Revista Brasileira de Educação do Campo
The Brazilian Scientific Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e7350
Tocantinópolis/Brasil
v. 4
e7350
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2019
ISSN: 2525-4863
1
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A formação de pedagogos indígenas em alternância no
Paraná: uma contribuição à interculturalidade e ao
bilinguismo
Marcos Gehrke
1
, Marlene Lucia Siebert Sapelli
2
, Rosangela Célia Faustino
3
1, 2
Universidade Estadual do Centro Oeste - UNICENTRO. Departamento de Pedagogia/Laboratório da Educação do Campo e
Indígena. Rua Salvatore Renna - Padre Salvador, 875. Santa Cruz, Guarapuava - PR. Brasil.
3
Universidade Estadual de
Maringá - UEM.
Autor para correspondência/Author for correspondence: marcosgehrke@gmail.com.br
RESUMO. O objetivo do artigo é apresentar o processo de
constituição da experiência de formação de pedagogos
indígenas, da Universidade Estadual do Centro Oeste
(Guarapuava/PR), destacando a chegada da demanda indígena à
Universidade, a construção participativa do Projeto Pedagógico
do Curso (PPC) e a implementação da Pedagogia da Alternância
na formação superior indígena no Paraná. Por meio de pesquisa
documental e bibliográfica, explicita-se o protagonismo dos
movimentos indígenas na luta pelo direito de acesso ao Ensino
Superior, no Paraná, numa perspectiva intercultural e bilíngue, e
a premente necessidade de formação de pedagogos para atuarem
nas escolas indígenas no estado. Na contextualização do
processo de criação do curso de Pedagogia Indígena, com a
Pedagogia da Alternância, destacam-se os princípios que
sustentam ações projetadas e realizadas coletivamente, presentes
no Projeto Pedagógico e na execução do Curso. Os resultados do
processo formativo em andamento evidenciam uma melhor
participação dos povos indígenas nas decisões e na organização
da formação superior indígena, a concretização de um currículo
intercultural e bilíngue, bem como a constituição de uma
Licenciatura Intercultural, composta apenas por estudantes
indígenas, que tem protagonizado ações com autonomia e
autogestão.
Palavras-chave: Pedagogia Indígena, Pedagogia da
Alternância, Ensino Superior Indígena, Formação Intercultural e
Bilíngue.
Gehrke, M., Sapelli, M. L. S., & Faustino, R. C. (2019). A formação de pedagogos indígenas em alternância no Paraná: uma
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The training of indigenous pedagogues in alternance in
Paraná: a contribution to interculturality and bilinguism
ABSTRACT. The aim of this paper is to present the
constitutional process of the experience of indigenous educators
development of the Central West State University
(Guarapuava/PR), highlighting the arrival of indigenous demand
at the University, the participatory construction of the
Pedagogical Project of the Course (PPC) and the
implementation of Alternation Pedagogy in indigenous higher
education in Paraná. Through documentary and bibliographical
research, the role of indigenous movements in the fight for the
right of access to higher education in Paraná is explained in an
intercultural and bilingual perspective, and the urgent need for
training of educators to work at indigenous schools in the state.
In the context of the process of creation of the course of
Indigenous Pedagogy, with the Pedagogy of Alternation, we
highlight the principles that support actions designed and
performed collectively, present in the Pedagogical Project and in
the execution of the Course. The results of the ongoing
development process show a better participation of indigenous
peoples in the decisions and organization of indigenous higher
education, the establishment of an intercultural and bilingual
curriculum, as well as the establishment of an Intercultural
Degree in Teaching, composed only of indigenous students,
which has led actions with autonomy and self-management.
Keywords: Indigenous Pedagogy, Alternation Pedagogy,
Indigenous Higher Education, Intercultural and Bilingual
Training.
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La formación de pedagogos indígenas en alternancia en
Paraná: una contribución a la interculturalidad y al
bilingüismo
RESUMEN. El objetivo de este trabajo es presentar el proceso
de constitución de la experiencia de formación de educadores
indígenas, de la Universidad Estatal des Centroeste
(Guarapuava/PR), destacando la llegada de la demanda indígena
a la Universidad, la construcción participativa del Proyecto
Pedagógico del Curso (PPC) y la implementación de la
Pedagogía de Alternancia en la educación superior indígena en
Paraná. A través de la investigación documental y bibliográfica,
se explica el papel de los movimientos indígenas en la lucha por
el derecho de acceso a la educación superior en Paraná, desde
una perspectiva intercultural y bilingüe, y la necesidad urgente
de capacitar a educadores para trabajar en escuelas indígenas en
el estado. En el proceso de creación del curso de Pedagogía
Indígena, con la Pedagogía de Alternancia, destacamos los
principios que apoyan las acciones diseñadas y realizadas
colectivamente, presentes en el Proyecto Pedagógico y en la
ejecución del Curso. Los resultados del proceso de capacitación,
en curso, muestran una mejor participación de los pueblos
indígenas en las decisiones y la organización de la educación
superior indígena con el establecimiento de un plan de estudios
intercultural y bilingüe, y la creación de un curso intercultural,
compuesto solo por estudiantes indígenas, que ha liderado
acciones con autonomía y autogestión.
Palabras clave: Pedagogía Indígena, Pedagogía de Alternancia,
Educación Superior Indígena, Entrenamiento Intercultural y
Bilingüe.
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Introdução
Embora a escola esteja presente entre
os povos indígenas no Brasil desde cinco
séculos, esta, em seu projeto de criação,
objetivou cooperar com a integração
visando à expropriação dos territórios, a
sujeição e disciplinarização da força de
trabalho indígena. Servindo aos interesses
da colonização, a escola entre os povos
indígenas se torna uma das instituições
usadas como canal de transmissão de
valores da sociedade ocidental
mercantilista, e um aparato de controle se
estabelece para garantir tal propósito.
Os povos indígenas, historicamente,
lutam e resistem à invasão de suas terras e
à imposição de epistemologias dominantes.
Desenvolveram uma série de estratégias
desde o enfrentamento e as guerras, até as
negociações com o poder público e, assim,
por meio de vertiginosos movimentos
organizados que obtiveram mais
visibilidade a partir dos anos de 1970,
articulados com os demais movimentos
sociais (Ramos, 1984), foram
influenciando e mudando as políticas
públicas e educacionais. Desde a
Constituição Federal de 1988, houve
significativas alterações nos direitos
educacionais indígenas possibilitando a
construção de uma educação escolar
indígena intercultural e bilíngue.
Os movimentos sociais indígenas
pan-americanos (Ramos, 2012) contam
com o apoio de universidades, instituições
da sociedade civil e indigenistas e, assim,
em nível internacional fez constituir-se
uma legislação específica e proteção aos
direitos indígenas destacando-se o direito à
terra, à saúde, à educação e
autodeterminação.
