Revista Brasileira de Educação do Campo
The Brazilian Scientific Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e7365
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e7365
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2020
ISSN: 2525-4863
1
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Contribuições do estado da questão na pesquisa sobre
política pública, Educação Rural e Educação do Campo
Magda Gisela Cruz dos Santos
1
, Conceição Paludo
2
1, 2
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Faculdade de Educação. Avenida Paulo Gama, 110, Farroupilha.
Porto Alegre - RS. Brasil.
Autor para correspondência/Author for correspondence: magdacs81@yahoo.com.br
RESUMO. Com base em um estudo bibliográfico que
investigou a relação entre educação rural, educação do campo e
políticas públicas das duas últimas décadas, o presente artigo
explicita a importância do Estado da Questão para as pesquisas
acadêmicas. Se descreve e reflete sobre suas principais
contribuições na delimitação do tema e do objeto de pesquisa, na
problematização das questões iniciais e na fundamentação da
hipótese. Conclui-se que, além de possibilitar uma visão de
totalidade da produção de conhecimento na área em que a
pesquisa se insere, a realização do Estado da Questão contribui
substantivamente na transição das percepções iniciais sobre o
objeto de pesquisa, para um conhecimento sistematizado, com o
rigor e a profundidade que caracterizam os conhecimentos
científicos.
Palavras-chave: Estado da Questão, Educação Rural e
Educação do Campo, Políticas Públicas.
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Contributions of the state of the question in research on
public policy, Rural Education and Countryside Education
ABSTRACT. Based on a bibliographic study that investigated
the relationship between rural education, countryside education
and public policies in the last two decades, this article explains
the importance of the State of the Question for academic
research. It describes and reflects on its main contributions in
the delimitation of the theme and the research object, in the
problematization of the initial questions and in the foundation of
the hypothesis. It is concluded that, in addition to providing a
view of the totality of knowledge production in the area in
which the research is inserted, the realization of the State of the
Question contributes substantially in the transition from initial
perceptions about the research object, to systematized
knowledge, with the rigor and depth that characterize scientific
knowledge.
Keywords. State of the Question, Rural Education and
Countryside Education, Public Policy.
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Contribuciones del estado de la cuestión en investigación
sobre políticas públicas, Educación Rural y Educación del
Campo
RESUMEN. Basado en un estudio bibliográfico que investigó
la relación entre educación rural, educación del campo y
políticas públicas en las últimas dos décadas, este artículo
explica la importancia del Estado de la cuestión para la
investigación académica. Describe y reflexiona sobre sus
principales contribuciones en la delimitación del tema y el
objeto de investigación, en la problematización de las preguntas
iniciales y en la base de la hipótesis. Se concluye que, además
de proporcionar una visión de la totalidad de la producción de
conocimiento en el área en la que se inserta la investigación, la
realización del Estado de la cuestión contribuye sustancialmente
en la transición de las percepciones iniciales sobre el objeto de
investigación, al conocimiento sistematizado, con el rigor y la
profundidad que caracterizan el conocimiento científico.
Palabras clave: Estado de la Cuestión, Educación Rural y
Educación del Campo, Políticas Públicas.
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Introdução
O Estado da Questão constitui uma
etapa fundamental na apropriação do tema
e na delimitação do objeto de estudo em
uma pesquisa científica. Trata-se de uma
etapa metodológica que permite ao
investigador conhecer a condição na qual
seu tema ou objeto de estudos se encontra
nas pesquisas científicas. Com base no
Estado da Questão, é possível que o
pesquisador identifique os aspectos que
foram exaustivamente investigados sobre
seu tema e aqueles que ainda precisam ser
aprofundados em investigações futuras.
Como destacam Nóbrega-Therrien e
Therrien (2004), esse procedimento
constitui uma etapa importante para
variados tipos de pesquisa, pois trata-se de
um rigoroso levantamento bibliográfico
que situa o pesquisador sobre o estado
atual de seu objeto ou tema de pesquisa no
contexto da produção científica. Dessa
forma, os autores diferenciam o Estado da
Questão do Estado da Arte ou Estado do
Conhecimento que, por sua vez, refere-se
às pesquisas que têm como proposição
realizar o mapeamento e a discussão sobre
a produção científica/acadêmica de um
determinado tema em um campo do
conhecimento (Ferreira, 2002; Morosini,
2015; Nóbrega-Therrien; Therrien, 2004).
No mesmo sentido, Ferreira (2002, p.
258) destaca que as pesquisas denominadas
estado da arte apresentam um caráter
bibliográfico e em comum possuem o
desafio de
... mapear e de discutir uma certa
produção acadêmica em diferentes
campos do conhecimento, tendo que
responder que aspectos e dimensões
vêm sendo destacados e privilegiados
em diferentes épocas e lugares, de
que formas e em que condições têm
sido produzidas certas dissertações
de mestrado, teses de doutorado,
publicações em periódicos e
comunicações em anais de
congressos e de seminários. Também
são reconhecidas por realizarem uma
metodologia de caráter inventariante
e descritivo da produção acadêmica e
científica sobre o tema que busca
investigar, à luz de categorias e
facetas que se caracterizam enquanto
tais em cada trabalho e no conjunto
deles, sob os quais o fenômeno passa
a ser analisado. (Ferreira, 2002, p.
258).
De acordo com a distinção
apresentada, entendemos que a
especificidade do Estado da Questão está
em contribuir para a delimitação e
caracterização do objeto de investigação,
para a elaboração dos objetivos, do
problema e para a identificação das
categorias centrais da abordagem teórico-
metodológica de determinada pesquisa.
(Nóbrega-Therrien; Therrien, 2004).
No presente artigo discorremos sobre
as principais etapas e contribuições do
Estado da Questão em uma pesquisa que
abordou o tema da educação rural e
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educação do campo nas políticas públicas
brasileiras das duas últimas décadas.
