Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e7165
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
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2020
ISSN: 2525-4863
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Contribuição das feiras orgânicas de Porto Alegre na
Formação de Licenciandas e Licenciandos em Educação
do Campo
Tatiana Vieira Rodriguês
1
, Marilisa Bialvo Hoffmann
2
, Saul Benhur Schirmer
3
1
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Curso Graduação em Licenciatura em Educação do Campo. Avenida
Paulo Gama, 110, Farroupilha. Porto Alegre - RS. Brasil.
Autor para correspondência/Author for correspondence: tpec.tatiana@gmail.com
RESUMO. O presente artigo se propõe a compreender de que
modo o entendimento dos processos inerentes à
institucionalização e funcionamento das feiras orgânicas pode
contribuir na formação da Licencianda e do Licenciando em
Educação do Campo-Ciências da Natureza. Da mesma maneira,
busca-se analisar, a partir do diálogo com diferentes sujeitos
representantes das feiras orgânicas de Porto Alegre-RS, que
aspectos a Licencianda e o Licenciando em Educação do Campo
precisaria desenvolver para contribuir na gestão de processos
comunitários de feiras orgânicas locais nas comunidades em que
atuam. A análise das entrevistas foi realizada com auxílio
metodológico da Análise Textual Discursiva (ATD). Os
resultados apontam as Feiras Orgânicas como um espaço de
estudo importante, apresentando diversas possibilidades
formativas. Ressalta-se a necessidade das feiras serem mais
abordadas na formação de educadoras e educadores do campo,
tanto como um instrumento de pesquisa, quanto de ensino e
extensão, contribuindo assim para um melhor entendimento do
universo de trabalho dos povos do campo, entre eles os sujeitos
da agricultura familiar.
Palavras-chave: Formação de professores, Educação do
Campo, Feiras Orgânicas, Ensino de Ciências.
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Contribution of Porto Alegre’s fairs in the formation of the
Licensing in Rural Education
ABSTRACT. This article intends to understand how the
understanding of the processes inherent to the
institutionalization and functioning of organic fairs can
contribute to the training of the licencing in Rural Education -
Science of Nature. In the same way, it is sought to analyze, from
the dialogue with different subjects representatives of the
organic fairs of Porto Alegre-RS, what aspects the licencing in
Rural Education would need to develop to contribute in the
management of community processes of organic fairs
communities in which they operate. The analysis of the
interviews was carried out with methodological aid of the
Discursive Textual Analysis (ATD). The results point to the
Organic Fairs as an important study space, presenting several
formative possibilities. It is important to highlight the need for
the fairs to be more approached in the formation of the educator
of the field, as a research instrument, as well as teaching and
extension, thus contributing to a better understanding of the
work universe of the rural people, among them the subjects of
agriculture family.
Keywords: Teacher Training, Rural Education, Organic Fairs,
Science Education.
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Contribución de las ferias orgánicas de Porto Alegre en la
formación de la Licencia en Educación de Campo
RESUMEN. El presente artículo se propone comprender de qué
modo el entendimiento de los procesos inherentes a la
institucionalización y funcionamiento de las ferias orgánicas
puede contribuir en la formación del Licenciamiento en
Educación del Campo-Ciencias de la Naturaleza. De la misma
manera, se busca analizar, a partir del diálogo con diferentes
sujetos representantes de las ferias orgánicas de Porto Alegre-
RS, qué aspectos el licenciando en Educación del Campo
necesitaría desarrollar para contribuir en la gestión de procesos
comunitarios de ferias orgánicas locales en las comunidades en
las que actúan. El análisis de las entrevistas fue realizado con
ayuda metodológica del análisis textual discursivo (ATD). Los
resultados apuntan a las Ferias Orgánicas como un espacio de
estudio importante, presentando diversas posibilidades
formativas. Se resalta la necesidad de que las ferias sean más
abordadas en la formación del educador del campo, tanto como
un instrumento de investigación, como de enseñanza y
extensión, contribuyendo así a un mejor entendimiento del
universo de trabajo de los pueblos del campo, entre ellos los
sujetos de la agricultura familiar.
Palabras clave: Formación de Profesores, Educación del
Campo, Ferias Orgánicas, Enseñanza de Ciencias.
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Introdução
É direito de cada pessoa, segundo a
Lei Orgânica de Segurança Alimentar e
Nutricional (Brasil, 2006), ter acesso físico
e econômico, ininterruptamente, à
alimentação adequada e saudável ou aos
meios para obter essa alimentação, sem
comprometer os recursos para assegurar
outros direitos fundamentais, como saúde e
educação. Neste sentido, a escolha por uma
alimentação adequada e saudável está
sendo uma opção dos consumidores que
estão preocupados em adquirir alimentos
isentos de contaminantes intencionais.
Uma grande parcela desses consumidores
também se dedica a apoiar a produção com
base agroecológica, que é o que
fundamenta todo o trabalho das feiras.
Nessa forma de produção se procura
promover o uso sustentável do solo, da
água e do ar, reduzindo ao mínimo todas as
formas de contaminação desses elementos
que possam resultar das práticas agrícolas,
se preocupando também com a preservação
da diversidade biológica dos ecossistemas
naturais. Essa escolha se por diversos
motivos, mudança de hábitos alimentares,
preservação da saúde, estilo de vida, entre
outros.
As feiras de agricultores familiares
constituem-se, nesse contexto, em muito
mais que apenas espaço de
comercialização de produtos.
Denominadas feiras ecológicas,
agroecológicas, livres, coloniais, de
pequenos agricultores, da agricultura
familiar, ou apenas feiras, estas
compreendem, como ressaltam Dalla Nora
e Zanini (2015), um espaço de
sociabilidade rico e singular, onde além
das relações de compra e venda, se
compartilham saberes e fazeres, uma vez
que o econômico e o social se
complementam e se ligam às histórias de
vida dos personagens que compõem esse
cenário. Nas feiras, além de encontrarem
os alimentos que procuram, os
consumidores têm contato direto com o
agricultor, uma grande diversidade de
opções de hortifrutigranjeiros, valores
menores que encontram nos
supermercados e também um espaço
cultural, de aprendizagem e de troca de
saberes que resultam, não raras vezes, em
laços de amizade e confiança entre
consumidor e agricultor.