A educação pautada no uso das
línguas indígenas e conhecimentos étnicos
na escola com projetos pedagógicos,
currículos e calendários interculturais
próprios, passou a exigir maior presença de
professores indígenas qualificados,
bilíngues e engajados nos movimentos por
autonomia, autogestão e
autossustentabilidade indígena.
Educação escolar intercultural e
bilíngue significa que a escola, em
territórios indígenas, não será
colonizadora, baseada na cultura e
economia ocidental. Não terá suas regras
de funcionamento, seus currículos, seu
projeto pedagógico desenhado e imposto
por entes do Estado e, sim, que os povos
indígenas, exercendo a autonomia,
garantida nos aparatos legais e na
Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), proporão
projetos e participarão da tomada de
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decisões nas políticas educacionais, em
situação de igualdade.
De acordo com a legislação vigente
as comunidades indígenas, conforme suas
realidades socioculturais e linguísticas,
buscam fazer proposições de seus projetos
pedagógicos escolares, contemplando
conhecimentos étnicos e processos
próprios de ensino e aprendizagem.
Conforme a legislação nacional (Lei n.
9394, 1996); (Diretrizes, 2014), estas
mudanças necessitam da presença e
participação de professores indígenas,
qualificados em formação superior,
ocupando as funções de pedagogos,
gestores e professores bilíngues na
Educação Básica Indígena.
Considerando os séculos de
colonização e tutela, a formação superior
indígena, em universidades públicas, teve
início muito recentemente, datando dos
anos de 2000 (Novak, 2014). Antes disso,
o Estado brasileiro estabelecera convênios
com agências religiosas como o Summer
Institut of Linguistcs (SIL) para a formação
de monitores, desenvolvida sob
doutrinamento religioso (Barros, 1993;
Faustino, 2006).
Com as políticas públicas
conquistadas pelos povos indígenas, em
relação à educação básica e superior,
firmadas tanto na CF de 1988, como na Lei
de Diretrizes e Bases da Educação
(LDBEN 9394/96), desenvolveram-se, no
Brasil, basicamente dois modelos de
formação para professores indígenas: as
Licenciaturas Interculturais e o acesso
diferenciado por meio de cotas ou outras
ações afirmativas nos diferentes estados
brasileiros.
No Paraná, as lideranças indígenas
negociaram o direito de acesso à formação
superior com o estado e este, por meio da
Lei Estadual 13.134 de 2001, instituiu, nas
sete universidades públicas, a criação de
três vagas suplementares anuais, nos
diferentes cursos superiores, para o
ingresso de indígenas territorializados no
Paraná, com financiamento da Secretaria
de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino
Superior (SETI). Posteriormente, no ano de
2006, a Lei 14.995 duplicou o número de
vagas a serem ofertadas pelas IES públicas.
O financiamento estadual cobre tanto a
realização de vestibulares específicos
(Rodrigues; Wawzyniak, 2005; Novak,
2007; 2014), como bolsas auxílio, mensais,
que os estudantes indígenas, matriculados
e frequentando, assiduamente, os cursos
superiores das IES públicas, têm direito.
Assim, desde 2002 vem sendo
realizados Vestibulares dos Povos
Indígenas (Novak, 2007; 2014), para
ocupação das vagas suplementares que,
totalizadas, somam cerca de 650
(seiscentos e cinquenta), ofertadas pelas
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Universidades Estaduais, e mais cerca de
150 (cento e cinquenta) vagas ofertadas na
Universidade Federal do Paraná (que
recebe indígenas do Paraná e também de
outros estados brasileiros).
Das 650 vagas ofertadas e ocupadas
por estudantes indígenas nas IES estaduais,
até o ano de 2018, conforme dados
organizados por (Faustino; Novak e
Cipriano, 2013) e atualizados com
informações anuais da Comissão
Universidade para os Índios (CUIA),
apenas 65 indígenas concluíram seus
cursos.
Os indígenas que ingressam no
Ensino Superior (ES) no Paraná, via esta
política de vagas suplementares, e não se
formaram, os motivos são as dificuldades
de permanência nas cidades, que são
distantes das Terras Indígenas, exigindo a
mudança de domicílio, que implica em
despesa com valores altos de aluguel e
distanciamento da família extensa e da
comunidade; ou uso de transporte coletivo,
que chega a tomar quatro horas diárias dos
estudantes, representando dificuldade de
deslocamento diário, principalmente em
períodos de chuva.
Outros motivos para a não formação
de cerca de 90% dos estudantes indígenas
que efetivam a matrícula no Ensino
Superior, nas IES do Paraná, são os altos
índices de desistência, repetência e
reprovação, causados pelas questões acima
apontadas, somadas a situações de
preconceito vivenciadas, a questão
linguística que interfere na aprendizagem
de alguns estudantes que não tem a Língua
Portuguesa como L1, dificuldade com
conteúdos predominantemente ocidentais,
e pelo fato das universidades não ofertarem
currículos interculturais e bilíngues nos
cursos superiores.
Os índices de conclusão dos cursos
estão a exigir mudanças e inovações. O
vagaroso processo de formação superior
impacta negativamente na consolidação
das escolas interculturais bilíngues na
educação básica indígena, uma vez que a
maioria dos professores que atua nas
escolas indígenas no Paraná não são índios.
No cenário que demandou o Curso
de Pedagogia Indígena da UNICENTRO,
situa-se a falta de pedagogos/as para atuar
na gestão, educação infantil e anos iniciais
do Ensino Fundamental, nas 39 (trinta e
nove) escolas indígenas do Paraná.
Conforme dados da Consulta Escola - Dia
a Dia Educação (Consulta Escola, 2018),
são cerca de 5.000 (cinco mil) estudantes
indígenas matriculados na educação básica.
Nestas escolas, apenas 15 (quinze)
pedagogos são indígenas que ocupam
espaço na gestão e, cerca de 50 (cinquenta)
não são índios. Do universo de cerca de
800 (oitocentos) professores atuando,
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apenas 310 (trezentos e dez) são indígenas,
ou seja, mais de 60% dos professores das
escolas indígenas no Paraná não são índios
e isso tem relação direta com a política de
formação superior organizada no estado.
O Vestibular dos Povos Indígenas
realizado anualmente pelas IES sob
responsabilidade da Comissão
Universidade para os Índios (CUIA),
colabora no direito ao acesso, mas não
viabiliza ou garante a conclusão, ainda que
estudantes tenham bolsas auxílio para a
permanência. Estudantes indígenas, ao
ingressarem no Ensino Superior, ficam
dispersos nos cursos/turmas e suas
histórias, culturas e identidades não são
consideradas nos referidos projetos
pedagógicos. Nenhuma universidade
estadual no Paraná realizou um curso
superior intercultural e bilíngue que
contemple as demandas formativas e
linguísticas dos povos indígenas do estado.