As políticas públicas educacionais
voltadas ao meio rural não são uma
novidade das últimas décadas no Brasil,
em 1930 a formação dos trabalhadores do
campo constituía uma das preocupações
por parte do Estado. O projeto nacional-
desenvolvimentista que emergia na época,
considerava fundamental uma formação
que promovesse a adaptação e fixação dos
sujeitos ao campo. A educação rural ou
ruralismo pedagógico, como ficou
conhecida a formação destinada aos
trabalhadores do campo nesse período, era
vista como um meio eficaz para isso.
O ruralismo pedagógico do projeto
nacional-desenvolvimentista e as políticas
públicas de educação do campo das
últimas duas últimas décadas no Brasil
apresentam muitos aspectos distintos que
nos impedem de afirmar uma continuidade
no projeto do Estado para a formação dos
trabalhadores do campo. A concepção de
Educação do Campo adotada pelas
políticas das últimas décadas tem origem
nos movimentos sociais populares, a partir
de sua luta pela terra, e surge como
oposição à perspectiva da educação rural
ou ruralismo pedagógico, que visava uma
formação adequada às necessidades do
modelo produtivo e as demandas do
projeto capitalista para o campo. Em
sentido antagônico, a Educação do Campo,
em sua concepção originária, visa a
formação dos trabalhadores no sentido da
construção de outra hegemonia.
Diante de perspectivas radicalmente
opostas, consideramos que, embora a
política pública de Educação do Campo
represente uma conquista dos movimentos
sociais, é preciso que seja analisada com
atenção especial às possíveis contradições
entre os propósitos do Estado e a
perspectiva defendida pelos movimentos
sociais populares do campo.
Foi dessa forma que o Estado da
Questão constituiu uma etapa fundamental
para a proposição de nossa investigação,
pois além de possibilitar uma visão mais
ampla do conhecimento produzido no
campo específico de inserção da pesquisa,
permitiu a percepção das principais
contradições que envolvem o tema
investigado. Além disso, contribuiu para a
delimitação do objeto de estudos e para a
elaboração das questões e da hipótese de
pesquisa.
Como procedimento metodológico,
seguimos os usuais em uma pesquisa
bibliográfica (Gil, 1994), ou seja: a)
delimitar as fontes de busca; b) inventariar
o material de interesse; c) realizar a leitura
preliminar dos resumos e conclusões; d)
selecionar as fontes fundamentais e realizar
leitura da totalidade; e) retomar o material,
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com a intencionalidade analítica; f)
relacionar com o processo de construção
do objeto de estudo, explicitando as
sínteses provisórias.
Com o artigo, pretendemos destacar
que o Estado da Questão constitui etapa
fundamental para o processo de transição
do fenômeno social para objeto científico
nas pesquisas em Educação. Além disso,
especificamente em relação às
investigações sobre a Educação do Campo,
pretendemos enfatizar a importância dessa
etapa da pesquisa para a exposição das
principais contradições entre Educação do
Campo e Educação Rural e assim,
procuramos elucidar sua contribuição para
que os estudos sobre a temática
ultrapassem o caráter descritivo e avancem
no sentido das críticas necessárias.
Para tanto, em um primeiro
momento, apresentamos o resultado do
processo inicial de imersão na produção de
conhecimento sobre a educação das
populações que vivem no campo. Num
segundo momento, apresentamos o
caminho realizado no processo de
caracterização e delimitação do objeto
específico de estudo, a formação dos
trabalhadores do campo. Por fim,
analisamos as contribuições das diferentes
etapas do Estado da Questão para a
elaboração da hipótese e tecemos algumas
considerações sobre a importância desse
procedimento para a consolidação do
caráter científico das pesquisas em
Educação.
A produção do conhecimento sobre
educação rural, educação do campo e
políticas públicas: aspectos gerais
revelados pelo Estado da Questão
Como forma de atingir uma
compreensão ampliada sobre a inserção do
nosso objeto de estudos no campo do
conhecimento, através do Estado da
Questão, realizamos um levantamento das
produções científicas na área da educação
sobre educação rural, educação do campo e
políticas públicas, concluídas nas duas
últimas décadas no Brasil. Além de
aspectos gerais relativos à produção do
conhecimento sobre o tema, esse momento
foi fundamental para as primeiras
delimitações do nosso objeto de estudo e
evidenciou também algumas questões
relevantes a serem abordadas na pesquisa.
Durante a busca evidenciamos que as
políticas públicas de educação do campo
têm constituído um tema recorrente nas
pesquisas da área da educação nas últimas
décadas. Entre os fatores que contribuíram
para o crescente interesse de pesquisadores
pela temática podemos destacar o
lançamento de políticas específicas para a
educação do campo no período e, também,
à constituição de linhas e grupos de
pesquisa sobre a temática em diferentes
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instituições de pós-graduação na área da
educação, bem como à criação de cursos
específicos de licenciatura em educação do
campo. É importante salientar que a
crescente organização dos movimentos
sociais populares do campo na luta pelo
direito à educação foi o principal motivo
de uma maior visibilidade sobre o tema,
culminando em políticas públicas e
espaços de discussão no meio acadêmico
brasileiro.
Em um primeiro momento da busca,
três estudos realizados nos auxiliaram a
caracterizar o processo de produção
científica sobre os temas da educação rural,
educação do campo e políticas públicas.
Dois deles encontramos na forma de
artigos disponibilizados na Plataforma
Scielo. São eles o artigo de Maria Nobre
Damasceno e Bernadete Beserra (2004),
intitulado Estudos sobre educação rural
no Brasil: estado da arte e perspectivas”, e
a investigação de Maria Antônia Souza sob
o título “Educação do campo: políticas,
práticas pedagógicas e produção
científica”, artigo publicado em 2008 e
discutido no Grupo de Trabalho 3 durante
a 31ª Reunião da Associação Nacional de
Pesquisadores em Educação (ANPED). O
terceiro estudo refere-se aos resultados do I
Encontro Nacional de Pesquisa em
Educação do Campo (2005), compilados
no material organizado por Mônica
Castagna Molina, o qual foi publicado pelo
Ministério de Desenvolvimento Agrário
em 2006 com o título “Educação do
Campo e Pesquisa: questões para
reflexão”.
