Revista Brasileira de Educação do Campo
The Brazilian Scientific Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e7326
Tocantinópolis/Brasil
v. 4
e7326
10.20873/uft.rbec.e7326
2019
ISSN: 2525-4863
1
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Da Alternância como movimento diaspórico decolonial:
por uma história-memória popular de sujeitos em Curso
i
Fabrícia Vellasquez Paiva
1
, Aloísio Jorge de Jesus Monteiro
2
1, 2
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ. Instituto de Educação. BR-465, km 7. Seropédica, Rio de Janeiro -
RJ. Brasil.
Autor para correspondência/Author for correspondence: fabriciavellasquez@yahoo.com.br
RESUMO. O presente artigo visa contribuir para o debate sobre
a Pedagogia da Alternância, a partir de uma experiência
concreta de pesquisa junto à primeira turma do Curso de
Licenciatura em Educação do Campo (LEC) da Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro, campus Seropédica. Partindo
do problema de ser a Alternância um movimento diaspórico
decolonial, especialmente pela troca de saberes entre Tempo
Escola e Tempo Comunidade em suas dinâmicas metodológicas
diversas, intentamos investigar como a histórica-memória pôde
ser escrita por uma educação popular coletivizada entre os
sujeitos partícipes do Curso. Por meio da análise discursiva de
documentos oficiais do Curso, também revisitados pela
participação dos estudantes em processos metodológicos
diferentes durante a graduação, o estudo demonstrou como as
propostas efetivas disponibilizaram outra possibilidade de
formação, a partir da Alternância. Carece, no entanto, uma
disponibilidade maior dos centros de formação, especialmente
as universidades, para que as metodologias alternativas também
possam ser integradas junto às atividades formais da LEC.
Palavras-chave: Alternância, LEC, Formação, Decolonialidade,
Diáspora.
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Alternation as a decolonial diasporic movement: for a
popular memory-history of subjects in Course
ABSTRACT. This article aims to contribute to the debate on
Pedagogy of Alternation, based on a concrete research
experience with the first class of the Field Education Degree
(LEC) of a Federal Rural University of Rio de Janeiro,
Seropédica campus. Starting from the problem of being the
Alternation a decolonial diasporic movement, especially by the
exchange of knowledge between Tempo Escola and Tempo
Comunidade in its diverse methodological dynamics, we intend
to investigate how the historical-memory could be written by a
popular education collectivized among the participants of the
Course. Through discursive analysis of official Course
documents, also revisited by the students' participation in
different methodological processes during graduation, the study
demonstrated how the effective proposals made available
another possibility of formation, based on Alternation. However,
training centers, especially universities, need to be more widely
available so that alternative methodologies can also be
integrated with the formal activities of the LEC.
Keywords: Alternation, LEC, Formation, Decoloniality,
Diaspora.
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La alternancia como un movimiento diaspórico
descolonial: para una memoria-historia popular de temas
en Curso
RESUMEN. Este artículo tiene como objetivo contribuir al
debate sobre Pedagogía de la Alternancia, basado en una
experiencia de investigación concreta con la primera clase del
Grado de Educación de Campo (LEC) de una Universidad
Federal Rural de Río de Janeiro, campus Seropédica. Partiendo
del problema de ser la Alternancia un movimiento diaspórico
descolonial, especialmente por el intercambio de conocimientos
entre Tempo Escola y Tempo Comunidade en sus diversas
dinámicas metodológicas, tenemos la intención de investigar
cómo la memoria histórica podría ser escrita por una educación
popular colectivizada entre los participantes del Curso. . A
través del análisis discursivo de los documentos oficiales del
curso, también revisados por la participación de los estudiantes
en diferentes procesos metodológicos durante la graduación, el
estudio demostró cómo las propuestas efectivas pusieron a
disposición otra posibilidad de formación, basada en la
alternancia. Sin embargo, los centros de capacitación,
especialmente las universidades, deben estar más disponibles
para que las metodologías alternativas también se puedan
integrar con las actividades formales de la LEC.
Palabras clave: Alternancia, LEC, Formación, Descolonialidad,
Diáspora.
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Da introdução: diálogos essenciais
O conhecimento caminha feito lagarta.
Primeiro não sabe que sabe e voraz contenta-se
com cotidiano
Orvalho deixado nas folhas ávidas das manhãs.
Depois pensa que sabe e se fecha em si mesmo: faz
muralhas;
cava trincheiras, ergue barricadas.
Mauro Iasi
O conhecimento, essa ferramenta ao
mesmo tempo brilhante e atroz, inicia
nossos diálogos sendo trazido por Iasi no
poema dirigido aos educadores populares,
na proposição de que eles, mesmo sendo
professores, estejam atentos à “aula de
voo”. Uma aula de conhecimento
conquistado, aos poucos, por muitos
sujeitos, mas que se coloca como aquele
que também se materializa nos saberes que
cada sujeito, em vivência, apresenta. Do
lembrete necessário pela epígrafe à
provocação de que a medida auto-protetiva
desse mesmo conhecimento não se feche, o
autor ainda nos permite iniciar o debate
pelo conceito de educação popular, a partir
da elaboração inscrita no Dicionário da
Educação do Campo.
A escolha pelo Dicionário, como
fonte de problematização conceitual, se
constitui em três processos que se
entrecruzam. Em primeiro lugar, porque se
organiza como uma publicação que
demonstra inovação e luta política, a
considerar que sua primeira edição data de
2012 apenas. Nesse mesmo sentido, o
segundo ponto se apresenta na
representação desse livro como um acervo
de memória e de salvaguarda de pesquisas
e de estudos sobre a Educação do Campo e
sobre os demais temas a ela relacionados,
no formato de verbetes estendidos; ou,
como sua própria apresentação elucida,
construir e socializar uma síntese de
compreensão teórica da Educação do
Campo com base na concepção produzida
e defendida pelos movimentos sociais
camponeses”. (Caldart et al., 2012, p. 13).
Por fim, o verbete, como gênero
discursivo, justamente se apresenta como o
terceiro elemento que, junto aos anteriores,
constituem a justificativa pela escolha do
Dicionário. Por seu caráter (ainda) pouco
explorado na academia, mas de forte apelo
conceitual, em função de sua estrutura
argumentativo-explicativa, o verbete se
constrói como uma ferramenta que desloca
e que propõe, ao mesmo tempo, na direção
do que vimos discutindo sobre a
perspectiva decolonial, a ser abordada mais
à frente.
O presente artigo, definido a partir de
uma pesquisa maior (publicada em 2018),
que dialogou com as produções e as
participações dos estudantes da primeira
turma do Curso de Licenciatura em
Educação do Campo (LEC) da
Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro, quando ainda alunos da referida
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graduação (2010-2013), traz como recorte
as reflexões sobre as interfaces entre a
Pedagogia da Alternância e os documentos
que compuseram, historicamente, a
memória dessa primeira turma na
Universidade. Para tanto, serão analisados
o Projeto Político de Curso (PPC), bem
como o Relatório Analítico e Descritivo
das Atividades (RADA) do Curso em
questão, a partir do discurso por eles
produzidos, considerando-se os diversos
sujeitos que deles participaram. Ao longo
desta proposta, ambos serão aproximados,
na expectativa de serem confrontadas as
ideias em perspectiva e as ações que
puderam ser efetivadas, ao longo do
processo formativo da primeira turma na
Universidade.
