Revista Brasileira de Educação do Campo
The Brazilian Scientific Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e7368
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e7368
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2020
ISSN: 2525-4863
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Curso de Agricultor Familiar: possíveis aproximações com
a Educação Popular e a Educação do Campo
Osmar Lottermann
1
, Walter Frantz
2
1
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul - IFRS. Formação Pedagógica para Graduados
não Licenciados. Campus Farroupilha. Avenida São Vicente, n. 785, Bairro Cinquentenário. Farroupilha - RS. Brasil.
2
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ. Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.
Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências.
Autor para correspondência/Author for correspondence: osmar.lottermann@farroupilha.ifrs.edu.br
RESUMO. O artigo apresenta uma pesquisa realizada sobre a
execução do Curso de Agricultor Familiar, ministrado em
diferentes municípios do entorno do Instituto Federal
Farroupilha Campus Santo Augusto, nos anos de 2013 e 2014,
com o objetivo de identificar suas características e possíveis
aproximações com a Educação Popular e a Educação do
Campo. A metodologia utilizada foi uma revisão bibliográfica e
documental de caráter qualitativo. Partimos da hipótese que,
para que os cursos executados por instituições públicas atendam
aos objetivos da Educação Popular e da Educação do Campo,
deve haver articulação entre a Extensão e os trabalhadores do
campo envolvidos. Orientamos nossas análises a partir das
seguintes perguntas: referenciais teóricos no Projeto
Pedagógico que indicam um compromisso com a Educação
Popular? O que se pode extrair do Projeto em relação às
demandas da Educação do Campo? Por fim, qual o caráter e o
alcance do envolvimento institucional do Campus com os
agricultores familiares, através do Departamento de Pesquisa e
Extensão e dos projetos de extensão? Identificamos limitações
da Extensão frente às necessidades de diálogo com
trabalhadores do campo e aspectos progressistas no espaço de
formação básica do Projeto Pedagógico do Curso, que
possibilitaram reflexões em aula.
Palavras-chave: Curso de Agricultor Familiar, Pronatec
Campo, Educação Popular, Educação do Campo, Extensão.
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Family Farmer Course: Possible approximations with
Popular and Rural Education
ABSTRACT. This article presents a research carried out on the
execution of the Family Farmer Course, delivered in different
municipalities around Farroupilha Federal Institute - Santo
Augusto Campus, in 2013 and 2014, with the objective of
identifying its characteristics and possible similarities with
Popular Education and Rural Education. A qualitative
bibliographic and documentary review was used as
methodology. We started from the hypothesis that, for courses
run by public institutions to meet the objectives of Popular and
Rural Educations, there must be an articulation between the
Extension project and the rural workers involved. We conducted
our analysis based on the following questions: Are there
theoretical references in the Pedagogical Project that indicate a
commitment to Popular Education? What can be extracted from
the Project in relation to the demands of Rural Education?
Finally, what are the nature and scope of the Campus
institutional involvement with family farmers, through the
Research and Extension Department and the extension projects?
We identified limitations of the Extension project when taking
into account the needs for dialogue with rural workers and
progressive aspects in the basic training space of the
Pedagogical Course Project, which allowed reflections in class.
Keywords: Extension, Family Farmer Course, Popular
Education, Pronatec Campo, Rural Education.
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Curso de Agricultor Familiar: posibles aproximaciones
con la Educación Popular y la Educación del Campo
RESUMEN. El artículo presenta una pesquisa realizada sobre la
ejecución del Curso de Agricultor Familiar, impartido en
diferentes municipios del entorno del Instituto Federal
Farroupilha Campus Santo Augusto, en los años de 2013 y
2014, con el objetivo de identificar sus características y posibles
aproximaciones con la Educación Popular y la Educación del
Campo. La metodología utilizada fue una revisión bibliográfica
y documental de carácter cualitativo. Partimos de la hipótesis
que, para que los cursos ejecutados por instituciones públicas
atiendan los objetivos de la Educación Popular y de la
Educación del Campo, debe haber articulación entre la
Extensión y los trabajadores del campo envueltos. Orientamos
nuestros análisis a partir de las siguientes preguntas: ¿hay
referenciales teóricos en el Proyecto Pedagógico que indican un
compromiso con la Educación Popular? ¿Lo que se puede
extraer del Proyecto en relación a las demandas de la Educación
del Campo? Por fin, ¿cuál el carácter y el alcance del
envolvimiento institucional del Campus con los agricultores
familiares, través del Departamento de Pesquisa y Extensión y
de los proyectos de extensión? Identificamos limitaciones de la
Extensión frente a las necesidades de diálogo con trabajadores
del campo y aspectos progresistas en el espacio de formación
básica del Proyecto Pedagógico del Curso, que posibilitaran
reflexiones en clase.
Palabras clave: Curso de Agricultor Familiar, Pronatec Campo,
Educación Popular, Educación del Campo, Extensión.
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Introdução
O presente artigo resultou de uma
pesquisa que realizamos sobre o curso de
Agricultor Familiar, da modalidade da
Educação de Jovens e Adultos (Formação
Inicial e Continuada de Trabalhadores -
FIC), ministrado em diferentes turmas,
pelo Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia Farroupilha (IF
Farroupilha) - Campus Santo Augusto-RS,
nos anos de 2013 e 2014. Analisamos e
refletimos sobre as características do curso,
na tentativa de verificar o seu
compromisso com a Educação Popular e
com as demandas pedagógicas da
Educação do Campo. A análise parte da
seguinte hipótese: para que os cursos
executados por instituições públicas
atendam, mesmo que minimamente, aos
objetivos da Educação Popular e da
Educação do Campo, devem estar
articulados às atividades de extensão, e
estas, com entidades dos trabalhadores do
campo envolvidos. A extensão pode, nesse
caso, estabelecer o diálogo necessário para
que as abordagens do curso se aproximem
das preocupações imediatas e históricas
dos agricultores familiares incluídos no
curso. Para tentar compreender o nível
desse envolvimento, partimos das
seguintes perguntas: referenciais
teóricos no Projeto Pedagógico que
indicam um compromisso com a Educação
Popular? O que se pode extrair do Projeto
em relação às demandas da Educação do
Campo? Por fim, qual o caráter e o alcance
do envolvimento institucional do Campus
com os agricultores familiares, através do
Departamento de Pesquisa e Extensão e
dos projetos de extensão?
Para encontrarmos possíveis
respostas aos questionamentos que nos
ocupam nesta pesquisa, recorremos aos
seguintes pontos: o caráter do Pronatec e
do Pronatec Campo, apontando algumas
influências sob as quais o programa foi
gestado; as características da Educação
Popular e da Educação do Campo,
enquanto espaço teórico e prático da
educação dos trabalhadores do campo;
organização curricular e objetos de estudo
propostos pelo curso; a avaliação final e o
papel da Extensão do Campus Santo
Augusto no processo.