Um primeiro aspecto observado após
a leitura desses materiais é que ambos
evidenciam o crescimento das produções
científicas em torno do tema da educação
do campo nas últimas décadas. A partir de
uma investigação acerca do conhecimento
produzido na área de educação sobre a
educação rural no Brasil entre as décadas
de 1980 e 1990, Damasceno e Beserra
(2004) apontam que é possível observar
que esse crescimento tem se caracterizado
pela ampliação de estudos que focam a
temática a partir da perspectiva dos
trabalhadores sobre a educação do campo.
No entanto, relativamente ao total das
pesquisas realizadas na área, as autoras
destacam que os estudos sobre educação
no meio rural no período investigado
continuavam marginais em termos
quantitativos
i
.
Entre alguns dos motivos que
observam para este fato destacam-se os
limitados recursos investidos nas políticas
públicas para o meio rural e a dificuldade
de financiamento para pesquisas sobre o
tema
ii
. Para as autoras, o desinteresse dos
pesquisadores sobre o tema reflete o
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desinteresse estatal pelos problemas
relativos ao meio rural.
Os resultados da pesquisa realizada
por Maria Antônia Souza sobre a produção
do conhecimento em educação do campo e
movimentos sociais no período de 1987 a
2007 corroboram com o que apontam
Damasceno e Beserra (2004). No período
investigado por Souza (2008a), houve um
crescimento das pesquisas relativas ao
tema da educação no meio rural, sem se
alterar a disparidade quantitativa em
relação ao total de pesquisas na área,
conforme analisam Damasceno e Beserra
(2004).
Para Souza (2008a), o crescimento
no número de pesquisas e, sobretudo, a
nova configuração que estes estudos têm
apresentado, em oposição ao paradigma da
educação rural, são resultados da crescente
organização dos movimentos sociais do
campo, principalmente do Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra (MST) em seu
setor de educação. Esse foi um dos
aspectos característicos das produções
sobre o tema segundo o que observamos
com as leituras realizadas.
Sobre as diferentes perspectivas
adotadas nas pesquisas sobre educação no
meio rural, Souza (2008b) evidencia que
A perspectiva da educação rural tem
origem na esfera das políticas
governamentais, uma educação
pensada para os povos do campo. Os
autores que discutem educação rural
geralmente mencionam as políticas
públicas, a fragilidade da formação
dos professores e a precariedade das
condições do trabalho pedagógico, da
infraestrutura etc. Já, os autores que
analisam educação do campo trazem
o debate para o contexto dos
movimentos sociais. (Souza, 2008b,
p. 2).
Os resultados do I Encontro Nacional
de Pesquisa em Educação do Campo
(2005) confirmam o aspecto do
crescimento das pesquisas relacionadas à
educação no meio rural e explicitam a
mudança paradigmática dos estudos que
partem da perspectiva da educação do
campo, realizados entre 2000 e 2006, data
da publicação. Nesse material Molina
(2006) destaca outro aspecto importante
que caracteriza as produções do período: a
presença de divergências entre os
pesquisadores e movimentos aliados em
relação ao processo de mudança necessário
no campo e a convivência com
determinadas características do modelo
econômico vigente, o que constitui
elemento fundamental para se pensar o
papel da educação do campo. Nas leituras
realizadas a partir do Estado da Questão,
localizamos algumas dessas divergências
que foram centrais para a elaboração de
nossa hipótese de pesquisa, conforme
demonstraremos adiante.
Ainda, no material referente ao
encontro, Arroyo (2006) realizou uma
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síntese sobre os principais resultados das
pesquisas apresentadas e, com base neles,
aponta alguns desafios para a pesquisa
sobre educação do campo. Entre esses
desafios destacamos aqueles que
auxiliaram na delimitação do tema e da
questão da pesquisa, como a necessidade
apontada pelo autor de pesquisas que
investiguem a produção histórica das
desigualdades no campo e,
consequentemente, na educação do campo,
com base na articulação entre as diferentes
áreas do conhecimento.
Arroyo (2006) questiona a
capacidade das políticas universalistas que,
segundo ele, seguem um padrão
generalista, na superação dessas
desigualdades. Segundo ele, no atual
período histórico “torna-se urgente
promover políticas e ações afirmativas”.
(Arroyo, 2006, p. 104), visto que a história
está mostrando que as políticas generalistas
têm agido no sentido da reprodução das
desigualdades.
Outro desafio apresentado pelo autor
que destacamos como relevante para a
pesquisa proposta, diz respeito à
necessidade de investigação sobre a
dinâmica do campo e os processos de
reprodução ou superação das
desigualdades. Segundo Arroyo (2006), a
expansão do agronegócio tem polarizado
ainda mais as desigualdades no campo e
por isso torna-se imprescindível investigar
as tensões e paradigmas em contradição no
campo: “Pesquisar em que direção
estariam esses movimentos e essa dinâmica
superando ou acentuando desigualdades”.
(Arroyo, 2006, p. 105). Como constatamos
nas teses e dissertações lidas, outros
autores alertam para o entendimento de
que a dinâmica do sistema capitalista de
expansão e acumulação tem expressado a
tentativa de inclusão desses diferentes
paradigmas em um mesmo projeto de
sociedade, ocultando as contradições de
classe que se encontram em sua base
constitutiva.