Desta forma, lideranças indígenas
têm buscado alternativas junto às
universidades demandando uma formação
específica e diferenciada, em nível
superior, para suas comunidades. Por meio
de pesquisa bibliográfica e documental,
neste artigo apresentamos a criação do
curso de Pedagogia Indígena na
UNICENTRO/PR, organizado a partir da
Pedagogia da Alternância, indicando os
princípios que sustentam ações realizadas e
projetadas para o processo de formação de
pedagogos, no contexto do direito de
acesso, permanência e formação no Ensino
Superior no Paraná. São explicitados e
debatidos alguns resultados já alcançados.
Pedagogia Indígena na Unicentro: da
demanda dos povos à oferta do Curso
A criação do curso de Pedagogia
Indígena na Universidade Estadual do
Centro Oeste UNICENTRO, em
Guarapuava/PR, em regime de alternância,
é forjada na conjuntura econômica,
política, social e educacional vivida pela
classe trabalhadora na atualidade e no
contexto específico das lutas dos povos
indígenas pelos direitos humanos, entre
eles a educação superior pública.
Como a conjuntura é produzida nas
contradições, destacamos que no cenário
do baixo resultado na conclusão dos
cursos, produzido pela forma como tem
sido conduzida a política de acesso e
permanência de indígenas no Ensino
Superior do Paraná, se colocam aspectos
de resistência. O trabalho de extensão
desenvolvido pelo Laboratório de
Educação do Campo e Indígena (LAECI)
da UNICENTRO, nas escolas da Terra
Indígena Rio das Cobras, iniciado em
2017
i
; a juventude indígena com desejo de
acessar o ensino superior, a apresentação
da demanda do curso, elaborada pela
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comunidade indígena à Universidade,
foram fatos que trouxeram para o
Vestibular Específico para ingresso no
referido curso, 297 inscritos para as 60
vagas. Isto porque não foi estendido, ainda,
pela Secretaria de Estado de Ciência e
Tecnologia (SETI), para a turma em
questão, as mesmas condições, garantidas
pelo financiamento aos demais vestibulares
específicos dos povos indígenas no Paraná.
As lideranças e comunidades
indígenas desejam organizar com
autonomia, a escola intercultural e
pautaram o curso superior na própria Terra
Indígena para que a formação seja
específica e diferenciada e que possam
acompanhar e contribuir em todas as
etapas do processo, desde a elaboração do
Projeto Pedagógico do Curso (PPC), até
sua execução. A UNICENTRO realizou
um vestibular descentralizado com
baixíssimo custo, potencializando, assim, o
acesso de indígenas ao ensino superior.
Professores das universidades públicas do
Paraná têm realizado projetos de extensão
e ações que contribuem na formação
continuada, destacamos os Saberes
Indígenas na Escola e o Escola da Terra
ii
.
Nesse sentido, a partir da demanda
de formação superior diferenciada,
formalizada pela juventude e lideranças da
Terra Indígena Rio das Cobras, desde a
carta-pedido (Carta- Pedido de Cursos,
2018) à Reitoria da UNICENTRO é que
produzimos o PPC do Curso de Pedagogia
em alternância com protagonismo indígena
e em parceria com as demais IES do
Paraná.
Tratados os elementos de origem,
passamos a abordar sobre o movimento de
formulação do Projeto Pedagógico do
Curso de Licenciatura em Pedagogia para
indígenas (UNICENTRO, 2018). Este
contou com a participação de muitas mãos
e mentes, lideranças, estudantes e
educadores indígenas, pesquisadores
engajados com a luta indígena.
Inicialmente, foi criada uma comissão
interna na IES que liderou os trabalhos e
passou a reunir documentos, agregar
lideranças indígenas, estudantes indígenas
presentes na IES, pesquisadores da
educação escolar e superior indígena do
Paraná e integrantes da CUIA. Na
sequência, realizamos um grande
Seminário
iii
para conhecer experiências,
reunir a comunidade interessada e discutir
o PPC. Naquele momento, a comissão foi
ampliada e grupos de trabalho foram
constituídos para realizar pesquisas e
formular as proposições. Cada um dos
grupos envolveu os diferentes sujeitos para
favorecer o diálogo (Freire, 1987) e
engajamento de todos na formulação.
O curso de Licenciatura em
Pedagogia, específico para indígenas no
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Paraná, assumiu o caráter de projeto
especial, está vinculado ao Departamento
de Pedagogia (DEPED/G) da
UNICENTRO, é coordenado pelo Laeci,
conta com o trabalho e a participação de
professores dos diversos cursos do Setor de
Ciências Humanas, Letras e Artes
(SEHLA), e também por professores
pesquisadores das demais IES do Paraná,
desde o programa de mobilidade docente
(UNICENTRO, 2018).
A UNICENTRO solicitou
formalmente, por meio de ofício
(UNICENTRO, 2018), ao Conselho
Estadual de Educação (CEE) a autorização
para oferta do curso fora da IES, na própria
Terra Indígena, conforme a demanda
indígena. O CEE concedeu a autorização
por meio do Parecer CEE/CP 03/18 de
19 de outubro de 2018, para três ofertas, a
partir de 2019, e para o funcionamento do
curso no Colégio Estadual Indígena Rio
das Cobras, município de Nova
Laranjeiras/PR.
Os objetivos formativos previstos no
PPC indicam que o curso se destina à
formação de professores e pedagogos
indígenas para exercer funções da docência
e de gestão educacional na Educação
Básica e em contextos de educação e
saberes indígenas, nos quais sejam
previstos processos educativos que
requeiram conhecimentos pedagógicos
(UNICENTRO, 2018a, p. 14), destaca o
projeto também seus objetivos
iv
específicos. Esses são materializados em
verbos formativos, ação formadora,
assumidos no curso para proporcionar,
contribuir, dar, possibilitar, capacitar,
instrumentalizar, preparar, habilitar,
formar, compreender, desenvolver,
exercitar, construir o pedagogo unitário na
perspectiva intercultural e bilíngue.
Na definição do PPC fez-se a opção
pelas 3200 horas como carga horária,
distribuídas em quatro anos letivos, com
aulas presencias a partir da Pedagogia da
Alternância (Teixeira, Bernartt &
Trindade, 2008), ou seja, com tempos de
estudo e trabalho na universidade (TU) e
tempos de estudo e intervenção nas
comunidades de origem, chamado de
tempo comunidade (TC). Na organização
pedagógica, cada ano letivo é composto
por três ou quatro etapas de até 40 dias
letivos no tempo universidade (TU),
concentrados no Colégio Estadual Indígena
Rio das Cobras, município de Nova
Laranjeiras, espaço em que são ministradas
as disciplinas e os demais espaços-tempos
educativos. O TC se dá entre uma etapa
presencial e outra, quando os estudantes
são orientados e acompanhados no
desenvolvimento de atividades de
pesquisa, estágios, intervenções nas
escolas e comunidades indígenas,
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produções escritas, efetivando na relação
entre os dois tempos o princípio da práxis
(Sanches Vásquez, 1968).