Diferentemente das feiras realizadas
por pessoas que são apenas comerciantes
e não necessariamente agricultores as
feiras de agricultores familiares trazem
consigo também o reflexo de lutas: por
terra, por reforma agrária popular, pela
diversidade em contraposição à
monocultura, pela “comida de verdade” ao
invés dos fast-foods, pela integridade da
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saúde e do alimento no lugar de veneno,
pelo papel das gerações e das relações de
gênero na configuração familiar, no
trabalho coletivo, entre outras. Diante
disso, alinha-se com as lutas da própria
Educação do Campo, compreendendo a
feira de agricultores como um espaço de
reconhecimento do sujeito do campo, de
seus modos próprios de vida, de manejo e
conservação da natureza próprios e que
influenciam diretamente na qualidade do
alimento que produzem, subsistem e
comercializam à população.
O que muitos desses consumidores
desconhecem, são os caminhos e desafios
que os agricultores têm de enfrentar para
estarem ali. Um deles é o de receber de sua
certificadora, vinculada ao Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(MAPA), uma certificação de Organismo
da Avaliação da Conformidade Orgânica
(OAC), que os habilita a vender em feiras
orgânicas. De acordo com informações
disponíveis no site do MAPA
i
(2019),
produtor sem certificação deve apresentar
um documento chamado Declaração de
Cadastro, que demonstra que ele está
cadastrado junto ao MAPA e que faz parte
de um grupo que se responsabiliza por ele.
Neste caso, o produtor, alguém de sua
família ou de seu grupo pode estar na
banca vendendo o produto. Essa
Declaração deve ser mostrada sempre que
o consumidor e a fiscalização solicitarem.
Quando se trata de alimentos
processados de origem vegetal ou animal,
pode-se fazer necessário também ter em
suas propriedades edificações como
agroindústrias e entrepostos de ovos.
Ainda que exista legislação sanitária
específica para propriedades rurais de
pequeno porte, as exigências pelos
departamentos competentes, em muitas
oportunidades são as mesmas para uma
indústria de grande porte, inviabilizando
que o produtor consiga tornar sua
propriedade em autossustentável. Isso
muitas vezes desmotiva a sucessão rural,
pois os ganhos se tornam inviáveis para
manter toda a família trabalhando na
propriedade.
Além desses desafios relacionados à
regularização da produção, ainda a
organização das feiras. As Feiras orgânicas
situadas em logradouros públicos do
município de Porto Alegre-RS são
organizadas pela administração municipal
e nelas encontram-se agricultores de
diversos municípios do estado que trazem
seus produtos para comercializar nesses
espaços. Em 2015, por determinação do
MAPA, a Divisão de Fomento
Agropecuário (DFA) passou a exigir que
todos os feirantes que vendem seus
produtos nessas feiras cumprissem a Lei
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Federal 10.831, de 23 de dezembro de
2003, regulamentada em 27 de dezembro
de 2007 - que rege o sistema orgânico de
produção agroecológico. Como pena de
não cumprimento, as feiras passariam a se
apresentar como “feiras mistas” e não mais
“feiras orgânicas”. A partir desse
momento, os servidores da DFA iniciaram
uma força-tarefa para cumprir essa
determinação. Os agricultores, associações,
entidades, conselho de feiras e
departamentos envolvidos foram
comunicados, a fim de contribuírem para
cumprimento dessa exigência.
Na revisão e organização desse
processo verificou-se que, por mais que os
agricultores em alguns momentos
encontrassem apoio dessas instituições, as
políticas públicas previstas eram pouco
aplicadas em setores como agroindústria
familiar, administração rural, entre outros.
Para os agricultores que estavam com
dificuldades em apresentar alguns
documentos pendentes, foi criado um
espaço denominado de “feira de transição”,
com funcionamento no mesmo dia e
horário da feira orgânica, oficialmente
denominada Feira de Agricultores
Ecologistas. Com muito empenho e
organização por parte dos organizadores e
também dos agricultores, aos poucos as
exigências foram cumpridas, os
agricultores que estavam com documentos
pendentes conseguiram as suas licenças e
retornaram aos seus espaços de origem. O
espaço de transição, por sua vez,
atualmente acolhe os agricultores que estão
em processo de transição com vistas de
receberem seus certificados de
conformidade orgânica.
Diante disso, fica evidente que
inúmeros processos, das mais diversas
ordens que envolvem a dinâmica das feiras
orgânicas. Considerando o contexto
descrito, o presente trabalho se propõe a
compreender de que modo o entendimento
dos processos inerentes à
institucionalização e funcionamento das
feiras orgânicas pode contribuir na
formação da Licencianda e do Licenciando
em Educação do Campo-Ciências da
Natureza. Da mesma maneira, busca-se
analisar, a partir do diálogo com diferentes
sujeitos representantes das feiras orgânicas
de Porto Alegre-RS, que aspectos a
licencianda e o licenciando em Educação
do Campo precisaria desenvolver para
contribuir na gestão de processos
comunitários de feiras orgânicas locais nas
comunidades em que atuam.
As feiras orgânicas de Porto Alegre e
suas relações com a Licenciatura em
Educação do Campo
Estruturado de acordo com a
organização didático-temporal da
pedagogia da alternância, a Licenciatura
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em Educação do Campo: Ciências da
Natureza da UFRGS (EduCampo UFRGS)
se concretiza, efetivamente, em Tempos-
Universidade (TU) e Tempos-Comunidade
(TC), que se alternam entre si,
proporcionando que as populações do
campo possam frequentar a universidade
sem necessariamente precisar abandonar o
mundo do trabalho. Nos Tempos-
Universidade os estudantes frequentam
aulas presenciais na universidade e nos
Tempos-Comunidade as aulas e
acompanhamento dos professores se ,
preferencialmente, no âmbito das
comunidades do campo. No caso da
EduCampo UFRGS campus Porto Alegre,
o Tempo-Comunidade compreende o
trabalho com populações e escolas
localizadas em aldeias indígenas, em
comunidades quilombolas, ribeirinhas, de
pescadores artesanais, agricultores
familiares, assentados da reforma agrária,
entre outros.
Uma característica importante da
EduCampo UFRGS campus Porto Alegre é
estar localizada em uma capital de mais de
um milhão de habitantes, rodeada por uma
grande região metropolitana onde se
mesclam populações urbanas, rururbanas e
rurais. Essa configuração traz ainda a
marca da presença, nos 53 municípios da
região de abrangência do curso, de 23
assentamentos da reforma agrária, 10
quilombos rurais e diversas aldeias
indígenas (seis somente em Porto Alegre),
além de ribeirinhos, pescadores artesanais
e agricultores familiares.
Outra marca registrada da cidade e
da região é de contar com diversas feiras
agroecológicas, entre elas a Feira de
Agricultores Ecologistas - FAE que ocorre
toda semana 30 anos, praticamente ao
lado da universidade, reunindo um público
estimado de 5 mil pessoas a cada sábado.