Um último desafio posto por Arroyo
(2006) que contribuiu para a elaboração da
proposta de pesquisa trata da necessidade
de pesquisar os processos que ameaçam a
produção da existência no campo, como a
questão do território por exemplo. Para o
autor, estes aspectos devem ser
investigados antes de pesquisar a escola
por dentro. Consideramos que a pesquisa
sobre as políticas públicas educacionais
também necessita desta investigação
anterior.
Em síntese, os desafios postos por
Arroyo (2006) alertam para a necessidade
de que o estudo sobre educação do campo,
em seus diferentes aspectos, não ocorra de
forma desvinculada de uma investigação
aprofundada sobre a realidade do campo e
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sua dinâmica, buscando analisar as
contradições que se apresentam nesse
contexto e, assim, superando estudos com
caráter descritivo e linear sobre a história
da constituição da desigualdade no campo.
No caso específico do nosso tema de
estudo a formação dos trabalhadores do
campo proposta pela atual política pública
de educação do campo no Brasil ,
percebemos o quanto é imprescindível à
investigação sobre o projeto de
desenvolvimento capitalista em curso e
sobre as contradições específicas que ele
apresenta no contexto dinâmico do campo.
Somada aos aspectos analisados por
Damasceno e Beserra (2004) e Souza
(2008a; 2008b) sobre o processo de
produção do conhecimento em educação
rural e educação do campo, a síntese
apresentada por Arroyo (2006)
oportunizou um panorama geral das
pesquisas em educação do campo dos
últimos anos, o que nos possibilitou uma
melhor inserção no campo da produção de
conhecimentos sobre o tema a ser
investigado.
Na sequência, apresentamos o
processo pelo qual procuramos nos
apropriar dos estudos que abordam
especificamente o tema da pesquisa e
enfatizamos as principais contribuições do
Estado da Questão na caracterização e
delimitação do objeto de estudo.
As principais contribuições do Estado da
Questão na delimitação do objeto de
estudo
Para uma apropriação mais
específica do conhecimento já produzido
sobre o objeto de estudo, procuramos
realizar uma investigação em torno das
pesquisas que focam a temática das
políticas públicas de educação do campo
ou educação rural nas últimas décadas.
Com base nesses estudos, procuramos
delimitar o objeto de estudo a formação
do trabalhador do campo indicando a
questão central a ser investigada em nossa
pesquisa. Para tanto, primeiramente
fizemos uma pesquisa ao Banco de Teses
& Dissertações da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES) e à Biblioteca Digital
Brasileira de Teses e Dissertações
(BDTD).
iii
A seleção dos critérios para o recorte
de tempo foi um elemento importante na
delimitação do objeto, pois exigiu a
indicação de marcos históricos relevantes
para a temática. Assim, a busca
compreendeu o período entre 2001 ano
em que o Conselho Nacional de Educação
(CNE) lançou o relatório que trata das
Diretrizes Operacionais para a Educação
Básica nas Escolas do Campo e 2016,
quando se consolidou a ruptura com o
projeto neodesenvolvimentista a partir do
impeachment da presidenta Dilma
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Rousseff. Para a busca foram utilizadas as
expressões educação do campo, educação
rural, política pública, sendo selecionadas
inicialmente teses e dissertações
exclusivamente da área educacional que
apresentaram pelo menos duas das
expressões em seus títulos e/ou resumos.
Nessa primeira etapa, encontramos
um total de 62 produções que
corresponderam aos critérios da busca: 49
dissertações concluídas entre os anos de
2005 e 2014, e 13 teses concluídas entre os
anos de 2005 e 2015
iv
.
Na sequência, de modo a identificar
o objeto de estudo de cada uma das
pesquisas, após uma leitura exploratória
dos títulos e resumos, as dissertações
foram agrupadas em cinco temas e as teses
foram agrupadas em sete temas. O
agrupamento permitiu observar que há uma
diversidade de temas nas produções que
abordam a relação entre política pública,
educação do campo e educação rural, mas
que, no entanto, é sobre o tema “análise de
políticas públicas de educação do campo
em contextos específicos” que se encontra
um número maior de dissertações e teses.
Neste grupo, encontramos pesquisas que
analisam as propostas e/ou impactos da
implementação de diferentes programas ou
orientações legais referentes à educação do
campo em contextos específicos, como
escolas rurais, assentamentos da reforma
agrária, municípios ou estados.
Embora se considere que toda busca
apresenta limites e pode deixar de fora
algum estudo sobre a temática, é
importante destacar que não encontramos
nenhuma pesquisa com o mesmo objetivo
que havíamos indicado: evidenciar a
caracterização do projeto de formação do
trabalhador do campo proposto pelo Estado
na atualidade e sua relação com o projeto
neodesenvolvimentista, o que indicou o
potencial de novidade de nossa pesquisa.
O potencial de uma pesquisa
evidenciar novidades sobre o objeto
investigado é um dos aspectos
fundamentais revelados pelo Estado da
Questão e pode indicar a relevância da
mesma para o campo científico. Entretanto,
como enfatiza Morosini (2015) o fato de
não se encontrar estudos com o mesmo
foco da investigação pode indicar uma
falta de informação por parte do (a)
pesquisador (a), uma vez que toda
investigação de caráter científico deve
estar inscrita em um continuum em relação
às investigações que a precedem.
O Estado da Questão é, portanto, o
processo pelo qual o pesquisador situa sua
proposição de pesquisa no campo do
conhecimento, de modo a avaliar e
enfatizar sua relevância histórica, social e
científica. Para tanto, é fundamental que
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proposição da pesquisa indique quais
conhecimentos produzidos sobre o tema
constituem seu ponto de partida e quais as
lacunas do conhecimento acumulado se
propõe a suprir.