Desenvolvimento: do debate sobre a
Educação do Campo e a Alternância em
Curso
A educação popular, como conceito,
é categorizada no Dicionário como sendo
um projeto educativo que transcende os
limites de uma educação formal e de um
ensino padrão, com vistas à nova, ou outra,
proposta de sociedade. Nasce, pois, como
uma ideia de luta na América Latina e no
Brasil que, embora no âmbito do projeto
societário capitalista, visava, justamente, a
sua superação como modelo de produção e
de reprodução da vida social, pelos
trabalhadores que não tinham, nesse
contexto, condições materiais de se
manterem e de se realizarem como
sujeitos. Por essa apresentação do verbete,
compreendemos ser a educação popular
também uma perspectiva decolonial,
pensada pelos países latino-americanos
como uma concepção outra, ou alternativa,
da educação emancipadora, não-alienante,
para além dos muros físicos e ideológicos
de uma dominação historicamente
construída. Assim:
A educação popular vai se firmando
como teoria e prática educativas
alternativas às pedagogias e às
práticas tradicionais e liberais, que
estavam a serviço da manutenção das
estruturas de poder político, de
exploração da força de trabalho e de
domínio cultural. Por isso mesmo,
nasce e constitui-se como “Pedagogia
do oprimido”, vinculada ao processo
de organização e protagonismo dos
trabalhadores do campo e da cidade,
visando à transformação social.
(Paludo, 2012, p. 283).
Para tanto, como vimos dialogando,
entendemos como fundamental a
intercessão de saberes, para além desse
modelo de conhecimento produzido e
fomentado pela negação de qualquer outro,
mas que se fundamenta ou se alicerça
neste mesmo outro negado. A nova
direção, assim, toma como foco justamente
os sujeitos de fala, coletivizados, que, por
suas experiências e suas memórias, não
podem ter sua linguagem principalmente
na academia reduzida a um
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conhecimento padrão, especialmente
recortado. Isso também significa uma
alteração não apenas de produção
intelectual, mas também social, artística e
cultural. Nesse sentido:
La memoria colectiva, en este
sentido, es la que articula la
continuidad de una apuesta
decolonial, la que se puede entender
como este vivir de luz y libertad en
medio de las tinieblas. Por tanto, no
es de sorprender la afición de los
agentes coloniales de apagar la luz y,
a la vez, de imponer y moldear una
racionalidad fundada en binarismos
dicotómicos hombre/naturaleza,
mente/cuerpo, civilizados/bárbaros,
etc. (Walsh, 2017, p. 26).
A partilha, pois, de saberes, nos
deslocaria a mais dois movimentos. O
primeiro deles seria a consideração de que
muitos saberes, pluralizados, em
diálogo e em ação não verticalizada de
“quem detém” e de “quem (ainda) não
detém”, incluindo-se, neste ponto,
efetivamente o saber produzido pelos
estudantes. O segundo, e numa ordem
apenas didática, seria a destituição da
própria ideia de conhecimento adjetivada a
um universo específico como a ciência. A
retomada do conceito seria, assim,
assumida como um substantivo, cuja
materialização de sentido se daria
quando aplicada a um contexto de
significação para seus sujeitos. A
pluralidade inclusiva dos saberes e a
substantivação do conhecimento, portanto,
vêm ganhar novo espaço neste subcapítulo,
como uma discussão necessária às
proposições decoloniais de metodologia.
A atuação coletiva, resgatando
memórias e organizando ações
(decoloniais), é compreendida por nós,
ainda em concordância com a autora, de
como se faz possível um processo de
construção de rachaduras, de brechas
ii
nas
comunidades e nas universidades. Logo,
integra a ação decolonial o ato de aprender,
de desaprender e de reaprender, sempre no
sentido de se trabalhar como se constrói,
por alguns projetos, a negação da
existência, que é ontológica, por sua
própria problematização. Trata-se, pois, de
uma ação de desobediência, em que muitos
“como(s)”, no plural, se realizam
concomitantemente e em constante
movimentação. A apropriação do
pensamento e da ação decoloniais,
portanto, pode se tornar uma perspectiva
emancipatória de metodologias, se, em
cujas propostas, se identificar a orientação
para a transgressão e para as rupturas,
como nos esclarece novamente Walsh,
quando nos alerta que:
Así se puede entender lo pedagógico
de lo decolonial, por una parte como
metodologías organizacionales,
analíticas y psíquicas que orientan
rupturas, transgresiones,
desplazamientos e inversiones de los
conceptos y prácticas impuestas y
heredadas. Y por el otro lado, como
el componente céntrico y constitutivo
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de lo decolonial mismo, su
conductor; lo que da camino y
empuje a los procesos de
desenganche y desprendimiento, y lo
que conduce a situaciones de
de(s)colonización. (Walsh, 2017, p.
64).
Queremos, assim, retomar o processo
diaspórico proposto por Hall (2003) como
uma primeira, e importante, ferramenta de
reconstrução desse sentido atribuído ao
“conhecimento científico”, na proposição
da construção de saberes, no plural.
Mesmo aludindo a um fluxo migratório de
sujeitos e de sua relação, continuada ou
rompida, com sua cultura, nossa intenção
é, a partir da ideia central do autor,
problematizar justamente o aspecto
conceitual de deslocamento x identidade x
(nova) construção.
Como aludido, os estudantes da
LEC, sobretudo em sua primeira turma que
é nosso recorte de pesquisa, ainda se se
encontravam em uma situação pouco
institucionalizada com a Universidade, se
considerarmos a distância de seus locais de
origem e as possibilidades que a instituição
poderia/deveria proporcionar para a
manutenção dos licenciandos na estada
junto ao Curso. Mesmo em sendo de
cidades relativamente próximas, o
deslocamento de muitos, sobretudo no
início do Curso, representa, para nós, um
importante movimento diaspórico que
precisa ser não apenas lembrado, como
considerado como um elemento de
pesquisa.
Ademais, queremos principalmente
destacar o que se torna o ponto crucial da
diáspora que problematizamos: o
deslocamento entre Tempo Escola (TE) e
Tempo Comunidade (TC). Essas idas e
vindas entre a Universidade e os locais de
origem dos estudantes, não apenas dentro
do período letivo, de maneira prevista pelo
currículo, mas como marca integrante da
própria formação, representa, assim, mais
um processo diaspórico que se institui pela
decolonialidade dos saberes. Longe,
portanto, de “unir” ou de “aproximar” o
saber científico e o saber da terra, nos
acrescenta, como discussão, a formalização
de novos saberes recolocados ao debate
pelos povos tradicionais, e que se legitima
justamente no espaço acadêmico.
Pelo protagonismo dos trabalhadores
ou dos sujeitos de fala , do campo à
cidade, o verbete também evidencia que
nem toda educação de populares é, por
natureza, uma educação popular. Isso
porque nem toda percepção de sociedade
se faz de forma libertária, democrática e
inclusiva, de acordo com Paludo (2001),
pelo resgate conceitual no próprio livro.
Falamos, assim, de uma educação que
problematize, inclusive, a popularização do
conhecimento por correntes teóricas que
privilegiem os sujeitos coletivos, em suas
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manifestações de pensamento que se
prendam a concepções e a muros
tradicionalmente impostos.
O diálogo com o Dicionário, e
especificamente com o verbete em questão,
nos permite inferir que essa mesma crítica
que a educação popular estabelece quanto
à forma de produção e reprodução sociais,
no capitalismo, se materializa por meio das
instituições. Nos modelos tradicionais de
educação institucional, portanto, a crítica
da educação popular se estrutura a partir de
modelos já legitimados como um padrão
social. Trata-se de uma naturalização de
processos de pensamento e nestes, de
linguagem que além de não se
diversificarem, assumem um modelo de
manutenção de uma ordem que está posta.
Diante desse preâmbulo,
compreendemos como fundamental, ao
discutirmos sobre a história-memória do
Curso, a reflexão sobre o lugar do contexto
dos sujeitos em relação à instituição que
passa a ser ocupada
iii
por eles, em outro
processo formativo, para além do que
estabeleciam em seus locais de origem. A
Universidade, nesse sentido, será também
problematizada nesse artigo, a partir de
dois documentos principais, e “oficiais”,
porque institucionalizados sobre a história
mas também por composição memorial
desses primeiros sujeitos-estudantes que
integraram a LEC.
Assim é que, no resgate dessa
história-memória, trataremos das seguintes
memórias-documento, na perspectiva de
Le Goff (2013): o Projeto Político-
Pedagógico de Curso (PPC), de 2010; e o
Relatório Analítico e Descritivo das
Atividades (RADA), de 2014,
compreendendo o período na Universidade
da primeira turma. Esses documentos
oficiais, como parte da composição
institucional e memorial dessa formação,
representam, em nosso entendimento, parte
dessa história oficializada também pelos
sujeitos. Trabalhamos com a ideia de que
tais documentos se constituem como parte
da memória coletiva, e, ao serem assim
concebidos, também constituem a própria
história do Curso.