A metodologia utilizada nesta
investigação inicia com uma revisão
bibliográfica que assegura
compreendermos os aspectos teóricos e
práticos do que vem constituindo a
Educação Popular e a Educação do Campo.
Adotamos, sobretudo, a pesquisa
documental (Marconi & Lakatos, 2010),
pois o Projeto Pedagógico do Curso de
Agricultor Familiar, criado e executado
pela equipe do Pronatec Campus Santo
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Augusto, é uma das fontes importantes da
pesquisa. Ainda, procuramos refletir sobre
o caráter do processo avaliativo
institucional, o que nos levou à análise de
um formulário de avaliação do curso. “A
característica da pesquisa documental é
que a fonte de coleta de dados está restrita
a documentos, escritos ou não,
constituindo o que se denomina de fontes
primárias”. (Marconi & Lakatos, 2010, p.
157).
Os estudos levam em consideração
aspectos qualitativos para que seja possível
identificar as aproximações e
distanciamentos do curso analisado com a
Educação Popular e a Educação do Campo.
Nesse sentido, Gil (2008) explica que este
tipo de investigação caracteriza a pesquisa
exploratória, que nos possibilita coletar
informações a respeito do fenômeno em
estudo. Ainda em concordância com o
autor, podemos afirmar que a pesquisa se
assemelha ao estudo de caso, embora não
tenhamos restringido a investigação, aqui
desenvolvida, a uma turma,
especificamente, nem a determinado grupo
de agricultores familiares de uma das
localidades, de modo mais específico. Por
essa razão, nossa análise focou-se em
características gerais que permitem inferir
sobre o caráter do curso.
Fazer inferências sobre
características que julgamos responderem
satisfatoriamente às perguntas da pesquisa
é um procedimento metodológico válido
para esta proposta, pois, conforme Gomes
(2016, p. 81): “Fazemos inferência quando
deduzimos de maneira lógica algo do
conteúdo que está sendo analisado”.
Ressaltamos que, mesmo fazendo
referência a alguns dados quantitativos
alcançados na pesquisa, a análise tem
como centralidade os aspectos qualitativos,
o que indica ser uma pesquisa com essa
característica.
Do ponto de vista teórico e
epistemológico, tomamos como categorias
centrais no processo de análise: a
Educação Popular; a Educação do Campo;
a Extensão; e a Agricultura Familiar. Essas
categorias serão colocadas, de certa forma,
em relação tensa com aquelas da esfera
pública, tais como: a Política de Governo;
o Ensino Público; e a Educação
Profissional. Estas últimas aparecem, às
vezes, como entraves aos objetivos da
Educação Popular e da Educação do
Campo.
O primeiro tópico apresenta uma
breve contextualização do momento em
que foram instituídos o Pronatec e o
Pronatec Campo, tendo como aspecto
central o seu caráter de formação
aligeirada, voltada para o mercado e
comprometida com o Sistema Nacional de
Aprendizagem, que vamos nos referir ao
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longo do texto como Sistema S. Também,
procuramos refletir sobre o papel do Setor
de Extensão e apresentar alguns aspectos
que preocupam os representantes dos
trabalhadores do campo e, em particular,
os agricultores familiares.
O segundo ponto aborda as
condições em que o programa foi
absorvido pelo IF Farroupilha,
especialmente no que se refere às
expectativas dos movimentos sociais do
campo em relação aos cursos do Pronatec
Campo, tomando como referência a
relação Pronatec e Setor de Extensão com
os trabalhadores do campo no IF
Farroupilha - Campus Santo Augusto.
Quanto às expectativas dos movimentos
sociais do campo, nos baseamos no texto
do Fórum Nacional de Educação do
Campo realizado em 2012 (Fonec, 2012).
O foco priorizado será a incipiente
experiência da instituição com as
atividades de ensino e extensão fora da
sede do Campus.
Por fim, no terceiro tópico,
apresentaremos uma análise do Projeto
Pedagógico do Curso de Agricultor
Familiar e do documento de avaliação
utilizado na etapa final dos cursos. Nessa
análise, traremos, também, reflexões que
um dos autores teve na condição de
Coordenador de Extensão, como professor
da disciplina de Integração e Orientação
Profissional e, mais tarde, como
Coordenador Adjunto do programa, no
Campus Santo Augusto. O objetivo é
identificar em que medida o curso esteve
em sintonia com os anseios da Educação
Popular e com as demandas da Educação
do Campo.
Pronatec Campo e Extensão
Com o objetivo de expandir a oferta
de cursos profissionalizantes para além do
que vinha ocorrendo com a criação dos
Institutos Federais, o Governo Federal
criou, através da Lei 12.513/2011, o
Pronatec Programa Nacional de Acesso
ao Ensino Técnico e Emprego. Na referida
lei, está escrito que o programa visa a
aumentar as oportunidades de formação
técnica e auxiliar na melhoria do ensino
médio público, articulando-o com o ensino
profissionalizante. O programa prevê,
ainda, contribuir com melhorias na rede
física do ensino profissionalizante. Quanto
a sua implementação, abre espaço à
participação da União, das redes estaduais
e do Distrito Federal, dos municípios e do
Sistema S, tendo como público-alvo os
trabalhadores urbanos e rurais, de modo
geral, destacando, ainda, o atendimento aos
povos indígenas, quilombolas e jovens em
cumprimento de medidas socioeducativas.
Para a participação dos trabalhadores
da Agricultura Familiar, o programa foi
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articulado ao Ministério do
Desenvolvimento Agrário e ao Plano
Safra, a começar no ano de 2013. A partir
dessa iniciativa do governo federal,
instalou-se uma discussão em torno das
características do programa e dos objetivos
do Pronatec Campo, com vistas a
contemplar as experiências da Educação do
Campo nos cursos de formação a serem
ofertados. Durante o Seminário Nacional
do Fórum Nacional da Educação do
Campo, ocorrido em Brasília, em 2012
(Fonec, 2012), foram feitas muitas críticas
ao Pronatec Campo. Entre elas, merecem
ser destacadas: estar sendo implementado
sem aprofundar discussões com os
movimentos sociais do campo; não
desenvolver o ensino técnico na forma
integrada à escolarização básica; e as
finalidades do programa estarem muito
mais voltadas aos interesses do
agronegócio.