Foi o que procuramos fazer. A partir
da leitura exploratória dos resumos,
selecionamos as dissertações e teses
v
que
apresentam indicativos importantes sobre o
nosso objeto de estudo, tendo em vista sua
maior proximidade com o tema da
pesquisa. Nesse momento procuramos
seguir alguns cuidados destacados por
Morosini (2015) para a seleção e leitura
dos materiais. A autora afirma a
necessidade de seguir um método de
organização, realização e tratamento das
leituras. Entre os cuidados enfatizados pela
autora, destacamos aqueles que foram
importantes para a seleção e leitura do
corpus de análise.
Tal como recomenda Morosini
(2015, p. 106), procuramos não
sobrecarregar o número de materiais a
serem lidos, pois é preferível ler de modo
aprofundado e crítico alguns textos bem
escolhidos a ler superficialmente milhares
de páginas ...”. Nesse sentido, foi preciso
priorizar documentos nos quais os autores
não apresentam apenas dados descritivos
sobre o tema, mas que realizem
problematizações, análises e
interpretações. Outro cuidado que
procuramos seguir foi a busca por
abordagens com diversificadas
perspectivas teórico metodológicas, o que
possibilita localizar as contradições que
constituem o objeto no plano histórico e os
dissensos entre diferentes autores que o
abordam em suas pesquisas.
Com base nesse aspecto e com o
objetivo de apreender as principais
contradições que permeiam o conjunto das
políticas públicas de educação do campo,
selecionamos, para uma leitura mais
detalhada, duas dissertações e as três teses
que abordam a relação entre movimentos
sociais e o Estado.
As teses e dissertações analisadas
enfatizam principalmente três aspectos que
caracterizam as políticas públicas de
educação do campo das duas últimas
décadas no Brasil: 1- a crescente
organização dos movimentos sociais
populares do campo que têm pressionado o
Estado por políticas específicas; 2- o
enfrentamento de pelo menos dois projetos
distintos e antagônicos de desenvolvimento
para o campo na proposição de políticas
públicas de educação para o meio rural; e
3- a possível conjunção, realizada na
proposição do Estado, dessas diferentes
perspectivas em confronto na proposição
da política pública de educação do campo.
A seleção dos estudos relacionados
de forma mais específica ao objeto,
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possibilitou a identificação dos aspectos
que já foram pesquisados sobre as políticas
públicas de educação do campo, aqueles
que ainda não foram pesquisados e,
sobretudo, as necessárias revisões ou
continuidades de estudos realizados. A
partir da leitura das teses e dissertações
evidenciamos a necessidade de uma análise
focada na formação dos trabalhadores do
campo proposta pelas políticas públicas de
educação do campo nas últimas décadas.
Foi nesse momento que delimitamos
nosso objeto como a formação dos
trabalhadores do campo proposta pelas
políticas públicas de educação do campo’,
diante da percepção de que, até aquele
momento, esse tema não havia sido
investigado a partir do objetivo que
havíamos proposto. Assim, encontramos a
possibilidade de investigar um aspecto
ainda inédito sobre nosso objeto, algo que
daria continuidade às pesquisas
realizadas e que de alguma forma,
apresenta relevância tanto para o campo
científico, como para o campo histórico e
social.
Além disso, as constatações e
indagações que encontramos ao longo da
leitura das teses e dissertações, culminaram
na elaboração da questão central da
pesquisa: ‘a partir de sua relação com o
projeto capitalista de desenvolvimento
político, econômico e sociocultural, como
se caracteriza a formação dos
trabalhadores, segundo a perspectiva do
Estado, expressa no conjunto das políticas
públicas de Educação do Campo vigentes
no Brasil entre os anos 2001 e 2016?’.
Com o objetivo de caracterizar
historicamente a formação dos
trabalhadores do campo e analisar como
ela é abordada nas pesquisas científicas das
últimas décadas, realizamos o segundo
momento da busca. Seguindo os critérios já
apresentados, localizamos artigos e grupos
de pesquisa sobre o tema por meio da
Plataforma Scielo e nos Grupos de
Trabalho 3, 5 e 6 da Associação Nacional
de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
(ANPED), que contemplam os temas
‘Movimentos sociais, sujeitos e processos
educativos’, ‘Estado e Política
Educacional’ e ‘Educação Popular’ e que,
portanto, poderiam apresentar estudos que
contribuíssem com a investigação
proposta.
Nessa etapa da investigação,
percebemos divergências entre alguns
autores quanto ao potencial dessas políticas
na proposição e construção de um projeto
alternativo para o campo, na perspectiva da
superação das relações de produção
capitalistas no campo.
A partir dessa constatação, iniciamos
a busca por estudos que procuraram
caracterizar historicamente a formação dos
Santos, M. G. C., & Paludo, C. (2020). Contribuições do estado da questão na pesquisa sobre política pública, Educação Rural e
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trabalhadores do campo no Brasil, etapa
fundamental na elaboração de nossa
hipótese de pesquisa, conforme
apresentaremos no próximo item.
O Estado da Questão e a elaboração da
hipótese de pesquisa
As diferentes etapas do Estado da
Questão contribuíram para a elaboração de
nossa hipótese de pesquisa. A primeira
contribuição foi possibilitar a percepção
mais geral sobre as produções relacionadas
à temática das políticas públicas de
educação do campo na área da educação. A
percepção sobre as circunstâncias
históricas que marcam o processo de
produção do conhecimento sobre a
temática, possibilitou evidenciar os
principais motivadores e os obstáculos com
que essas pesquisas se deparam. Além
disso, o Estado da Questão possibilitou
identificar os grandes temas que foram
priorizados nas pesquisas sobre educação
rural, educação do campo e políticas
públicas educacionais nas últimas décadas
no Brasil e os temas pouco investigados
que apresentam alguma relevância social e
científica.
Em seguida, direcionamos nossas
buscas para as pesquisas realizadas nas
últimas duas décadas no Brasil, período em
que, diante da crescente organização dos
movimentos sociais populares do campo,
emergem as políticas específicas de
educação do campo. Como destacamos
anteriormente, essa segunda etapa
contribuiu para a delimitação do objeto de
pesquisa e para a elaboração da questão
central a ser investigada.