Nela, em torno de 200 agricultores
familiares fazem a comercialização de
alimentos sem uso de veneno, mas não
isso: compartilham também conhecimento
sobre modos de vida, de fazer agricultura,
de guardar as sementes crioulas, de preparo
e conservação de alimentos, de uma
diferenciada relação com a natureza e com
o ambiente e de respeito à biodiversidade.
Assim, também os conhecimentos
tradicionais presentes nas feiras de
agricultores familiares de Porto Alegre e
da região de abrangência da Licenciatura
em Educação do Campo podem se
constituir em potencial espaço formativo
dos licenciandos.
Como justificativa da articulação
deste tema à Licenciatura em Educação do
Campo, parte-se do pressuposto que o
referido curso tem, como um de seus
objetivos, contribuir na construção de
alternativas de organização do trabalho
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docente que permitam a expansão da
Educação Básica no Campo com a rapidez
e a qualidade exigidas pela dinâmica social
em que as pessoas estão inseridas (Ufrgs,
2013). Também, no perfil do egresso e área
de atuação, o Projeto Pedagógico do Curso
- PPC (Ufrgs, 2013), prevê a participação
da licencianda e do licenciando na
elaboração e execução de projetos locais
de desenvolvimento sustentável com base
agroecológica, bem como em instituições
de Assistência Técnica e Extensão Rural
(ATER).
Considera-se, da mesma forma, que
as feiras são espaços essencialmente
educativos e formativos, em que os
princípios de uma alimentação saudável,
da agricultura sustentável, dos processos
agroecológicos, do trabalho coletivo e da
organização familiar, dentre outros, podem
ser constitutivos do diálogo entre
licenciandas e licenciandos e os sujeitos
que fazem parte da feira.
Com isso se percebe a importância
de explorar, no âmbito do curso, os
processos inerentes à institucionalização e
funcionamento das feiras orgânicas de
Porto Alegre, que hoje representam
projetos bem sucedidos de
desenvolvimento local, subsidiados por
ATER e associados a processos educativos
que envolvem toda a cadeia e pessoas
envolvidas desde a produção até o
consumo final.
Histórico sobre a origem e o
funcionamento das feiras orgânicas no
município de Porto Alegre
Próximo ao campus central da
UFRGS, na Rua José Bonifácio, no bairro
Bom Fim em Porto Alegre-RS, ocorre a
Feira de Agricultores Ecologistas (FAE),
ou Feira Ecológica do Bom Fim, criada em
1989, em comemoração ao Dia Mundial da
Alimentação e a Semana Mundial de Luta
Contra os Agrotóxicos (Nascimento,
2012). Dado o sucesso da feira, a mesma
se repete nos dois meses seguintes. Em
1990, a feira começa a ser realizada
quinzenalmente, passando logo a ser
semanal. Segundo relato dos organizadores
da época, a Secretaria Municipal da
Produção, Indústria e Comércio de Porto
Alegre (SMIC) emitia, na ocasião, um
alvará único para cada evento.
A FAE foi a primeira feira ecológica
do Brasil pós - Revolução Verde e serviu
de modelo para outras feiras gaúchas e de
estados vizinhos. Ela é considerada a maior
do mundo no requisito de variedades de
alimentos orgânicos vendidos diretamente
do produtor para o consumidor. De acordo
com Dreier e Verdum (2010), ela se
originou na Cooperativa Coolméia
mantendo os seus princípios: ecologismo,
naturismo e cooperativismo. O primeiro
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reflete a preocupação com a preservação
ambiental e com a utilização de
tecnologias brandas. O segundo estabelece
que na feira existam alimentos ovo-lacto-
vegetarianos, barrando refinados, farinhas
e açúcares e alcoólicos destilados. No
último, enfatiza-se o caráter coletivo, na
produção e na organização da feira, onde
ocorrem reuniões semanais para avaliação
e planejamento.
Com a grande aceitação por parte do
público, a Prefeitura Municipal de Porto
Alegre propõe a criação de uma feira para
os produtores e comerciantes de mel. -se
início então, nos sábados alternativos à
feira ecológica, a feira do Mel. Aos
poucos, a Prefeitura convida novos
produtores a comporem os espaços junto
aos produtores de mel. No decorrer do
tempo, por solicitação da Coolméia, a feira
começa a ocorrer semanalmente, junto à
quadra 01, surgindo então a divisão entre
as Quadras 1 e Quadra 2. A Quadra 1,
organizada e gerenciada pela Coolméia e a
Quadra 2 pela Prefeitura. É importante
ressaltar que a primeira legislação que
regra a produção orgânica só é promulgada
em 2003, através da Lei Federal 10.831
(23/12/2003) e regulamentada pelo
Decreto 6.323 em 27 de dezembro de
2007. Os primeiros processos abertos para
o licenciamento individual de feirantes
para a Feira Ecológica do Bom Fim têm
início em setembro de 2003, elaborados
pelo Coordenador de Distribuição e o
Supervisor de Abastecimento da época.
Quanto à seleção dos feirantes para
os espaços públicos, a mesma era realizada
através de indicação, elaborada por
Associações ou Cooperativas, recebidas
pelo setor de licenciamento e anexadas ao
processo: Cooperativa Coolméia,
Associação Agroecológica e Cooperativa
Arco-íris. No ano de 2010 inicia-se a
solicitação por parte da Seção de
Licenciamento de Atividades Ambulantes
(SLAA), em alguns processos, da
apresentação por parte do produtor de uma
declaração emitida pela Empresa de
Assistência cnica e Extensão Rural
(EMATER) do município em questão,
atestando que o mesmo adota os princípios
da produção agroecológica.
Em 2015, a Secretaria Municipal de
Indústria Comércio (SMIC)/Departamento
de Fomento Agrícola (DFA)/Centro
Agrícola Demonstrativo (CAD) recebe
comunicado, emitido pelo Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(MAPA), dando um prazo (Março de
2016) para Prefeitura regularizar as feiras
orgânicas em face da constatação de
irregularidades quanto à presença de
feirantes sem a certificação orgânica. Para
darem atendimento a estas alterações
exigidas pelo MAPA, inicia-se em 2015
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uma alteração nos procedimentos de
licenciamento. A partir de uma análise
feita em conjunto com os técnicos da
Coordenadoria Geral de Vigilância em
Saúde/Secretaria Municipal da Saúde
(CGVS/SMS), processos que foram
trazidos ao Centro Agrícola
Demonstrativo, identificou-se a
necessidade de elaboração de novos
formulários, bem como da exigência da
apresentação de novos documentos.