A dinâmica formativa do curso
prevê, também, a possibilidade de
itinerância pelo estado, ou seja, o curso
pode desenvolver etapas nas diferentes
Terras Indígenas do Paraná e nas
universidades parceiras, garantindo assim
um conhecimento e intervenção mais
profundos nas diferentes realidades
socioculturais indígenas.
Destacamos que as categorias do
marco teórico do projeto privilegiam as
especificidades da educação indígena e da
educação escolar indígena na formação dos
pedagogos e pedagogas. Estas se
materializam no currículo ou na matriz
formativa em forma de disciplinas que
triangulam a formação humana, a educação
e a formação profissional do
pedagogo/pedagoga indígena. São
categorias que transversalizam a formação:
a interculturalidade (Betancourt, 1984);
antropologia indígena (Junqueira, 2002);
diversidade; a formação multilíngue em
Línguas Xetá, Guarani, Kaigang,
Portuguesa e Libras (Guimaraes, 2005);
território (Almeida, 2004); educação
indígena e educação escolar indígena
(Faustino, 2006; Bergamaschi, 2019).
Em consonância com as Diretrizes
Nacionais do Curso de Pedagogia,
Resolução CNE/CP 1, de 15 de maio
2006, e as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Formação de Professores
Indígenas em cursos de Educação
Superior, Resolução CNE/CP 1, de 7 de
janeiro de 2015, destacamos que o PPC
prevê um conjunto de disciplinas na matriz
curricular que articulam os conhecimentos
da formação geral de professores, outro
grupo que trata da especificidade da
formação de professores indígenas e um
grupo de disciplinas que fundamentam e
instrumentalizam a práxis da formação do
pedagogo. Por fim, abre-se espaço para
disciplinas optativas, ofertadas a partir do
terceiro ano do curso, consideradas
importantes na formação quando atendem
questões específicas e são objeto de
investigação dos professores envolvidos no
curso.
Quadro 1: Matriz Curricular do Curso de Pedagogia Indígena, Unicentro, 2018.
Série
Disciplinas
Total
Agroecologia nos saberes indígenas I
34
Língua Portuguesa
34
Língua Materna I (Guarani, Kaingang e Xetá)
68
Laboratório de Alfabetização e Letramento Bilíngue I
68
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Antropologia
68
Fundamentos da Educação Infantil
68
Práticas de Jogos e Brincadeiras
68
História dos Povos Indígenas
102
Pedagogia: identidade e práticas
34
Língua Brasileira de Sinais
68
Pensamento Filosófico e Interculturalidade
68
Fundamentos Sociológicos da Educação
68
Arte e Educação Estética
34
Prática do Ensino de Arte
68
Agroecologia nos saberes indígenas II
34
Laboratório de Tecnologia e Produção de Recursos Didáticos
68
Didática
102
Laboratório de Práticas Pedagógicas da Educação Infantil
68
História da Educação
136
Laboratório de Alfabetização e Letramento Bilíngue II
68
Pesquisa em Educação I
68
Fundamentos Psicológicos da Educação
68
Língua Portuguesa
68
Língua Materna II (Guarani, Kaingang e Xetá)
68
3ª.
Optativa 1
34
Optativa 2
34
Estágio Supervisionado na Educação Infantil
68
Pesquisa Em Educação II
34
Prática do Ensino de Ciências
102
Prática do Ensino de Geografia
68
Prática do Ensino de História
68
Prática do Ensino de Matemática
102
Políticas e Legislação da Educação Básica
102
Gestão Escolar Indígena
68
Prática de Ensino da Língua Portuguesa
68
Organização da educação e saberes indígenas
34
Língua Portuguesa
68
Língua Materna III (Guarani, Kaingang e Xetá)
34
Estágio Supervisionado em Gestão da educação escolar e da
organização da educação e saberes indígenas
68
Estágio Supervisionado nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental
68
Fundamentos e Práticas da Educação Especial E Inclusiva
102
Literatura Infanto-juvenil Indígena
34
Optativa 3
34
Optativa 4
34
Análise e Produção Didática para Educação Escolar Indígena
68
Currículo da Educação Básica
102
Língua Portuguesa
68
Língua Materna IV (Guarani, Kaingang e Xetá)
68
C/h subtotal (horas-aula)
3128
Fonte: UNICENTRO, 2018.
Estabelecida essa breve apresentação
geral do curso, passamos a tratar da
especificidade da alternância na formação.
Esta, compreendida como estratégia
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político-pedagógica de garantia do direito
dos povos indígenas ao ingresso,
permanência e à formação com qualidade
social/cultural no Ensino Superior público
e considerada a participação indígena em
todas as etapas do processo, desde a
formulação do projeto até seu
desenvolvimento e implantação, com
acompanhamento, diálogos e avaliação
permanente das lideranças indígenas
envolvidas, juntamente com a coordenação
do Curso, os professores e os estudantes
indígenas futuros pedagogos.
Portanto, os princípios da
alternância, nessa experiência, vêm da
histórica práxis da Pedagogia da
Alternância; das experiências formativas
do Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST) e, fundamentalmente, de
pedagogias indígenas que ainda carecem
de reconhecimento e espaço junto às
teorias educacionais decoloniais.
A partir dessas referências, no
processo de formulação do Curso de
Pedagogia Indígena da UNICENTRO/PR,
definimos cinco princípios para construir a
Pedagogia da Alternância, que
apresentamos na sequência e que
deram/dão sustentação às várias ações
propostas, projetadas e em execução.
a) Alternância como garantia do
direito ao ES no lugar onde vivem,
trabalham e resistem
Uma das questões fundamentais para
se estabelecer uma ação de formação de
pedagogos no Ensino Superior, por meio
da Pedagogia da Alternância, é atender à
garantia legal de acesso e permanência dos
estudantes indígenas, pois, em regimes
comuns, de frequência diária, as
dificuldades são muito maiores, que
envolvem a saída desses sujeitos de suas
comunidades por quatro anos ou mais; a
fixação de moradia nas cidades, o que
envolve custos de aluguel, de alimentação,
de transporte, dentre outros; o
enfrentamento dos preconceitos; a solidão,
perdas de laços societários e políticos com
as aldeias de origem e outras questões que
acabam promovendo um alto índice de
evasão. Para superar essas dificuldades,
propusemos, junto com os povos
indígenas, a reorganização do trabalho
pedagógico na Universidade.
Outra questão a se considerar é que
os estudantes indígenas têm o direito de
acessar também o ensino presencial,
proporcionado pelos Tempo Universidade
e Tempo Comunidade, sem comprometer
vínculos societários, o que aprofunda a
relação teoria-prática e potencializa o
contato com a diversidade étnico-cultural
indígena, a vivência de práticas de auto-
organização, o intercâmbio com outras
comunidades, o atendimento imediato às
dificuldades de aprendizagem, o acesso a
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diversificados materiais de estudo, as
trocas e novas aprendizagens de técnicas
de artesanato, de músicas, de danças,
dentre outros elementos culturais. Neste
sentido, a Pedagogia de Alternância é um
instrumento importante na formação
superior indígena.