A partir disso, observamos a
necessidade de realizar a terceira etapa de
nossa busca, na qual localizamos artigos
relacionados ao objeto de estudos,
momento fundamental para sua
caracterização histórica. Nessa etapa,
realizamos uma leitura detalhada dos
artigos encontrados procurando localizar as
principais contradições históricas que
envolveram a formação dos trabalhadores
do campo no Brasil.
Entendemos que o Estado da
Questão, de acordo com as opções teórico-
metodológicas do (a) pesquisador (a), pode
assumir uma função apenas descritiva no
âmbito da pesquisa, no entanto, isso limita
significativamente sua contribuição para o
campo da ciência. Consideramos que
apesar de seu caráter inventariante, o
Estado da Questão pode ultrapassar a
descrição, possibilitando a interpretação do
fenômeno da produção do conhecimento,
sintetizando as possíveis contradições que
o envolvem, tanto no campo teórico e/ou
metodológico como em relação aos seus
condicionantes históricos, sociais, políticos
e econômicos. Assim, além de oportunizar
Santos, M. G. C., & Paludo, C. (2020). Contribuições do estado da questão na pesquisa sobre política pública, Educação Rural e
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a inserção do pesquisador em seu tema de
pesquisa e evidenciar as lacunas que
apontam possibilidades de novas
investigações, pode contribuir para a
ruptura com os preconceitos iniciais sobre
o tema e objeto de pesquisa (Morosini,
2015).
A síntese das contradições que
envolvem o objeto de estudos foi
fundamental para avançarmos no sentido
da ruptura com os pré-conceitos iniciais da
pesquisa e para abordarmos
cientificamente o objeto. Como destaca
Morosini (2015)
O indivíduo, quando inicia um
trabalho científico, está minado de
crenças e de saberes sobre o tema que
escolheu investigar. E, para que
ocorra a transformação do fato social
em científico, que se buscar um
afastamento deste cotidiano. A isto se
denomina o processo de ruptura com
os seus pré-conceitos. (Morosini,
2015, p. 106).
Segundo a mesma autora
Quando falamos em quebra de
preconceitos, não significa dizer que
a pesquisa não tem viés ideológico.
Autores consagrados da área das
ciências sociais (Albarello et al.,
2005) reconhecem tal fato. Desde a
escolha do objeto até a forma de
compreendê-lo, o pesquisador está
eivado de posições sobre a temática.
Com a fase da ruptura, busca-se
minimizar os pré-conceitos, e a
metodologia é fator imprescindível.
(Morosini, 2015, p. 106).
Nesse sentido, para minimizar a
influência dos nossos pré-conceitos
iniciais, além de localizar as contradições
que caracterizam nosso objeto no plano
histórico, procuramos localizar pesquisas
que apresentam abordagens e perspectivas
variadas sobre nosso objeto. A partir
dessas pesquisas localizamos os principais
dissensos entre os pesquisadores da
formação dos trabalhadores do campo e da
política pública de educação do campo. A
leitura dos diferentes artigos encontrados
permitiu a elaboração de questionamentos
mais específicos sobre o objeto de estudos
e a localização de categorias e conceitos
que assumiram importância central em
nossa pesquisa.
Com isso elaboramos a hipótese da
pesquisa na qual afirmamos que: ‘o Estado
brasileiro, em seu projeto
neodesenvolvimentista, direcionou a
política de educação voltada aos
trabalhadores do campo, na perspectiva de
um novo ruralismo pedagógico’.
Durante a investigação do Estado da
Questão, selecionamos três estudos que
foram fundamentais para a elaboração da
hipótese de pesquisa. O primeiro foi a tese
de Luiz Bezerra Neto (2003), defendida na
Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP) sob o título “Avanços e
retrocessos da educação rural no Brasil”.
Neste estudo, Bezerra Neto (2003) discute
Santos, M. G. C., & Paludo, C. (2020). Contribuições do estado da questão na pesquisa sobre política pública, Educação Rural e
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as rupturas e permanências da educação
rural no Brasil, a partir de uma análise
sobre a relação entre o projeto educativo
proposto pelos defensores do ruralismo
pedagógico na primeira metade do século
XX e o projeto educacional defendido pelo
MST a partir do final do mesmo século. O
autor evidencia que, embora a distância
temporal, é possível observar a
aproximação entre as duas perspectivas
pedagógicas especialmente no que diz
respeito à estratégia de sedentarização do
trabalhador rural ao campo. No entanto
enfatiza os diferentes e antagônicos
projetos de sociedade que embasam estas
perspectivas. Enquanto o MST entende a
educação como uma das estratégias do
projeto de uma sociedade socialista, o
ruralismo pedagógico defende um projeto
de “ruralização” atrelado ao
desenvolvimento capitalista. Bezerra Neto
(2003) também destaca que são as
condições reais de produção que
determinam a forma de vida destes
trabalhadores e não a educação, e alerta
para os limites do otimismo pedagógico
que está presente especialmente na
perspectiva do ruralismo pedagógico.
Conforme destacado, o ruralismo
pedagógico é uma concepção de educação
que predominou a partir da década de
1930, visando adequar a escola do campo
às necessidades do sistema capitalista da
época. Com o intuito de evitar o êxodo
rural, aumentar a produção agrícola e
evitar os conflitos agrários, promovia o
ideário de que a escola do campo deveria
contribuir para a acomodação e
manutenção dos sujeitos do campo no
campo.
Os diferentes artigos que
selecionamos para a leitura, observam que
a preocupação do Estado com a formação
dos trabalhadores do campo, que emerge
no Brasil junto ao projeto nacional-
desenvolvimentista da década de 1930,
deve-se ao entendimento de que a
educação é propulsora do desenvolvimento
e capaz de promover a consolidação das
bases nacionais.