Ao começarmos pelo PPC, na
tentativa de aproximação e de análise
longitudinal sobre o processo, via
documentos, temos, nas palavras do
próprio projeto político-pedagógico, a ideia
de que se apresenta “como mais um
momento de consolidação de uma reflexão
teórica a respeito da realidade do campo,
bem como de práticas pedagógicas
autênticas e consistentes no que tange esta
mesma realidade”. (LEC, 2010, p. 07).
Afirma-se, assim, como uma elaboração
em que, documentando práticas e
propostas pedagógicas, se (re)define como
o registro de um momento da graduação.
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A meta-objeto, assim como o
objetivo central do Projeto, pelo convênio
firmado entre a Universidade e o Instituto
Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (INCRA), estabelecia a
preocupação com a formação, ao
evidenciar a implantação do Curso de
Licenciatura do Campo, com a perspectiva,
à época, de “formar 60 jovens e adultos
dos Projetos de Assentamento da Reforma
Agrária criados pelo INCRA/RJ para
atuação nas escolas do campo” (LEC,
2010, p. 02), no espaço temporal de 36
meses, distribuídos em 3.540 horas de
atividades acadêmicas. Os níveis de
habilitação eram definidos como os anos
finais do Ensino Fundamental e todo o
Ensino Médio, podendo optar por duas
grandes áreas do conhecimento, a saber:
Ciências Sociais e Humanidades; e
Agroecologia e Segurança Alimentar.
Com foco sobre os sujeitos de fala,
queremos destacar, por meio deste
documento, dois pontos fundamentais: a
proposta filosófica-educacional do Curso
inscrita inclusive no PPC; e a origem dos
assentamentos de onde partiram os
estudantes. Neste sentido, o primeiro
elemento se concentra na orientação que
vimos trabalhando na pesquisa, e que, cuja
análise, sobre os Cadernos, também intenta
investigar, pelas narratividades dos
partícipes na formação. Assim:
Neste complexo campo de análise, o
objeto delimitado é prioritariamente
as relações estabelecidas entre a
formação do educador e suas
histórias de vida, as memórias, a
formação política e ideológica na
perspectiva freireana e suas
consequências na utilização e
produção do material didático, na
formação de educandos preocupados
com o restabelecimento de espaços e
atitudes que privilegiem a arte do
diálogo e conscientização. (LEC,
2010, p. 16-17).
As histórias de vida, consideradas
desde o documento inicial de implantação
do Curso, celebram a perspectiva de
formação em outra direção, buscando não
apenas a consciência de uma habilitação
crítica, mas considerando, para isso, a
importância da memória, da arte e do
diálogo nessa composição. O rompimento,
assim, com a expectativa meramente
reprodutora de mais uma graduação se
inquieta desde o primeiro projeto
institucional sobre a LEC, viabilizando o
debate para novas propostas.
Nesse mesmo sentido, damos
importância ao modelo diferenciado de
acesso ao Curso, que, longe de ser um
elemento facilitador do processo de
ingresso, o é, na perspectiva que vimos
abordando, outra substancial ruptura
quanto ao padrão universal via antigo
vestibular, ou via Sistema de Seleção
Unificada (SISU), através das notas do
Exame Nacional do Ensino Médio
(ENEM). Há, portanto, a avaliação de que
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a identidade e a memória formativas desses
estudantes precisam ser consideradas em
momento inicial, não cabendo, às formas
seletivas de ingresso geralmente
classificatórias o único momento ou
instrumento de viabilidade à educação
superior para grupos socialmente
marginalizados. Assim:
A seleção dos educandos será através
de ACESSO ESPECIAL a partir de
Edital Público, composto por provas
de conhecimentos culturais e gerais;
uma redação sobre temas específicos
da realidade brasileira; apresentação
de carta identificando o
Assentamento da Reforma Agrária de
origem. Os critérios de avaliação das
provas e da redação serão
estabelecidos de acordo com o
conteúdo a ser abordado, incluindo
correção da língua portuguesa. Os
critérios serão aprofundados pela
Comissão Especial de Acesso da
Universidade, composta por
professores a serem convidados para
a elaboração das questões e da
redação. (LEC, 2010, p. 12).
Ainda que consideremos o peso
atribuído à ideia de “correção da língua
portuguesa” como um aspecto limitado na
avaliação dos ingressantes, o critério de
fuga a um padrão avaliativo, sobretudo por
uma ‘redação’ diferenciada representa,
para nós, um avanço. Queremos levantar a
problematização, como crítica, de que tal
correção se dá, em processos seletivos, por
meio da verificação de adequação da
produção dos candidatos a um padrão
socialmente aceito e delimitado da língua,
especialmente considerado em normas. As
normas, em si, não admitem um problema
em nossa análise; o que queremos apontar
é que, em geral, apenas uma norma é
estabelecida como referência, ainda
focalizada na escrita “correta” de termos e
de expressões, por princípios meramente
gramaticais normativos, e exclusivos, com
destaque para ortografia, concordâncias e
regências apenas
iv
. Tal assertiva não
corresponde aos processos de inclusão, via
língua e linguagem, sobretudo ao
considerarmos o público da LEC.
Ademais, a carta de apresentação do
assentamento, como contexto de origem,
também é um elemento significativo na
expectativa de possíveis novos gêneros que
não apenas passam a compor a tessitura do
Curso desde o momento de ‘seleção’ dos
estudantes, mas, com isso, de todo seu
percurso formativo. Entendemos que a
redação, ao dar lugar à produção textual
v
,
pode ser ainda mais democrática, mas a
não adesão ao SISU, em momento
inicial, demonstra, por um documento
oficial de Projeto, a ideia filosófico-
educativa com que a formação fora
pensada. Trata-se, sim, do cuidado e do
respeito à história desses sujeitos, cuja
formação anterior, em coletividade, precisa
ser considerada institucionalmente.
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Sem pretensão de apresentar cada um
dos sujeitos que se destacam por meio de
suas escritas, o segundo elemento, ao tratar
da origem dos assentamentos de onde
vieram os estudantes da LEC, tem, sim, a
intenção de promover a reflexão sobre o
lócus de formação inicial, via territórios,
dos grupos que ocuparam a primeira turma
do Curso na Universidade. Reconstituir, e
registrar, portanto, seus locais de primeira
identidade coletiva é, para nós, também
uma importante ferramenta de, via
assentamentos, evidenciar a coletividade
inscrita e por vezes escrita nos
memoriais formativos.
De maneira geral, o PPC elucida que
se trata de uma proposta que pretende
assistir aos “assentados da Reforma
Agrária do Estado do Rio de Janeiro”
(idem, p. 07), abrangendo não apenas os
estudantes do Curso em si, mas os demais
sujeitos de seus assentamentos por ações
diretas ou indiretas
vi
. Dessa forma, a
demonstração desses territórios também
nos permite visualizar a dimensão dessa
proposta para além dos muros da
Universidade, mas a partir dela.
Assim, a primeira tabela, reproduzida
da página 08 do PPC (e com fonte
anunciada logo abaixo), faz referência à
incidência do Projeto de formação sobre os
sujeitos e suas famílias, pelo levantamento,
à época, realizado pela Federação dos
Trabalhadores na Agricultora (Fetag). Os
municípios, ademais, se destacam por não
serem apenas aqueles nas regiões
limítrofes à Universidade
vii
, a partir das
demandas levantadas e consideradas pelos
movimentos quanto à vontade de
participação junto à formação em questão.
Cidades como Cabo Frio, Macaé, Casimiro
de Abreu localizadas na Região dos
Lagos (RJ), parte da costa litorânea do
estado integram esse levantamento,
mesmo que distantes geograficamente do
município do campus-sede da
Universidade e do Curso da LEC.
