Revista Brasileira de Educação do Campo
The Brazilian Scientific Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e7672
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e7672
10.20873/uft.rbec.e7672
2020
ISSN: 2525-4863
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Saberes, Produção Associada e bem viver: A Festa de
Troca de Sementes Crioulas em comunidades tradicionais
camponesas da baixada cuiabana - MT
Cristiano Apolucena Cabral
1
, Luana da Cruz Burema
2
, Edson Caetano
3
1, 2, 3
Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT. Instituto de Educação. Avenida Fernando Corrêa da Costa, nº 2367. Bairro
Boa Esperança. Cuiabá - MT. Brasil.
Autor para correspondência/Author for correspondence: crisprelazia@yahoo.com.br
RESUMO. Este texto tem como objetivo apresentar uma breve
discussão acerca da existência da produção associada e
agroecológica, da singular cultura do trabalho e da vivência de
alguns princípios do Bem-Viver, que dão fundamento histórico
para a instituição da 'Festa de troca de sementes crioulas', nas
comunidades tradicionais camponesas da baixada cuiabana.
Temática essa que vem sendo discutida pelo Grupo de Estudos e
Pesquisas sobre Trabalho e Educação (GEPTE) do Programa de
Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal
de Mato Grosso (UFMT). Trata-se de uma pesquisa teórica e de
campo sobre o assunto em questão com análises, rodas de
conversas e entrevistas.
Palavras-chave: Comunidade Tradicional Camponesa,
Produção Associada, Sementes Crioulas, Solidariedade.
Cabral, C. A., Burema, L. C., & Caetano, E. (2020). Saberes, Produção Associada e bem viver: A Festa de Troca de Sementes
Crioulas em comunidades tradicionais camponesas da baixada cuiabana - MT
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Knowledge, Associated Production and buen vivir: The
Creole Seed Exchange Festival in traditional peasant
communities in the Baixada Cuiabana - MT
ABSTRACT. This text aims to present a brief discussion about
the existence of the associated production and agro, the unique
culture of work and experience of some principles of Bem-
Viver, which give the historical basis for the imposition of 'Feast
of exchange of seeds crioulas' in traditional communities
peasants from cuiabana. This issue is being discussed by the
Group of Studies and Research on Work and Education
(GEPTE) of the Graduate Program in Education (PPGE) of the
Federal University of Mato Grosso (UFMT). It is a theoretical
research and field on the matter concerned with analysis, wheels
of conversations and interviews.
Keywords: Peasant Traditional Community, Associated
Production, Creole Seeds, Solidarity.
Cabral, C. A., Burema, L. C., & Caetano, E. (2020). Saberes, Produção Associada e bem viver: A Festa de Troca de Sementes
Crioulas em comunidades tradicionais camponesas da baixada cuiabana - MT
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Saber, Producción Asociada y buen vivir: El festival de
Intercambio de Semillas Criollas en comunidades
campesinas tradicionales en la Baixada Cuiabana - MT
RESUMEN. Este texto tiene como objetivo presentar una breve
discusión sobre la existencia de producción asociada y
agroecológica, la cultura de trabajo única y la experiencia de
algunos principios de Well-Living, que dan una base histórica
para la institución del 'Seed Exchange Party'. Criollo ', en las
comunidades campesinas tradicionales de la Baixada Cuiabana.
Este tema ha sido discutido por el Grupo de Estudio e
Investigación sobre Trabajo y Educación (GEPTE) del
Programa de Posgrado en Educación (PPGE) de la Universidad
Federal de Mato Grosso (UFMT). Esta es una investigación
teórica y de campo sobre el tema en cuestión con análisis,
ruedas de conversación y entrevistas.
Palabras clave: Comunidad Campesina Tradicional,
Producción Asociada, Semillas Criollas, Solidaridad.
Cabral, C. A., Burema, L. C., & Caetano, E. (2020). Saberes, Produção Associada e bem viver: A Festa de Troca de Sementes
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Introdução
O presente texto é uma pesquisa
teórica e de campo em algumas
comunidades tradicionais camponeses dos
municípios de Nossa Senhora do
Livramento e de Jangada, no estado de
Mato Grosso. As categorias utilizadas, o
método e os sujeitos desta pesquisa estão
inseridos no recorte pesquisado pelo Grupo
de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho e
Educação (GEPTE) do Programa de Pós-
Graduação em Educação (PPGE) da
Universidade Federal de Mato Grosso
(UFMT).
