Revista Brasileira de Educação do Campo
The Brazilian Scientific Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e7330
Tocantinópolis/Brasil
v. 4
e7330
10.20873/uft.rbec.e7330
2019
ISSN: 2525-4863
1
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O Projeto Dandô e a Formação Integral dos jovens da
Escola Família Agrícola de Vale do Sol: uma cultura de
resistência à “Música Transgênica”
Roberto Kittel Pohlmann
1
, Cheron Zanini Moretti
2
1
Escola Família Agrícola do Vale do Sol EFASOL. Departamento de Linguagens. Linha Formosa, s/n. Vale do Sol - RS.
Brasil.
2
Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC.
Autor para correspondência/Author for correspondence: pohlmannroberto@gmail.com
RESUMO. Proponho a discussão em torno da resistência à
“música transgênica” a partir do Projeto Dandô, enquanto
ferramenta pedagógica desenvolvida junto a Escola Família
Agrícola de Vale do Sol (EFASOL) no Vale do Rio Pardo-RS.
Como estratégia teórico-metodológica opto pelos Círculos de
Cultura de linha freiriana, em conformidade com as
epistemologias do Sul. É dizer, que parto de diálogos junto a
estudantes da EFASOL para analisar o Projeto e sua implicação
para com a Formação Integral reconhecida como um dos
basilares das EFAs. Como monitor da EFASOL e músico ligado
ao projeto, o tema adquire relevância ímpar, pois estou
implicado diretamente com o mesmo. O artigo evoca e junta-se
ao escopo das epistemologias do Sul, justamente por se
aproximar, da ideia de lugar comum, de “felpa da mesma
madeira”, seja pelo reconhecimento dos estudantes nos
cantadores e vice-versa. Alguns dos resultados ou discussões
alcançadas podem ser exemplificas pela fala de um dos
estudantes envolvidos: “o que mudou (a partir do Projeto
Dandô) é que antes eu escutava uma música por escutar, mas
hoje a gente presta atenção”.
Palavras-chave: Educação do Campo, Projeto Dandô,
Formação Integral, Escola Família Agrícola de Vale do Sol,
Resistência.
Pohlmann, R. K., & Moretti, C. Z. (2019). O Projeto Dandô e a Formação Integral dos jovens da Escola Família Agrícola de
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Dandô Project and the Integral Educational of the
youngsters from Escola Família Agrícola de Vale do Sol: a
culture of resistance to "Transgenic Music"
ABSTRACT. I propose a discussion about the resistance to
"transgenic music" from the Dandô Project, while a pedagogical
tool developed together with the Escola Família Agrícola de
Vale do Sol (EFASOL) at Vale do Rio Pardo's region. As a
theoretical-methodological strategy opted for the culture circles
of the freiriana line, according to the south epistemologies. In
other words, we start dialogues with EFASOL students to
analyze the Project and its implication for Integral educational -
recognized as one of the fundamentals of the EFAs. As a
monitor of EFASOL and a musician connected to the project,
the theme obtains exclusive relevance because I am directly
involved with the same. The article reminds and made to order
the scope of the South epistemologies, exactly because it
approaches, the idea of common place, "fluff of the same
wood", either by the recognition of the students in the singers
and vice versa. Some of the results or discussions achieved can
be exemplified by the speech of one of the students involved:
What has changed (from Project Dandô) is that before I listened
to a song for listening, but today we pay attention.
Keywords: Rural Education, Dandô Project, Integral
Educational, Escola Família Agrícola de Vale do Sol,
Resistance.
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El Proyecto Dandô y la Formación Integral de los jóvenes
de la Escola Família Agrícola de Vale do Sol: una cultura
de resistencia a la "Música Transgénica"
RESUMEN. Propongo la discussión en torno de la resistencia
para la "música trasngênica" a partir de lo Projecto Dandô, como
ferramienta pedagógica desenvolvida junto a la Escola Família
Agrícola de Vale do Sol (EFASOL). Como estrategia teórico-
metodológica opta por los Círculos de Cultura de nea freiriana,
de acuerdo con las epistemologías del Sur. Es decir, parto de
diálogos junto a estudiantes de la EFASOL para analizar el
Proyecto Dandô y su implicación para la Formación Integral -
reconocida como uno de los de las EFAs. Como monitor de
EFASOL y músico vinculado al proyecto el tema adquiere
relevancia única, pues estoy implicado directamente con el
mismo. El artículo, evoca y se une al ámbito de las
epistemologías del sur, justamente por acercarse, a la idea de
lugar común, de "felpa de la misma madera", sea por el
reconocimiento de los estudiantes en los cantantes y viceversa.
Algunos de los resultados o discusiones alcanzadas pueden ser
ejemplificadas por el discurso de uno de los estudiantes
involucrados: Lo que cambió (a partir del Proyecto Dandô) es
que antes escuchaba una música por escuchar, pero hoy la gente
mira.
Palabras clave: Educación del Campo, Proyecto Dandô,
Formación Integral, Escola Família Agrícola de Vale do Sol,
Resistencia.
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Considerações iniciais
“Dandô, Ô dandei...
Olha o vento que brinca de dandar:
Ele vem pra levar as andorinhas
E quem sabe a canção pra uma janela
Saciar o ipê que se formou
E roubar suas flores amarelas …”.
Canto dos Ipês Amarelos João Bá
O Projeto Dandô Circuito de
Música Dércio Marques, ou simplesmente
Dandô, é uma caravana musical, idealizada
pela cantora e pesquisadora Kátya
Teixeira
i
. Teve início em São Paulo em
setembro de 2013 e logo se espalhou por
diversas cidades brasileiras. É organizado
pelos/as artistas e público das
apresentações. Ou seja, para além de
ouvinte, o/a espectador/a organiza o
Dandô, seja providenciando o
deslocamento do/a artista, organizando o
palco e o som, a divulgação, entre outros
afazeres. É dizer, muitas pessoas que
assistem ao Dandô colaboram com a sua
realização, diferente de um espetáculo
“comum”, onde uma equipe de
profissionais que o organiza. O objetivo
do Dandô é levar música popular fora do
eixo musical da indústria cultural
ii
e de
massas para as mais diversas comunidades,
desde cidades populosas até vilarejos,
vivenciando culturas diferentes.
O projeto tem em seu nome, uma
homenagem a Dércio Marques
(1947-2012), cantador que ao lado da
irmã Dorothy Marques, muito fez
pela arte dos “Brasis
iii
” que estão fora
da indústria cultural, unindo artistas
de toda parte, de várias gerações,
estilos e culturas. (Circuito Dandô,
2019).
Também importa ressaltar a palavra
Dandô corruptela do verbo andar, no
linguajar dos “pretos velhos- a partir do
Canto dos Ipês Amarelos de João Bá,
parceiro de Dércio e Dorothy. Além de
evocar a árvore símbolo do Brasil, o Ipê
Amarelo, traz o místico envolto do verbo
d’andar. Uma das possíveis origens do
verbo dandar é designar a passagem que a
criança faz entre a ação de engatinhar para
a ação de andar, possível apenas com
auxílio “mágico” do vento
iv
.