O Pronatec Campo iniciou, portanto,
sob muitas dúvidas e preocupações dos
movimentos sociais do campo, somadas
àquelas dirigidas ao Pronatec como um
todo. Houve severas críticas sobre a
participação do Sistemas S na formulação
do Pronatec Campo, nesse caso através do
Sistema Nacional de Aprendizagem Rural
(Senar). A oferta de cursos pelo Sistema S
tornou-se majoritária nos cursos
profissionalizantes urbanos. É importante
salientar que os movimentos sociais do
campo não rejeitaram o programa como
um todo, por entenderem que
Não o os cursos um mal em si
mesmo e nem pode o programa ser
rechaçado em bloco. Entendemos que
especialmente as brechas de inserção
dos institutos federais em desafios de
formação dos trabalhadores do
campo podem ser potencializadas na
direção de outro paradigma de
agricultura. (Fonec, 2012, p. 20).
Os trabalhadores do campo aderiram
ao programa fazendo algumas exigências.
Uma delas foi, exatamente, que os cursos
fossem executados pelas instituições
públicas de ensino, rejeitando o Sistema S.
A expectativa do movimento foi de
encontrar na rede pública um ambiente
mais democrático de elaboração dos
projetos de curso, para que melhor
atendessem às demandas do campo e da
Educação do Campo, fundamentada na
perspectiva de uma educação
transformadora e de respeito aos modos de
vida no campo. Um dos aspectos bastante
enfatizado pelos movimentos sociais, em
relação ao Pronatec Campo, foi a
necessidade de abertura para as
experiências da Pedagogia da Alternância,
que tem muita credibilidade entre os
agricultores familiares pela trajetória de
várias décadas no Brasil, nas Casas
Familiares Rurais e nas Escolas Famílias
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Agrícolas (Zonta, Trevisan & Hillesheim,
2010).
Pelo envolvimento direto de um dos
autores no programa, constatou-se que
houve empenho do IF Farroupilha -
Campus Santo Augusto no sentido de
atender a algumas demandas do campo,
mas, também, o cumprimento das
determinações da política de governo para
acelerar a execução do maior número
possível de cursos, no tempo determinado.
Por ser uma política de governo, o
programa foi determinado com um
conjunto de procedimentos e prazos
considerados imprescindíveis, gerando
discordâncias entre essas imposições e as
necessidades dos trabalhadores do campo.
No IF Farroupilha Campus Santo
Augusto, processo que acompanhamos de
perto e que é objeto desta análise, o setor
de Extensão, como um todo, foi absorvido
pelas demandas do Pronatec. Não houve
tempo para planejamentos mais
minuciosos dos cursos e, de forma muito
clara, o que prevaleceu foi a execução
aligeirada para aplicar os recursos
disponíveis, no tempo estabelecido pelos
processos burocráticos determinados pela
política de governo.
Especialmente nos anos de 2013 e
2014, Extensão e Pronatec tornaram-se
quase sinônimos, embora outros projetos
tenham sido desenvolvidos nesse período.
A urgência influenciou significativamente
a qualidade dos cursos, pois diminuiu o
tempo de planejamento e, sobretudo,
inviabilizou processos mais efetivos de
avaliação. Em relação às atividades de
extensão, se por um lado funcionou como
mecanismo de aproximação com as
representações de trabalhadores, por outro,
restringiu o desenvolvimento de projetos
de longo prazo, pois a prioridade foi a
execução do programa.
A extensão, que conforme Freire
(2008) é uma forma não dialógica e nem
permite que os trabalhadores do campo
possam ser protagonistas da sua formação,
pois refere-se à transferência de algo de
fora e não construído coletivamente,
tornou-se uma simples correia de
transmissão, não conseguindo aprofundar
diálogos com as comunidades envolvidas e
nem estimulou a indissociabilidade com o
ensino e a pesquisa. Na perspectiva da
Educação Popular e da Educação do
Campo, esta seria a relação fundamental,
pois concordamos e
Estamos convencidos de que,
qualquer esforço de educação
popular, esteja ou não associado a
uma capacitação profissional, seja no
campo agrícola ou no industrial
urbano, deve ter, pelas razões até
agora analisadas, um objetivo
fundamental: através da
problematização do homem-mundo
ou do homem em suas relações com
o mundo e com os homens,
possibilitar que estes aprofundem sua
tomada de consciência da realidade
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na qual e com a qual estão. (Freire,
2008, p. 21).
Se entendida como um espaço
possível do diálogo e da partilha de
conhecimentos, mesmo que na sua origem
e tradição prática ela seja antidialógica,
acreditamos que a extensão pode ser um
espaço democratizante da educação formal.
O papel da extensão, no cumprimento da
indissociabilidade com a pesquisa e o
ensino (Constituição Federal, 1988) pode
ser o de articulação entre os projetos de
pesquisa, as demandas dos trabalhadores e
os projetos de curso. Para isso, o
conhecimento que a instituição produz com
a pesquisa, e a organização didática do
conhecimento acumulado precisa, ao
lado do conhecimento prático dos
trabalhadores, tornar-se elemento de
ligação entre saberes de caráter práxico e
não de hierarquização ou até exclusão de
conhecimentos.
Os institutos federais têm na sua
origem a finalidade de articular os
conhecimentos tecnológicos à realidade do
mundo do trabalho e dos arranjos
produtivos e sociais. Nesse sentido, no
Plano de Desenvolvimento Institucional do
IF Farroupilha (PDI) consta o seguinte:
Na relação ensino, pesquisa e
extensão amplia-se o conceito de aula
para além do tempo formal na
instituição, para todo tempo e espaço,
dentro ou fora da instituição. A
pesquisa e a extensão são princípios
educativos em cursos de todos os
níveis e modalidades e devem
constituir-se em trabalho específico e
sistemático em resposta às
necessidades que emergem na
articulação entre o currículo e os
anseios da comunidade. (Plano de
Desenvolvimento Institucional IF
Farroupilha, 2014-2018, p. 53).
Portanto, podemos afirmar que a
instituição tem, e teve desde a sua criação,
até mesmo por determinação legal, o
objetivo de articular pesquisa, extensão e
ensino. Ela reconhece a sua importância no
desenvolvimento dos processos educativos.
Entretanto, dependendo do caráter e das
circunstâncias em que são desenvolvidos
os cursos, os processos e os resultados
podem ser distintos.
Constatamos, em nossa experiência,
que a introdução do Pronatec e do Pronatec
Campo pouco contribuiu para o avanço do
diálogo e da cooperação entre os saberes.