Estas comunidades, organizadas em
unidades de produção familiar (Chayanov,
1974), mantém relações solidárias de
cooperações entre as unidades, para a
satisfação de suas necessidades materiais e
imateriais. Contudo, as limitações
históricas de composição da força de
trabalho, de natureza, etc. impulsionaram-
as a outro nível de organização produtiva:
uma produção associada de produtos e
saberes e uma produção agroecológica.
A cultura do trabalho surge desta
produção da existência, cheia de sentidos,
significados, representações de mundo.
Assim, desta cultura do trabalho, as
características do Bem-Viver (Acosta,
2016) surgem: harmonia com a natureza,
proposta alternativa de produção da
existência, soberania alimentar, tentativa
de superar a lógica do capital,
fortalecimento de saberes populares e
tradicionais, tentativas de uma outra
relação com o outro, autogestão na
produção, proteção do território e da
biodiversidade.
São determinações como estas que
criaram condições históricas para a
instituição das Festas de Troca de
Sementes Crioulas nestas comunidades
tradicionais. A preservação da semente
crioula é a intencionalidade
impulsionadora que unifica as diversas
comunidades, as famílias, os interesses, as
perspectivas, os valores, as atitudes e a
representação de mundo.
O método utilizado é o materialismo
histórico dialético (Fernandes, 1978;
Gadotti, 2010; Harnecker, 1973). Neste, o
critério de análise é a história concreta,
dialética, contraditória e processual, à qual
tem como fundamento ontológico o
trabalho (Lukács, 2013), o qual é o
princípio constituidor da própria
humanidade ativa e pensante, sendo assim,
um princípio educativo (Lukács, 2013).
Quanto à metodologia, isto é, os
instrumentos de pesquisa, foram utilizados
a observação do processo produtivo da
Festa de Troca de Sementes Crioulas
destas comunidades os diálogos,
entrevistas e rodas de conversas com
alguns moradores.
Cabral, C. A., Burema, L. C., & Caetano, E. (2020). Saberes, Produção Associada e bem viver: A Festa de Troca de Sementes
Crioulas em comunidades tradicionais camponesas da baixada cuiabana - MT
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O objetivo é analisar uma alternativa
do processo de produção, distribuição,
circulação e consumo do modo de
produção capitalista. Especialmente do
capitalismo territorizado no campo. O qual
mercantiliza a força de trabalho (Marx,
1980) e mercantiliza o produto mais
necessário à vida humana: o alimento.
Mercantilização esta que tem por intenção
primordial, o lucro.
À vista desse controle sobre a
produção e trabalhadores e trabalhadoras,
que o capital institui uma nova
determinação às relações: a sua
fetichização (Marx, 1988). Em que a
relação entre pessoas tornou-se relação
entre coisas (idem), entre mercadorias. Isto
é, enquanto às pessoas mantém a relação
material entre elas, as mercadorias mantêm
uma relação social (Ibidem).
A Festa de Troca de Sementes
Crioulas - construída a partir da existência
de uma produção associada e
agroecológica, da singular cultura do
trabalho que efetiva, paulatinamente,
princípios do Bem-Viver - rompe com
diversos imperativos do capital, se
alicerçando como uma produção não-
capitalista (Luxemburgo, 1985) e criando
condições para uma nova relação, não de
coisas, mas de pessoas.
O capital vai ao campo: monocultura,
agrotóxico e mercantilização das
relações e das sementes
Com a territorialização do
capitalismo no campo, a produção possui
uma única intencionalidade: tornar sua
mercadoria fonte de lucro. Esta produção,
em Mato Grosso se resume a pouquíssimas
mercadorias: gado, soja, milho, algodão e
cana-de-açúcar, ocupando mais de 90% da
terra agricultável. Com o monopólio da
terra a monocultura se efetiva na ocupação
de 39.235.900 hectares (Cabral, 2017).