O Dandô propõe uma circulação
contínua de artistas pelo Brasil e por outros
países envolvidos. Hoje, o projeto também
se espalha pelo Chile, Argentina, Uruguai,
Venezuela, Portugal e Galícia (Estado
Espanhol), no que chamamos “circuitos
irmãos”. A cada ano mais municípios se
“arreunem”
v
para cantar, vivenciar e
discutir a arte e a cultura popular.
Dentre os espaços que recebem o
Dandô, como ouvintes-organizadores, está
a Escola Família Agrícola do Vale do Sol
(EFASOL). Os/As artistas, quando
circulam pelo Vale do Rio Pardo
vi
, no Rio
Grande do Sul, sempre que possível, são
recebidos pelos/as estudantes camponeses,
monitores e monitoras na escola para um
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diálogo sobre arte e cultura popular. o
espetáculo, propriamente dito, ocorre,
principalmente, na Universidade de Santa
Cruz do Sul (UNISC)
vii
, parceira do
projeto. A estada do/da artista dura, muitas
vezes, apenas um dia, mas a preparação
envolvida e a convivência intensa fazem
com que os/as estudantes se encantem,
aprendam e ensinem pela música popular
do artista em movimento. Isso é, a música
é o meio.
A EFASOL recebe o Dandô, como
resistência frente à indústria cultural de
massa, especialmente dentro da área de
linguagens, alicerçado pela Pedagogia da
Alternância. Como docente desta área, me
encarrego de pensar o projeto de forma
mais aprofundada, fazendo o contato
inicial. Ou seja, pensar o Dandô como
espaço formativo é uma de minhas tarefas
como educador, logo, aprofundar a
discussão e pensar novas ações para o
Projeto Dandô, justifica a feitura deste
trabalho de pesquisa.
Nesse sentido, o que se pretende
nesse artigo, em termos amplos, é
compreender a importância pedagógica e
política do Projeto Dandô para a formação
integral dos estudantes da EFASOL, mas
como uma contracultura àquela de massas,
ao que chamo de “música transgênica!”.
De maneira mais esmiuçada,
objetivo identificar e problematizar as
aproximações entre a cultura popular e a
educação do campo; identificar e
compreender as contradições da indústria
cultural de massa na cultura popular
dos/das estudantes da EFA; e compreender
como a cultura de resistência pela música
se relaciona com a ideia de formação
integral na pedagogia da alternância.
Esse artigo está estruturado, além
dessa breve apresentação da temática,
nomeada de “Considerações Iniciais”, por
uma seção que aborda as epistemologias
do sul. Na sequência discorro a respeito da
Formação Integral, seguido de uma seção
dedicada a discutir a “música transgênica”.
Por fim, uma reflexão, que longe de
esgotar as possibilidades de análise, aponta
caminhos a serem (re)pensados nas
“Considerações finais”. Me permiti
entrelaçar depoimentos entre as partes, as
vozes dos/das estudantes permearam essa
discussão a ponto de se misturarem com
minha própria voz.
Epistemologias do Sul: uma estratégia
epistemológica e metodológica na
investigação
Para compreender o projeto Dandô,
suas minúcias e sua implicação com a
Formação Integral propostas pelas Escolas
Famílias Agrícolas, o descrevemos e o
analisamos como um dos instrumentos
pedagógicos da Escola Família Agrícola de
Vale do Sol (EFASOL). Partimos da
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concepção de pesquisa participativa,
alicerçada nas epistemologias do sul
viii
.
Nessa perspectiva epistemológica, as
alternativas pedagógicas surgem da
“experiência social do outro lado da linha,
isto é, do Sul global, concebido como a
metáfora do sofrimento humano sistêmico
e injusto provocado pelo capitalismo
global e pelo colonialismo”. (Santos, 2007,
p. 85).
Boaventura de Sousa Santos, em
entrevista diz:
As epistemologias do sul são
exatamente uma tentativa dessa
justiça cognitiva global. Ou seja,
trazer outros conhecimentos pra
dentro do conhecimento científico
porque são outras maneiras de fazer
ciência ... o sul é aqui exatamente, o
sul anti-imperial. Não é o sul que
imita o norte. É o sul que resiste e
que produz alternativas em relação ao
imperialismo e ao colonialismo do
norte. (Santos, 2012, s./p.).
A fala de Sousa Santos é alicerçada
na ideia não cartesiana, não eurocêntrica.
O autor explica ainda que para a ideia
eurocêntrica, a natureza é um bem a ser
explorado, para as epistemologias do sul
essa mesma natureza é vida. Numa
concepção eurocêntrica a música é
produto, para as epistemologias do sul é
parte stica do mundo
ix
. A epistemologia
do sul leva em conta outras formas de fazer
ciência, a partir do diálogo. De acordo com
Freire,
Simplesmente, não podemos chegar
aos operários, urbanos ou
camponeses, estes, de modo geral,
imersos num contexto colonial, quase
umbilicalmente, ligados ao mundo da
natureza de que se sentem mais
partes que transformadores, para , à
maneira de concepção “bancária”,
entregar-lhes “conhecimento” ou
impor-lhes um modelo de bom
homem, contido no programa cujo
conteúdo nós mesmos organizamos
(1987, p. 84).
O diálogo leva em conta o outro.
Segundo Freire, “a auto-sufiência é
incompatível com o diálogo”. (1987, p.
81). Portanto, a pesquisa propôs a
participação dos/das estudantes nos
Círculos de Cultura inspirados pela
epistemologia freireana, compreendendo o
universo musical dos/das jovens, a
problematização da indústria cultural de
massa (que aqui denominamos como
“música transgênica”). Sobre os círculos
de cultura de Paulo Freire, penso junto de
Arroyo (2014), que esse educador
brasileiro não inventa metodologias
para educar os adultos camponeses
ou trabalhadores nem os oprimidos,
mas reeduca a sensibilidade
pedagógica para captar os oprimidos
como sujeitos de sua educação, de
construção de saberes,
conhecimentos, valores e cultura.
Outros sujeitos sociais, culturais,
pedagógicos em aprendizados, em
formação. Não propõe como aceitá-
los, mas como se educam nem como
ensinar-lhes, mas como aprendem,
nem como socializá-los, mas como se
socializam, como se afirmam e se
formam sujeitos sociais, culturais,
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cognitivos, éticos, políticos que são.
(Arroyo, 2014, p. 27, grifo nosso).
A pesquisa participativa, tomando
Orlando Fals Borda também como
referência, para além de propor a
participação do pesquisador, se apresenta
como estratégia para produção de
conhecimento político, como ação.
Em síntese, com o aporte de Paulo
Freire se consolidou uma íntima
relação entre a natureza sociológica,
onde se destaca a contribuição de
Fals Borda, e a natureza educativa da
pesquisa participativa, com vistas à
compreensão crítica da realidade
(reflexão) e o engajamento
sociopolítico (ação). (Moretti &
Adams, 2010, p. 457).
A ação do pesquisador e da
pesquisadora não é isenta de
responsabilidade e compromisso, ao
contrário, sua presença, por si só, é ação
no mundo. E é justamente nesse ponto que
as metodologias do norte e do sul, quando
se refere a pesquisa participativa,
discordam. Afirmo, junto de Freire que a
educação é um ato intencional, um ato
político.