São exemplos de ações no Tempo
Universidade que contribuem para
materializar esse princípio: aulas na Terra
Indígena Rio das Cobras, inclusive com
itinerância em diferentes aldeias; vivência
do processo organizativo do curso na
relação com a aldeia e sua organização
social e política; gestão da alimentação e
sobrevivência da turma; atividades de
vivência com a escola básica-espaço das
aulas; realização da itinerância entre tempo
aula na aldeia e na universidade e demais
Terras Indígenas; nas comunidades, a
partir dos acadêmicos que frequentam o
curso, demonstração, para os demais
jovens, estudantes do ensino médio
indígena das comunidades, que é possível
acessar o Ensino Superior articulado às
culturas, conhecimentos e línguas
indígenas.
No Tempo Comunidade, são
construídas ações que possibilitem vincular
os acadêmicos aos processos educativos da
Terra Indígena e aos processos escolares
da educação básica indígena, por meio de
intervenções com aplicação do que
aprendem no Tempo Universidade e que
fortaleçam o vínculo com a comunidade
indígena.
b) Alternância e os processos de
auto-gestão no curso
Historicamente, as relações que se
constituem em espaços de educação formal
são verticalizadas, cabendo aos estudantes
uma participação restrita. Isso não é
diferente no espaço da Universidade.
Processos formativos com essa
configuração de relações, pautadas em um
modelo extremamente burocrático,
potencializam uma formação para a
submissão, para a eficiência produtiva,
para a alienação.
No Curso de Pedagogia Indígena em
questão optamos pautar as ações
acadêmicas na ampliação da participação
das lideranças e dos estudantes,
especialmente por meio de processos de
auto-gestão (UNICENTRO, 2018),
passando esse a ser um dos princípios
formativos a partir da Pedagogia da
Alternância. Os estudantes são instados a
se organizar em grupos de estudo e
trabalho, ou seja, fazem a gestão coletiva
do seu próprio processo formativo e de sua
subsistência no curso, com tempos de
estudo em aulas e com a realização de
autosserviços (Shulguin, 2013) durante o
TU e também no TC.
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Em diálogos coletivos foram criadas
várias equipes de trabalho compostas pelos
estudantes da turma, que permanecem
neles por uma das três etapas anuais do
curso, podendo assim vivenciar processos
de auto-organização em várias áreas. São
eles:
Quadro 2 Equipes de trabalho e funções.
Equipe de
trabalho
Função
Disciplina e
Ética
Possibilitar a vivência dos princípios de convivência no cumprimento de tempos e
horários, respeitando as decisões tomadas e a coerência com os princípios e valores da
Terra Indígena; garantir a segurança sica e humana, conforme a orientação da
coordenação do curso e das lideranças locais; discutir e encaminhar para as instâncias
as situações-problema que ocorram no curso.
Comunicação
Cultura e
Mística
Organizar e coordenar a realização de atividades culturais durante o curso; assessorar
os Grupos de Trabalho nos seus momentos de místicas e em outros momentos;
organizar a ornamentação dos Espaços; ajudar a organizar os murais; pensar formas de
socializar as principais informações locais, nacionais e internacionais que envolvam os
sujeitos coletivos.
Saúde e bem
estar
Organizar e coordenar a realização de atividades de descontração e concentração
durante as aulas; organizar ações de prevenção e acompanhar ações de promoção da
Saúde no curso; dialogar com o responsável pela saúde na aldeia quando alguma
situação precisar de encaminhamento médico.
Esporte e
lazer
Organizar o cronograma de esportes da etapa, as caminhadas, promover exercícios.
Relatoria e
Memória
Realizar o registro diário e a memória coletiva do curso; garantir o registro fotográfico;
socializar diariamente no tempo acolhida/interação o relato da memória do dia anterior.
Infraestrutura
Elaborar os cronogramas de limpeza e organização dos espaços coletivos, cronograma
da mística e manter diálogo com a coordenação do curso da escola e da aldeia
conforme as necessidades.
Ciranda
Infantil
Organizar o espaço das crianças, acompanhar os educadores infantis, fazer o plano de
trabalho, avaliar o trabalho com os pais ou responsáveis (as crianças aqui indicadas, de
até 4 anos, m com as mães e ficam alojadas com o coletivo da turma, durante o TU).
A Ciranda é o espaço de cuidar e educar as crianças, o que tem sido feito por pais, avós,
pessoas da comunidade e pelos próprios estudantes da turma em alguns momentos.
Fonte: UNICENTRO, 2018.
Esse processo gera uma coordenação
da turma, que representa o grupo nas
instâncias de gestão do curso, de
coordenação político-pedagógica e no
colegiado. Isso efetiva outro princípio do
curso, gestar a formação com
protagonismo dos estudantes indígenas,
suas culturas e histórias.
No Tempo Universidade realizamos
várias ações para materializar esse
princípio: gestão coletiva do curso com
coordenação e lideranças dos estudantes;
organização de grupos de trabalho (GTs),
com lideranças em cada etapa, com escolha
de nomes e palavras de ordem; realização
de autosserviço (lavar louça, limpar
espaços, preparar sticas, colher saladas,
frutas e outros); momentos de avaliação
nos GTs do processo formativo; realização
de assembleias; vivências diárias de
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acolhida e místicas; escrita do diário e
socialização na turma e outras, indicadas
no quadro.
No Tempo Comunidade as ações,
neste sentido, são: organização de grupos
de estudo nas comunidades de origem;
tempo pesquisa nas aldeias;
reconhecimento dos espaços de gestão na
aldeia e nas escolas; escrita individual do
diário de campo, planejamento coletivo e
intervenções nas comunidades,
participando inclusive das ações indígenas
de forma mais abrangente, como as
recentes lutas pelo direito à saúde indígena.
Consideramos essa forma de
organização elemento qualificador da
Pedagogia de Alternância, pois
potencializa uma formação omnilateral,
possibilitando movimentar várias
dimensões humanas: política, estética,
cognitiva, afetiva, corporal, social, dentre
outras. Também entendemos que se supera
a gestão democrática meramente
representativa, pois exige a participação de
todos, assim, aproximando-nos das
culturas e conhecimentos indígenas,
objetiva-se formar sujeitos capazes de
liderar e serem liderados, de planejar, de
ter iniciativa, de se comprometer com
projetos coletivos, que desenvolvem a
empatia. Todas essas dimensões são
importantes e potencializarão a atuação do
pedagogo indígena na escola.
c) Alternância como forma de
valorizar a cultura indígena na
formação
Outro princípio fundamental na
formação de pedagogos e pedagogas
indígenas, assumido no curso e na sua
alternância, é a cultura. Na raiz latina, a
palavra cultura (colere) pode significar
lavoura, cultivo agrícola, habitat. Segundo
Williams (2011), ela vai assumindo
sentidos ao longo da história, inclusive
sentidos antagônicos. O que se toma aqui é
sua raiz semântica original do termo em
latim para significados diversos como
habitar, cultivar, proteger, honrar com
veneração, sugerindo, “... tanto regulação,
como crescimento espontâneo. O cultural é
o que podemos mudar .... (Williams,
2011, p. 13). Compreendendo a cultura e
“o cultural” como princípio formativo,
importa pensar o que podemos mudar, nos
sujeitos, na formação, na educação e na
escola. Quando decidimos o que queremos
mudar e para que queremos transformar,
precisamos também, reconhecer o que
manter, fortalecer. Ambas dimensões em
relação dialética, cultivar e/ou transformar.
