto Político Pedagógico
2019 e fazem referência à educação
diferenciadora do Movimento. A primeira
delas aclara que a sala de aula deixa de ser
o centro do processo de ensino-
aprendizagem, para dar relevância nos
outros espaços. A segunda característica
fala da escolha dos conteúdos em função
das necessidades que a prática vai dando e,
por último, se apresenta a organização do
currículo que deve passar pelo coletivo do
assentamento, para assim integrar
conhecimentos que reflitam a realidade do
território.
Igualmente currículo crítico é
desenvolvido por meio da metodologia
dialógica que consiste em discutir, debater
e falar com os estudantes e a comunidade,
dentro e fora da sala de aula. O diálogo é a
ferramenta que gera reflexão e
conhecimento. Outra metodologia é a
integração do conhecimento vivencial dos
alunos, dos seus saberes ancestrais e
comunitários e da sua socialização
primária com os conteúdos escolares.
Como sugere Paulo Freire, a escola tem o
... dever de não respeitar os
saberes com que os educandos
chegam, todas das classes populares,
chegam a ela saberes socialmente
construídos na ptica comunitária -
mas também como mais de treita
anos venho sugerindo, discutir com
os alunos a razão de ser de alguns
desses saberes em relação com o
ensino dos conteúdos (Freire, 1996,
p. 30).
Para os professores da escola, o
método privilegiado é o diálogo com os
alunos, que lhes propicia a oportunidade de
expressão de suas opiniões livremente.
Podem expressar suas ideias, sentimentos,
emoções e percepções sem qualquer
restrição, transformando-as em práticas
libertadoras, fato que pode ser percebido
na observação da escola. Os educadores
estão em diálogo permanente com os
educandos, assim eles podem conhecer
completamente seus estudantes e ao
mesmo tempo saber que precisam,
academicamente, e na convivência. Em
relação ao Entrevistado 1 expõe:
A escola maneja o diálogo como a
ferramenta e metodologia nas aulas
de classe, na escola todo e falado,
desde a questão administrativa até a
pedagógica, o diálogo é parte do
pensamento dos grandes pensadores
do movimento, como Paulo Freire e
Florestan Fernandes, então com os
estudantes se faz os debates e
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discussões sobre as problemáticas, da
comunidade, também de o que
acontece no mundo (informação
verbal, 18 de março 2019).
Neste ponto é fundamental trazer as
palavras de Freire em seu texto A
importância do ato de ler:
Direito deles de falar a que
corresponde o nosso dever de escutá-
los. De escutá-los corretamente, com
a convicção de que cumpre um dever
e não com a malicia de que faz um
favor para receber muito mais em
troca. Mas, como escutar implica
falar também ao dever de escutá-los
corresponde o direito que igualmente
temos de falar a eles. Escutá-los no
sentido acima referido e, no fundo,
falar com eles, enquanto
simplesmente falar a eles seria uma
forma de não ouvi-los. Dizer-lhes
sempre nossa palavra, sem jamais
nos expormos e nos oferecermos a
deles, arrogantemente convencidos
de que estamos aqui para salvá-los, e
uma boa maneira que temos de
afirmar o nosso elitismo, sempre
autoritário (1997, p. 26).
Assim, escola Estadual Florestam
Fernandes, com o currículo crítico e o
diálogo como ferramenta pedagógica,
logram romper a educação bancária que é
implementada na maioria das escolas
urbanas e em alguns dos contextos rurais,
onde não se valoriza a dialogicidade. O
educador mantém uma relação hierárquica
em que o conhecimento é imposto e o
diálogo não se estabelece.
Essa educação bancária valoriza o
conhecimento a partir da perspectiva
europeia, deslegitimando o conhecimento
ancestral, indígena e comunitário, sendo
assim um exemplo dos mecanismos de
poder da colonialidade. Assim, “Esse
modo de conhecimento foi, por seu caráter
e por sua origem eurocêntrico, denominado
racional; foi imposto e admitido no
conjunto do mundo capitalista como a
única racionalidade válida e como
emblema da modernidade” (Quijano, 2007,
p. 94).
De maneira oposta, as escolas do
MST, mesmo as dirigidas pelo poder
público, baseiam-se em princípios
filosóficos e pedagógicos próprios cuja
práxis educa os sem-terra, fortalecendo sua
identidade e integrando-os aos ideais do
Movimento, à luta e à resistência, em
palavras do entrevistado 4:
Os professores têm que levar na aula
de classe as contradições e a
diversidade da realidade,
problematizar as situações atuais,
quando uma escola e problematizada
os sujeitos pode despertar outros
caminhos, pode escolher. Em isso
radica a diferencia da escola do MST,
trazendo o passado para refletir o
presente. Com consciência crítica, a
escola faz que os estudantes pensem
quem sou eu, para onde vou, onde eu
quero chegar, sempre em reflexão,
sempre com a claridade de sua
identidade sem-terra (Informação
verbal, 28 de março 2019).