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Tabela 1 Projetos de Assentamentos a serem diretamente beneficiados (Fetag).
A tabela 2, expressa na página 09 do
PPC, destaca os projetos de
assentamentos diretamente ligados ao
Movimento dos Sem Terra (MST), como
podemos analisar a seguir. Nela, também
vemos a relação de municípios que não se
limitam às áreas do entorno da
Universidade. Apesar do quantitativo de
cidades serem sim daquelas limítrofes ao
município do campus-sede, a quantidade
de público entre todos os sujeitos
possivelmente beneficiados é mais
expressiva, inclusive, entre as cidades da
região norte fluminense, como Campos dos
Goytacazes e São Francisco do Itabapoana.
Isso nos resgata, sobretudo, a preocupação
com a formação a partir dos territórios de
maior representatividade junto aos
movimentos sociais, ainda que o
deslocamento para a Universidade pudesse
se tornar uma efetiva dificuldade, inclusive
considerando a falta de alojamento para
todos os estudantes nos momentos de
Tempo Escola. Assim:
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Tabela 2 Projetos de Assentamentos a serem diretamente beneficiados (MST).
A tabela 3, apresentada na página 10
do PPC, traz a relação de possíveis
municípios, sobre assentamentos e sujeitos,
pelo Instituto de Terras e Cartografia do
Estado do Rio de Janeiro ITERJ , em
levantamento realizado pela Cooperativa
CEDRO. Mais uma vez a dinâmica de
municípios se repete, no sentido de
considerar também os assentamentos de
outras regiões possíveis, como Conceição
de Macabu, no norte fluminense, e
abrangendo, entre famílias, jovens e
adultos, a maior quantidade expressiva de
beneficiados.
Mostra, com isso, que a metodologia
formativa não poderia deixar de considerar
o movimento não apenas de percurso, entre
assentamentos e Universidade, mas, neste,
de deslocamento de cultura e de linguagem
que precisava acompanhar esses sujeitos
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quando de seu momento formativo
institucional. A tabela 3, neste sentido, nos
reforça a importância da Alternância.
Assim:
Tabela 3 Projetos de Assentamentos potenciais beneficiados (Iterj).
Pela quantidade de sujeitos atingidos,
de norte a sul do estado do Rio de Janeiro,
a Alternância se demonstrava, no Curso,
como um recurso formativo mais do que
necessário. Para além do processo
pedagógico, a diretriz popular com que
fora implantada a metodologia também se
consubstanciava como uma estratégia de
composição da memória dessa formação e
desses sujeitos, para além da Universidade
inclusive. Neste sentido, para além do
respeito aos tempos de produção do
campo, do plantio à colheita, de que são
responsáveis os estudantes da LEC em
seus territórios e, com isso, a tentativa de
que conciliem suas atividades a
Alternância, por essa experiência,
viabilizou processos efetivos de
salvaguarda da história-memória desse
Curso, em sua primeira turma, pela
consideração de inclusão e de
continuidade/manutenção da diversidade
de estudantes por todo o universo de
municípios pretendido.
A Alternância, dessa forma, se
constitui como um movimento diaspórico
dessa elaboração de novo modo instituinte-
instituído de reflexão, em que, pelo
deslocamento geográfico-espacial viabiliza
também o fluxo de pensamento auto-
reflexivo elemento essencial para uma
educação popular efetiva. O documento
inicial de análise, portanto, nos esclarece
sobre o quanto a Alternância se projeta
como uma metodologia que permite
deslocamentos de saberes, sobretudo e
principalmente, se assim considerarmos,
também do campo para a universidade, e
não apenas num único sentido,
hierarquizante.
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Ademais, como parte da história que
se projetou para a LEC, em sua primeira
turma, queremos destacar suas
metodologias, dispostas no PPC; e um
instrumento memorial que os estudantes
mantiveram como suas marcas neste
processo formativo. Tanto no Tempo
Escola quanto no Tempo Comunidade se
intentou problematizar quanto à
necessidade de particularidade na trajetória
de formação dos estudantes, mas uma
ferramenta que também queremos
compreender como metodológica, via
sujeitos se projetou na articulação dos
conhecimentos construídos. Focando
inicialmente naquelas sistematizadas pelo
projeto de Curso, temos, na página 24 do
PPC, um quadro resumo do TE.
Compuseram o TE, dessa forma,
além das disciplinas, vários instrumentos
que puderam avaliar os estudantes, em sua
proposta oral ou escrita, ao longo de cada
etapa neste Tempo de formação.
Compreendemos que essa seleção
diferenciada pode ser entendida como
tentativas de ruptura necessárias ao
processo de formação daqueles sujeitos,
por suas histórias.
As metodologias diversificadas
viii
,
portanto, são resgatas como perspectiva de
educação inclusiva e acolhida, pela
consideração com que efetivamente se
apresentam no Projeto de Curso. Isso
mantém o caráter diverso da LEC em seu
Projeto, como forma de destaque e/ou de
diferença em sua proposta formativa, a
partir de estudantes que ingressariam
naquele espaço a partir de outra
perspectiva também institucional. Dessa
forma:
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Tabela 4 Metodologias de acompanhamento do Tempo Escola
Fonte: Projeto Político de Curso da LEC Pronera/UFRRJ.
Já no Tempo Comunidade, no quadro
resumo apresentado na página 27 do PPC
foram utilizadas outras ferramentas
metodológicas, integradas à primeira, em
um movimento metodológico
complementar. Não se propõe, no PPC,
que os Tempos de formação sejam
compreendidos em separado. Pelo
contrário: a diversidade de métodos de
acompanhamento dos estudantes se
apresenta de forma efetivamente
combinatória entre o TE e o TC,
respeitando-se, ainda, as particularidades
de cada etapa em que os licenciandos
estariam na Universidade e em seus
territórios. Assim:
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Tabela 5 Metodologias de acompanhamento do Tempo Escola.
Fonte: Projeto Político de Curso da LEC Pronera/UFRRJ.
Vemos que, institucionalmente, os
Cadernos
ix
não aparecem explicitamente
como um instrumento de acompanhamento
formal, embora as produções do TC,
reflexivas, fossem propostas no “Memorial
de Ensino-aprendizagem”. Tal como os
Cadernos, apropriados como recurso
metodológico próprio pelos estudantes
(ainda que proposto pela coordenação do
Curso, e, portanto, institucional), queremos
também destacar outro elemento que
inventaria nova proposta de metodologia.
Trata-se (dos momentos) da mística
x
um
recurso que defendemos ser
metodologicamente utilizado pelos
licenciandos, por sua capacidade de
permitir que o texto escrito, também dos
Cadernos, fosse revivido a cada
pronunciamento sobre ou mesmo pela
leitura realizada diretamente nele como
suporte. Por ela, os estudantes mantêm
vívido o discurso por eles produzidos
quando a oralidade do momento (re)cria os
textos. Apresenta-se, sim, como uma
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metodologia via inteireza, especialmente
discursiva, pelo movimento cíclico entre
escrito-oral-escrito; compondo-se, ainda,
como uma marca heterogênea entre as
diversas formas de uso da linguagem
(decolonial).
Por ser o PPC um documento que se
materializa antes mesmo de um Curso
efetivamente começar, como versão
inicial
xi
, as análises do documento aqui
expostas representam uma projeção
estimativa quanto aos sujeitos, via
assentamentos, que poderiam ser atingidos
pela proposta formativa. A
problematização que fazemos, portanto, se
coloca na direção de que a Licenciatura em
Educação do Campo, como Graduação, se
apresenta a partir de demandas concretas e
de atendimento a um público direto e
indireto em diversas regiões do estado do
Rio de Janeiro. Sua importância, nesse
sentido, se justificava, em 2010, pela
necessidade, e urgência, dessa formação
em diálogo com os assentamentos.