No ano de 2016 inicia-se a
elaboração de certificados de adequação
com o intuito de verificar a documentação
e certificar que todos os feirantes estão
com os certificados de conformidade
orgânica e adequação sanitária no prazo.
Atualmente o CAD administra sete Feiras
Orgânicas realizadas na Capital, conforme
o mapa ilustrado na figura 1:
Figura 1 - Mapa de localização das feiras orgânicas do município de Porto Alegre-RS.
Fonte: Google Maps, 2019. Organização dos autores.
As Feiras Orgânicas e Formação do
Educador do Campo na área de
Ciências da Natureza
Segundo Boechat e Santos (2011), a
feira é um local de relações econômicas,
sociais e culturais, o que a torna um lugar
de construção de espaço e identidade,
relacionados intimamente com todos os
seus agentes partícipes. Neste sentido,
Cruz e Menasche (2011) enfatizam que a
busca pelos produtos das feiras orgânicas
perpassam por processos lógicos e
simbólicos associados ao consumo de
alimentos, que vão desde a valorização dos
produtos locais, do desejo de alimentação
saudável, de engajamentos políticos ou
ainda, a apelos que buscam fortalecer
identidades e tradições culturais.
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Em revisão de literatura realizada a
partir do Portal de Periódicos da Comissão
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES), constatou-se que é
praticamente inexistente a pesquisa que
articula os conhecimentos das feiras de
agricultores ao ensino e formação de
professores de ciências. Deus et al. (2015)
trazem a temática da feira ao discutirem a
importância da educação não-formal na
Feira do Produtor Rural de Rorainópolis
RR, como uma abordagem contextualizada
no ensino de ciências. Segundo os autores,
a finalidade da inserção da temática das
feiras seria proporcionar que o estudante
do Ensino Médio tenha melhor
compreensão do mundo em que vive. A
investigação concluiu que a Feira possui
potencial pedagógico por ser um ambiente
diferenciado um espaço aberto, possui
variedade de produtos a serem
comercializados, bem como pessoas com
culturas diferentes); por contribuir para a
curiosidade dos estudantes (descoberta da
origem dos produtos e a comparação com o
livro didático); por proporcionar interação
entre diferentes sujeitos no processo de
ensino e aprendizagem (uma vez que os
agricultores receberam os estudantes muito
bem e prestaram as informações
necessárias, promovendo uma troca de
conhecimentos); e por ter havido boa
aceitação por parte dos estudantes (porque
emergiu da experiência de vida dos alunos
na cidade em que moram, na região rural)
(Deus et al., 2015).
O trabalho de Fonseca et al. (2018)
problematiza a feira livre realizada em
Itabuna/Bahia, como tema gerador no
Ensino de Ciências, considerando, após
investigação temática, que a infraestrutura
da feira, a presença de animais naquele
espaço e a forma como os alimentos são
comercializados, são considerados
prejudiciais à saúde dos moradores e ao
meio ambiente e, por isso, necessitavam
ser problematizados e solucionados. Após
a estruturação de uma unidade de ensino
tendo como tema a “As condições da feira
nossa de cada dia: bairro de Fátima,
Itabuna/BA” os autores destacam que
conceitos de física, assim como os de
biologia e de química, não foram
suficientes para a compreensão e a
superação das situações envolvidas no
tema gerador, sendo preciso discutir
aspectos para além do âmbito escolar, no
sentido de unir conceitos científicos e
conteúdos na construção de conhecimentos
significativos socialmente, fomentando o
desenvolvimento de ações individuais e
coletivas do poder público e a promoção de
Políticas Públicas (Fonseca et al., 2018).
Neste sentido, considera-se que
reconhecer as potencialidades do
conhecimento sobre as feiras em uma
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comunidade para a formação de
professores requer muitas outras
interlocuções do que apenas aquelas
referentes aos conteúdos escolares. Diz
respeito, principalmente, ao respeito aos
conhecimentos e saberes populares, aos
aspectos históricos e culturais do local, ao
reconhecimento das lutas políticas que
resultaram naquele espaço e, no caso das
feiras orgânicas e/ou agroecológicas, da
identificação dos princípios éticos que
perpassam pela produção e
comercialização deste tipo de produto.
Tratando-se do contexto da formação de
professores na Educação do Campo, é
imprescindível que tome como ponto de
partida alguns pressupostos como o direito
a uma alimentação livre de veneno, a
soberania alimentar, o trabalho coletivo e a
auto-organização, a territorialidade e, por
fim, a perspectiva de um desenvolvimento
rural sustentável.
Procedimentos Metodológicos
O presente estudo é de natureza
qualitativa (Lüdke & André, 2013) e foi
organizado em três etapas: 1) Revisão
teórica sobre o histórico das feiras
orgânicas de Porto Alegre e sobre a relação
entre feiras de agricultores, educação do
campo e formação de professores de
ciências; 2) Entrevista com três pessoas
diretamente envolvidas com as atividades
das Feiras Orgânicas de Porto Alegre; e 3)
Análise das Entrevistas, com auxílio
metodológico da Análise Textual
Discursiva - ATD (Moraes & Galiazzi,
2007). Todos os entrevistados assinaram
um Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido, autorizando o uso dos dados
para a pesquisa.
As entrevistas foram realizadas entre
os meses de abril e junho de 2019,
presencialmente. Os critérios de escolha
dos entrevistados foram a disponibilidade
para participação e o envolvimento com o
histórico e realização das feiras em Porto
Alegre. Sendo assim, selecionou-se um
agricultor, participante da Feira Ecológica
do Bom Fim e dois servidores públicos
municipais, de diferentes setores,
envolvidos diretamente na organização das
feiras ecológicas em Porto Alegre. As
entrevistas foram feitas na residência e no
trabalho dos envolvidos, não contando com
um roteiro pré-estabelecido, mas sim, com
um diálogo prévio à entrevista, onde foi
colocado o objetivo da pesquisa e o
entrevistado ficou livre para comentar
sobre as feiras orgânicas e o seu
envolvimento com as mesmas. Os nomes
foram mantidos em sigilo, a fim de
resguardar a identidade dos participantes,
sendo utilizados pseudônimos (agricultor,
servidor público 1 e servidor público 2) no
momento da análise das falas.