Com efeito, a Escola Estadual
Florestan Fernandes, construiu um Projeto
Político Pedagógico que materializa as
propostas do MST, que seus principais
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objetivos são os de formar futuros deres e
militantes do Movimento, que se
identifiquem como os sem-terra,
reconhecendo que são trabalhadores do
campo e da cidade. O Projeto Político
Pedagógico tem os eventos do cotidiano
como ponto central de aprendizagem, entre
eles as contradições da realidade como o
anuncia o professor.
Para tanto, a escola possui projetos
sociopolíticos e ambientais que dão suporte
prático à formulação teórica do currículo.
Dentre eles destacam-se a horta
comunitária na concepção de mandala, e o
espaço para promover a agricultura
familiar e a agroecologia.
Possui também um bosque
pedagógico multiuso, cuja função é criar
consciência ambiental nos estudantes e
socializar os conhecimentos que cada
aluno adquiriu ao longo de sua história de
vida. Esses projetos estão formulados no
Projeto Político Pedagógico da escola, aqui
um fragmento dele:
Temos como projetos de referência e
permanentes: a Horta Mandala,
Bosque Pedagógico, e parque
infantil, que foram escolhidos por
todos como projetos permanentes na
escola, uma vez que os mesmos estão
relacionados como proposta
estabelecida de acordo com nossa
realidade e através deles podemos
realizar o exercício dos conceitos
agroecológicos/agroflorestais (Escola
Estadual Florestan Fernandes, 2019,
p. 38).
Outra iniciativa inovadora vinculada
à escola é a Cooperativa CANTASOL, que
consiste em um portal online de vendas de
produtos agroecológicos dos assentados,
em geral às demais comunidades e pessoas
interessadas. A cooperativa tem uma
vinculação direta com a escola, por meio
dela os educandos podem vivenciar todo o
processo de produção, comercialização e
venda dos produtos orgânicos do
assentamento.
Como se percebe, as ações
desenvolvidas na escola se contrapõem às
do agronegócio e da agricultura
convencional, que lidam com práticas
predatórias centradas num poderoso
arsenal de insumos e venenos.
A agricultura familiar ela tem uma
caraterística diferente, ela tem uma
política diferenciada, ela tem como
objetivo produzir para consumir, para
a subsistência. Ela é trabalhada na
escola e partindo dela você pode
discutir a soberania alimentaria,
segurança alimentaria, que faz a
diferencia com o agronegócio que
tem quantidade, mas não tem
qualidade, então assim tem várias
discussões que podem enxergar
vários horizontes, por que o educador
da oportunidade ao estudante de não
olhar um lado da moeda, ele tem
que saber os dois lados para poder
escolher da maneira correta para ele.
O educador tem que refletir sobre as
situações da realidade, sempre
respeitando as escolias dos
educandos (Entrevistado 5,
informação verbal, 05 de abril 2019).
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O relato dos professores demostra a
maneira que a escola articula a realidade
dos estudantes com os conteúdos e
temáticas. Por meio dos projetos
pedagógicos e educativos que tem suas
raízes nos princípios filosóficos e
pedagógicos do MST, evidenciando ao
mesmo tempo uma coerência com o
Projeto Político Pedagógico da escola,
baseado nos postulados de Paulo Freire.
Assim, a escola Estadual Florestan
Fernandes, com suas práticas pedagógicas
e educacionais, com o currículo crítico,
com os princípios filosóficos do
Movimento, é um exemplo de resistência e
luta contra a colonialidade e seus
mecanismos de poder. É um campo em que
se estabelecem os processos de
descolonização e se forjam sujeitos
políticos ativos que lutam contra o sistema
econômico e político hegemônico.
A escola tem a flexibilidade nos
temas na aula de classe por conta de
ter estudantes de diferentes
comunidades, mas não deixamos de
ser educação do campo, de certo
modo, nós usamos um malabarismo
para garantir que as crianças
participem nos processos de luta, a
gente realiza do calendário do MST,
março vermelho, a semana de Paulo
Freire, os projetos agroecológicos,
atividades de integração com a terra,
de luta pela terra (Entrevistado 5,
informação verbal, 05 de abril 2019).
Evidenciasse, tal como o manifesta o
entrevistado, os professores têm diversas
estratégias para incorporar as temáticas e
atividades do Movimento na escola,
embora seja regida pelo Estado com
diferentes estratégias educativas como a
base curricular nacional.