Para os estudos freirianos, a
educação é vista como um ato
político, portanto um trabalho
coletivo, que reeduca todos os
sujeitos e atores envolvidos. Envolve
postura e atitude diante do mundo e
do homem, que é diferente um do
outro com suas culturas e crenças.
Não são as teorias modernas ou os
conceitos abstratos que educam. É a
prática concreta que, sendo pensada à
luz da teoria, transforma a realidade
histórica de cada povo. (Góes, 2010,
p. 77).
Sempre que evoco essa definição de
educação, lembro de Paul Ricoeur (2002,
p. 65, grifo nosso), que disse que “haverá
sempre uma palavra poética, haverá
sempre uma reflexão filosófica sobre essa
palavra poética, e um pensamento político
capaz de reuni-las”. A educação é ação
entre humanos que compartilham o
singular no mesmo mundo, uma troca com
e entre ambos. Assim, ao modificar o
mundo que abrange sujeitos e espaço
ele me modifica, e a recíproca é válida.
De acordo com Moretti e Adams:
... a Educação Popular e a Pesquisa
Participativa (a investigação-ação
participativa, pesquisa participante,
pesquisa-ação e, mais recentemente,
a sistematização de experiências) têm
sido, em suas práticas libertadoras e
democráticas, um instrumento
fundamental na construção de
autonomias, sem abrir mão da
rigorosidade metodológica. (2010, p.
449).
Nessa perspectiva, a busca pelo
desvelamento, outra expressão tão cara a
Paulo Freire, de uma imagem distorcida
sobre o que somos, as implicações sobre as
características e os elementos que nos
identificam, recai sobre uma educação e
uma pesquisa distinta das tradicionais e das
concepções bancárias sobre a produção do
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conhecimento (Moretti & Adams, 2010),
como tem nos revelado a educação do
campo como perspectiva educacional que
se origina e se nutre das coisas ordinárias
de homens e mulheres do campo. Em
especial, a sua relação com o mundo e sua
visão própria sobre o mesmo, mas não sem
as suas contradições.
Assim, na EFASOL, os círculos de
cultura, junto aos estudantes, se deram por
diálogos antes e após os espetáculos. Estes
diálogos seguem a concepção de Freire,
como já escrito anteriormente, bem como à
perspectiva da ecologia de saberes das
epistemologias do sul
x
. Reside neste
diálogo uma para com os homens e as
mulheres que fazem parte deste projeto.
“Fé no seu poder de fazer e refazer. De
criar e recriar. na sua vocação de ser
mais, que não é privilégio de alguns
eleitos, mas direito dos homens (sic)”.
(Freire, 1987, p. 81).
Para a feitura da pesquisa propus a
realização de Círculos de Cultura, tomando
os diálogos com estudantes da EFASOL
como princípio investigativo, exatamente
como quando se toma mate em amigos- ou
seja, o aprender a “dizer a sua palavra” não
se resume a uma experiência didática, mas
também de pesquisa na relação com os
sujeitos, apreendendo criticamente “o seu
próprio mundo”. De acordo com Brandão
(2018, p. 81), além do diálogo, os círculos
estão fundados na horizontalidade das
“interações pedagógicas e na vivência da
aprendizagem como um processo ativo e
partilhado de construção do saber”.
Os questionamentos sobre as
vivências com os/as artistas que vieram à
escola ou à nossa região pelo projeto
Dandô revelaram que as apresentações
musicais tiveram impacto junto aos/às
estudantes. A primeira edição do ano de
2017, com o mineiro Marcelo Taynara foi
lembrada por todos/as estudantes
participantes. Taynara trouxe um pouco do
congado, num show que mesclava as
tradições negras mineiras e a música
urbana do Clube da Esquina
xi
,
principalmente. Apresentações que não
fizeram parte do circuito do Dandô
também os afetaram, a exemplo do Duo
Instrumental Batuque de Cordas e da
cantora Lila Borges, ambos realizados na
sede da Escola Família Agrícola de Santa
Cruz do Sul-EFASC.
xii
Anteriormente a vinda do artista
convidado, apresentava aos estudantes uma
breve biografia que incluía: lugar onde
residia, trabalhos desenvolvidos e sua
relação com o Projeto Dandô. Informações
mais aprofundadas puderam, por vezes, ser
vistas com os próprios artistas durante o
espetáculo ou antes. Mesmo sabendo que
uma apresentação biográfica é uma espécie
de redução, um processo de escolhas,
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pensei ser a maneira de aproximar os/as
jovens para com os preceitos de um
espetáculo, os atavismos de uma
performance artística, que inclui, entre
tantos pontos o momento propício de
aplaudir, por exemplo.
A compreensão prática da
abordagem metodológica, acima
apresentada, também revela a potência da
educação do campo, em especial, dos
instrumentos pedagógicos na alternância,
tempo-escola e tempo-propriedade familiar
em contrário a lógica dos centros
hegemônicos do poder e do saber. De
acordo com Moretti, Vergutz e Corrêa
A Pedagogia da Alternância supera um
esquema de contextos justapostos ou
associados entre escola e família, ou
mesmo entre teoria e prática. Desta
forma, aponta para as
complementaridades na conexão entre
todos os elementos, os momentos, os
contatos, as linguagens e as
experiências possibilitando uma
formação com o devir por meio de
uma formação criadora. (2017, p. 825-
826).
Aníbal Quijano (2009, 2005) nos
ajuda a compreender como tais centros
hegemônicos construíram “um modo de
produzir conhecimento para dar conta das
necessidades do capitalismo, colocando
como dadas e naturalizadas as opressões”.
(Moretti & Adams, 2010, p. 453-454).
Conforme o autor peruano, “... o
eurocentrismo não é exclusivamente [uma]
perspectiva cognitiva dos europeus, ou
apenas dos dominantes do capitalismo
mundial, mas também do conjunto dos
educados sob a sua hegemonia”. (Quijano,
2009, p. 74-75).
Dessa forma, dialogando com a
perspectiva epistemológica e metodológica
freireana, podemos pensar na relação da
cultura do invasor com a do invadido. A
mesma não ocorre sem os fenômenos de
introjeção e de extrojeção. De acordo com
Freire, portanto, “... é possível
compreender o fenômeno da introjeção
do(a) opressor(a) pelo(a) oprimido(a), a
‘aderência’ deste àquele, a dificuldade que
tem o(a) oprimido(a) de localizar o(a)
opressor(a) fora de si, oprimido(a)” (2008,
p. 106). Já a extrojeção pode ser
compreendida como a “... expulsão do
opressor de dentro do oprimido, enquanto
sombra invasora”. (Freire, 1996, p. 93) que
deve ser substituída pela autonomia. Neste
sentido, cabe pensar a experiência do
projeto Dandô como uma necessidade
pedagógica que desafie os educandos e as
educandas camponesas a colocar em
questão os saberes e a cultura popular ante
a uma indústria cultural que tende a
invisibilizar e desvalorizar a cultura
camponesa. Não se trata de aderir a um
certo “basismo”, mas de colocar em
movimento a curiosidade pelo novo
conhecimento, rompendo este processo de
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introjeção do dominador pelo dominados.