Rodriguês, T. V., Hoffmann, M. B., & Schirmer, S. B. (2020). Contribuição das feiras orgânicas de Porto Alegre na Formação
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Resultados e discussão
Ao contrário dos supermercados,
ícones dos chamados Circuitos Longos de
comercialização, caracterizado pela baixa
participação dos agricultores familiares no
processo e pela maior distância entre
agricultor e consumidor (Silva, 2015), a
comercialização em feiras orgânicas
podem ser considerada como sistemas de
Circuitos Curtos, que apresentam potencial
de fortalecimento da agricultura familiar e
camponesa. Em geral, os Circuitos Curtos
são ferramentas que podem fomentar uma
dinâmica de aproximação, ampliando a
relação entre campo e cidade,
revalorizando os espaços rurais, auxiliando
na construção de novos paradigmas de
consumo e proporcionando condições para
uma maior autonomia dos agricultores
(Buainain & Batalha, 2007).
Segundo Darolt (2012), a maioria
dos produtores de base ecológica com bons
resultados de comercialização, têm
utilizado dois a três canais de venda (feiras
do produtor, entrega de cestas em
domicílio e, mais recentemente, compras
governamentais), embora exista uma gama
de alternativas. As feiras orgânicas
também proporcionam um contato direto
produtor-consumidor, abre espaço para
visitações nas propriedades possibilitando
a proximidade da cidade com o campo.
Mas sabe-se que o número de feiras é
insuficiente para suprir à demanda dos
produtores e consumidores e, neste sentido,
fica ressaltada a importância de políticas
públicas para que esse sistema permaneça
e se amplie com qualidade. O agricultor
entrevistado relata que:
Para mim começar a falar de sobre
isso aí, eu acho que foi uma virada
muito grande que deu na minha vida,
um começo, um recomeço né..., para
começar tinha 60 anos naquela
época, mas eu acho que foi um
recomeço. É que aqui em Porto
Alegre, aqui na nessa região bacia do
Manecão que é o nome do arroio
aqui, que hoje tá todo
contaminado... a Prefeitura de Porto
Alegre e a UFRGS fizeram um
trabalho de base para saber o que
essa área poderia produzir... isso foi
em 94, 95 por aí. Definiram, foi
definido que essa área seria de
produção orgânica. (Agricultor).
A palavra "recomeço" vem de uma
nova possibilidade do agricultor se
relacionar com sua vida no campo. Após
vir por mais de quarenta anos plantando e
cultivando de forma convencional, aceitou
iniciar um trabalho pioneiro com a
agroecologia em sua cidade e enfrentar
todos os desafios da transição e o
preconceito dos que o cercavam. Uma
oportunidade única, que não estava feliz
com a maneira que cultivava os alimentos
e que, se fez, a partir do trabalho
conjunto de instituições públicas.
Essa mudança vem ao encontro com
o que Bruil (2014) aponta, sobre a
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importância das organizações da
agricultura familiar para que haja um
reequilíbrio de poder econômico e político
frente a outros atores interessados nos
processos de formulação e execução de
políticas e programas públicos. Entre as
principais demandas apontadas, a autora
destaca a “necessidade de os governos
incluírem as organizações agricultoras em
diálogos e tomadas de decisões, programas
de formação que sejam adequados,
apropriados e orientados pelas famílias,
estratégias de adaptação às mudanças
climáticas e de agregação de valor aos
produtos” (Bruil, 2014, p. 37). Esse
trabalho reflete nas falas dos três
entrevistados:
Exatamente inviabilidade econômica
de cada propriedade. Nesse momento
estava sendo discutido em poucos
grupos a questão de produção de
alimento orgânico, saudável sem
veneno, enfim... Ali pelas tantas
então surgiu a questão da
agroecologia, que casou
perfeitamente nessa época na
prefeitura de Porto Alegre onde a
gente começou a conversar com
técnicos da Emater, da UFRGS,
outros parceiros também o próprio
Ministério da Agricultura e tinha
iniciado o movimento também no
interior do estado com Centro
Ecológico de Ipê que criou uma base
para difundir e então fomentar a
agroecologia junto com o falecido
Lutzenberger, que era um dos
apoiadores do Centro Ecológico de
Ipê. Naquele momento naquela
gestão a gente conseguiu então
considerando as diretrizes de política
de fomento para produção de
alimentos em Porto Alegre. O
secretário, naquele momento, naquela
pasta ele percebeu que teria um
grande futuro a agroecologia em
Porto Alegre. (Servidor Público 1).
Então, existia um universo de
produtores que já tinham sido
acompanhados de alguma forma por
políticas públicas dessa secretaria
que trouxeram técnicos para fazer um
trabalho de conscientização para
esses produtores da importância de
olhar de uma outra forma a
possibilidade de produzir, isso de
uma forma diferente, ou seja, de uma
forma orgânica e a partir daí
trouxeram conhecimento técnico e
era importante que, além do
conhecimento técnico, trouxessem
uma forma de viabilizar
economicamente, ou seja, eu estou
fazendo uma transição e aí? Foi todo
um projeto grande, que envolvia
trazer o conhecimento, a
sensibilização desses produtores,
uma forma de viabilizar essa
produção e aonde escoar essa
produção. (Servidor Público 2).
Em 97 a prefeitura de Porto Alegre
fez um contrato, entrou em acordo
com centro ecológico de Ipê ...e
houve um contrato que foi assinado
até aqui na minha casa o prefeito veio
assinar, e o Centro Ecológico de
Ipê me deu um ano de assistência
para a gente se enquadrar dentro da
produção orgânica, deu curso, deu
palestra eu inclusive tive em Ipê 3
dias fazer uns trabalhos de
melhoramento, e de lá para cá a gente
começou a produzir... (Agricultor).
A produção orgânica é um
fortalecimento para a agricultura familiar,
mas não basta produzir. O escoamento
dessa produção tem que ser garantido para
essas famílias e a formação de pontos de
comercialização direta, sem
atravessadores
ii
,
é o que viabiliza a
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estrutura financeira das famílias. Segundo
Darolt, Lamine e Brandemburg (2013), as
iniciativas bem-sucedidas em circuitos
curtos acontecem, normalmente, em locais
onde se verifica a formação de uma rede
com estreita parceria entre o poder público,
entidades não governamentais,
organizações de agricultores e
consumidores. O poder público tem muita
responsabilidade em apoiar e dar condições
para a formação desses pontos de
comercialização, sendo um dos elos mais
importantes dessa engrenagem, pois muitas
vezes parte dele a iniciativa do trabalho a
ser efetivado. Isso fica demonstrado nos
excertos a seguir:
Então tinha que formar um grupo
foi quando foi formado em 98/99 a
gente conseguiu formar o primeiro
grupo ecológico em Porto Alegre que
se chamava APEL Associação de
produtores Ecologistas do Lami...foi
que a gente conseguiu espaço na feira
da Tristeza foi no primeiro sábado de
outubro de 99, a gente conseguiu o
primeiro espaço, depois a gente
conseguiu também na Câncio Gomes
que seria onde hoje é aqui no
shopping Total. (Agricultor).