Destacamos que esse processo de
cultivar ou transformar cultura precisa ser
um processo dialógico (Freire, 1987), e
não de invasão cultural. Significa criar
processos culturais em que todos se
educam e, para esse momento, o todo é a
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universidade e seus formadores; as
lideranças, os estudantes indígenas e seus
contextos.
Para fazer a formação de pedagogos
e pedagogas indígenas, a Universidade
precisou transformar/manter sua cultura
universitária: seus tempos (calendários,
alternância, ritmos, mobilidade de
professores); espaços (aula na aldeia, na
universidade, nas demais terras indígenas);
o currículo (com o ensino multilíngue);
professores (engajados ou em
engajamento, com pesquisas na área, de
várias instituições, com presença de
professores indígenas). Também os
estudantes colocam-se em processos de
manter e transformar a sua cultura, ou seja,
combinar e cumprir os horários previstos;
definir metas coletivamente e assumir sua
execução; participar da gestão coletiva do
curso; coordenar e ser coordenado nas
instâncias (grupos de trabalho, lideranças,
no trabalho); lavar louça e limpar espaços
coletivos; poder fumar o cachimbo, fazer
suas rezas, danças, pinturas, seus cantos;
andar descalço, de cocar, pintado na
universidade sem ser reprimido e
discriminado; poder ouvir, falar, ler e
escrever nas diferentes línguas (Guarani,
Kaingang, Xetá, Portuguesa); escrever
diariamente e ler textos científicos,
poéticos, literários; expressar-se em
público discutindo conceitos, debatendo
ideias; aprendendo e ensinando.
Portanto, a formação superior
indígena em curso, em uma proposta
intercultural dialógica, precisa contribuir
para o processo de transformação dos
estudantes e da universidade, fato esse que
faz com que comunidades indígenas
busquem a universidade, demandem e
façam parte da formação superior. Os
povos indígenas não buscam nas
universidades as suas culturas, pois elas
não estão lá. Os Kaingang, Guarani e Xetá
procuraram a universidade para ampliar,
potencializar, fortalecer as suas culturas,
colocá-las em pauta, em relação, para
criar/ampliar o reconhecimento das suas
próprias culturas de seus conhecimentos
étnicos, articulando-os com os demais
conhecimentos científicos entre sua
juventude, dentre tantos outros aspectos.
As demandas por ensino superior que
chegam às universidades no Paraná
evidenciam que os povos indígenas querem
a universidade e a formação. Os indígenas
têm direito à universidade e a acessá-la de
forma intercultural, a seu modo (Williams,
2008). Querem uma universidade com
rostos indígenas, línguas indígenas, com
produção científica indígena, saberes
indígenas, intelectuais indígenas, com
culturas indígenas. Querem para quê? Para
fortalecer e educação indígena; forjar uma
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escola indígena com condução política e
pedagógica dos seus profissionais; uma
escola com rostos indígenas ensinando;
com cantos, danças e línguas vivas e
fortalecidas no currículo escolar indígena,
não como algo a mais; uma escola contra-
hegemônica à escola capitalista, branca,
colonizadora.
A relação entre o Tempo
Universidade e o Tempo Comunidade,
mediada pela alternância, situa a cultura e
a torna processo vivo, pelo qual o conjunto
de práticas e experiências indígenas, como
os costumes, hábitos, trabalho, valores,
crenças, comportamentos, convicções,
saberes, artes, línguas, eivam entre si “todo
um modo de vida” (Williams, 2008) e
colaboram na formação dos pedagogos e
pedagogas quando esses elaboram
mediações entre a formação universitária, a
vida e suas culturas. Sempre conflitantes e
contraditórios, os elementos desse conjunto
contam com uma base primária comum
que permite distinguir modos de vida e
culturas, entre si, que o autor compreende
como “um modo total de vida”, a cultura
vinculada à produção “material e cultural”
da existência. Logo, esses pedagogos e
pedagogas, precisam ser impulsionados a
construir essas relações, transformações e
manutenções da cultura no processo de
constituição da sua profissão a serviço das
culturas indígenas, forjando, assim,
experiências históricas dos intelectuais
orgânicos indígenas (Williams, 2008),
marcados pela experiência de classe e
etnia.
Assim concebida, a cultura incorpora
as questões e as contradições que a
compõem e a constituem como um
conceito (Williams, 2008), e será sempre
formulada dentro de uma perspectiva que
exige consciência histórica para ser
analisada e compreendida, pois se realiza
no movimento histórico. Dizia Williams,
precisamos aprender e ensinar as conexões
entre a formação política, econômica,
cultural e educacional, para qualquer tipo
de luta (Williams, 2007; 2008).
Para materializar este princípio, no
Tempo Universidade realizamos ações que
envolvem a criação de espaços da fala e da
escuta das línguas indígenas; aulas de
língua Guaraní, Kaigang, Xetá e
Portuguesa; valorização da oralidade com
tempo de ampliação vocabular na língua
materna e portuguesa; vivência da dança,
da pintura, da reza; uso da fogueira à noite;
intercâmbio nas diferentes Terras
Indígenas; exercício com jogos e
brincadeiras indígenas; apresentação de
conhecimentos científicos na língua
portuguesa e o diálogo nas línguas
maternas; conhecimento e experimentação
de comidas tradicionais indígenas;
presença dos rezadores e rezadoras
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(Txamõis, Txaryis, Kuiãs) para tratamento
da saúde; exercícios de escritas em nguas
indígenas com todas as suas diferentes
grafias, em diferentes gêneros textuais;
estudo da história dos povos indígenas;
discussão de filmes/documentários sobre
questões indígenas; inserção de professores
e pedagogos indígenas na realização do
Curso, sempre que possível; realização de
oficinas de artesanato, escultura em
madeira, cestarias e outras, visando
potencializar o intercâmbio cultural.