A pesquisa de Bezerra Neto (2003)
instigou-nos a refletir sobre a possibilidade
de o Estado estar assumindo a perspectiva
de um novo ruralismo pedagógico ao
incorporar as demandas dos movimentos
sociais às políticas públicas educacionais
do campo, ou seja, estar aderindo àquilo
que da proposta pedagógica do MST, um
dos principais movimentos sociais
proponentes dessa política, possa vigorar
na perspectiva do ruralismo pedagógico no
referente a uma proposta de formação dos
trabalhadores do campo atrelada às
necessidades do atual projeto de
desenvolvimento capitalista.
Santos, M. G. C., & Paludo, C. (2020). Contribuições do estado da questão na pesquisa sobre política pública, Educação Rural e
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Um segundo estudo
vi
, ao qual
tivemos acesso através de um artigo,
corrobora essa possibilidade. Hidalgo e
Mikolaiczyk (2012, p. 108) questionam a
afirmação de que “... as propostas para a
Educação do Campo implementadas nos
anos 1990, são fruto exclusivo da
mobilização popular e que diferem
essencialmente das políticas para a área
difundidas nos anos 1950 ...”, e que deram
continuidade às propostas do ruralismo
pedagógico da década de 1930.
Parte dos resultados da referida
pesquisa é apresentada no artigo “A busca
do dissenso para a compreensão das
influências dos organismos internacionais
no desenvolvimento da educação rural nos
anos 1950 à educação do campo após os
anos 1990”, onde as autoras discutem as
influências de organismos internacionais
na definição de projetos, programas e
políticas públicas direcionados à educação
que se realiza no campo e a relação dessas
influências com o projeto de
desenvolvimento sustentável e agricultura
familiar.
Hidalgo e Mikolaiczyk (2012)
afirmam que
No que tange a formação do homem
do campo, a educação rural dos anos
1950 tinha o objetivo de instruir
melhor esse trabalhador para
modernizar as bases da agricultura
brasileira, além de criar um
sentimento nacionalista em relação
ao desempenho que o país começava
a apresentar nesse momento no
cenário da economia mundial. As
interferências da UNESCO nas
campanhas, projetos e programas
desenvolvidos em solo brasileiro
mostram que a educação no Brasil
em 1950, assim como em 2011,
pouco tem de nacional, embora a
ideologia populista tente mascarar o
velho pragmatismo americano
apresentando-o como novo
paradigma educacional brasileiro.
(Hidalgo & Mikolaiczyk, 2012, p. 5).
Com base nessa constatação e na
evidência de algumas aproximações entre
as propostas da cada de 1950 e dos anos
1990 em relação à formação dos
trabalhadores do campo, as autoras
explicitam a influência de organismos
internacionais nas políticas de educação
voltadas ao meio rural no Brasil e o intuito
dessas políticas em promover e/ou ajustar a
inserção do país no sistema global
capitalista. Esse estudo indicou para nossa
pesquisa, a necessidade de analisar a
influência dos organismos internacionais
nas políticas de educação do campo como
importante aspecto para compreender a
formação proposta. Além disso, reafirmou
a necessidade de análise sobre o papel que
essa formação assume no projeto de
desenvolvimento em curso.
O terceiro estudo que apresentou
indicativos importantes para a proposição
de nossa pesquisa foi uma investigação
realizada pelo Grupo de Estudos e
Pesquisas sobre Trabalho, Estado,
Santos, M. G. C., & Paludo, C. (2020). Contribuições do estado da questão na pesquisa sobre política pública, Educação Rural e
Educação do Campo...
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Sociedade e Educação (GP-TESE) da
Universidade Estadual do Oeste do Paraná
(UNIOESTE). A pesquisa teve como ponto
de partida a constatação do crescimento na
importância atribuída à formação do
trabalhador, especialmente a partir das
mudanças econômicas e políticas da
década de 1990.
As diferentes etapas da pesquisa
apresentadas corroboram a afirmação de
que o Estado capitalista tende a estabelecer
processos formativos que estejam
compatíveis com as necessidades de
reprodução do capital, mas que esse
processo pode encontrar seus limites não
apenas nas formas de resistência da classe
trabalhadora como também na própria
natureza revolucionária do modo de
produção capitalista, que tende a
transformar constantemente sua base
técnica. Segundo Cêa (2007), para o
Estado capitalista as políticas públicas
educacionais podem cumprir um papel
importante, não apenas na formação da
mão de obra necessária à expansão do
capital, como também na disseminação de
uma determinada ideologia que promova a
‘adesão’ ao paradigma dominante.
Desse modo, a referida pesquisa
contribuiu para reforçarmos a necessidade
de uma análise mais abrangente sobre o
lugar da formação do trabalhador do
campo proposta pelo Estado por meio das
políticas públicas de educação do campo,
no atual projeto de desenvolvimento
capitalista.
A exemplo da pesquisa relatada,
observamos também a necessidade de
analisar, além dos documentos da política
em estudo, os principais programas e
políticas de desenvolvimento,
especialmente aqueles destinados ao
campo, no período que circunda a
ampliação das políticas públicas
específicas para a educação do campo das
últimas décadas.
Conforme procuramos explicitar,
essas três pesquisas localizadas a partir do
Estado da Questão, apresentaram
indicativos fundamentais para a proposição
de nossa hipótese de pesquisa. As
problematizações apresentadas pelas
diferentes investigações contribuíram para
a problematização do nosso objeto de
estudo, a formação dos trabalhadores do
campo proposta pelas políticas públicas
educacionais no contexto do projeto
neodesenvolvimentista das duas últimas
décadas. Os diferentes apontamentos
sintetizados a partir das leituras, nos
instigaram a questionar se as políticas
públicas educacionais das últimas décadas
estariam propondo uma formação
fundamentada na perspectiva da educação
do campo, conforme almejam os
movimentos sociais populares do campo,
Santos, M. G. C., & Paludo, C. (2020). Contribuições do estado da questão na pesquisa sobre política pública, Educação Rural e
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ou se essa formação, diante das demandas
do projeto neodesenvolvimentista, estaria
assumindo a perspectiva de um novo
ruralismo pedagógico. A realização do
Estado da Questão foi fundamental para a
constituição da proposição de pesquisa,
conforme procuramos demonstrar.