A gente começou a chamar na época
de descentralização de equipamentos
de feira orgânica na cidade. Ela
concentrou inicialmente com toda a
história que tem muito antiga em
Porto Alegre que é a José Bonifácio.
Ali é inevitável, que ali é o berço da
agroecologia de equipamento de feira
na cidade de Porto Alegre. que a
gente começou conversando com
produtor, consumidor e outras
instituições envolvidas nesse
processo, a gente coloca em campo
uma política de aumento de produção
de fomento para aquelas famílias que
estão na área rural não é..., de ter
uma alternativa de produzir um
produto diferenciado com valor
agregado e esbarramos somente em
dois equipamentos. (Servidor público
1).
Porto Alegre é uma cidade que se
destaca quando se fala em agroecologia. A
Feira Ecológica do Bom Fim é uma das
razões desse destaque. É um espaço de
compra de alimentos saudáveis, de cultura,
um espaço pedagógico onde centenas de
pessoas se encontram todos finais de
semana. E foi também um espaço de
articulação onde, através de discussões
entre servidores do Centro Agrícola com
consumidores e agricultores, se percebeu
que a cidade necessitava de mais pontos de
comercialização em outros bairros.
Nesse momento, inicia-se um
trabalho de ampliação de pontos de vendas
em logradouros públicos. Neste sentido,
Bruil (2014) destaca a necessidade de se
aprimorar os mecanismos de comércio e
apoiar a construção social de mercados, o
que significa, segundo a autora, que os
acordos e políticas ligados ao comércio
devem ser revistos ou reconsiderados, a
fim de melhor atender os interesses da
agricultura familiar. Desta forma, cabe aos
governos e outros atores garantirem os
direitos humanos, econômicos, sociais e
culturais da agricultura familiar e dos
trabalhadores rurais, bem como ampliar
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seu acesso aos mercados e assegurar
preços justos, por exemplo, através da
promoção de mercados locais, de compras
públicas da agricultura familiar e da
melhoria das estruturas de armazenamento
e transporte (Bruil, 2014, p. 35). Sobre o
fomento às políticas blicas voltadas à
agroecologia, o servidor público 1 enfatiza:
... a comunidade encaminha um
abaixo-assinado, a gente entra com
todo um processo de seleção das
famílias de todo o estado - não de
Porto Alegre - para sustentar uma
feira importante, para garantir uma
diversidade de produto de todos os
finais de semana que acontece
principalmente sábado, hoje
acontecem alguns dias no meio da
semana. Necessariamente, tem que
ter muito mais produtores, não de
Porto Alegre. Então essa Política de
fomento para a agroecologia e
também Porto Alegre proporcionar
esses equipamentos de
comercialização é importantíssimo
para todo o estado. (Servidor Público
1).
O mapa da Figura 2 mostra o quanto
as Feiras Orgânicas de Porto Alegre
mobilizam produtores e famílias de
agricultores em muitos municípios do
Estado do Rio Grande do Sul. De acordo
com Valent et al. (2014), os pontos de
venda orgânica dispõem de diferenciados
produtos orgânicos, tanto in natura como
agroindustrializados, procedentes do
Cinturão Verde de Porto Alegre e
municípios vizinhos, localizados até 200
quilômetros da capital. Conforme os
autores, muitos feirantes estão vinculados a
outras associações ou cooperativas
estabelecidas nos seus municípios de
origem. Entre elas, destacam-se:
Associação dos Produtores da Rede
Agroecológica Metropolitana - RAMA,
Associação Grupo GESA, Associação
Produtores Ecológicos de Vila Segredo -
APEVS, Cooperativa Econativa,
Cooperativa Central dos Assentados do RS
- COCEARGS, Associação de
Agroecologistas de Ipê e Antônio Prado -
AECIA e Associação de Cerro Grande do
Sul - ASTRASUL. Dessa maneira, o
fomento às feiras orgânicas de Porto
Alegre movimenta o trabalho
cooperativado de agricultores, para muito
além das fronteiras do município.
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Figura 2 - Origem dos produtores orgânicos que participam das feiras em Porto Alegre-RS.
Fonte: Silva (no prelo).
As feiras, depois de constituídas, têm
que se manter. Para isso, muitos
agricultores procuram trabalhar com maior
diversidade possível de produtos, tanto in
natura, quanto processados e a legislação
orgânica e sanitária, para estes últimos,
apresenta um grande rigor de exigência.
Lamine (2012), enfatiza que a autonomia
do agricultor não significa isolamento,
sendo muito importantes as trocas formais
ou informais entre produtores e sua rede de
contatos, tanto no âmbito da produção
como da transformação e da
comercialização. Nesse contexto, as
políticas públicas para a viabilização de
agroindústrias familiares foi
imprescindível para os agricultores das
feiras orgânicas de Porto Alegre, como fica
destacado nos excertos a seguir:
O SIM Vegetal [Serviço de Inspeção
Municipal de produtos de origem
vegetal] é uma proposta desafiadora
não é... A gente tenta discutir um
pouco a legislação e tentar mostrar
para algumas pessoas que tratam das
nossas leis que para ti realmente
utilizar a diretriz política de uma
prefeitura do município não é..., para
ajudar na agricultura, na produção e
tentar discutir que é possível fazer
uma proposta dos produtores
produzirem o material caseiro na sua
propriedade, obviamente não
deixando de lado a questão sanitária
... mas enfim, que diminua as
exigências para que essas famílias
possam produzir um alimento
saudável, com qualidade que vai para
feira, como geleias, molhos, enfim.
(Servidor Público 1).
Quando eu vim para cá, então. o quê
que eu encontrei? uma lei que
tinha 11 anos, no entanto não tinha
sido aplicada e vários produtores que
precisavam então de um certificado
de um licenciamento sanitário para
que eles continuassem nas feiras
orgânicas ... Eles precisavam de um
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certificado orgânico que seria
dado se eles tivessem esse ok
sanitário. Começou esse processo...
isso tudo vem junto, essas políticas
aqui dentro, começou um processo
de formação de uma associação e que
essa associação criasse uma
certificadora participativa. É nesse
processo que a gente entra junto.
(Servidor Público 2).
As feiras orgânicas também são
espaços educativos e de sociabilidade
conforme destaca Vedana (2013), ao
analisar que as feiras inserem-se no
contexto urbano de Porto Alegre, a partir
das diferentes trajetórias sociais de
personagens que vão compor suas
referências em relação a este espaço e às
formas de trocas sociais que ali ocorrem.