No Tempo Comunidade, são
exemplos de ações: pesquisa com sábios e
sábias mais velhos quanto aos aspectos da
cultura, conhecimentos e história;
aplicação e pesquisa de jogos e
brincadeiras com crianças e jovens;
diálogos com os mais velhos e com as
lideranças; registros e conhecimentos
culturais da/na escola indígena local;
intervenções em escolas indígenas com
aplicação de conteúdos e metodologias de
educação escolar indígena.
d) Alternância e as lutas indígenas
Nesta forma de construir um curso de
Pedagogia por meio da Pedagogia da
Alternância um debate importante a
ser enfrentado sobre o papel do pedagogo,
assim como em outros processos. O
pedagogo, tradicionalmente, recebeu como
atribuição organizar processos
pedagógicos, produzir documentação
escolar, coordenar a formulação de
proposta político-pedagógica, assessorar
docentes, atender aos responsáveis por
estudantes, dentre outras. Em geral, suas
atribuições ficaram restritas aos espaços
internos da escola. Nas perspectivas
críticas de organização do trabalho
pedagógico, a ação do pedagogo
transcende os limites dos espaços escolares
formais.
Se uma ampliação da atuação do
pedagogo, cria-se a necessidade de ampliar
também os elementos da sua formação, que
precisa, então, incluir vivências que
contribuam para que ele construa/fortaleça
o sentimento de pertença e de
compromisso com a luta social, que exijam
seu posicionamento diante das questões
concretas da vida das comunidades, nas
quais as escolas estão inseridas.
Entendemos que formação política,
consciência étnica, luta social e formação
de pedagogo são questões indissociáveis.
No Tempo Universidade, temos nos
preocupado com tais questões e
articulamos algumas ações: participação
em jornadas e eventos (exemplo recente foi
a participação no III CIPIAL Congresso
Internacional dos Povos Indígenas, em
Brasília); criação e coordenação de
eventos; participação nas lutas concretas
enquanto curso (um exemplo recente foi a
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participação da turma em manifestações
dos docentes da Educação Básica em
relação à Reforma da Previdência);
liderança em negociações com governo e
demais instituições para efetivar o curso e
inseri-lo no financiamento do Ensino
Superior no Paraná (exemplo recente foi a
participação dos estudantes em reuniões
junto à Secretaria de Estado da Educação e
à Secretaria da Ciência, Tecnologia e
Ensino Superior). No Tempo Comunidade,
as atividades de intervenção propostas em
cada etapa potencializam o envolvimento
com as comunidades e, consequentemente,
a participação nas lutas indígenas locais,
estaduais e nacionais.
e) Alternância, pesquisa no
território indígena e a produção do
conhecimento
Por fim, não menos importante, outra
relação possibilitada pela alternância na
formação dos pedagogos e pedagogas é a
pesquisa ou a leitura da realidade (Freire,
1987), no território pelos próprios sujeitos
indígenas e a produção do conhecimento, a
partir do olhar dos mesmos sobre seus
contextos.
Freire (1987), na obra Pedagogia do
Oprimido, traz contribuições fundamentais
para pensar os processos de estudo da
realidade, quando trata do oprimido e de
sua condição de opressão, neste caso, os
povos indígenas: “Quem melhor que os
oprimidos, se encontrará preparado para
entender o significado terrível de uma
sociedade opressora? Quem, mais que eles,
para ir compreendendo a necessidade da
libertação?”. (Freire 1987, p. 31). Portanto,
o que eles têm a dizer, ler e escrever sobre
seu território?
As questões postas colocam como
desafio na formação a necessária
capacidade dos formadores em ouvir os
estudantes indígenas, indagar seu olhar
sobre o contexto que exige a transição da
consciência ingênua para a crítica
transformadora. Não se reduz ao ‘dar voz
ao indígena’, ele tem voz, precisa ‘ter a
vez’ de ler, dizer, questionar, sistematizar e
produzir o conhecimento transformador.
Confirma-se o que Freire (1984) denomina
ato de ler, a ser compreendido enquanto
um ato de intervenção no mundo.
Significa assumir processos de
pesquisa com autonomia e autoria
indígena, reconhecê-los e colaborar na
condução dos mesmos a condição de
intelectuais orgânicos de suas etnias. Neste
sentido, trazemos ainda a contribuição de
Caldart (2000) que, na obra Pedagogia do
Movimento, um passo à frente quando
diz que o Movimento educa, ou seja, as
relações que os sujeitos (oprimidos)
estabelecem em coletivo, um coletivo de
classe e étnico, reeducam. Logo, o
território indígena e seus coletivos de
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aldeia são o terreno fértil para produção da
humanização e libertação da classe
trabalhadora, nesse caso do povo indígena.
A pesquisa precisa ser processo e
experiências étnicas dos povos indígenas,
portanto, é necessário selecionar caminhos
e perspectivas críticas para produção e
organização do conhecimento. Destacamos
algumas formas para ler a realidade: as
caminhadas transversais, a metodologia
das histórias de vida, história oral, a
pesquisa sócio-antropológica, as
etnografias, cartografias e o levantamento
de temas culturais/geradores, o inventário
da realidade, além de outros construídos
junto com os sujeitos indígenas envolvidos
neste processo formativo.
Para materializar esse princípio, no
Tempo Universidade, realizamos e
projetamos as seguintes ações: visitas e
intercâmbios nas terras indígenas nas
etapas do curso; produção da cartografia
social dos estudantes e suas Terras
Indígenas; produção das histórias de vida
dos estudantes; registro das biografias dos
Caciques; registro das narrativas indígenas;
sistematização de material didático para as
escolas indígenas; relação permanente
entre os saberes indígenas e demais
conhecimentos sistematizados ao longo da
história; ações de itinerância do curso em
diferentes Terras Indígenas; planejamento
do trabalho docente a partir da realidade
das comunidades indígenas de origem dos
estudantes do curso.
No Tempo Comunidade as ações
são: pesquisa engajada realizada nas
aldeias, nas escolas e demais espaços
educativos; recolha de dados para
produção de cartografia social; realização
do inventário da realidade; pesquisa do
universo vocabular e os temas geradores
para os processos de alfabetização;
estágios do curso nas escolas e aldeias;
realização de pesquisa e elaboração de
projetos, relatórios, artigos, resumos.
As ações realizadas e projetadas
demarcam um novo tipo de pesquisa a
engajada. Nesse sentido, a pesquisa não
está distante da realidade, não tem fins
meramente produtivos, é instrumento de
desvelamento e compreensão do singular
na relação com o particular e universal;
promove a aproximação dos estudantes
com as contradições da vida das
comunidades, exigindo um posicionamento
e consequentemente, potencializando o
engajamento na luta social.
Esse conjunto de princípios que
apontamos e as ações que realizamos e
projetamos baseadas neles indicam
claramente o quanto a Pedagogia da
Alternância é instrumento para viabilizar o
acesso e a permanência dos estudantes
indígenas no Ensino Superior no Paraná,
mas numa nova relação com a vida e com
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os conhecimentos, objetivando, assim, a
formação de pedagogos que conhecem a
realidade, que pesquisam, que debatem
entre si, se posicionam, que se
comprometem com a articulação
universidade/comunidade e que se inserem
nas lutas sociais. Além disso, a forma de
organizar a alternância contribui para
garantir a indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e extensão, entre teoria e prática.