Considerações finais
Como enfatizamos ao longo do
artigo, entendemos que o Estado da
Questão pode contribuir para evidenciar
lacunas ainda não preenchidas pelo
conhecimento já produzido sobre o tema
de pesquisa e, a partir disso, pode também
contribuir para a elaboração de novas
questões sobre o objeto de estudo.
Entretanto, consideramos que a principal
contribuição dessa etapa da pesquisa se
refere à possibilidade de ultrapassar o
caráter descritivo sobre a produção de
conhecimento relativo à temática da
pesquisa, o que exige que o (a) pesquisador
(a) assuma uma postura questionadora e
crítica diante do conhecimento
produzido sobre o tema que investiga. Para
isso, enfatizamos a necessidade de não se
limitar à análise de pesquisas que
apresentam a mesma perspectiva teórico-
metodológica, de modo que possa
apreender os dissensos entre pesquisadores
(as) do tema e assim, possa avançar na
construção de um conhecimento crítico,
reflexivo e não apenas descritivo.
Em nossa pesquisa procuramos
superar o caráter descritivo ao evidenciar
os principais dissensos que envolvem as
políticas públicas de educação do campo.
Ao possibilitar um conhecimento mais
aprofundado dos aspectos teóricos e
metodológicos da produção de
conhecimento sobre a educação rural,
educação do campo e políticas públicas, o
Estado da Questão também possibilitou
apreender as principais contradições
históricas que constituem o objeto de
pesquisa.
O Estado da Questão permitiu ainda
romper com os pré-conceitos iniciais e
abordar o objeto de forma científica. Nesse
sentido, constituiu uma etapa fundamental
da pesquisa, contribuindo para delimitar o
objeto, problematizar as questões iniciais e
elaborar a questão central e a hipótese,
além de indicar referências bibliográficas
importantes para o estudo e evidenciar a
necessidade de ampliar o corpus de
documentos a ser analisado.
Com base em nossa abordagem
procuramos destacar a importância do
Estado da Questão nas pesquisas
acadêmicas sobre educação do campo, não
apenas como forma de situar a
investigação na área do conhecimento, mas
principalmente por sua contribuição na
Santos, M. G. C., & Paludo, C. (2020). Contribuições do estado da questão na pesquisa sobre política pública, Educação Rural e
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transição da abordagem do fenômeno
social para o conhecimento científico em
uma perspectiva crítico reflexiva.
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i
Segundo as autoras, “... a proporção média ao
longo do período pesquisado é de doze trabalhos na
área de Educação Rural para mil trabalhos nas
demais áreas da Educação. Uma porcentagem
dezessete vezes inferior à do número de habitantes
no campo em relação ao da cidade, se tomarmos
como referência os dados estatísticos do IBGE do
ano 2000, de acordo com os quais a população rural
representa 18,75% da população brasileira”.
(Damasceno & Beserra, 2004, p. 77).
ii
“Em função do financiamento prioritário do
Estado de determinadas áreas de pesquisa, as
universidades e demais centros de pesquisa acabam
também concentrando a sua atenção nas mesmas
áreas e deixando de lado áreas que, embora
importantes para a sociedade, são marginais aos
interesses do Estado que, por sua vez, decide a
prioridade dos seus interesses também pressionado
pelas instituições internacionais de crédito…”.
(Damasceno & Beserra, 2004, p. 78).
iii
A Biblioteca Digital Brasileira de Teses e
Dissertações (BDTD) é mantida pelo Instituto
Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia
e Ministério da Ciência, Tecnologia e Informação e
está disponível no site http://bdtd.ibict.br/vufind/.
iv
Embora o recorte temporal do estudo se estenda
até 2016, não encontramos nenhum estudo
concluído nesse ano, que se adequasse aos critérios
da busca.
v
As dissertações e teses analisadas encontram-se
indicadas das referências do artigo: Anhaia (2010),
Santos (2009), Antônio (2010), Nascimento (2009),
Rocha (2013).
vi
Trata-se dos resultados da pesquisa intitulada “A
materialização das propostas para a Educação
Rural, elaboradas pelos governos federais e
estaduais no período entre 1947-1960, na região de
Guarapuava/PR”, realizada pela Universidade
Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO) do
Paraná e financiada pelo Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 05/08/2019
Aprovado em: 20/01/2020
Publicado em: 30/04/2020
Received on August 05th, 2019
Accepted on January 20th, 2020
Published on April, 30th, 2020
Contribuições no artigo: As autoras foram as
responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for
the designing, delineating, analyzing and interpreting the
data, production of the manuscript, critical revision of the
content and approval of the final version published.
Conflitos de interesse: As autoras declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Magda Gisela Cruz dos Santos
http://orcid.org/0000-0001-8971-9609
Conceição Paludo
http://orcid.org/0000-0003-1567-1651
Santos, M. G. C., & Paludo, C. (2020). Contribuições do estado da questão na pesquisa sobre política pública, Educação Rural e
Educação do Campo...
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Santos, M. G. C., & Paludo, C. (2020). Contribuições do
estado da questão na pesquisa sobre política pública,
Educação Rural e Educação do Campo. Rev. Bras. Educ.
Camp., 5, e7365. http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e7365
ABNT
SANTOS, M. G. C.; PALUDO, C. Contribuições do estado
da questão na pesquisa sobre política pública, Educação
Rural e Educação do Campo. Rev. Bras. Educ. Camp.,
Tocantinópolis, v. 5, e7365, 2020.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e7365