Esta é a força da mercantilização de
alimentos na intencionalidade do lucro e
seu consequente controle dos preços: "no
mercado mundial, os oligopólios jogam
todo o seu peso para impor os preços dos
alimentos - em seu próprio benefício,
claro: o preço mais elevado possível".
(Ziegler, 2013, p. 157). Mercantilizando os
alimentos, produto se de sobrevivência de
homens e mulheres, delimita e determina
quem viverá ou terá quantidade e
qualidade de alimentos necessários à
sobrevivência. Para controlar os preços,
controlam-se os "setores essenciais da
agroindústria, notadamente as sementes, os
adubos, os pesticidas, a estocagem, os
transportes etc.". (Ziegler, 2013, p. 152).
Um oligopólio de poucas empresas que
controla todo o processo produtivo e
circulativo dos alimentos, sendo, assim,
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não um poder econômico, mas um
poder político e social, desequilibrando
nações, povos e comunidades,
principalmente os mais pobres e
miseráveis.
Esta oferta de produtos agrícolas é a
oferta de produtos industrializados
agrícolas.
Os principais insumos modernos,
incluídos, quais sejam os fertilizantes
e defensivos químicos, combustíveis,
rações e concentrados, sementes e
mudas etc., criaram importantes
nexos de relações interindustriais
com a indústria química e
petroquímica e com o ramo de
produtos alimentares. (Delgado,
1985, p. 88).
Com o comando da industrialização
sobre a produção, o somente sobre
sementes, adubos, etc., mas sobre
defensivos agrícolas que o agrotóxico
tornou-se a grande força mercadológica
deste sistema direcionado pelo
agronegócio. São diversos os seus
produtos: inseticidas, pesticidas,
herbicidas, fungicidas, formicidas etc.
Desta forma, com esta uniformização da
produção em largo espaço atraem diversas
'doenças', tornando doente a própria
natureza. Necessitando, assim, cada vez
mais de 'remédios' industrializados para a
sua 'cura'.
O agrotóxico se faz presente na
produção do campo de maneira tão
onipresente que seus efeitos à fauna, flora,
solo, água, ar, trabalhadores, consumidores
etc. são de tal forma devastadores que é um
verdadeiro biocídio o que acontece aos
passivos dos efeitos do agrotóxico.
Além disso, reduz drasticamente a
diversidade de produtos existentes e de
riqueza de alimentos.
De fato, as paisagens agrícolas do
mundo são destinadas ao plantio de
apenas 12 espécies, 23 espécies de
hortaliças e 35 espécies de furtas e
nozes. Isso significa que não mais de
70 espécies ocupam
aproximadamente 1,44 bilhão de
hectares de terras hoje cultivadas no
mundo. (Altieri, 2012, p. 24).
O capital direciona o que é relevante
ou não à vida ecológica e humana.
Portanto, com a única intencionalidade de
mercantilizar alimentos com a obsessão ao
lucro, cria-se a fome.
A fome é produto antes de tudo de
uma má distribuição de riqueza e de
uma planificação da economia
mundial onde não se procura dar
atendimento às necessidades
biológicas reais de cada povo, mas
apenas às suas necessidades solúveis,
ou seja, aquilo que ele é capaz de
pagar. (Castro, 1960, p. 29).
Monopólio sobre a terra,
monocultivo, mercantilização da força de
trabalho e dos alimentos, controle
ambicioso sobre os preços, redução e
uniformização de alimentos são algumas
das premissas históricas desta criação da
fome.
Cabral, C. A., Burema, L. C., & Caetano, E. (2020). Saberes, Produção Associada e bem viver: A Festa de Troca de Sementes
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A fome não é uma fatalidade
inevitável que afeta determinados
países. As causas da forma são
políticas. Quem controla os recursos
naturais (terra, água, sementes),
quem permite a produção de
alimentos? Quem se beneficia das
políticas agrícolas e alimentares?
(Esteve, 2017, p. 24).