Para Boechat e Santos (2011), a feira se
configura mais que um ponto comercial da
agricultura familiar, sendo uma partilha
entre economia e cultura, múltiplas
representações de sociedades rurais, onde
ocorrem encontros e articulações políticas.
Sobre isso, o agricultor entrevistado
pontua:
Eu considero o consumidor um
parceiro...o consumidor é a razão. Se
não existisse o consumidor na feira,
não tinha razão nenhuma de ir na
feira, então a gente tem que ter
muito cuidado com ele, o consumidor
não é para hoje, é o tempo todo.
(Agricultor).
Na feira existe, também, conforme
Boechat e Santos (2011), uma
característica organizacional entre os
vendedores, que consiste no seu elevado
espírito de grupo e alto nível de confiança
existente, quer seja entre os próprios
feirantes, entre os consumidores e feirantes
e vice-versa, promovendo assim um
processo de troca mútua de bons
sentimentos. Isso fica nítido na fala do
agricultor entrevistado:
Eu comecei a trabalhar na Tristeza,
trabalhei 4 anos. Eu tenho amizade
na Tristeza que já faz 16 anos que eu
não trabalho mais lá, mas tenho
amizade até hoje ainda lá. Eu
trabalho na José Bonifácio, a gente se
encontra, é uma troca. Esse negócio
que tem gente que diz que sabe tudo,
eu para mim para pessoa que acha
que sabe não sabe nada, a gente tem
que aprender todo dia então aquela
parceria aí é um aprendizado é um
convívio, eu chamo... é a outra
família que eu tenho que na
feira, todo sábado se encontrar, um
gosta de futebol, outro gosta de
política e a gente precisa entender.
Então eu passo um tempo na feira
conversando uma manhã inteira, mas
eu tenho que saber de que a pessoa
gosta, então eu já sei a mania de cada
um como eu tenho as minhas também
né...? (Agricultor).
Darolt, Lamine e Brandemburg
(2013) pontuam que as políticas públicas
podem também ser direcionadas para a
criação de campanhas informativas
permanentes, no sentido de enfatizar as
qualidades intrínsecas do alimento
ecológico, mas também os valores éticos e
os processos produtivos envolvidos.
Assim, os autores vão ao encontro do que
os entrevistados relatam, em relação à
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maneira que trabalham e à percepção que
eles têm sobre o processo de
conscientização dos envolvidos, no
contexto que abrange a agroecologia:
A proposta da agroecologia é bem
diferente das feiras convencionais.
Essas famílias que eu citei...elas
deixaram então de meramente
produzir, entregar para as pessoas
vender, porque faltavam transporte,
falta logística enfim... operacional e
hoje na proposta de agroecologia o
produtor sai da sua casa, de sua
produção e vai atender o consumidor
direto na feira e passando inclusive
as informações importantes ao
consumidor. (Servidor Público 1).
Eu penso aquele muitas vezes aqui
em casa querendo produzir orgânico
e fala: Isso aqui dinheiro?
querem o lucro, não querem saber a
qualidade eu já vejo que a pessoa não
tem consciência nenhuma, porque a
pessoa tem que estar preparada para
assumir isso aí, que aquele que
pensa... Eu tenho uns pontos assim,
que eu não gosto de saber que existe
gente querendo ganhar dinheiro em
cima do orgânico, eles usam orgânico
para melhorar de vida, sem nenhuma
convicção sem nada nada nada (sic)
então eles correm para ganhar
dinheiro. O que me desgosta dentro
do orgânico é saber que existe esse
tipo de gente supervalorizando os
produtos deles, por interesse próprio
e não por convicção. Eu faço isso
20 anos, nunca ganhei nada, a minha
visão não é ficar rico, não é ganhar
dinheiro, é manter essa ideia que eu
tenho, que a gente pode, é um
investimento a longo prazo.
(Agricultor).
O orgânico é um trabalho como fosse
homeopático ele não tem reação
imediata, é a mesma coisa que a
pessoa querer se curar com chá, o chá
é um trabalho extensivo e tem que ter
um tempo para melhorar, enquanto
você usar qualquer remédio, qualquer
antibiótico e 4 horas tem solução. Eu
considero dentro da agricultura isso
aí, então para quem tem pressa e está
correndo atrás do prejuízo e o lucro
tem que sair amanhã então não devo
entrar no orgânico, porque o orgânico
tem que ter paciência, tem que
esperar por ele, é uma reação da
natureza. (Agricultor).
A sucessão rural e equidade de
gênero são pautas muito discutidas em
reuniões, congressos e fóruns de
agricultura. Neste sentido, Bruil (2014)
destaca que a participação da juventude na
agricultura deve ser incentivada de todas as
formas possíveis, uma vez que as rupturas
entre gerações e gênero são uma das
maiores ameaças à agricultura familiar.
Para Castro (2012), “ficar” ou “sair” do
meio rural envolve múltiplas questões em
que a categoria “jovem” é construída e
seus significados, disputados. Para a
autora, a própria imagem de um jovem
desinteressado pelo campo contribui para a
invisibilidade da categoria como
formadora de identidades sociais e,
portanto, de demandas sociais (Castro,
2012, p. 441). Nestes termos, um dos
entrevistados coloca que:
Também o que a gente consegue
proporcionar, às vezes, com algumas
lutas, que é importantíssimo também
nós termos hoje aqui na volta de
Porto Alegre uma, duas, três escolas
técnicas não é, então essa luta que a
gente tem para manter essas vagas de
estágio, para estudante de técnico em
agricultura, técnico agropecuário, que
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a gente também tem um olhar muito
especial porque essa gurizada que
passa, que sai da escola, passa por
um estágio, entendemos que é muito
valioso...e vai ser mais um técnico
um dia a pode estar trabalhando com
essas famílias lá na ponta também.
(Servidor Público 1).
Um dos traços marcantes da cultura
camponesa é o patriarcalismo constitutivo
do paradigma historicamente hegemônico
nas diferentes sociedades (Tardin, 2012), o
que fez tornar-se histórica a supremacia do
homem na hierarquia familiar e nas
representações no espaço blico. Neste
sentido, ao se falar de equidade de gênero
na agricultura familiar, medidas de
discriminação positiva são essenciais,
sobretudo as que envolvem o acesso aos
recursos naturais e às políticas públicas.