Assim, com foco sobre o segundo
documento proposto, o Relatório Analítico
e Descritivo das Atividades (RADA),
intentamos revisitar alguns pontos
discutidos do PPC, bem como outros que,
na dinâmica de uma formação que se
estabelece em curso, viabilizem uma
análise do impacto dessa proposta de
forma mais precisa ou com elementos
ainda mais reflexivos sobre. Neste
primeiro momento de diálogo com o
RADA, portanto, a intenção é a de buscar,
no próprio relatório, alguns pontos que
consideremos como fundamentais ainda na
direção da história-memória do Curso e de
seus sujeitos, para, então, comparar os
dois documentos
xii
, em um diálogo não
apenas projetivo-conclusivo, mas
especialmente longitudinal pelos
momentos e tempos diferentes em que
cada um se produziu e se efetivou.
Com início em setembro de 2010 e
término no mesmo mês de 2013, o
relatório aponta, em suas páginas
iniciais, a importância do Programa
Nacional de Educação nas Áreas de
Reforma Agrária (PRONERA), como
instrumento propulsor de novas
possibilidades de formação em e sobre a
Educação do Campo, inclusive nas
universidades. Assim, e ainda sobre a
relação entre curso e instituição, o RADA
também evidencia a necessidade, atendida
pela Universidade, de novo edital para
novos sujeitos da primeira turma, em uma
perspectiva de ampliação do entendimento
de assentamento como um lugar legítimo
de ocupação por povos tradicionais. Dessa
forma:
Cumpre ressaltar que a UFRRJ
realizou como contrapartida um
segundo edital voltado para as
populações tradicionais (quilombolas
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e caiçaras). Portanto, a Turma de
Licenciatura em Educação do Campo
da UFRRJ esteve marcada por uma
ampla diversidade de sujeitos
coletivos o que acarretou numa
riqueza de conteúdos e troca de
experiências. (LEC/RADA, 2014, p.
05).
A primeira turma, portanto, passa a
ser formada não apenas de sujeitos
historicamente envolvidos com as causas
da reforma agrária, por seus projetos
coletivos de agricultura familiar inclusive,
mas também por aqueles que, originários
da terra vivendo dela e por ela a
defendem como lugar de produção, mas
também de vivências fundamentais à
manutenção da própria história. Com
organização bastante heterogênea, a
identidade-memória do Curso, pela
primeira experiência de composição de
seus estudantes, se efetiva, também pela
análise do RADA, como um desafio de
formação de sujeitos que, evidenciando
suas diferenças, traçam elementos que se
direcionam em uma formação única, na
Universidade e até diante de cursos
semelhantes, em outros centros de
instituição superior.
Está colocada, pelo relatório, a
relação desses mesmos estudantes com a
instituição que passa a ser também
ocupada por eles. Em que pese o segundo
edital, aqui citado diretamente do RADA,
o que tratamos, neste ponto, se
consubstancia pelos diálogos não formais
que se materializam no cotidiano, nas
relações do dia a dia entre os sujeitos da
LEC e a Universidade, representada como
uma espécie de sujeito maior que
compreende, por sua vez, muitos outros
sujeitos em seu interior. Trata-se, sim, de
uma articulação que envolve muitos
elementos: sujeitos diversos, normas,
posturas e cotidianos em um espaço que,
por si só, também se sustenta como uma
edificação a partir de um pensamento, de
uma forma de ver o mundo.
Ao longo do relatório, as atividades
acadêmicas, entre ações e disciplinas,
foram apresentadas e descritas; mas
queremos, especialmente pelo recorte do
objeto de nossa pesquisa, destacar como a
linguagem contribuiu na composição da
história-memória do Curso, via RADA. A
principal menção é sobre o Laboratório de
Mídias, Artes e Linguagens
xiii
, uma
atividade acadêmica (AA) especial e
fundamental ao longo do Curso. Por seu
caráter diverso, sua composição era livre,
apesar das orientações e das integrações
junto às disciplinas e demais ações do
Curso. Assim:
O Laboratório de Mídias, Artes e
Linguagens funcionou em todas as
etapas do Curso, sempre com um
caráter experimental e voltado para
as Artes e suas diferentes
Linguagens. Ao longo do curso,
buscamos apresentar a dimensão
estética como algo fundamental e
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necessário de nossa formação
humana, dimensão desprivilegiada
seja nos cursos de formação política
dos movimentos sociais, seja nos
cursos de graduação das
universidades. Mesmo como o
inchaço das etapas, em virtude da
exigência de cumprirmos as 3.540
horas em três anos, as atividades
culturais surgem por dentro das
etapas como práxis, educando o olhar
para a elaboração teórica, bem como
para a produção prática, seja através
de textos, esquetes teatrais,
fotografias ou instrumentos musicais.
(LEC/RADA, 2014, p. 66).
O trabalho dos Laboratórios que
envolvia a linguagem, ao longo do Curso,
considerava as múltiplas expressões de
suas manifestações, tais como: audiovisual,
teatro, escrita, oralidade, musicalidade.
Essa formação, embora tenha se dado
como uma atividade acadêmica, no
entendimento de ser complementar,
compunha a dimensão curricular dos
estudantes tanto quanto as disciplinas. O
fato, pois, de não ser um componente
disciplinar não retirou, das AAs, sua
importância junto ao currículo.
Compreendida, assim, como um
elemento fundamental na perspectiva
formativa diferenciada da LEC, a
linguagem, por meio dos Laboratórios,
estabeleceu uma ruptura com a formação
acadêmica tradicional visando à
profissionalização, especialmente
considerando o tempo reduzido de três a
quatro anos com que uma graduação
precisa integralizar seu currículo. Esse
ponto, ademais, também relatado no
RADA, problematiza que, apesar da
dificuldade da composição da carga horária
entre disciplinas e atividades, as ações do
Laboratório foram fundamentais, inclusive,
na integração da turma e na continuidade
qualitativa da própria graduação. Assim:
... o curso de extensão “Construção
de instrumentos de percussão afro-
brasileiros” ... teve sem intencionar
um papel importante na união da
turma. Finalizado o curso básico
(Etapas 1, 2 e 3), os educandos foram
divididos em duas turmas de acordo
com a escolha de suas habilitações,
um certo distanciamento foi gerado
com a ideia da turma de
'Agroecologia e Segurança
Alimentar' e a turma de 'Ciências
Sociais e Humanidades'. O objetivo
principal do curso de extensão foi
mostrar a prática da percussão como
uma forma ancestral de manifestação
cultural, relacionando com a nossa
herança rítmica, os toques originários
dos tambores africanos. O Curso
durou os dois meses da etapa. Devido
ao alto custo, visto que a produção
dos instrumentos foi financiada pela
LEC/PRONERA, ou seja, compra de
cabaças, peles de cabrito, martelos,
cordas, ferros, linhas, furadeira, etc,
oferecemos apenas 25 vagas. Dez
para cada habilitação da LEC e 5
convidados da Universidade. Como a
disputa foi grande, criamos a ideia de
tambores compartilhados, educandos
convidando colegas da turma para
construírem os tambores juntos.
Enfim, a oficina que seria nas
quartas-feiras das 19h às 21:30h
terminava geralmente depois as 24h,
tamanho o envolvimento emocional
dos educandos. Utilizávamos o
espaço do Grupo de Capoeira Angola
do Mestre Angolinha que nos
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permitia guardas as ferramentas e
ficar no espaço até mais tarde. O fato
é que a oficina não terminava na
quarta, durante a semana os
educandos continuavam a trabalhar
nos seus tambores, seja pintando, seja
costurando, deixando de molho o
couro, etc. Esta oficina nos chama a
atenção da importância da cultura
como práxis na sua potência estética,
ou seja, como momento de criação e
de desenvolvimento da sensibilidade.
(LEC/RADA, 2014, p. 68).
Apesar de não estabelecermos o
movimento de análise léxico-gramatical
como requisito de apreensão dos escritos
sobre a formação nos documentos e nos
Cadernos queremos atentar para um
elemento importante que Ricouer (2007)
evidencia, via memória, quanto à
apropriação da linguagem e sua tomada,
por diversas vias de manifestação, a partir
de traços de produção que os identifique.
Como elementos de pertença, tais
elaborações possuem, segundo ele, um
aspecto fundamental de orientação quanto
ao questionamento de antigas práticas de
memória e de linguagem, inclusive.