Mais fortemente, talvez, reforçou a ideia
de extensão como transmissão dos
conhecimentos que os que possuem
entregam aos que ainda não têm. Com isso,
a extensão, embora com algum esforço de
intervenção quanto às temáticas e às
práticas pedagógicas, caracterizou-se como
ação de ordenamento burocrático na
implantação do programa e na execução
dos cursos. O que podemos destacar de
importante foram as reuniões realizadas
para o conhecimento, mesmo que limitado,
das realidades de cada localidade. Essas
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reuniões foram organizadas pela Direção
do Departamento de Pesquisa e Extensão
do Campus Santo Augusto, Coordenação
de Extensão e Coordenação do Pronatec,
com as diretorias das entidades dos
trabalhadores participantes. Fizeram parte
os sindicatos filiados à Federação dos
Trabalhadores na Agricultura Familiar do
Rio Grande do Sul (Fetraf- RS), Federação
dos Trabalhadores na Agricultura no Rio
Grande do Sul (Fetag RS) e a Casa
Familiar Rural de Catuípe, RS. Todos
pertencentes à região de abrangência do IF
Farroupilha Campus Santo Augusto.
Nesses encontros, prevaleceu o diálogo
como forma de avaliação das necessidades
de cada uma das localidades interessadas.
Graças a esses entendimentos, apesar
de não constar na organização didática do
Projeto Pedagógico, foi possível
compreender e atender peculiaridades que
se apresentaram como desafios no
desenvolvimento do curso, em diferentes
turmas, levando em consideração as
especificidades de cada uma delas. Isso nos
possibilitou, por exemplo, desenvolver
cursos em módulos, sem alterar os ciclos
de aulas presenciais da Casa Familiar
Rural de Catuípe, cuja organização
didática é estruturada através da Pedagogia
da Alternância.
A experiência ensinou o quanto é
importante a instituição, na condição de
executora de uma política de governo,
mobilizar esforços no sentido de fazer as
adequações possíveis. Foram alterações
pontuais, ora de organização, ora de caráter
didático e pedagógico, dentro da
macroestrutura do programa. Talvez as
únicas possíveis, dentro de um programa
de educação profissional aligeirada, muito
focado nos aspectos quantitativos. É nesse
sentido que nos referimos à tensão entre a
Educação Popular e a educação executada
pelo poder público, que existe na
estrutura de escolarização básica, mas que
no Pronatec Campo apresentou desafios
específicos. Provocado sobre a dicotomia
entre a Educação Popular em si, praticada
nos movimentos populares, e a escola
pública, referindo-se aos educadores e
educadoras, Freire respondeu: “Cabe a eles
e a elas, finalmente, realizar o possível de
hoje para que concretizem, amanhã, o
impossível hoje". (Freire, 2014, p. 117-
118). Nesse mesmo texto, o autor chama a
atenção para a historicidade dos atos
educativos.
A relação Pronatec Campo, Extensão e
Trabalhadores do Campo, no Campus
Santo Augusto
Especificamente no IF Farroupilha
Campus Santo Augusto as atividades de
extensão não tinham um perfil
consolidado, pois as experiências de
diálogo local e regional eram incipientes,
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embora tivessem sido realizadas duas
atividades importantes de cunho regional:
um curso de Formação Inicial e
Continuada de trabalhadores (FIC),
(Decreto 5840/2006-Resolução
48/2008), muitos deles ligados ao trabalho
no campo, e um curso de Especialização
em Educação de Jovens e Adultos, com
ênfase em Educação do Campo.
No que diz respeito às atividades
realizadas no biênio 2013-2014, através do
Pronatec Campo, foco da pesquisa que deu
origem a este artigo, foram ofertadas, no
ano de 2013, nove turmas do Curso de
Agricultor Familiar, distribuídas em vários
municípios da Região denominada
Noroeste Colonial. No ano seguinte, foram
executados mais três cursos destinados aos
trabalhadores do campo, sendo uma turma
do curso de Agricultor Familiar, uma do
curso de Bovinocultor de Leite e outra de
Produtor de Frutas, Hortaliças e Plantas
Aromáticas Processadas por Secagem e
Desidratação.
O quadro de professores nos cursos
do Pronatec e do Pronatec Campo foi
constituído, conforme determinação legal,
a partir de editais internos e externos. Isso
possibilitou a participação de servidores do
IF Farroupilha Campus Santo Augusto e
de profissionais ligados a outras
instituições. Qual a importância dessa
singularidade? De forma geral, as políticas
de educação são voltadas para um coletivo
abstrato.
Nossa tradição inspira-se em uma
visão generalista de direitos, de
cidadania, de educação, de igualdade
que ignora diferenças de território
(campo, por exemplo), etnia, raça,
gênero, classe. Ao longo de nossa
história, essa foi a suposta inspiração
das LDBs da Educação, do
arcabouço normativo dos diversos
conselhos, dos formuladores e
implementadores de políticas de
gestão, currículo, formação, do livro
e material didáticos, da organização
dos tempos escolares e da
configuração do sistema escolar.
(Arroyo, 2007, p. 160).
Partindo-se do pressuposto de que
nosso pensamento e nossa prática supõem
que as políticas devam ser universalistas
ou generalistas, válidas para todos, sem
distinção, pode-se dizer que a forma de
seleção amplificou as dificuldades para que
o perfil dos cursos fosse ao encontro das
demandas dos movimentos sociais do
campo, que reivindicam uma formação
baseada nos referenciais teóricos e práticos
da Educação do Campo.
A Educação do Campo incorpora os
conhecimentos construídos na organização
dos trabalhadores do campo e se confunde
com a luta pelo direito à educação para os
trabalhadores do campo (Caldart, 2012a).
Por isso mesmo, tem um perfil crítico e de
compromisso com as transformações
sociais. “É um projeto de educação que
reafirma, como grande finalidade da ação
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educativa, ajudar no desenvolvimento mais
pleno do ser humano, na sua humanização
e inserção crítica na dinâmica da sociedade
de que faz parte...”. (Caldart, 2011, p. 154).
Duas questões merecem ser
consideradas como obstáculo na
construção de um curso de perfil crítico e
voltado para as demandas dos movimentos
sociais do campo: a primeira é que muitos
docentes efetivos no IF Farroupilha
Campus Santo Augusto não conheciam
suficientemente a Educação do Campo e
seus objetivos, como também havia e
diferentes visões de educação entre eles; a
segunda é que não foi possível, pela
natureza dos processos seletivos
mencionados, contar com um quadro
permanente de professores, cujas práticas
poderiam ser repensadas e aprimoradas a
partir do diálogo e da experiência. Isso fez
com que houvesse mudança de enfoque
nas disciplinas dos cursos, em especial no
que diz respeito à formação básica
pretendida nos objetivos e ementas
i
. A
respeito dessa questão, acreditamos que
seja comum aos processos educativos
conduzidos pelas instituições públicas, cuja
pluralidade de ideias e interpretações é
muito grande. Mas é preciso considerar
que o direito à educação é um objetivo
claro dos movimentos protagonizados
pelos trabalhadores do campo e de
segmentos universitários (Munarim et al.,
2009), fato que concorre positivamente
para que tenha havido esforço de todos os
participantes na tentativa de dar qualidade
aos cursos.