Alimentos não são somente
mercadorias, são instrumentos de poder
político, por isso é necessário o seu
controle. Controla-se estados, povos,
trabalhadores e consumidores. Controla-se
a vida: "apenas dez sociedades - entre as
quais a Avantis, a Monsanto, a Pionner e a
Syngenta - controlam um terço do mercado
mundial de sementes [...]”. (Ziegler, 2013,
p. 152).
Somente com análises sobre a
territorialização do capital no campo e com
alternativas que transforme estruturalmente
esta realidade que homens e mulheres terão
acesso à alimentação, que poderão criar
outra sociedade, sobre outras estruturas
sociais, econômicas, culturais e políticas.
Comunidades tradicionais camponesas
da baixada cuiabana: produção
associada e cultura do trabalho como
bases para o Bem-Viver
Em Mato Grosso, as comunidades
tradicionais camponesas estão localizadas,
quase que totalmente, na baixada
cuiabana
i
. Estas são organizadas por
famílias, para a produção material e
imaterial da vida, em territórios
possuidores de significados.
Um elemento importante na relação
entre populações tradicionais e a
natureza é a noção de território que
pode ser definido como uma porção
da natureza e espaço sobre o qual
uma sociedade determinada
reivindica e garante a todos, ou a
uma parte de seus membros, direitos
estáveis de acesso, controle ou uso
sobre a totalidade ou parte dos
recursos naturais aí existentes que ela
deseja ou é de utilizar. (Diegues,
1996, p. 83).
O território, em algumas das
comunidades de Nossa Senhora do
Livramento e de Jangada, não é somente
um espaço de acesso aos recursos naturais,
mas, simultaneamente, de acesso à
natureza, moradia, lazer, celebração. O
espaço vivido é transformado para o
aconchego das famílias, em que
gerações moram no mesmo território, em
construção de uma cultura tradicional.
Diegues (1996) coloca em evidência,
ao definir as culturas tradicionais, a
relevância dos manejos dos recursos
naturais; do respeito aos ciclos naturais; o
respeito à limitação à exploração humana
sobre os animais e plantas; e, por fim, a
complexidade de conhecimentos herdados
para a manutenção do ecossistema.
Como reconheceu Diegues (1996, p.
85), "é importante analisar o sistema de
representações, símbolos e mitos que estas
populações tradicionais constroem, pois é
Cabral, C. A., Burema, L. C., & Caetano, E. (2020). Saberes, Produção Associada e bem viver: A Festa de Troca de Sementes
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com base nele que agem sobre o meio".
São as celebrações religiosas abençoando a
família, o trabalho, a natureza; são canções
de cururu e as danças de siriri (com suas
roupas de cores fortes); é a redução em
duas estações climáticas (de seca e de
chuva); é a esperança da chegada da 'chuva
do caju'; etc. que dão sentido à vida nestas
comunidades tradicionais da baixada
cuiabana. Por isso que Diegues (1996, p.
87) define culturas tradicionais como
"padrões de comportamento transmitidos
socialmente, modelos mentais usados para
perceber, relatar e interpretar o mundo,
símbolos, significados socialmente
compartilhados".
Outra característica nestas
comunidades tradicionais camponesas é o
equilíbrio. Ploeg (2016), a partir de
Chayanov, analisando o modo de produção
camponês, destacou alguns equilíbrios
necessários à reprodução da vida
camponesa: trabalho-consumo
ii
; utilidade-
penosidade
iii
; pessoa-natureza
iv
; produção-
reprodução
v
.
Os equilíbrios chayanovianos são o
que constitui e regula a agricultura.
Eles modelam e remodelam, dentro
de determinados contextos restritos a
tempo e lugar, o formato e a
fertilidade dos campos, a quantidade
e o tipo de gado, os lucros gerados
pelas plantações e animais. (Ploeg,
2016, p. 14).
Nestes equilíbrios, trabalho, lazer,
convivência, necessidades e penosidade no
trabalho entrelaçam-se nas mesmas
experiências da vida para a satisfação de
necessidades e superação de dificuldades
históricas como a limitação natural própria
do cerrado, tais como a pobreza do solo
para a produção, dificuldades com a
quantidade de água, ausência de dinheiro
para investimentos em instrumentos para a
produção, maior presença de idosos nas
comunidades, distância das áreas urbanas,
etc.