Aqui a compreendemos como sendo uma
cultura de resistência à “música
transgênica”, uma metáfora que
corresponde ao tamanho e a intensidade da
superação da alienação e da adaptação
cultural. Novamente, tomando como
referência Moretti e Adams (2010), nossa
proposta metodológica se propõe um
ensaio à ruptura do conhecimento
domesticado, ou seja, “transgênico”.
Formação integral: entre complexidade,
trama e cultura
... E na palma da mão do meu pai
Vi o mundo de perto.
Minha irmã me contava as canções
Que eu viria a cantar pra vocês.
Ói eu aqui viu
veja de novo e crê
que não tem mais mistério a criação
meu canto é claro
e agora Aissa diz
pai me bote
na palma de sua mão
eu também quero ver
este mundo de perto.
(Canto dos Ipês Amarelos João Bá)
Convém compreender o lugar de
onde penso essa pesquisa, qual seja, a
Escola Família Agrícola de Vale do Sol.
Essa escola que tomo como espaço de
discussão foi fundada em 2014 e recebe
estudantes de 16 municípios do Vale do
Rio Pardo e região Centro Serra do Rio
Grande do Sul. Inspirada nas Maison
Familiale, as Escolas Família Agrícola
(EFAs) têm origem em 1935, em Sérignac-
Péboudou, na França, a partir do encontro
entre o Padre Abbé Granereau e um
agricultor. Segundo Granereau, o estado
através de seus professores(as) do
primário, salvo maravilhosas exceções,
não sabia mesmo o que dizer aos
agricultores a não ser o seguinte: seu
filho é inteligente; não pode ser
deixado na roça ... é preciso
encaminhá-lo nos estudos ... vencerá
na vida melhor que seu pai ...
conseguirá uma boa posição social.
(Granereau in Nosela, 1969, p. 25).
As EFAs rapidamente se espalharam
pelas comunidades interioranas da França e
se expandiram para outros países. Nessa
mesma direção, em 1969 foram criadas as
primeiras EFAs no Brasil, especificamente
nas cidades de Anchieta e Alfredo Chaves,
no Espírito Santo, por intermédio do
Movimento de Educação Promocional do
Espírito Santo (MEPES). no Rio Grande
do Sul, temos EFAs em Santa Cruz do Sul
(desde 2009), Caxias do Sul (2013), Vale
do Sol, (2014) e Canguçu (2016).
Sendo assim, a EFASOL é fruto do
desejo de agricultores/as, organizados/as
em uma associação local, de pensar o
modo de vida camponês. A EFASOL
objetiva a reconstituição da história e dos
modos de vida do campo e a construção de
uma educação baseada na união entre o
conhecimento científico e o saber popular
a partir da experiência do trabalho no
campo. Trata-se de uma instituição de
caráter comunitário, alicerçada em quatro
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pilares: Pedagogia da Alternância,
Desenvolvimento do Meio, Associação
Local e Formação Integral, como as
demais EFAs.
Sobre esse último pilar é preciso se
demorar, pois quando se fala em Formação
Integral é preciso compreender que não
somente o conhecimento científico ou o
saber camponês têm valor. É no encontro
entre estes modos de agir-pensar que se faz
acontecer a educação do campo. Vergutz
explica, que:
Através da alternância de tempos e
espaços distintos (familiar,
profissional, social e escolar)
compreende-se a formação integral
proposta pelo Movimento CEFFA
como não limitante ao espaço e tempo
escolar. Complementarmente, ela é
abrangente aos inúmeros elementos,
fatores e relações que se apresentam
como possibilidades e também
necessidades de se fazerem presente na
aprendizagem dos estudantes. (2013, p.
68).
Em suma, a alternância possibilita
conhecer-se enquanto sujeito no mundo
pela ação nos tempos e espaços distintos.
Vergutz (2013) atenta para a relação da
Formação Integral com os preceitos da
complexidade, descritos por Edgar Morin.
Conforme o autor, o todo tem qualidades
ou propriedades que não são encontradas
nas partes, se estas estiverem isoladas
umas das outras, e certas qualidades ou
propriedades das partes podem ser inibidas
pelas restrições provenientes do todo
(2002, p. 37). A afirmação de Morin é um
dos pilares da teoria da complexidade.
Assim, “a complexidade é a união entre a
unidade e a multiplicidade”. (Morin, 2002,
p. 38). Integral, no sentido denotativo é
aquilo que não sofreu redução, que é
completo, total. Isso não quer dizer que a
EFASOL, por meio da Formação Integral
propõe em seu programa toda produção
científica da humanidade. Aqui ela é vista
como antagônica a ideia de transgênico, ou
aquilo que perdeu sua formação integral e
humana. Num processo histórico algo que
é integro modifica-se ao longo dos tempos,
de maneira a formar-se como um novo
integral. Já numa concepção transgênica
tudo é imediato, de maneira que eu escolho
os genes a serem repassados de acordo
com o modelo que faço.
O integral aqui descrito tem relação
com a ideia de trama, atribuída a Freire.
Ou seja, tem história e vivências de um
povo, é plural, feito de sentido e
sentimentos. Luiz Augusto Passos,
escreve:
Paulo Freire usa de forma
surpreendente a palavra “trama”. Ela
cresce nos seus escritos como uma
metáfora aplicada às relações
cotidianas ou nas amplas relações
políticas e socioeconômicas ... Paulo
Freire lê os acontecimentos e a vida
como trama, às vezes, no melhor
sentido expresso pelo existencialismo,
o de facticidade; seres-no-mundo,
estamos expostos, ou melhor,
postos, inelutavelmente, como um ser-
aí, numa determinada história,
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inseridos num contexto complexo com
determinações que nos solicitam
respostas e provocam a liberdade
última aceitá-las ou rejeitá-las e,
portanto, nos solicitam respostas e
provocam a liberdade última aceitá-las
ou rejeitá-las e, portanto , de decisões
que modelarão nossos rostos. (Passos,
2010, p. 406, grifo nosso).
É certo que as tramas são, inclusive,
anteriores a nossa existência. Compreendo
que muito das tramas que me fazem, são
resultado de escolhas de meus
antepassados, isso é, são o resultado de
ações conscientes ou inconscientes. A
Canção dos Ipês Amarelos, de João Bá,
que inicia este capítulo, versa a respeito
dessa trama, dessa complexidade que nos é
apresentada. João versa a respeito das
canções que o pai e a irmã lhe
apresentaram, com desejos de ver este
mundo de perto. Na minha leitura essa
trama está relacionada a cultura e a
liberdade. Isso é, não somos de todo
pessoas livres, portanto não escolhemos
nossas audições desde sempre. Nossos
gostos musicais são o resultado no que nos
deram para escutar e aquilo que nos foi
negado a audição. Certeau (1995) diz que
somos o resultado cultural do que nos
deram para pensar. Nesse sentido, a
liberdade está inscrita nos limites de nossas
interações intersubjetivas, isso é, no limite
de nosso corpo, num mundo comum. É o
mesmo que escolher pelo outro o que este
deve gostar de ouvir.
Cultura “é uma prática significativa.
Ela consiste não em receber, mas em
exercer a ação pela qual uma marca aquilo
que os outros lhe dão para viver e pensar”.