Além dessa falta de continuidade do
corpo docente nas diferentes turmas, no
que diz respeito aos cursos destinados aos
trabalhadores da Agricultura Familiar,
acentuamos uma segunda questão que
contribui para esta análise: ao
pesquisarmos os relatórios das atividades
de extensão executadas no período,
verificamos que os projetos não foram
destinados a interagir com a realidade local
e regional dos trabalhadores do campo. No
ano de 2013, os projetos desenvolvidos não
estavam voltados para o objetivo
específico de atuar junto aos trabalhadores
do campo, ou, mais especificamente, da
Agricultura Familiar, que é uma realidade
na região. No ano seguinte, apenas um
projeto teve como temática os arranjos
produtivos locais envolvendo de maneira
direta os trabalhadores do campo.
As informações referentes às
atividades de extensão nos indicam a falta
de continuidade das relações estabelecidas
nos primeiros anos de implantação do
Campus Santo Augusto, descritas
inicialmente, e ausência de sintonia entre o
Pronatec Campo e as demais atividades.
Não houve articulação para estabelecer um
diálogo que fosse capaz de tratar com
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maior profundidade os problemas relativos
à Agricultura Familiar na região. Mesmo
algumas ações que, indiretamente
poderiam interessar aos agricultores
familiares, como cursos de melhoria nos
processos agroindustriais, não foram
ofertados aos trabalhadores do campo em
suas propriedades, ficando restritos aos
estabelecimentos estruturados, como as
agroindústrias de Santo Augusto,
contempladas em projeto de extensão.
Podemos afirmar que há, portanto, a
necessidade de uma maior aproximação
entre as ações de extensão e a organização
de cursos de formação para os agricultores
familiares. Nesse sentido, a forma
aligeirada de organização e execução dos
cursos do Pronatec Campo, juntamente
com a falta de continuidade nas relações
entre o setor de extensão do IF Farroupilha
- Campus Santo Augusto e as comunidades
locais e regionais, dificultaram o
atendimento de demandas importantes dos
movimentos sociais do campo e da própria
instituição que tem a indissociabilidade
entre ensino, pesquisa e extensão como um
dos seus objetivos. “A mira desses
movimentos são as políticas públicas”.
(Munarim et al., 2009, p. 57).
O Curso de Agricultor Familiar, a
Educação Popular e a Educação do
Campo
Analisar um projeto pedagógico,
para apontar possíveis compromissos do
curso com os referenciais pedagógicos da
Educação Popular e da Educação do
Campo, requer, em primeiro lugar,
reconhecê-las enquanto campo teórico e
prático que protagonizam experiências
educacionais diferentes da educação
concebida majoritariamente na
contemporaneidade. Conforme Mejía
(2003, p. 83), “Um dos fenômenos mais
interessantes gerados pela educação
popular é a forma como liberta o fato
pedagógico tirando-o da esfera escolar e
colocando-o nos diferentes processos de
socialização”. Para Brandão (2012), a
educação popular tem ocorrido em
diferentes situações,
Uma primeira experiência de
educação com as classes populares a
que se deu sucessivamente o nome de
educação de base (no MEB, por
exemplo), de educação libertadora,
ou mais tarde de educação popular
surge no Brasil no começo da década
de 1960. (Brandão, 2012, p. 90).
As concepções de Educação Popular
vêm tomando diferentes formas, ao longo
da história brasileira. Para a análise aqui
realizada, consideramos que a Educação
Popular é “... uma prática educativa que se
propõe a ser diferenciada, isto é,
compromissada com os interesses e a
emancipação das classes subalternas”.
(Paludo, 2001, p. 82). Entendemos que os
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trabalhadores da Agricultura Familiar e os
trabalhadores do campo, de modo geral,
ocupam esse espaço subalterno diante da
hegemonia política do Agronegócio.
Embora concordemos com o fato de
que a educação ocorre em diferentes
espaços sociais, ou seja, para além da
escolarização formal, sempre que referida
sem adjetivação nos conduz a pensar na
educação estruturada com finalidades
sociais, sobretudo a escolarização. Por
consequência, refere-se à adequação dos
novos integrantes de uma sociedade aos
seus valores hegemônicos. Quando a
educação vem acompanhada do adjetivo
“popular” ou “do campo”, vincula-se ao
percurso que as demandas por educação do
povo percorreram ao longo da história
mais recente, de maneira muito especial,
no interior dos movimentos sociais e, em
certas circunstâncias, em programas
oficiais e espaços escolares organizados de
maneira específica para a educação dos
populares.
Para Brandão (2002), os populares
são os índios, os camponeses e os
operários, que ao longo da história tiveram
apenas um mínimo de escolarização para
que continuassem à disposição do sistema
exploratório ao qual foram submetidos.
Embora na segunda metade do século
passado as experiências da Educação
Popular tenham tido forte cooperação de
Universidades Federais e Campanhas, cuja
participação do Estado foi importante,
... o que tornou historicamente
possível a emergência da educação
popular foi a conjunção entre
períodos de governos populistas, a
produção acelerada de uma
intelectualidade estudantil,
universitária, religiosa e
partidariamente militante, e a
conquista de espaços de novas
formas de organização das classes
populares. (Brandão, 2012, p. 91).
Há, nesse sentido, um processo
educacional para além dos conhecimentos
sistematizados historicamente e herdados
pelas novas gerações, pois o próprio
espaço em que ocorrem as práticas sociais
constitui instrumento de educação não
formal.
Seus objetivos não são dados a
priori, eles se constroem no processo
interativo, gerando um processo
educativo. Um modo de educar é
construído como resultado do
processo voltado para os interesses e
as necessidades dos que participam.
(Gohn, 2010, p. 19).
A Educação do Campo vem se
constituindo, apesar das suas
especificidades, a partir de práticas
semelhantes à Educação Popular em geral.
Ela tem sido construída nos movimentos
sociais do campo, cuja luta pelo direito a
terra e à preservação dos modos de vida no
campo, ao lado da busca pelo acesso ao
conhecimento sistematizado vem tecendo
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uma pedagogia do movimento (Caldart,
2012b).