Nesta dinamização, para a supressão
das duas determinações, é que algumas
destas comunidades organizaram a sua
produção de maneira associada.
Quanto à produção associada, ela
pode ser entendida de duas maneiras,
não necessariamente excludente: quer
como trabalho associado ou processo
em que os trabalhadores se associam
na produção de bens e serviços, quer
como a unidade econômica básica da
sociedade dos produtores livres
associados. (Tiriba, 2008, p. 81).
Hortas comunitárias, produção
coletiva de plantas medicinais, produção
coletiva de derivados da mandioca, do
leite, da cana-de-açúcar, da banana são
algumas das produções associadas
vivenciadas por partes destas comunidades
tradicionais. Instrumentos, terra, saberes e
forças de trabalhos o usados, assim,
coletivamente.
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A produção associada - à qual
fortalece elementos inerentes à própria
efetivação do trabalho e apresenta novos
elementos - é uma organização educativa,
produzindo associadamente saberes (Tiriba
& Fischer, 2012). Transformando essa
produção material e de saberes em cultura,
em trocas "de símbolos, de intenções, de
padrões de cultura e de relações, de poder".
(Brandão, 2007, p. 08), preservando
valores, ideias, saberes, pensamentos,
crenças, sentimentos etc. (Brandão, 1985).
Tal realidade é chamada de cultura
do trabalho, o qual Palenzuela (1995, p.
13) define como
Conjunto de conocimientos teórico-
prácticos, comportamientos,
percepciones, actitudes y valores que
los individuos adquieren y
construyen a partir de su inserción en
los procesos de trabajo y/o de la
interiorización de la ideología sobre
el trabajo, todo lo cual modula su
interacción social más allá de su
práctica laboral concreta y orienta su
específica cosmovisión como
miembros de un colectivo
determinado.
Na dinamicidade desta cultura do
trabalho - a visão de mundo, as atitudes, os
comportamentos, o processo de trabalho, a
produção associada - a vida possui sentido,
a qual é vivenciada não somente no
processo de trabalho, mas no tempo livre, o
que foi possível nas comunidades - de
produção associada - pela redução da
jornada de trabalho e na simultânea
satisfação das necessidades. Desta forma,
com a satisfação do reino da necessidade, o
reino da liberdade pôde se concretizar na
produção da existência, tal como anunciou
Marx (2008, p. 1083-1084), respeitando as
diferenças históricas e teóricas.
A liberdade nesse domínio só pode
consistir nisto: o homem social, os
produtores associados regulam
racionalmente o intercâmbio material
com a natureza, controlam-no
coletivamente, sem deixar que seja a
força cega que os domina; efetuam-
no com o menor dispêndio de
energias e nas condições mais
adequadas e mais condignas com a
natureza humana. Mas esse esforço
situar-se-á sempre no reino da
necessidade. Além dele começa o
desenvolvimento das forças humanas
como um fim em si mesmo, o reino
genuíno da liberdade, o qual pode
florescer tendo por base o reino da
necessidade. E a condição
fundamental desse desenvolvimento
humano é a redução da jornada de
trabalho.
Esta realidade, mesmo em suas
limitações e contradições, existe na
comunidade tradicional São Manoel do
Pari em sua produção associada, à qual é
coletivamente pensada e efetivada a partir
da satisfação de necessidades materiais e
imateriais comuns. Satisfazer estas
necessidades de maneira cooperada e
autogestionada produz tempo qualitativo e
quantitativo. No modo de produção
capitalista, o tempo excedente a apropriado
pelo capitalista para a extração da mais
valia: ao expropriar o trabalho excedente
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pagando ao trabalhador somente o trabalho
necessário, na mesma jornada de trabalho,
o capitalista detém parte do tempo desta
jornada de trabalho para si, conseguindo
assim a mais valia e, posteriormente, sua
concretização com o lucro.
Agora, com estes camponeses
detentores de sua própria força de trabalho
e meios de produção, produzindo de
maneira associada e autogestionada o
tempo necessário à produção e reprodução
material da vida é reduzido quantitativa e
qualitativamente deixando o tempo
excedente à liberdade de outras atividades:
políticas, festivas, religiosas, educativas,
lúdicas, lazeres etc.