Além disso, o Estado não permite à
escola que o Movimento incorpore sua
simbologia, nem suas temáticas, que
perante a presença de estudantes não
oriundos do MST, a identificação dos
conteúdos político- pedagógicos pode ser
considerada como uma tentativa de
doutrinamento. No entanto, isso atrapalha
a oportunidade de fortalecer os processos
indenitários das crianças “Sem Terra”,
assim como a possibilidade de outras
crianças conhecerem as propostas do
Movimento.
Os professores procuram então
desenvolver diversas estratégias
curriculares, que são fundamentais para a
construção e fortalecimento de um
posicionamento crítico das crianças
camponesas sobre sua realidade.
Desta maneira, movimento do MST
possui as ferramentas teóricas e práticas
para lutar pela transformação da sociedade,
para exigir do Estado o cumprimento de
suas funções, para romper com os
esquemas coloniais herdados desde a
colônia. Ainda que o sistema econômico e
político capitalista se expande pelo mundo
inteiro, sempre haverá contradições e os
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movimentos como o MST apostam nessas
contradições para criar um mundo novo.
A única saída para que os
colonizados não repitam, repetidas
vezes, a terrível história que os
coloca no lugar do colono, é a
criação de algo novo, do novo
mundo. É a maneira pela qual os
dominados podem parar de
referenciar os dominantes, desejar
sua riqueza e poder, buscar seu lugar
no mundo. Dessa forma, pode
superar a inferiorização em que o
colonialismo os instalou. Eles não
serão capazes de superar esse lugar
lutando para compartilhar o que
existe, que é o lugar do dominador,
mas criando algo novo, para fazer
esse mundo com suas próprias mãos
(Zibechi, 2015, p. 39).
Como diz Zibechi, o mundo tem que
transformar-se, desde o fazer, anulando os
vestígios da colonização. Cabe aos
movimentos sociais, especialmente ao
MST, essa árdua tarefa de reunir
camponeses trabalhadores sem-terra para
mudar essa realidade no campo. Eles
possuem um profundo relacionamento com
a mãe terra, que lhes proporciona a vida e
os sonhos de um mundo mais justo e
solidário.
A gente entra no momento crucial, no
momento diferente, a gente não sabe
como esse governo de extrema direita
vai agir, ao mesmo tempo que a
gente não se pode expor, também não
se pode deixar perder nossa
identidade. Então vai ser uma
disputa, uma luta que para a gente vai
ser mais implícita, tem que ser uma
coisa de bastidores, para evitar a
persecução, para evitar uma série de
ações que esse governo pode
desenvolver. Mas a nossa principal
tarefa é resistir, o movimento tem
uma campanha bem interessante que
é “ninguém solta a mão de
ninguém”. A gente não pode
perder a esperança. (Entrevistado
4, informação verbal, 28 de março
2019).
Mas ainda no momento sócio
político do Brasil, com um governo que
classifica MST como um grupo terrorista
que invade as terras dos latifúndios e
doutrina estudantes das escolas dos
acampamentos, será um desafio para o
movimento resistir, manter sua ideologia e
lutar pelos trabalhadores sem-terra. Mas,
como o manifesto ou professor em sua
fala, o movimento está consciente das
ações do governo, encontrar-se, portanto
preparados para lutar e não desistir, não
perder a esperança jamais.
Considerações finais
Pretendemos pontuar nesse artigo
que o MST, desde o seu surgimento,
concebeu a educação como parte
fundamental da sua luta pela terra como
um direito dos camponeses. Ela é
fundamental na construção de pessoas que
lutam por transformações sociais e que se
contrapõem aos mecanismos da
colonialidade, que manteve por séculos as
desigualdades. de se superar o
paradigma educacional, concebido como
“uma peça do processo de acumulação de
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capital, e de estabelecimento de um
consenso que tona possível a reprodução
do injusto sistema de classes, em lugar de
instrumento da emancipação humana”
(Sader, 2005, p. 15).
O MST sabe perfeitamente que a
educação pode cumprir essas duas funções.
Distante de perceber a educação como um
instrumento de manutenção ideológica do
sistema, o Movimento elaborou um projeto
educativo com uns princípios filosóficos e
pedagógicos humanistas, contra-
hegemônicos, que procuram emancipar a
sociedade brasileira. Princípios que as
escolas, sob a coordenação do Movimento
devem professar, que contemplam em seu
projeto político pedagógico os postulados
de Paulo Freire e Florestan Fernandes.
Quando os educandos têm liberdade para
expressarem suas percepções da realidade,
de acordo com Freire (1997) os educandos
utilizam da palavra, do trabalho, da
reflexão. Ninguém se forma no silêncio e
na passividade.