(Certeau, 1995, p. 143). É justamente nesta
significação que se estabelece o conceito
de cultura para mim, e por conseguinte o
de círculos de cultura, para Freire, qual
seja, o de tramas de vivência. Somos os
resultados de culturas que nos foram
apresentadas e que apresentamos. Sendo
assim, ao tomarmos contato com outros,
mediados pelo mundo, estabelecemos a
troca de diferentes culturas. Está nessa
ação, o ato transformador que expande os
limites de liberdade, que nos faz, no caso
da audição de um artista, expandir o
espectro de sensações que determinada
música (que não fazia parte da minha
cultura) me causa. Segundo Freire:
ninguém chega à parte alguma só,
muito menos ao exílio. Nem mesmo os
que chegam desacompanhados de sua
família, de sua mulher, de seus filhos,
de seus pais, se seus irmãos. Ninguém
deixa seu mundo, adentrado por raízes,
com o corpo vazio ou seco.
Carregamos conosco a memória de
muitas tramas, o corpo molhado de
nossa história, de nossa cultura. (1994,
p. 17).
Essa ideia de cultura, trama e
complexidade está no conceito de
Formação Integral difundido pela
EFASOL. Diria, inclusive, que existem
tantas Pedagogias da Alternância quando
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Escolas Famílias Agrícolas. Por exemplo,
dentre os pontos propostos pela Formação
Integral da EFASOL está a compreensão e
o enfrentamento a Indústria Cultural de
massa.
Segundo a Palmira Petratti Teixeira,
no texto de apresentação do livro
destacado, Adorno, ao estudar a mídia
estadunidense, “sustentava que o lazer não
era mais simples diversão ou
entretenimento. Havia um imenso
maquinismo denominado de ‘indústria
cultural’, visando obter um comportamento
dócil e uma multidão domesticada, através
da exploração sistemática de bens
culturais”. (Teixeira in Adorno, 2002,
s./p.). As discussões apresentadas por
Adorno continuam muito atuais e
expansivas a outras mídias.
De maneira a aproximar conceitos da
área das ciências agrárias chamamos a
música de massa, preocupada somente com
a vendagem, de música transgênica.
Conheci o termo em conversa com o
cantautor
xiii
e companheiro Pedro
Munhoz
xiv
. Munhoz conversou com os
estudantes da EFASOL a respeito de
música e estabeleceu a relação da música
com a agroecologia. Disse, não adianta
defender a produção de comida orgânica e
ouvir música transgênica. A indústria que
está na agricultura, e que propõe a
transgenia, é a mesma que está na música”.
Os estudantes repudiaram a fala de
Pedro num primeiro momento, inclusive se
manifestando que ele deveria respeitar a
música que gostavam. Ele lhes respondeu
com uma reflexão: “Vocês gostam porque
é bom, ou é bom e por isso gostam?”.
Apesar da pergunta entrar nos meandros da
estética, o que leva a discussão ao
“infinito”, ela nos convida a pensar sobre o
sentido que está em cada produção:
musical ou agrícola. A transgenia se
preocupa tão somente com o lucro das
corporações, com vendagem, com a
quantidade. Por exemplo, exclui o tempo
de espera e de fruição do crescimento de
uma planta ou de uma obra, bem como os
acasos causados pelas “pragas” ou pelos
ruídos de uma composição.
Além da transgenia é necessário
lembrar que o sujeito do campo é um
sujeito de direitos, que tem seu modo de
vida não respeitado pelo capital e pela
capital (a cidade). Conceição Paludo
(2013, p. 67) considera que “no campo
sujeitos, que são sujeitos de direitos, assim
como todos, inclusive do direito a
educação pública em todos os níveis e que
não seja a reprodução da educação urbana,
simplesmente”.
Ao/A educador/a, e no caso das
EFAs os monitores e as monitoras, cabe
garantir junto a associação mantenedora da
escola um processo que leve em conta a
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arte feita fora do âmbito da cidade é uma
tarefa constante. Arroyo (2012) chama a
atenção para a formação de educadores do
campo, especificamente do enfrentamento
ao protótipo único de docente-educador e a
necessidade de (re)pensar essa
transformação. Segundo Arroyo
Sem a superação desse protótipo
único, genérico de docente, as
consequências persistem: a formação
privilegia a visão urbana, os
povos-escolas do campo como uma
espécie em extinção, e privilegia
transportar para as escolas do campo
professores da cidade sem vínculos
com a cultura e os saberes dos povos
do campo. (2012, p. 359).
Está nessa afirmação a escolha das
escolas em apoiar o Dandô, uma vez que o
projeto tem em sua raiz a valorização da
arte fora do eixo de massa e,
principalmente, folclórica, ligada ao
mundo. Das poucas entrevistas que Dércio
Marques concedeu, ele diz ser necessário
guardar um fio de ligação, um elo entre as
gerações, “principalmente não perdendo a
relação com as crianças e com a natureza
... nisso a gente renova o nosso olhar no
mundo, porque a gente aprende a aprender,
aprende ensinando e ensina a aprender.
Essa coisa que o Paulo Freire falou bem,
né?!”. (Marques, 2012). Nessa afirmação
está a ligação entre educador e artista, tão
necessária a um monitor, que como eu, tem
por tarefa pensar a área de linguagens
xv
.
Música transgênica: o Dandô no Vale do
Rio Pardo
O Dandô surge como enfrentamento
e resistência. Enfrentamento a indústria
cultural de massa e resistência a este modo
mercadológico de pensar a música.
Durante uma conversa sobre o Projeto
Dandô, um dos estudantes disse: “O Dandô
não trabalha com status de ninguém, mas
sim do conhecimento das pessoas. Porque
geralmente quem é músico quer a fama e o
dinheiro, e quem toca no Dandô não vê
esse lado da música”. (Taetti, 2019).
Obviamente, que todo músico, como
trabalhador, quer viver dignamente pelo
seu fazer musical, mas, fazer da arte sua
ferramenta para puro ganho financeiro não
condiz com a proposta do Dandô.
O projeto surgiu pela voz dos/das
cantadores/as, por isso se preocupa mais
com a ação política no mundo do que pela
técnica de venda montada pela Indústria
Cultural. Rolando Boldrim, poeta
brasileiro, disse, quando da partida de
Dércio Marques que o cantador não morre,
fica encantado. Acrescento que o encanto
fica, permanece e modificasse no mundo.
Fica o encanto do modo de viver no seu
lugar, o seu mundo. Reside na ação, neste
lugar, a educação que move o mundo para
além do consumo, proposto pela dia de
massa. Seus objetivos vêm de encontro a
Educação do Campo, especialmente em
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relação à EFASOL. Para Caldart (2009), a
Educação do Campo:
... tem se centrado na escola e luta
para que a concepção de educação
que oriente suas práticas se
descentre da escola, não fique refém
de sua lógica constitutiva,
exatamente para poder ir bem além
dela enquanto projeto educativo ... A
Educação do campo se coloca em
luta pelo acesso dos trabalhadores
ao conhecimento produzido na
sociedade e ao mesmo tempo
problematiza, faz a crítica ao modo
de conhecimento dominante e à
hierarquização epistemológica
própria desta sociedade que
deslegitima os protagonistas
originários da Educação do campo
como produtores de conhecimento e
que resiste a construir referências
próprias para a solução de
problemas de uma outra lógica de
produção e de trabalho que não seja
a do trabalho produtivo para o
capital. (Caldart, 2009, p. 38, grifo
nosso).