Tratando, assim, da problematização
entre memória e instituição, o autor
evidencia sua preocupação com a seleção
vocabular também conceitual que pode
colocar na dimensão do ato de se lembrar
de um fato ou de um dado importante, tal
como aqueles apontados no PPC, mas
especialmente no RADA, a própria
lembrança “de si”, ou dos sujeitos de fala,
entre todos os partícipes, na estruturação
do Curso em sua primeira experiência de
turma. A forma do verbo, quando
acompanhada de um pronome, e no lugar
da versão substantivada, portanto, pode
refletir aquilo que interveio na própria
composição memorial dos sujeitos. Isso
porque:
A forma pronominal dos verbos de
memória atesta essa aderência que
faz com que lembrar-se de algo é
lembrar-se de si. Por isso, o
distanciamento íntimo, marcado pela
diferença entre o verbo “lembrar-se”
e o substantivo “lembrança” (uma
lembrança, lembranças), pode passar
despercebido a ponto de não ser
notado. (Ricouer, 2007, p. 136).
Com essa reflexão, Ricouer (idem)
evidencia a relação entre os três sujeitos de
atribuição da lembrança, que, segundo ele,
são atestados no “eu”, no “coletivo” e nos
“próximos”. O primeiro, do narrador,
também se materializa como um dos
personagens, uma vez que, na adoção do
verbo pronominal, se permite lembrar das
próprias memórias durante o Curso
(elemento até aqui resgatado via
documentos, mas ainda a serem abordados
via Cadernos). O segundo, coletivizado, se
coloca nos grupos de estudantes que
demonstram suas formações possíveis e
que puderam ser relatadas, também em
narratividade, no PPC e no RADA. E, por
fim, os próximos, que seriam os sujeitos
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institucionais, também partícipes da
proposta curricular, mas integrantes do
projeto até certo ponto, tanto por ser a
primeira turma ainda experimental à época,
quanto pela participação indireta, apenas
quando do contato com os estudantes, no
período de realização do Curso.
em comparação analítica entre os
dois documentos-memorais aqui
dialogados, queremos apontar a direção de
quatro pontos, abordados especialmente no
relatório como dois desafios e duas
dificuldades, nesta ordem. Ainda na
perspectiva da proposta filosófica-
educacional do Curso e do contexto
originário dos estudantes da LEC,
intentamos não mais separar esses dois
elementos, pela importância que
compreendemos ter, no RADA, sua
abordagem analítica conjunta. O primeiro
desafio recuperado no relatório e de que
trata a base filosófica estrutural do Curso,
principalmente por considerar o perfil dos
estudantes, de seus locais de origem é
apresentado pela metodologia da
Pedagogia da Alternância, em comparação
aos demais cursos da instituição. Assim:
O curso se constituiu num grande
desafio para nós por ocupar um lugar
muito específico no conjunto dos 57
cursos de graduação da Universidade.
Em primeiro lugar, pelo fato de
ocorrer através da Pedagogia da
Alternância, dividindo sua
implementação, ao longo de seis
etapas (3 anos), em momentos de
Tempo Escola e em momentos de
Tempo Comunidade. Tratava-se do
único curso de graduação que
funcionava dessa maneira. Isso
acarretou, obviamente, um conjunto
de muitas dificuldades: para citar
algumas, alojamento, participação
dos professores no curso, dentre
outras. Os professores participaram
do curso acumulando suas atividades
de rotina nos seus cursos de origem e
após a sua primeira etapa apenas
duas professoras foram dispensadas
de suas turmas para ficar à disposição
das atividades da LEC. (LEC/RADA,
2014, p. 04).
A metodologia em destaque, embora
colocada como o principal elemento do
desafio, traz, para nós, outra evidência
fundamental: o fato de, ainda quando se
considera a formação pública, mesmo que
em caráter experimental, não se ter o
suporte institucional necessário para que se
possa sair do experimento e propor a
regularidade do projeto e isso tanto nos
micros quanto nos macros espaços
xiv
.
Nossa crítica, portanto, recai sobre o fato
de vermos se repetir, especialmente nas
universidades públicas, o sucesso de um
curso, de um projeto ou mesmo de um
programa muito mais por consequência das
ações coletivas e dos sujeitos à frente da
proposta do que, efetivamente, pelo apoio
estrutural para que a formação esteja a
contento. Não raro, o relatório ainda
destaca, no mesmo ponto, que “o curso
tomou como base a organização das
atividades a partir dos sujeitos coletivos,
que os estudantes encontravam-se
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agrupados a partir dos movimentos sociais
e de seus territórios de origem”. (idem, p.
04-05).
Voltamos à antiga problematização
xv
de que, nesses espaços, o discurso
institucional talvez seja menos definidor,
em termos qualitativos, do que o dos
próprios partícipes entre docentes,
discentes e cnicos que efetivam a
possibilidade de uma proposta funcionar,
porque auxiliam a driblar os impasses do
cotidiano, de forma propositiva e criativa.
Em sequência, o segundo desafio, pela
filosofia proposta, recai sobre o diálogo
entre a educação popular e os entraves
institucionais, pois, mais uma vez, a LEC:
[foi o] único curso de graduação que
funcionou integralmente a partir dos
princípios da educação popular
(Paulo Freire) o que leva: a) à
construção de conhecimentos a partir
do estudo da realidade das lutas e dos
territórios ocupados; b) ao
desenvolvimento de um processo de
ensinoaprendizagem baseado na
interdisciplinaridade, partindo de
uma questão problematizadora que se
desdobra do estudo da realidade e
que articula os conteúdos das
diversas disciplinas; c) à
implementação do Trabalho
Integrado como principal forma de
avaliação. (LEC/RADA, 2014, p. 04-
05).
Ao compararmos os discursos entre o
PPC e o RADA, vemos que, pela
apropriação dos dois desafios e na
tentativa de resumi-los em um só, posto
que ambos têm a mesma base crítica
compreendemos que, em verdade, o
principal desafio entre a projeção e o relato
está no embate, a partir de uma instituição
conservadora e de muitos cursos, em
reconhecer que a LEC, mesmo em sua
primeira turma, conseguira se desenvolver
a partir da proposta de uma educação do
campo e não para o campo. A locução
adjetivada não apenas pressupõe mudança
de paradigma conceitual, mas, sobretudo,
de deslocamento no protagonismo dos
sujeitos destacando aqueles que
realmente precisam ser evidenciados em
seus próprios processos de formação.
Assim é que, via metodologias
diferenciadas, tanto no projeto político de
curso quanto no relatório final, a Educação
do Campo se confirma como uma proposta
que se estende para além de um preceito
filosófico: ela se concretiza a cada etapa da
aprendizagem, no tempo comunidade e no
tempo escola, mesmo que em apenas três
anos de Curso. Em outras palavras, se
consolida como uma “educação
contextualizada a partir das visões de
mundo e das questões inerentes às lutas e
às memórias das experiências sociais dos
assentados, dos pequenos agricultores e
das populações tradicionais” (idem, p. 04-
05).
Seguindo a ideia de aproximação
entre os dois documentos, aportamos
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naquilo que o próprio relatório inclusive
ao se referir à projeção realizada pelo PPC
aponta como dificuldades vivenciadas. A
primeira delas é apresentada como sendo a
dificuldade no planejamento e na gestão
dos recursos, não apenas pelo acúmulo de
tarefas docentes, mas especialmente pela
falta de conhecimento técnico específico
na área. Assim:
Os docentes das Universidades, além
de não possuírem formação nesta
área, acumulam tarefas de
coordenação, de ministrar aulas, de
orientar educandos e de acompanhar
o tempo comunidade. Não cabe,
portanto, acumular a tarefa do
diálogo institucional para as questões
burocráticas e operativas no que diz
respeito ao funcionamento do
Destaque Orçamentário. Esta questão
é muito séria, pois acarreta prejuízos
no funcionamento do Curso, em
especial no acompanhamento do
Tempo Comunidade. Sem um
trabalho sério de acompanhamento
nos territórios, a Pedagogia da
Alternância fica prejudicada.