Ao procurarmos identificar
aproximações entre o curso de Agricultor
Familiar, a Educação do Campo e a
Educação Popular, não pretendemos entrar
na discussão sobre sua possibilidade plena
nos espaços públicos. Por outro lado,
conforme já mencionamos anteriormente, a
Educação Popular contou e conta com a
participação do sistema público. Se é
inegável que carência de investimentos
públicos e, por consequência, a existência
de uma significativa parcela da população
sem acesso à escolarização de qualidade,
ações que oportunizam experiências
importantes. E essa aproximação pode ser
educativa e transformadora de diferentes
sujeitos, como universitários e professores
que atuam em programas envolvendo
universidades, governos e movimentos
sociais (Souza, 2012).
O ambiente peculiar da
aprendizagem popular criou as condições
para o desenvolvimento de metodologias
alternativas de ensino e aprendizagem,
cujas características são mais adequadas à
realidade dos populares. Conforme
Brandão (2012), a incorporação dos
populares aos sistemas oficiais de ensino
não supera as desigualdades sociais e a
hierarquia dos saberes. Nesse sentido, o
autor reforça a ideia de que uma relação
tensa entre o saber popular e o saber
erudito. É nessa perspectiva que
entendemos os limites das tentativas de
aproximação entre um curso ofertado por
uma instituição pública e a Educação
Popular. Mas, por outro lado, também pode
ser uma oportunidade de diálogo entre
conhecimentos e experiências de educação.
A Educação do Campo resulta de
uma trajetória que, em grande medida, se
confunde com a própria história da
Educação Popular como um todo, em
especial pelos processos educativos que
ocorrem entre os participantes do
movimento, as relações que estabelecem
com as forças sociais hegemônicas e com o
Estado (Gohn, 2012). Uma pedagogia da
Educação do Campo vem se constituindo
ao longo da história da organização dos
trabalhadores do campo, inclusive na luta
pelo direito à escolarização. Conforme
explica Caldart (2011, p. 149):
Um dos traços fundamentais que vem
desenhando a identidade deste
movimento por uma educação do
campo é a luta do povo do campo por
políticas públicas que garantam o seu
direito à educação a uma educação
que seja no e do campo.
esforços no sentido de construir
uma identidade cada vez mais autêntica
entre a Educação do Campo, os sujeitos do
campo e seus interesses históricos. Para a
autora
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A educação do campo se identifica
pelos seus sujeitos: é preciso
compreender que por trás da
indicação geográfica e da frieza de
dados estatísticos está uma parte do
povo brasileiro que vive neste lugar
e desde as relações sociais
específicas que compõem a vida no
e do campo, em suas diferentes
identidades e em sua identidade
comum; estão pessoas de diferentes
idades, estão famílias,
comunidades, organizações,
movimentos sociais... (Idem, p.
150-151).
No caso da Educação do Campo, a
luta pela escolarização é um fato que faz
parte da mesma luta dos trabalhadores por
terra, por política agrícola e por escola
pública. Por essa razão, a tensão entre os
programas de ensino, ou mais
especificamente no caso em estudo, entre a
organização burocrática dos cursos do
Pronatec Campo e a Educação do Campo,
adentra aspectos pedagógicos em si.
Determinadas expressões demarcam
objetivamente o posicionamento dessa
pedagogia. “Trata-se de uma educação dos
e não para os sujeitos do campo. Feita sim
através de políticas públicas, mas
construídas com os próprios sujeitos dos
direitos que a exigem”. (Caldart, 2011, p.
151).
Na análise do Projeto Pedagógico do
Curso, observamos que consta, como
objetivo geral do curso, atender a
demandas elencadas em um mapa de
oportunidades gerado a partir do diálogo
do IF Farroupilha com diversas entidades
regionais. Isso indica que, pelo menos no
que tange à oferta de cursos, o programa
foi apresentado com a disposição de ouvir
e atender às necessidades locais e
regionais. Nesse sentido, em se tratando
dos trabalhadores do campo, a postura da
instituição ofertante - o IF Farroupilha - foi
coerente com uma das reivindicações dos
movimentos sociais do campo, que é o
estabelecimento do diálogo.
Em relação ao conjunto dos objetivos
específicos que constam no projeto
pedagógico, podemos dividi-los em dois
eixos: o primeiro refere-se à formação
técnica em si, ressaltando, inclusive, o
desejo de que haja uma capacitação rápida;
e o segundo diz respeito à preocupação em
oportunizar uma formação geral, fazendo,
inclusive, referência aos “...valores
necessários ao profissional-cidadão, tais
como o domínio da linguagem, o
raciocínio lógico, relações interpessoais,
responsabilidade, solidariedade e ética,
entre outros”. (Projeto Político
Pedagógico, 2013). Nos dois casos, não
está objetivamente manifestada à vontade
de suscitar qualquer questionamento sobre
as condições históricas em que vivemos.
Em outras palavras, não componentes
da Educação Popular expressos nos
objetivos, pois, se assim fosse, entre eles
estaria à compreensão do processo
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histórico que envolve os trabalhadores do
campo e, especificamente os agricultores
familiares.
No espaço reservado à descrição do
perfil do egresso, destaca-se a ênfase na
“competência técnica e tecnológica”, isto
é, na necessidade de que o profissional
esteja habilitado para o desenvolvimento
das atividades da Agricultura Familiar, o
que parece óbvio por se tratar de uma
finalidade específica do curso. Também,
faz referência ao compromisso com uma
agricultura sustentável. Seria uma defesa
da agroecologia e um afastamento da
lógica do agronegócio? Se considerarmos
que, adiante, ainda na descrição do perfil
do egresso, aparece a preocupação com a
formação humanística, de cultura geral
integrada à formação técnica, dentro de
uma ética da sustentabilidade, é possível
concluir que sim. Entretanto, não existe um
posicionamento mais claro em relação ao
caráter das práticas agrícolas defendidas
pelo curso, que poderia sinalizar o
compromisso com a resistência dos
trabalhadores do campo em relação à
lógica do agronegócio. Isso revela o
aspecto generalista da formação, e que
possivelmente essas ideias são comuns nos
demais cursos, não representando,
portanto, compromissos mais específicos
com as lutas dos trabalhadores
participantes.
No fechamento da seção referente ao
perfil do egresso, está escrito:
Em específico, o curso de Formação
Inicial e Continuada (FIC) Agricultor
Familiar busca capacitar produtores
no entendimento da complexidade e
dinâmica do mundo rural e das
práticas produtivas adotadas pelos
produtores, pretende ainda, contribuir
na formação de agentes de
transformação da realidade local.
(Projeto Político Pedagógico, 2013).
A mensagem de fechamento do texto
referente ao perfil do egresso retoma um
objetivo específico, do qual destacamos a
preocupação com a transformação da
realidade local. A expressão "educação
transformadora" tornou-se lugar comum
em documentos escolares, assim como a
palavra "transformação", muitas vezes "...
esgotada ... de sua dimensão de ação”.