O Dandô iniciou no Vale do Rio
Pardo em Santa Cruz do Sul e hoje ocorre,
também, em Rio Pardo e Encruzilhada do
Sul. O alcance, foi, desde o princípio,
regional. O convite a colaborar com o
projeto veio pelo violeiro e cantador
mineiro, radicado em Goiás, Victor
Batista. Havia assistido Victor em Pelotas
em 2009 e quando fiquei sabendo de uma
nova turnê pelo estado, conversei para que
viesse se apresentar em Santa Cruz do Sul.
Eu e meu irmão nhamos o desejo de criar
uma circulação de artistas “lado B” pelo
município, e criamos um Coletivo para
viabilizar tal desejo. Criamos uma rede de
parceiros que incluía hotéis, imprensa,
escolas de música, entre outros. Sem
nenhuma experiência em organizar um
evento, o fizemos. Naquele dia, uma média
de 40 pessoas prestigiaram a apresentação
de Victor. Ao final, o desejo de outros
eventos foi aguçado. Foi então que Victor,
nos convidou a fazer parte deste mutirão,
que, segundo ele, tinha o mesmo espírito
do tínhamos acabado de fazer. Assim como
o dito por rio de Andrade quando da
Semana de Arte Moderna de 22 “Nós não
sabíamos o que queríamos, mas sabíamos o
que não queríamos”. Em suma, não
queríamos a canção vazia de poética. Nos
demos conta do avanço da Indústria
Cultural e da necessidade da resistência.
Aos poucos incorporamos, à rede de
apoio, o Núcleo de Arte e Cultura da
Universidade de Santa Cruz do Sul-UNISC
e as Escolas Família Agrícola de Santa
Cruz do Sul e Vale do Sol. O destaque,
para mim, foram os estudantes das EFAs,
fundamentais para a continuação do
projeto, inclusive colaborando
financeiramente. O caráter pedagógico se
evidenciou na segunda edição, a ponto de
pensarmos o Dandô como uma ferramenta
pedagógica a ser adotada pelas EFAs.
Quando iniciei minha caminhada como
educador musical em projetos não-formais
e em escolas tive como objetivo primeiro
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formar ouvintes. Pensei, antes de formar
um instrumentista é preciso ensinar o
prazer e a rebeldia da escuta.
Dialoguei com os estudantes sobre as
suas percepções acerca do projeto. Dentre
as frases ditas pelos mesmos, algumas tem
relação ímpar com essa pesquisa. William,
jovem agricultor, filho de pais assentados
da reforma Agrária em Rincão do Ivaí,
município de Salto do Jacuy disse que
Foi bom pra conhecer, escutar um
som diferente. Talvez pro “cara”
gostar de outra coisa, pra ter uma
amplitude mais ampla. Às vezes a
gente tem um conhecimento limitado
das coisas, tu conhece um tipo de
música, mas tu nunca conheceu uma
outra forma. (Birgeier, 2019, grifo
nosso).
As relações com a indústria cultural
descritas nesta fala são imediatamente
significativas, uma vez que somente
estando exposto algo diferente se pode
gostar dessa “outra coisa”. Outro estudante
complementou dizendo:
Porque muitas vezes tu dando
oportunidade pras pessoas não
ouvirem, mas pra estas pessoas que
vivem da música poderem ser
ouvidas também, né? Porque tu faz a
tua música e muitas vezes ela acaba
sendo afogada pela música midiática,
que acaba sendo vendida. Muitas
vezes tu tem que fazer um som que
as pessoas querem ouvir pra
sobreviver. O Dandô, ele traz a
essência do que tu é mesmo, como
músico. (Nói, 2019).
A passagem tem relação íntima com
a ideia de Formação Integral proposta pela
EFASOL, pois une ideias de economia,
sociologia e política, por exemplo. Trata-se
de uma fala complexa que percebe o
músico como sujeito de direitos, que
precisa viver numa sociedade capitalista,
mas que se rebela diante do sistema,
buscando refúgios humanos, trazendo a
essência do que tu é”. Como músico,
afirmo que assim como a ditadura fez da
censura sua arma, sua propaganda, a
indústria cultural também o faz. Apesar do
volume de produções musicais
contemporâneas ser significativo, os
espaços vêm diminuindo e a audição vem
se esvaindo de sentido. Sobre este último
ponto o William destacou:
A música hoje em dia, sei lá... muitas
vezes a pessoa não sabe escutar,
sentir música. Porque tem vários
tipos de música. Tem a música
dançante que é uma música pra
alegrar, tem uma música que critica,
tem uma música que canta as
verdades que tu vive. E isso a gente
aprende vendo as diferenças, sabe?
(Birgeier, 2019).
As categorias de música descritas
pelos estudantes são outro modo de
perceber o mundo de forma complexa e
integral, isso é, não divisível. Estas
categorias convivem conosco no dia-a-dia
e mesmo que não percebemos, estes sons,
carregados de intenção, acontecem. Agora,
a reflexão, dada pela experiência, de que
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“tem música que crítica e música que canta
as verdades que tu vives”, como disse
Birgeier trazem uma ideia de pertencimento
da canção. Os artistas estão tramados de
outros, são trama, no sentido que a palavra
tem para Paulo Freire. Ao abrir os ouvidos
(embora eles nunca estejam fechados) me
lembra um pedido feito por Marisa
Fonterrada, na introdução da obra de
Murray Schafer, O Ouvido Pensante.
Ephtah!...
Abre-te! Abre-te, ouvido, para os
sons do mundo, abre-te ouvido, para
os sons existentes, desaparecidos,
imaginados, pensados, sonhados,
fruídos! Abre-te para os sons
originais, da criação do mundo, do
início de todas as eras... Para os sons
rituais, para os sons míticos,
místicos, mágicos. Encantados... Para
os sons de hoje e de amanhã. Para os
sons da terra, do ar e da água... para
os sons cósmicos, microcósmicos,
macrocósmicos...Mas, abre-te
também para os sons de aqui e de
agora, para os sons do cotidiano da
cidade, dos campos, das máquinas,
dos animais, do corpo, da voz...
Abre-te, ouvido, para os sons da
vida... (Fonterrada in Schafer, 2011,
p. XIV-XV).
Abrir-se aos sons é mais que escutá-
los, é dar sentido aos ruídos, fazê-los
pertencerem ao mundo. O som tem caráter
sagrado. Impossível não imaginar o som do
“Big Band”, da criação do universo, ou
mesmo o assobio de Adão e Eva, para
aqueles que entendem a gênese pelo
cristianismo. Qualquer que seja a gênese,
ali está o ruído. Como relata Merten
(2019):
Antes do Dandô, eu ouvia essas
músicas de sertanejo sofrência
mesmo e achava tudo bem legal.