(LEC/RADA, 2014, p. 05).
Vale o destaque que nem mesmo as
funções de coordenação e/ou de
supervisão, nas universidades, podem ser
consideradas como atribuições de que os
servidores, nesta posição, detêm a priori.
Essa fragilidade apontada no relatório,
nesse sentido, representa um ponto
importante que pode prejudicar o
acompanhamento tanto no tempo escola
quanto no tempo comunidade, mas com
ainda mais possibilidade de agravo para o
segundo momento, tendo em vista o
deslocamento e o recurso para o custo
proveniente dessa estada em outra
localidade.
Ainda com pensamento na parceria
com o INCRA, pelo convênio PRONERA,
o apontamento das dificuldades caminha
na direção de garantia do próprio Curso no
modelo implantado, com a
problematização da manutenção das
classes populares no ensino superior. Mais
do que a necessidade de mais verba,
portanto, a preocupação se estabelece
também e até com prioridade, tendo em
vista emergir no relatório na gestão
orçamentária como possibilidade de
continuidade dos estudantes daquela turma
e do próprio Curso que se iniciara na
Universidade.
Neste mesmo sentido, a segunda
dificuldade se apresenta como a
necessidade de se enxergar cada curso para
além de seu código de inscrição na
instituição
xvi
. A relação precisa estabelecer
que cada formação é única, sendo seus
estudantes igualmente diferenciados e
muito mais do que uma codificação de
matrícula inclusive. A crítica de
fragilidade, neste segundo ponto, recai
sobre a forma dura/objetiva, e por vezes
intolerante, de ‘ter de’ condicionar todos os
cursos e por consequência todos os
estudantes no mesmo regime de ensino e
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de aprendizagem. E isso inclui avaliação,
identidade, formação. Assim:
Outra grande dificuldade que deve
ser dialogada entre o
INCRA/PRONERA e as
Universidades é a questão da
incompatibilidade do sistema de
créditos com o sistema da
Alternância. Como adequar o sistema
de Alternância no sistema de
frequência e avaliação do sistema de
créditos? (LEC/RADA, 2014, p. 06).
Em que pese, pois, a metodologia
diferenciada da Alternância se configurar,
no PPC e no RADA, como perspectiva de
ruptura de uma formação tradicional, a
relação institucional não se demonstrou
flexível o suficiente para, na recepção
efetiva de outra proposta formativa,
promover a adequação necessária de seu
sistema de créditos, e não o possível
condicionamento dos sujeitos ao instituído.
Neste sentido, vemos o quanto da história-
memória da instituição, via documentos
oficiais, pode ter influenciado na
perspectiva de uma construção
efetivamente decolonial, mas ainda
deixando expostas algumas amarras e
alguns obstáculos à sua plena
concretização. Diante de um Curso não
apenas novo, mas especialmente com
perspectiva de formação inovadora, por um
modelo de educação popular, a
Universidade se mostrou como um dos
principais obstáculos.
Pela aproximação das dificuldades,
portanto, entendemos que a dependência
de um orçamento com fragilidade de
gestão e a continuidade padronizante de
modelos de curso demonstram,
resumidamente, uma contrapartida baixa
da Universidade para a recepção concreta e
material de seus (novos) sujeitos
efetivamente. Isso porque a Educação do
Campo, como uma modalidade formal de
ensino reconhecida desde 2010, com a
homologação das Diretrizes Curriculares
Nacionais da Educação Básica (Resolução
n.º 04/2010/CEB/CNE), ainda pode
apresentar práticas instituintes em suas
propostas, tendo em vista que, mesmo
institucionalizadas, têm, em sua acepção,
uma natureza de luta política e de respeito
aos povos tradicionais. Ademais, mesmo
com o Decreto n.º 7.352/2010, em que
passa a ser instituída a Política de
Educação do Campo e o Programa
Nacional de Educação na Reforma Agrária
(PRONERA), assim como a publicação da
Lei n.º 12.695, a discussão entre o
instituído e o instituinte ocorre no âmbito
dos sujeitos em sua relação com a
instituição. Dessa forma, apesar de ser
parte da educação formal e de
considerada, legalmente, como formação
inclusive de ensino superior (visando
justamente o atendimento às escolas do
campo), continuamos a denominar de
instituinte as práticas que circulam por
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dentro e apesar de uma relação já
institucionalizada.
Compreendemos que essa realidade
se apresenta, por fim, ainda como uma
resistência institucional diante de novas
práticas instituintes ainda que, pela
formalização do processo de ensino,
consigamos perceber a configuração do
próprio instituinte como possível incluído
no instituído para fins de certificação e de
reconhecimento de um processo formativo,
como foi o caso do Curso ao questionar a
adaptação e/ou a existência de um novo
sistema de ensino, diferentemente do de
crédito, e com a mesma aplicação de
rubricas
xvii
para liberação da verba
destinada à LEC.
Considerações finais: diálogos ainda não
finalizados...
Retomando a epígrafe com que
abrimos este artigo, intentamos fechá-lo
com uma problematização que entendemos
necessária: sobre “pensar que [se] sabe”. O
cruzamento entre os dois documentos
oficiais e constituintes da história-
memória do Curso, como discutimos nos
revelou o quanto distante ainda têm se
encontrado efetivas ações decoloniais na
educação, também no ensino superior, e
talvez mais ainda nestes espaços, pelo
caráter sobretudo conservador com que
essas instituições ainda mantêm seus
discursos de formação profissional, porque
muito ou cada vez mais próximos de
uma perspectiva de saída para atendimento
ao mercado.
Com isso, ainda se observa que
espaços temporais de atenção com o
processo formativo em si padecem frente à
dinâmica de padronização de um perfil de
formação preso e fixo a prazos, a
avaliações formais e a controle da
produção, muito mais do que o
acompanhamento de cada etapa de
aprendizagem. Tal como Iasi na mesma
epígrafe, apesar da perspectiva inovadora e
considerada como um avanço pelo próprio
RADA, o movimento de percurso da LEC,
em sua primeira turma, e em considerando
a história-memória da instituição, se
manteve “fechado em si mesmo: faz[endo-
se em] muralhas”.
A Universidade, a partir disso,
progride na perspectiva de uma oferta de
Curso que se apresenta e que se consolida,
nesta primeira turma, por uma proposta
filosófico-educativa decolonial, mas ainda
resiste, na direção contrária, como uma
edificação que, via muros e muralhas, nem
tanto evidencia seus sujeitos de dentro;
tampouco todos os seus sujeitos de fala. E
é neste sentido que tanto os desafios
quanto as dificuldades apontadas no
relatório, apesar de um PPC tão próprio,
dinamizam o olhar ainda necessário e
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cuidadoso quanto ao lugar da Educação do
Campo e da Pedagogia da Alternância
considerando-as como propostas
decoloniais a partir da educação popular
nas instituições de ensino. Vale destacar
que a consideração da Educação do Campo
como modalidade decolonial, assim como
da Pedagogia da Alternância, não está
relatada no RADA. Essa interpretação, por
meio das análises e do cruzamento com os
conceitos dialogados, ocorre na perspectiva
que vimos assumindo nesta pesquisa.
Assim, tanto a modalidade quanto a
metodologia diferenciadas e aplicadas ao
longo do Curso representam, para nós, nem
tanto dificuldade, mas um desafio sim, no
sentido de suas garantias efetivas
sobretudo nas instituições formais de
ensino. O processo decolonial, nesta
composição da história-memória, ainda
carece de uma efetiva ruptura, como ação,
para (re)existir.
Referências
I Livros e capítulos de livro
consultados:
Antunes-Rocha, M. I; Martins, A. A.
(2009). Educação do Campo: desafios
para a formação de professores. Belo
Horizonte, MG: Autêntica Editora.
Bakhtin, M (2000). Estética da criação
verbal. 3.ed. São Paulo, SP: Martins
Fontes.