(Freire, 2005, p. 90). Fica difícil, portanto,
saber se uma relação efetiva entre essas
expressões e os referenciais teóricos da
Educação Popular e da Educação do
Campo, em favor de mudanças da
realidade concreta, pois determinados
conceitos têm sido apropriados por
distintos programas educacionais e
projetos pedagógicos.
No tocante à organização curricular,
dois conjuntos de disciplinas, sendo um
referente à formação técnica e outro
voltado à formação básica. Nas disciplinas
da formação técnica, são contemplados
vários aspectos que visam à melhoria da
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produção e organização da propriedade
familiar. Nesse conjunto, não é possível
perceber qualquer similitude com os
compromissos da Educação do Campo e da
Educação Popular, por se tratar de aspectos
técnicos. Entretanto, nas disciplinas que
denominamos formação básica, estão
citados conteúdos que permitem avançar
na compreensão do mundo, pelo
aprimoramento dos diferentes códigos e
linguagens, ao mesmo tempo em que são
tratados temas que ampliam a compreensão
da realidade social, assim como apontam
para as necessárias transformações dessa
realidade. Nesse sentido, é possível
observar importantes aproximações com os
referenciais teóricos da Educação do
Campo e da Educação Popular.
No que ficou identificado como
formação básica acima referida e descrita,
destacamos uma disciplina em especial,
denominada Integração e Orientação
Profissional. Ela foi criada para ser uma
espécie de abertura da formação proposta
em todos os cursos do Pronatec e do
Pronatec Campo, no IF Farroupilha -
Campus Santo Augusto. Os pontos
elencados na ementa dessa disciplina
exemplificam o esforço empreendido no
sentido de alargar os horizontes da
formação. Para facilitar o entendimento da
análise proposta, transcrevemos
literalmente os tópicos constantes na
ementa:
Conhecimentos sobre o Pronatec e o
IF Farroupilha. Indivíduo e
sociedade, direito e cidadania. As
mudanças no mundo do trabalho. A
relação entre capital e trabalho.
Formas de organização dos
trabalhadores. Comunicação no
trabalho. Perfil profissional, currículo
e entrevista. Legislação trabalhista.
(Projeto Político Pedagógico, 2013).
Exatamente a metade dos tópicos da
ementa apresenta correspondência a
conteúdos que abrem espaço para a
reflexão, para um dar-se conta da situação
vivida (Freire, 2005). Confrontando
projetos individuais e coletivos, foi
possível iniciar um exercício reflexivo da
nossa condição de indivíduo e as
implicações do nosso ser social. A
percepção do outro e a possibilidade de
realização coletiva no mundo do trabalho
desencadearam reflexões significativas
entre os agricultores, especialmente sobre
o modo individualista e competitivo que
vem tomando conta da vida no campo.
Em consequência, tornaram-se
frequentes as reflexões acerca das tradições
perdidas, entre as quais estão a cooperação,
os mutirões, os empréstimos e os serviços
compartilhados. Muitos desses agricultores
falam dessas práticas como histórias
narradas pelos seus pais. Ao mesmo
tempo, um desencanto com muitas das
experiências cooperativas, por exemplo.
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Durante as discussões, foram comuns as
manifestações de decepção com as formas
de representação e organização no campo.
Entretanto, quando discutidas as mudanças
tecnológicas e as formas com que elas
atingiram a Agricultura Familiar, surgiram
manifestações sobre a necessidade de
alguma maneira de organização coletiva
para enfrentar custos e concorrências.
Esses momentos podem ser reconhecidos
como aqueles em que “... aprofundando a
tomada de consciência da situação, os
homens se “apropriam” dela como
realidade histórica, por isto mesmo, capaz
de ser transformada por eles”. (Freire,
2005, p. 85).
As temáticas do trabalho e da
organização dos trabalhadores do campo
possibilitaram refletir sobre as relações
entre capital e trabalho. Embora os
agricultores familiares não estejam
subordinados ao capital como empregados
pois ainda usam a mão de obra familiar e
são donos da terra e dos equipamentos de
trabalho (meios de produção) estão cada
vez mais condicionados pelos sistemas
financeiros e de mercado, controlados pelo
capital. Ouvimos reiteradas vezes sobre as
formas de imposição de regras e
sobreposição dos interesses de empresas
sobre os agricultores familiares. Sabemos
que essa relação perversa estabelecida com
os agricultores familiares faz parte da
mercantilização da produção primária e
aniquilamento dos modos de vida no
campo. “A concentração da terra e,
portanto, a centralização da riqueza
capitalista vem expropriando um enorme
contingente de trabalhadores rurais que,
em grande parte, tornam-se assalariados no
campo ou fora dele, quando se tornam”.
(Fiod, 2009, p. 48). Muitos agricultores
manifestaram a esperança de que a
qualificação das suas atividades pode lhes
garantir a continuidade no campo. Todavia,
são em grande número os exemplos de
desistência e perda da pequena
propriedade, realidade que eles mesmos
constatam nas suas localidades.
Pelo que está contemplado no
Projeto Pedagógico do Curso, de modo
geral, poderíamos concluir que o curso não
tem relação com os projetos da Educação
Popular e da Educação do Campo. No
entanto, um olhar mais atento sobre os
temas abordados no módulo da formação
básica, mais especificamente na disciplina
Integração e Orientação Profissional,
possibilita afirmarmos que houve pelo
menos uma intencionalidade de inserir
aspectos importantes daqueles projetos de
educação. A avaliação sobre a experiência
que tivemos no ano de 2013 permite
afirmar que houve espaços privilegiados de
análise e reflexão sobre as condições da
Agricultura Familiar, seu caráter
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estratégico na produção de alimentos e seu
projeto distinto do Agronegócio.
Sobre a avaliação, o Projeto
Pedagógico prevê uma variedade de
instrumentos que cada docente pode
utilizar para apurar os resultados sobre os
objetivos da sua disciplina. Não foi
possível analisar essas avaliações, pois,
pela organização dos cursos do Pronatec e
do Pronatec Campo, somente uma
avaliação geral foi arquivada. A partir dela
não se pode inferir sobre o caráter da
abordagem das disciplinas como um todo,
pois os aspectos sobre os quais os
participantes foram provocados a se
manifestar são genéricos e focados na
organização e funcionamento do curso,
ensejando, conforme nos referimos, o
objetivo de compilar informações de
caráter burocrático. Mas a avaliação por
disciplina, conforme a estrutura do Projeto
Pedagógico, foi diagnóstica, formativa e
somativa, operacionalizada por diferentes
instrumentos como: seminários, testes
escritos e orais, demonstração de técnicas
em laboratórios, resenhas etc.