Tipo, Fernando e Sorocaba, Luan
Santana, Michel Teló
xvi
, etc. Artistas
deste gênero musical. Com o Dandô,
eu comecei a reparar na letra das
músicas, e a diferença cultural no
sentido histórico que aparecia em
artistas como Mercedes [Sosa] (que
sou apaixonada), Ramalho, Bia
Ferreira, Belchior... Cada um com
seu estilo diferente. Mas a
particularidade de cada um e uma
passou a me interessar. As suas letras
passaram a trazer sentido. Tudo
graças ao Dandô, sem se falar na
valorização da cultura local. Antes eu
achava besteira. Agora não, porque o
Dandô mudou muita coisa. Sobre
tudo a pensar na vida e no sentido
dela no mundo em que vivemos, são
músicas de essência histórica,
revolucionário, de coração ardente.
Portanto, abrem-se os ouvidos para
os sons da vida, mencionando à
Fonterrrada, outra vez mais (2011). A
relação da educação do campo com o
Dandô, também foi tema de diálogo.
Perguntei se sentiam parte das
apresentações, como estudantes do campo.
A resposta foi a melhor que podia eu,
como educador musical, ouvir. Foi muito
além de se sentir representados como
pessoa ou sujeito do campo. “Eu me sinto
humano, pois é algo humanitário, algo
bom, independente se eu for do campo ou
da cidade. Compreende? É algo que não
real não tem como explicar? É algo de
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vibe, de sentimento”. (Nói, 2019). Ou seja,
indícios do encontro com a formação
integral.
Considerações finais
Vocês ampliaram o
leque de músicas
ouviam?
Talvez. O que mudou
é que antes eu
escutava uma música
por escutar, mas hoje
a gente presta
atenção.
(Birgeier, 2019).
A escuta atenta, descrita por William
Birgeier é um ato de rebeldia frente a
música transgênica. É resistência ao
imperialismo e ao colonialismo da
indústria cultural. Nos negaram o direito de
conhecer nossa música mestiça. Nos
negaram o direito a conhecer o Sul e suas
outras formas de ciência, de sociedade, de
música. Mário Benedetti escreve “Como
seu ritual de aço/ suas grandes chaminés/
seus sábios clandestinos/ seu canto de
sereias/ seus céus de neon/ suas vendas
natalinas/ seu culto a Deus Pai/ e às
dragonas/ com suas chaves do reino/ o
Norte é quem ordena. (Benedetti in
Xavier, 2018, grifo nosso).
O Norte, visto aqui, não como
antagônico ao Sul, mas como a
representação eurocêntrica de pensar a
humanidade e as opressões específicas
dos/das esfarrapados/as do mundo. Isso
inclui pensar e negar as regionalidades e as
diferenças, assim como a presença da
injustiça cognitiva, como mencionou Sousa
Santos. Inclui pensar o quanto da cultura
popular nos foi e nos é negado. Nói disse,
num determinado momento de nosso
diálogo que
... tu faz a tua música e muitas vezes
ela acaba sendo afogada pela música
midiática, que acaba sendo vendida.
Muitas vezes tu tem que fazer um
som que as pessoas querem ouvir pra
sobreviver. O Dandô, ele traz a
essência do que tu é mesmo, como
músico. (Nói, 2019).
O reconhecimento de essência
descrito por Nói (2019) significa que
um “lugar comum” que resiste frente ao
Norte, que ela é “afogada” pela música
midiática. Benedetti escreve:
Mas aqui em baixo, em baixo/ a fome
disponível/ percorre o fruto amargo/
do que outros decidem/ enquanto o
tempo passa/ e passam os desfiles/ e
se fazem outras coisas/ que o Norte
não proíbe/ com sua esperança dura/
o Sul também existe. (Benedetti in
Xavier, 2018, grifo nosso).
Para além de existir, um Sul que
resiste. A resistência frente a música
transgênica, por meio de ferramenta
pedagógica numa escola do campo, o
Projeto Dandô faz emergir essa “felpa da
mesma madeira”, como disse Demétrio
Xavier, folclorista riograndense em uma
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conversa. A música do Norte tampouco se
preocupa com as mazelas do Sul, ao
contrário as mantém, não a denúncia.
Mário Benedetti escreveu:
Mas aqui em baixo, em baixo/ a fome
disponível/ percorre o fruto amargo/
do que outros decidem/ enquanto o
tempo passa/ e passam os desfiles/ e
se fazem outras coisas/ que o Norte
não proíbe/ com sua esperança dura/
o Sul também existe. (Benedetti in
Xavier, 2018).
A música não é imune, não faz parte
de um mundo diferente. Antes de tudo ela
é o próprio mundo, faz parte dele. Assim,
se o Sul enfrenta e resiste, mesmo que em
pequena parte, aos desígnios do norte, ele
está em nós. Gustavo Taetti disse “E o
Dandô não trabalha com status de
ninguém, mas sim do conhecimento das
pessoas. Porque geralmente quem é músico
quer a fama e o dinheiro, e quem toca no
Dandô não esse lado da música.
(Taetti, 2019). Benedetti escreveu:
Com os seus pregadores/ seus gases
que envenenam/ sua escola de
Chicago/ seus donos da terra/ com
seus trapos de luxo/ a sua pobre
ossamenta/ suas defesas gastas/ seus
gastos de defesa/ com sua gesta
invasora/ o Norte é quem ordena/
Mas aqui em baixo, em baixo/ cada
um em seu esconderijo/ homens e
mulheres/ que sabem o que é agarrar-
se/ aproveitando o sol/ e também os
eclipses/ apartando o inútil/ e usando
o que se serve/ com sua veterana/
o Sul também existe. (Benedetti in
Xavier, 2018).
O Norte ordena essa “indústria de
fama e dinheiro”, como disse Gustavo.
Esqueceram, eles” que no sul homens
e mulheres que resistem a “transgenia
musical”. Minha fé (re)existe em projeto
como o Dandô, em micro-revoluções
diárias, no cotidiano da EFASOL e seus
estudantes. Ali, percebo a ligação, ainda,
da felpa com a madeira. Por estes
estudantes (re)lembrei minha ligação com
a terra com o sagrado, com a mãe natureza
e não com o usufruto da natureza.
Ah! Os mísseis que se dissolvam.
Aqui em baixo, bem embaixo estão as
raízes. E o que todos sabíamos e nos
esquecemos, por um breve momento, é que
o Sul também existe.
... Y así voy por el mundo, sin edad ni destino
Al amparo de um cosmos que camina cnmigo
Amo la luz, y el río, y el silencio, y la estrela
Y florezco em guitarras, porque fui la madera
Tiempo del Hombre Atahualpa Yupanqui
Que soem os
próximos ruídos...
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tml. Acesso em 03 de nov. de 2019.
i
Kátya Teixeira é pesquisadora, cantora,
instrumentista e compositora paulistana. Destaca-se
pela atuação em prol da música popular brasileira,
garimpando canções e espalhando canções por onde
passa. Outras informações sobre a artista e sobre
sua obra estão disponíveis em:
<https://www.katyateixeira.com.br/>.
ii
A discussão sobre a cultura no campo da teoria
crítica é bastante profícua para a compreendermos
como parte de uma “indústria”, ou seja, apropriada
pela lógica de mercado em contraposição à noção
de civilização (LUCKACS apud WO, 2001, p.94).