Essa forma de organização do
trabalho pedagógico realizado no Curso,
com a efetiva participação dos povos
indígenas, é uma iniciativa inédita no
Paraná, porém apresenta, ainda, algumas
dificuldades, tais como: precariedade de
recursos financeiros para realizar as ações;
dificuldade em inserir um número maior de
professores indígenas como docentes do
curso devido à falta de uma política de
pós-graduação voltada aos povos indígenas
no Paraná; pouca sensibilidade e
envolvimento dos setores governamentais
para compreender a importância dessa
forma de organização que exige, além da
contratação de professores e estrutura
física, recursos para alimentação,
hospedagem, transporte, contratação de
equipe de acompanhamento das atividades
realizadas no Tempo Universidade e no
Tempo Comunidade.
Considerações finais
A formação do pedagogo tem feito
parte de polêmicas complexas que
envolvem a educação brasileira, mas,
quando está relacionada às comunidades
indígenas, novos elementos são
explicitados, portanto velhas soluções
não resolvem mais as necessidades dos
sujeitos que ali vivem. Há desafios a serem
enfrentados em relação ao acesso e
permanência de indígenas no Ensino
Superior no Paraná, à forma de
organização do trabalho pedagógico e do
conteúdo dos processos de formação, aos
objetivos que orientam tais processos, à
permanência e conclusão dos cursos,
dentre outros.
A Pedagogia da Alternância tem se
apresentado como um instrumento
inovador e importante para criar novas
possibilidades de acesso e permanência,
bem como para construir novas
metodologias, para promover a inserção
nas comunidades, para consolidar a
formação política, para potencializar a
participação e a valorização cultural.
Essa forma de organização de um
Curso de Pedagogia específico para a
formação de pedagogos indígenas traz
desafios tanto para os professores como
para os estudantes indígenas, pois
colocam-nos a vivenciar situações de auto-
organização, de convivência na diversidade
étnico-cultural, de forma mais enfática na
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questão das línguas maternas indígenas,
promovendo reflexões sobre o bilinguismo
e sua efetiva presença tanto na Educação
Básica como no Ensino Superior Indígena
no Paraná.
O fortalecimento da coletividade, a
partir dessas vivências, também coloca
como desafio o engajamento dos
professores e estudantes nas lutas
indígenas, sejam elas relativas ao acesso a
todos os níveis de ensino, ou relacionadas
às questões da resistência, sustentabilidade
e sobrevivência das comunidades
indígenas.
A construção do Curso de Pedagogia
Indígena, nessa forma de organização e
com esses princípios, pretende contribuir
para efetivar a participação indígena nos
processos de formação superior no Paraná,
promover novas formas de ensino e
aprendizagem, explicitar as pedagogias
indígenas, superar a situação precária e
excludente dos Quadros Funcionais das
escolas, nos quais pouquíssimos
pedagogos e professores indígenas, o que
torna morosa a construção de escolas
bilíngues interculturais, com currículos e
projetos próprios feitos pelos profissionais
indígenas junto as suas comunidades.
A realidade da educação escolar
indígena no Paraná desafia as
universidades a buscar novas formas de
contribuir com a qualificação dos
indígenas enquanto trabalhadores da
educação, para que assumam tarefas de
ensino, pesquisa, elaboração de materiais
didáticos bilíngues, gestão, produção
intelectual e acadêmico/cientifica,
fortalecendo, ainda, a participação como
lideranças, atuantes em todas as lutas
indígenas pela consolidação e ampliação
dos direitos indígenas.
Pretende-se, de forma participativa e
intercultural, estimular a busca por novas
epistemologias, considerando
conhecimentos ancestrais indígenas,
articulados com os demais conhecimentos
científicos produzidos pela humanidade.
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na história e na literatura. Tradução de
Paulo Henrique Britto. São Paulo: Editora
Companhia das Letras.
i
Tratamos da formação continuada de professores
indígenas e não-indígenas das duas escolas Guarani
e das cinco escolas Kaigang, situadas no Município
de Nova Laranjeiras/PR e que configuram o
território denominado Rio das Cobras.
(UNICENTRO, 2017).
ii
O Programa Escola da Terra, edição 2018 2019,
foi promovido e financiado pelo Ministério da
Educação (MEC) e desenvolvido junto à Secretaria
de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade (SECADI) e à Secretaria de Estado da
Educação (SEED/PR), e foi executado pela UFFS
na parceria com a UNICENTRO e a UFPR.
iii
O Seminário reuniu aproximadamente 500
pessoas, em julho de 2018, para discutir e projetar o
curso, entre elas, lideranças indígenas Guarani,
Kaigang e Xetá, professores indígenas, gestores das
escolas, Núcleos Regionais da Educação (NRE) e
pesquisadores das IES do Paraná que fizeram, em
parceria, os trabalhos.
iv
Proporcionar o ensino intercultural e bilíngue por
meio de estudos e conhecimentos científicos;
contribuir para o fortalecimento e autonomia da
organização social das comunidades indígenas e
não indígenas; fomentar a história dos indígenas
Kaingang, Guarani e Xetá, revitalizando aspectos
linguísticos e socioculturais. (UNICENTRO, 2018).
Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 02/08/2019
Aprovado em: 30/09/2019
Publicado em: 19/12/2019
Received on August 02nd, 2019
Accepted on September 30th, 2019
Published on December, 19th, 2019
Contribuições no artigo: Os autores foram os
responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for
the designing, delineating, analyzing and interpreting the
data, production of the manuscript, critical revision of the
content and approval of the final version published.
Conflitos de interesse: Os autores declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Marcos Gehrke
http://orcid.org/0000-0002-7592-3139
Marlene Lucia Siebert Sapelli
http://orcid.org/0000-0002-3682-8817
Rosangela Célia Faustino
http://orcid.org/0000-0002-0094-5528
Gehrke, M., Sapelli, M. L. S., & Faustino, R. C. (2019). A formação de pedagogos indígenas em alternância no Paraná: uma
contribuição à interculturalidade e ao bilinguismo...
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ISSN: 2525-4863
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Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Gehrke, M., Sapelli, M. L. S., & Faustino, R. C. (2019). A
formação de pedagogos indígenas em alternância no
Paraná: uma contribuição à interculturalidade e ao
bilinguismo. Rev. Bras. Educ. Camp., 4, e7350. DOI:
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e7350
ABNT
GEHRKE, M.; SAPELLI, M. L. S.; FAUSTINO, R. C. A
formação de pedagogos indígenas em alternância no
Paraná: uma contribuição à interculturalidade e ao
bilinguismo. Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v.
4, e7350, 2019. DOI:
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e7350