Na ficha disponibilizada para as
avaliações, aparecem três campos com
alguns itens a serem respondidos. Não
analisamos as respostas assinaladas em
relação a eles, por entendermos que por si
mesmos revelam o caráter burocrático
desse tipo de avaliação. Esses itens se
referem à forma de organização do curso;
ao trabalho desempenhado pelos
professores; ao desempenho da equipe
Pronatec; e concluem com um espaço de
autoavaliação dos participantes. Não
aparecem questionamentos que possam
gerar novas inferências quanto às
perguntas que na pesquisa tentamos
responder.
Conclusão
O que podemos apresentar a título de
conclusão? Partimos da hipótese da
necessidade de um diálogo entre a
extensão do Instituto Federal - Campus
Santo Augusto e os agricultores familiares,
para que os cursos de Agricultor Familiar
do Pronatec Campo fossem desenvolvidos
de forma coerente com os objetivos da
Educação Popular e da Educação do
Campo. A análise que realizamos envolveu
uma breve caracterização da Educação
Popular e da Educação do Campo, o que
possibilitou certa clareza à leitura dos
relatórios de extensão dos anos de 2013 e
2014 e do Projeto Pedagógico do Curso de
Agricultor Familiar realizado no mesmo
período, conforme proposta da pesquisa.
Constatamos um distanciamento
entre os projetos de extensão realizados
pelo IF Farroupilha - Campus Santo
Augusto e os cursos de Agricultor
Familiar, pelo Pronatec Campo.
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Apontamos esse aspecto como um entrave
ao aprofundamento do diálogo e da
constituição de um projeto pedagógico
mais identificado com as necessidades
históricas dos trabalhadores do campo.
Entretanto, ao revisitarmos nosso percurso,
principalmente pelo fato de um dos autores
deste artigo ter participado, em períodos
distintos, da Coordenação de Extensão e da
Coordenação do Pronatec Campo,
discernimos ações importantes no que diz
respeito à participação coletiva,
especialmente na definição dos cursos,
com a participação efetiva das entidades
representativas dos trabalhadores rurais
dos municípios envolvidos.
Consideramos que o Projeto
Pedagógico do Curso de Agricultor
Familiar apresenta limitações, muitas delas
relacionadas às exigências do programa,
mas que, mesmo assim, tem na sua
constituição a abertura para uma formação
que vai além da qualificação meramente
técnica. Os módulos de formação básica
representam um esforço no sentido de
desenvolver espaços de aprimoramento das
linguagens e interpretação das
circunstâncias históricas que estamos
vivendo. Nesse sentido, a disciplina de
Integração e Orientação Profissional foi
guardadas as diferenças de enfoque pelos
diferentes docentes envolvidos um
espaço para o diálogo.
Entendemos que o processo de
avaliação não pôde ser suficientemente
analisado, pois o que encontramos
arquivados foram apenas as avaliações
gerais, centradas em aspectos
metodológicos e organizacionais. Por essa
razão, fizemos uma breve referência ao
instrumento de avaliação aplicado no final
do curso e às formas e instrumentos de
avaliação indicadas para as disciplinas no
decorrer do processo. Sabemos que um
número significativo de participantes fora
chamado a se manifestar sobre os sentidos
da formação desenvolvida. Como optamos
por analisar as turmas de modo geral, não
mencionamos aspectos dessas avaliações
específicas.
Pelas limitações referidas, o curso
de Agricultor Familiar executado pelo
Pronatec Campo não apresentou vínculos
consistentes com as grandes demandas da
Educação Popular e da Educação do
Campo. Da mesma forma, as atividades de
extensão ficaram aquém daquilo que
poderíamos identificar como uma
“comunicação”, no sentido freireano, entre
a instituição e os agricultores familiares.
Entretanto, mesmo que de forma tímida, o
Projeto Pedagógico do Curso, ao reservar
um espaço para a formação básica,
possibilitou algumas práticas pedagógicas
que sinalizaram avanços. Houve diálogo
entre os participantes, ao menos em
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momentos pontuais, envolvendo as
representações dos trabalhadores, o que
destacamos como um aspecto importante a
ser considerado.
A pesquisa identificou vários
entraves no desenvolvimento do curso
analisado, o que remete à necessária
continuidade dos estudos sobre a complexa
relação entre as demandas da Educação
Popular e da Educação do Campo e os
limites das políticas de governo. Mas,
como aprendemos com Freire (2014), se
por um lado a educação progressista não
pode sozinha fazer as transformações
sociais, por outro, não podemos esperar
imóveis para fazê-la somente em uma
sociedade transformada. Assim,
procuramos compreender o processo de
execução do curso de Agricultor Familiar,
dentro dos limites do programa e
circunscrito às condições históricas do
momento. A mesma história que limita é a
que abre outras possibilidades.
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Abono Salarial e institui o Fundo de
Amparo ao Trabalhador (FAT), no 8.212,
de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre a
organização da Seguridade Social e institui
Plano de Custeio, no 10.260, de 12 de
julho de 2001, que dispõe sobre o Fundo
de Financiamento ao Estudante do Ensino
Superior, e no 11.129, de 30 de junho de
2005, que institui o Programa Nacional de
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Diferentes interpretações e abordagens ocorrem
nos cursos, pois mesmo os docentes do quadro
efetivo, em cursos técnicos e superiores ofertados
pelos Institutos Federais, como não poderia ser de
outra forma, m perspectivas distintas devido à
pluralidade de ideias que enriquecem os processos
educativos.
Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 05/08/2019
Aprovado em: 20/01/2020
Publicado em: 08/04/2020
Received on August 05th, 2019
Accepted on January 20th, 2020
Published on April, 8th, 2020
Contribuições no artigo: Os autores foram os
responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for
the designing, delineating, analyzing and interpreting the
data, production of the manuscript, critical revision of the
content and approval of the final version published.
Conflitos de interesse: Os autores declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Osmar Lottermann
http://orcid.org/0000-0002-5451-5312
Walter Frantz
http://orcid.org/0000-0002-4528-7389
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Lottermann, O., & Frantz, W. (2020). Curso de Agricultor
Familiar: possíveis aproximações com a Educação
Popular e a Educação do Campo. Rev. Bras. Educ.
Camp., 5, e7368. http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e7368
ABNT
LOTTERMANN, O.; FRANTZ, W. Curso de Agricultor
Familiar: possíveis aproximações com a Educação
Popular e a Educação do Campo. Rev. Bras. Educ.
Camp., Tocantinópolis, v. 5, e7368, 2020.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e7368