Segundo Nobre (1998), ainda hoje perdura
nos meios rurais a divisão sexual do
trabalho, partindo do pressuposto de que os
homens são responsáveis pelo trabalho
produtivo (a agricultura, pecuária, enfim
tudo que se associa ao mercado) e as
mulheres, pelo trabalho reprodutivo (o
trabalho doméstico, o cuidado da horta e
dos pequenos animais), tudo que é feito
para o consumo próprio, sem contar a
reprodução da própria família pelo
nascimento e cuidado dos herdeiros. A
casa é o lugar da mulher, mãe de família, e
as atividades desenvolvidas são
consideradas um não‐trabalho (Nobre,
1998, p. 17). Em relação a isso, o servidor
público 2 destaca o processo de
empoderamento das mulheres no contexto
da agricultura familiar:
A gente tem um universo variado de
produtores, mas aqueles que a gente
chama assim, que são os produtores
mais "natos" que estão com mais
tempo, que foram os que iniciaram o
processo, que são os produtores mais
velhos os mais antigos, vamos dizer
assim, e que a mulher tinha um papel
secundário, apesar que na verdade
achava ele que era assim, por que na
verdade era extremamente de
protagonista porque ela faz tudo, mas
ficava no segundo plano ela mas
ela não é protagonista o titular é ele e
ela fica nos bastidores. No momento
em que a agroindústria foi
regularizada essa produtora é dela, é
no nome dela, o registro no nome
dela, ela que comercializa esse
produto na feira, ela que vem nos
cursos, ela é que explica depois como
é esse processo, ela é que está
legalizada e que ela está trazendo
agora de uma forma formal para
dentro de casa aquela venda que se
faz, ela se empoderou não é…
(Servidor Público 2).
Dessa forma, se pode considerar que
os circuitos curtos, a mudança
proporcionada pelo fomento das políticas
públicas direcionadas aos agricultores
familiares nos últimos anos, a articulação
com o poder público, a ação ampliada de
cooperativas, o processo de
conscientização e mudança de postura em
relação à produção agroecológica, as
questões relacionadas à estrutura do núcleo
familiar, da valorização da mulher e do
jovem do campo, são aspectos essenciais
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nas falas dos sujeitos entrevistados. Se faz
necessário, portanto, que estes tópicos
façam parte da formação da Licencianda e
do Licenciando em Educação do Campo,
de modo que compreender a maneira como
as feiras orgânicas são pensadas,
implementadas e institucionalizadas pode
proporcionar o (re)conhecimento da
própria identidade dos sujeitos e das
comunidades com as quais este futuro
educador irá atuar. No mesmo sentido,
entende-se que a educadora e o educador
do campo, em especial o da área de
Ciências da Natureza, pode se constituir
em uma articuladora ou um articulador
entre agricultor e instâncias públicas,
quando houver a demanda de organização
uma feira na comunidade da escola na qual
está inserido.
Considerações finais
As feiras orgânicas, situadas em
logradouros públicos de Porto Alegre, são
unidades (equipamentos ou mecanismos)
que poderão ser observadas pelas
licenciandas e licenciandos em Educação
do Campo como espaços formativos de
grande contribuição para sua formação. A
feira deve ser compreendida pela
licencianda e o licenciando para muito
além de um espaço de comercialização de
produtos. Esse entendimento poderá iniciar
a partir das exigências que o agricultor
cumpre para ser licenciado e para
participar das feiras orgânicas
administradas pelo município de Porto
Alegre.
Além dessas exigências, os
resultados evidenciaram diversos outros
assuntos e temas que tem grande
importância para a educação do campo e
para a formação das licenciandas e dos
licenciandos. A contraposição às cadeias
longas; a subsistência e a transição
agroecológica pela qual os agricultores
passaram; a necessidade de políticas
públicas, assistência técnica e o trabalho de
organização coletiva; a necessidade de
diversificação da produção; questões de
gênero e sucessão familiar; e a feira como
um espaço educativo, entre outros. Dentro
desse contexto a licencianda e o
licenciando em Educação do Campo
poderá, quando formado, desempenhar
processos educativos e de extensão rural e
auxiliar nesse percurso que o agricultor e
as comunidades têm e podem percorrer.
Considerando que a licencianda e o
licenciando em Educação do Campo
exercerá a função de professora e professor
de Ciências da Natureza é importante
compreender que o agricultor
agroecológico trabalha diariamente com a
vida no solo e com a preservação da
natureza, contribuindo com a manutenção
do ambiente em que habita. Identificando
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esses pontos, a educadora e o educador do
campo tem a possibilidade de, em suas
atividades de docência, desenvolver
projetos com as alunas e os alunos (muitas
e muitos são filhas e filhos desses
agricultores) de adubação, propagação, de
como desenvolver fertilizantes,
alimentação saudável, transformação e
processamento dos alimentos produzidos
nas propriedades, enfim, um universo de
questões que conversam com a realidade
cotidiana do aluno dentro de suas
propriedades.
O presente estudo, sobre as Feiras
Orgânicas e o Educador/a do Campo, abre
possibilidades para outros debates no
âmbito da universidade e estudos sobre o
tema, que articulados com outras áreas,
como a geografia, sociologia, antropologia
e etnografia, teriam uma riqueza de
detalhes a serem analisados. No entanto, a
partir dos resultados deste trabalho,
constata-se a necessidade de que esse
universo das Feiras Orgânicas sejam mais
debatidos e significados dentro da
formação da licencianda e do licenciando
em Educação do Campo que estes
relacionam-se imensamente com os
princípios desta licenciatura.
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para outros compradores.
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Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 10/07/2019
Aprovado em: 20/01/2020
Publicado em: 13/08/2020
Received on July 10th, 2019
Accepted on January 20th, 2020
Published on August, 13th, 2020
Contribuições no artigo: Os autores foram os
responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for
the designing, delineating, analyzing and interpreting the
data, production of the manuscript, critical revision of the
content and approval of the final version published.
Conflitos de interesse: Os autores declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Tatiana Vieira Rodriguês
http://orcid.org/0000-0002-4449-2313
Marilisa Bialvo Hoffmann
http://orcid.org/0000-0002-9699-2248
Saul Benhur Schirmer
http://orcid.org/0000-0002-0419-0003
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Rodriguês, T. V., Hoffmann, M. B., & Schirmer, S. B.
(2020). Contribuição das feiras orgânicas de Porto Alegre
na Formação do Licenciando em Educação do Campo.
Rev. Bras. Educ. Camp., 5, e7165.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e7165
ABNT
RODRIGUÊS, T. V.; HOFFMANN, M. B.; SCHIRMER, S.
B. Contribuição das feiras orgânicas de Porto Alegre na
Formação do Licenciando em Educação do Campo. Rev.
Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 5, e7165, 2020.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e7165