Sem a pretensão de aprofundar a discussão, mas a
de apontar a sua presença em nossas reflexões, a
crítica à cultura se encontra no fato de que ela não
tem um fim em si mesma, mas se relaciona aos
interesses dos sujeitos nela implicados. Na
perspectiva da “indústria cultural”, a cultura torna-
se mais acessível, porém perde seu caráter genuíno
e seu potencial crítico. Nesse sentido, Adorno
(2002) é referência fundamental para a melhor
compreensão da cultura.
iii
Cabe uma nota sobre o sentido atribuído à
palavra. Brasis no sentido denotativo é plural de
Brasil. Já no sentido conotativo Brasis é substantivo
e adjetivo ao mesmo tempo. Refere-se as diferentes
comunidades desse país continente, seus hábitos,
sua música. Brasis está além de um modelo de
cultura a ser exportado, Brasis não cabe em rótulos
ou não se deixa capturar. Brasis se (re)inventa a
cada dia e teima em (re)criar para além de um
modelo. É aquilo que não é oficial.
iv
Tomo emprestada essa explicação da primeira
coletânea do Circuito Dandô e de diálogos com
artistas que integram o circuito. A coletânea,
lançado em 2014, foi ganhadora do Prêmio Brasil
Criativo.
v
Arreunir, neste caso, é empréstimo do cancioneiro
de Doroty Marques. Doroty escreve na canção
Arreuni, do disco Erva Cidreira de 1980: “ Antonce
se agente veve lutando/ Antonce a gente deve se
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arreuni/Antonce sea gente veve lutando/ Vale mais,
vale mais, vale mais/ A gente se arreuni (...)”.
vi
O Vale do Rio Pardo é uma região localizada no
centro do estado do Rio Grande do Sul. Seu nome
provém do principal rio da região, o Rio Pardo. Os
registros dão destaque para a imigração portuguesa,
alemã e italiana, no entanto, trata-se de território
mestiço e multicultural.
vii
As EFAs do Vale do Rio Pardo (EFASOL e
EFASC) também já foram o palco do Dandô, por
diversas vezes. Todavia, a maioria das
apresentações se deu no Auditório do Memorial da
UNISC.
viii
Gostaríamos de registrar que, muito embora uma
ideia sobre “epistemologias do Sul” se vincule a
Boaventura de Sousa Santos, a compreensão de sul
como orientação epistêmica tem uma larga
trajetória na educação latino-americana e, em
especial, um lugar na Educação Popular. Nesse
sentido, recomendamos as reflexões de Marcio
D’Olne Campos e as de Paulo Freire que a ele
atribui ao diálogo com o amigo etnocientista,
sentido e significado de “sulear”. Consultar:
D’Olne Campos, M. (1999) SULear vs NORTEar:
Representações e apropriações do espaço entre
emoção, empiria e ideologia. Disponível em:
http://www.sulear.com.br/texto03.pdf. Acesso em:
outubro de 2019.
ix
Atahulpa Yupanqui (1979), no poema Destino del
Campo, escreve: “La luz que alumbra el corazón
del artista/ Es uma lámpara milagrosa que el Pueblo
usa/ Para encontrar la belleza em el caminho,/ La
soledad, el miedo, el amor y la muerte” (..).
Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=O02PfudFKC
w>. Acesso em 30 mai. 2019.
x
Para o enfrentamento na monocultura da Ciência
Moderna e de sua racionalidade, Boaventura de
Sousa Santos propõe uma “ecologia de saberes”. De
acordo como o autor: “É uma ecologia, porque se
baseia no reconhecimento da pluralidade de
conhecimentos heterogéneos (sendo um deles a
ciência moderna) e em interacções sustentáveis e
dinâmicas entre eles sem comprometer a sua
autonomia. A ecologia de saberes baseia-se na ideia
de que o conhecimento é interconhecimento.”
(SANTOS, 2017, p. 204). Disponível em:
<https://www.ces.uc.pt/bss/documentos/Para_alem
_do_pensamento_abissal_RCCS78.PDF>.
Acessado em: 28 mai.2019.
xi
No início dos anos de 1960, em Belo Horizonte, o
encontro de jovens músicos, dentre eles Milton
Nascimento, Borges e Flávio Venturini, fundiu
diferentes estilos e influências musicais à música
folclórica dos negros mineiros, tornando-se uma
importante referência da Música Popular Brasileira
e latino-americana.
xii
Vale ressaltar que no segundo ano do Dandô
houve uma mudança de periodicidade do projeto,
passando de mensal para bimensal. Foi então que
criamos um circuito paralelo nas EFAs do Vale do
Rio Pardo (EFASOL e EFASC) convidando artistas
gaúchos para apresentações nas escolas.
xiii
Cantautor refere-se a união entre as palavras
cantor e autor. É utilizado por autores que cantam
suas próprias composições.
xiv
Pedro Munhoz é um cantautor nascido em Barra
do Ribeiro-RS. Sua trajetória musical é marcada
por canções de luta juto aos camponeses. Destaque
para a canção Procissão dos Retirantes, feita em
parceria com o poeta jaguarense Martin César
Gonçalves, que ganhou o Festival Nacional da
Reforma Agrária, organizado pelo Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra (MST) em 1999 no
município de Palmeira das Missões-RS. Procissão
dos Retirantes relembra o massacre de Eldorado
dos Carajás, ocorrido em município de mesmo
nome no estado do Pará em 17 de abril de 1996.
xv
Sou monitor da Escola Família Agrícola de Vale
do Sol desde 2017, na Área de Linguagens. O
termo monitor difere-se de professor no que condiz
a suas atribuições. Na EFASol, o monitor, além de
ministrar aulas é responsável por acompanhar os
estudantes nas estadas na escola, seja nos trabalhos
domésticos ou durante a noite. ao professor cabe
a função de ministrar aulas, principalmente.
xvi
Alguns/Algumas dos/das artistas mencionadas
pelos/as estudantes no processo de pesquisa.
Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 31/07/2019
Aprovado em: 22/10/2019
Publicado em: 19/12/2019
Received on July 31th, 2019
Accepted on October 22th, 2019
Published on December, 19th, 2019
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ISSN: 2525-4863
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Contribuições no artigo: Os autores foram os
responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for
the designing, delineating, analyzing and interpreting the
data, production of the manuscript, critical revision of the
content and approval of the final version published.
Conflitos de interesse: Os autores declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Roberto Kittel Pohlmann
http://orcid.org/0000-0001-8206-3440
Cheron Zanini Moretti
http://orcid.org/0000-0002-6297-3129
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Pohlmann, R. K., & Moretti, C. Z. (2019). O Projeto Dandô
e a Formação Integral dos jovens da Escola Família
Agrícola de Vale do Sol: uma cultura de resistência à
“Música Transgênica”. Rev. Bras. Educ. Camp., 4, e7330.
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e7330
ABNT
POHLMANN, R. K.; MORETTI, C. Z. O Projeto Dandô e a
Formação Integral dos jovens da Escola Família Agrícola
de Vale do Sol: uma cultura de resistência à “Música
Transgênica”. Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v.
4, e7330, 2019. DOI:
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e7330