Caldart, R. S; Pereira, I. B; Alentejano, P;
Frigotto, G (2012). Dicionário da
Educação do Campo. Rio de Janeiro, RJ;
São Paulo, SP: Escola Politécnica de Saúde
Joaquim Venâncio; Expressão Popular.
Hall, S. (2003). Da diáspora: identidades e
mediações culturais. Belo Horizonte, MG:
Editora da UFMG; Brasília, DF:
Representação da Unesco no Brasil.
Iasi, M. (2002). Aos educadores populares
aula de voo. In: Saviani, D. Educação:
do senso comum à consciência filosófica
(pp. 15-16). Campinas, SP: Autores
associados.
Le Goff, J (2013). História e memória.
Campinas, SP: Editora Unicamp.
Paludo, C. (2012). Educação Popular. In:
Caldart, R. S; Pereira, I. B; Alentejano, P;
Frigotto, G (2012). Dicionário da
Educação do Campo (pp. 280-285). Rio de
Janeiro, RJ; São Paulo, SP: Escola
Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio;
Expressão Popular.
Paludo, C. (2001). Educação popular em
busca de alternativas: uma leitura desde o
campo democrático e popular. Porto
Alegre, RS: Editora Tomo.
Ricouer, P. (2007). A memória, a história,
o esquecimento. Campinas, SP: Editora da
Unicamp.
Walsh, C. (2017). Pedagogías
Decoloniales: práticas Insurgentes de
resistir, (re)existir e (re)vivir. Serie
Pensamiento Decolonial. Equador: Editora
Abya-Yala.
II Documentos consultados:
LEC. Relatório Analítico e Descritivo das
Atividades. Seropédica: UFRRJ, 2014.
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LEC. Projeto Político-Pedagógico de
Curso. Seropédica: UFRRJ, 2010.
i
O presente título, original, recebe a proposição de
trabalhar algumas palavras com inicial maiúscula,
como forma de destacar o sentido de trajeto, mas
especialmente o Curso de que se fala (Licenciatura
em Educação do Campo) e a metodologia
pedagógica (Pedagogia da Alternância), como
elemento diferenciador dos demais modelos.
ii
Tanto as brechas quanto as rachaduras são
expressões metonímicas que têm como objetivo
indicar a negação das fronteiras de exclusão,
especialmente as de pensamento, de epistemologia.
Para tanto se constituem como espaços de
criatividade, de consciência e de escolha.
iii
A ideia de ocupação, aqui, tem o sentido de
aludir, linguisticamente, ao significado de tomar
posse, mas na direção de preencher determinado
espaço, antes ainda não vivenciado por alguns
sujeitos.
iv
A crítica aqui estabelecida se refere à tendência
de empobrecimento da capacidade analítica dos
candidatos pela limitação de correção da língua.
Estruturas de pensamento e organização das ideias,
se não evidenciadas nos critérios, acabam por serem
subjugadas em nome de um padrão de escrita,
socialmente tido como mais culto.
v
A discussão que se dirige à diferença entre os dois
termos redação e produção textual destaca o
conceito de o segundo se efetivar de maneira
contextual, viabilizando um acervo considerável de
produções diversas, em diferentes gêneros (Cf.
Geraldi, 2015; Marcuschi, 2010).
vi
As ações diretas são por nós consideradas como a
formação dos sujeitos em si, tanto no Curso quanto
nos demais eventos acadêmicos ligados à LEC e
que tiveram, por espaço, os assentamentos no TC.
as ações indiretas se referem, neste sentido, às
atividades não formais, ou não planejadas como um
movimento de formação científica.
vii
Referimo-nos, aqui, ao campus principal,
localizado na cidade de Seropédica, um dos
municípios entre a Baixada Fluminense e a região
da Costa Verde, no estado do Rio de Janeiro. A
localização de referência diz respeito ao campus em
que fora ofertado o Curso da LEC, tanto acadêmica
quanto administrativamente considerando.
viii
As perspectivas de educação, pela diversidade
dos estudantes, se fortalecem discursiva e
pedagogicamente com o processo de
redemocratização do país. Nelas, temos abordagens
diferentes para o mesmo grupo de alunos,
considerando-se não apenas a equidade em uma
turma, mas tempos de aprendizagem diferenciados
de cada sujeito.
ix
Os Cadernos Reflexivos, ou Cadernos de Estudo
da Realidade, foram nosso objeto investigativo na
pesquisa maior de onde se originou este artigo.
Aqui, ele é trazido com mais um recurso
metodológico disponibilizado pela Alternância da
LEC, projetando como suas produções compuseram
as diretrizes do RADA e a (re)visita ao PPC.
x
Embora a mística seja um momento de
interatividade, de narratividade e de luta dos povos
tradicionais, sua inclusão como parte do processo
formativo, institucionalmente, não nos é
compreendido como uma apropriação indevida.
Tratamos, aqui, de uma continuidade possível dos
movimentos sociais junto à academia, em
resistência.
xi
Sabemos que o PPC, por corresponder à
identidade inicial de um curso, precisa ser flexível.
Isso significa que sua versão primeira sofrerá
ajustes, seja por atualização da proposta formativa,
seja por curricular substancial na matriz
organizativa do curso.
xii
Não compararemos o PPC e o RADA em todas
as suas estruturas, mas apenas na linguagem
metodológica, por comporem, de maneira especial,
a formação em Alternância neste Curso desta
Universidade.
xiii
A composição desta pesquisa faz diálogo com o
Laboratório em questão. Embora a elaboração dos
documentos, inclusive pelos estudantes, não
estivesse condicionada como possível atividade dos
Laboratórios, os encontros e as atividades dessa
atividade acadêmica, a partir daquele espaço, era
uma possibilidade de falar sobre a formação.
xiv
Os micros espaços seriam aqueles espacialmente
mais próximos, como o instituto que compreende o
curso e/ou a própria universidade instâncias de
caráter deliberativo. Já os macros espaços seriam
aqueles não apenas mais distantes, mas que
configuram instâncias superiores, com dotação
orçamentária nacional como Ministérios.
xv
Não queremos, por não ser a direção aqui
proposta, entrar na discussão sobre política
educacional. Sobre orçamento e sobre participação
e planejamento, por exemplo, ver Saviani, D.
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(2011). Da nova LDB ao FUNDEB: por uma outra
política educacional. Campinas, SP: Autores
Associados.
xvi
Queremos esclarecer que aqui trabalhamos com a
ideia de que não apenas os estudantes são
codificados quando ingressam nas universidades,
por meio da matrícula, mas os próprios cursos, ao
serem aprovados e previamente reconhecidos para o
início de funcionamento, o são através de um
número institucional.
xvii
O sistema de controle e de dotação do
orçamento que chega à Universidade para ser
distribuído entre Institutos e Cursos também é
realizado por meio de editais, para compra e de
bens/serviços cuja natureza se viabiliza por meio de
rubricas específicas em chamada e/ou abertura de
possibilidade dentro de um tempo geralmente curto.
Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 31/07/2019
Aprovado em: 30/09/2019
Publicado em: 19/12/2019
Received on July 31th, 2019
Accepted on September 30th, 2019
Published on December, 19th, 2019
Contribuições no artigo: Os autores foram os
responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for
the designing, delineating, analyzing and interpreting the
data, production of the manuscript, critical revision of the
content and approval of the final version published.
Conflitos de interesse: Os autores declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Fabrícia Vellasquez Paiva
http://orcid.org/0000-0002-2400-6664
Aloísio Jorge de Jesus Monteiro
http://orcid.org/0000-0002-1155-7870
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Paiva, F. V., & Monteiro, A. J. J. (2019). Da Alternância
como movimento diaspórico decolonial: por uma história-
memória popular de sujeitos em Curso. Rev. Bras. Educ.
Camp., 4, e7326. DOI:
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e7326
ABNT
PAIVA, F. V., MONTEIRO, A. J. J. Da Alternância como
movimento diaspórico decolonial: por uma história-
memória popular de sujeitos em Curso. Rev. Bras. Educ.
Camp., Tocantinópolis, v. 4, e7326, 2019. DOI:
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e7326