Foi possível perceber, com a
observação e as entrevistas aos docentes,
que a escola Estadual Florestan Fernandes,
não só utiliza os postulados dos grandes
pensadores Latino-americanos em seu
projeto político pedagógico, mas também
em suas práticas pedagógicas, realizando
assim uma integração entre teoria e prática,
isso é, na práxis escolares.
No cotidiano desta escola, pode-se
identificar propostas descolonizantes, que
procuraram combater a colonialidade e as
práticas hegemônicas. Desse modo, a
escola se torna um importante espaço
formativo de insurgência que orienta a
sociedade a resistir, a re-existir e a re-
viver, construindo saberes próprios das
minorias, (Walsh 2013). Neste caso, os
saberes do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra.
Dentro das práticas pedagógicas e
educativas do MST que procuram romper
com o padrão da colonialidade destacam-se
o fortalecimento do processo da
humanização dos estudantes. A escola
procura formar seres humanos conscientes
de sua realidade, que possam criar
alternativas às problemáticas que os
rodeiam, sujeitos que não estejam a serviço
do capitalismo e do agronegócio. A escola,
por meio do currículo, maneja um marco
histórico e político de diversas lutas, como
educação, terra, saúde, sustentabilidade,
ambiente, renda, diversidade social,
mulheres, gênero, causas indígenas dentre
outras.
Mas tal marco não pode ser
totalmente expresso e evidente, posto que o
governo impede que o Movimento
manifeste abertamente seu projeto
educativo-político, com o pretexto que as
escolas coordenadas pelo MST não
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atendem apenas estudantes pertencentes ao
Movimento. De fato, a Escola Estadual
Florestan Fernandes acolhe filhos de
trabalhadores das fazendas, moradores das
cercanias e de outros grupos sociais da
região.
No que trata dos princípios
educativos do MST, a escola Estadual
Florestan Fernandes destaca a
transformação social e a educação para o
trabalho e para a cooperação. Isso pode ser
evidenciado pela implantação da horta
orgânica, onde os estudantes aprendem
diferentes formas de plantar sem o uso de
agrotóxicos, integrando seus
conhecimentos e socializado suas
habilidades, sentimentos e expectativas.
Dois outros projetos promissores são
o bosque pedagógico e a cooperativa, cujos
objetivos são gerar consciência nos
estudantes da importância de reflorestar e
preservar a flora nativa, e de produzir
cultivares agrícolas sem a utilização de
agrotóxicos. Como a região da escola está
totalmente desflorestada e cercada por
projetos agrícolas extensivos que utilizam
agrotóxico, o exemplo de reflorestar e
produzir de forma orgânica se torna uma
iniciativa exemplar e desafiadora. Por sua
vez, a cooperativa de vendas online de
produtos orgânicos da comunidade se
mostrou uma excelente estratégia
pedagógica para os estudantes e para toda a
comunidade.
Como sugere Pinheiro (2015), o
MST e os Zapatistas elaboraram uma
concepção diferenciada de educação, com
uma pedagogia única e um espaço
concreto. Dessa forma, iniciam um
processo de libertação e emancipação
humana. Acredita que a educação, e com
ela a escola, sejam o ponto central que
permite consolidar na comunidade uma
consciência crítica, com uma percepção
mais ampla sobre a resistência e a disputa
histórica, política e cultural dos povos
colonizados.
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Yala significa terra madura, terra viva, terra em
floração. Esta comunidade indigena está atualmente
localizada na região do Golfo de Uraba, na
Colômbia.
Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 10/07/2019
Aprovado em: 20/01/2020
Publicado em: 28/10/2020
Received on July 18th, 2019
Accepted on January 20th, 2020
Published on October, 28th, 2020
Contribuições no artigo: Os autores foram os
responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for
the designing, delineating, analyzing and interpreting the
data, production of the manuscript, critical revision of the
content and approval of the final version published.
Conflitos de interesse: Os autores declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Yohana Marcela Sierra Casallas
http://orcid.org/0000-0002-5234-3609
Darci Secchi
http://orcid.org/0000-0002-7590-3760
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Casallas, Y. M. S., & Secchi, D. (2020). Educação do
movimento dos trabalhadores sem terra: um espaço de
resistência à colonialidade e seus mecanismos de poder.
Rev. Bras. Educ. Camp., 5, e7162.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e7162
ABNT
CASALLAS, Y. M. S.; SECCHI, D. Educação do
movimento dos trabalhadores sem terra: um espaço de
resistência à colonialidade e seus mecanismos de poder.
Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 5, e7162,
2020. http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e7162