Somente quando se efetiva esse reino
da liberdade, sempre partindo do reino da
necessidade, que se efetivará o Bem-Viver
nas comunidades tradicionais camponesas
da baixada cuiabana, "o bem-Viver deve
ser considerado parte de uma longa busca
de alternativas de vida forjadas no calor
das lutas populares”. (Acosta, 2016, p. 70).
Construindo novas relações de
produção, tendo como base a cooperação e
solidariedade. Tudo com um propósito:
"trata-se de impulsionar uma vida em
harmonia dos indivíduos em comunidade
como parte da natureza". (Acosta, 2016, p.
85). A organização da vida fundamentadas
em equilíbrios facilita esta harmonização,
podendo "construir coletivamente uma
nova forma de vida". (Acosta, 2016, p. 23).
Assim, com a produção associada e
agroecológica, que criam condições para
uma cultura do trabalho singular e vivência
de algumas bases do Bem-Viver, que as
comunidades tradicionais pesquisadas
criaram condições para a construção da
experiência da ‘Festa de troca de sementes
crioulas’.
Troca de saberes e sabores: 'um povo
sem sementes é um povo sem história'
Para chegar à identificação com os
saberes, os fazeres, o território, os valores,
os comportamentos e atitudes, estas
comunidades tradicionais camponesas
tiveram que recriar diversos atributos
presentes na sua produção da existência.
Brandão (1984, p. 78) enunciava que
com uma nova maneira de recriar,
combinar e utilizar símbolos e valores de
cultura, que o povo reconstrói a sua própria
identidade popular, aquilo que entre outros
educadores corresponde, de algum modo, à
consciência de classe".
Obviamente que neste processo de
'recriação, combinação e utilização' se
utilizam de algumas características do
capitalismo e da zona urbana. Ainda assim,
estas características não negam
estruturalmente esta identificação de
camponeses e camponesas enquanto
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comunidade tradicional com sentidos,
representações, fazeres e saberes
singulares.
Ademais, o forte crescimento da
agroecologia e sua importante e complexa
interação ecológica (Altieri, 2012) nos
processos de produção influenciou
influenciaram não somente nos fazeres,
mas, igualmente nos saberes, sentidos,
significados, valores e relações. Em outras
palavras, influenciou influenciaram na
cultura do trabalho, apontando melhores
caminhos ao Bem-Viver.
Neste mundo de significados, com
fundamento da práxis material
objetiva, formou-se não os
significados das coisas como sentido
das coisas, mas também os sentidos
humanos, que proporcionam ao
homem o acesso ao significado
objetivo das coisas. (Kosik, 1976, p.
76).
A agroecologia não é somente uma
relação produtiva com a natureza. A
natureza precisa também satisfazer suas
próprias necessidades. Desta forma,
algumas preocupações e cuidados são
importantes à própria reprodução das
comunidades tradicionais presentes no
cerrado da baixada cuiabana, como o
favorecimento da diversidade vegetal, a
utilização de adubação orgânica, a
interação de plantas e animais em um
mesmo espaço, o manejo agroecológico,
etc. (Altieri, 2012, p. 105-106).
A agroecologia é o estudo holístico
dos ecossistemas, abrangendo todos
os elementos ambientais e humanos.
Sua atenção voltada para a forma, a
dinâmica e a função de suas inter-
relações, bem como para os
processos nos quais estão envolvidas.
Uma área usada para a produção
agrícola (um campo, por exemplo) é
vista como um sistema complexo no
qual os processos ecológicos que
ocorrem sob condições naturais
também podem se realizar, tais como
ciclagem de nutrientes, interações
predador-presa, competição,
simbiose e mudanças decorrentes de
sucessões ecológicas. Uma ideia
implícita na pesquisa agroecológica é
que, ao compreender essas relações e
processos ecológicos, os
agroecossistemas podem ser
manejados de modo a melhorar a
produção e torná-la mais sustentável,
reduzindo impactos ambientais e
sociais negativos e diminuindo o
aporte de insumos externos.
A diversidade do agroecossistema é
primordial à produção e reprodução da
própria existência, satisfazendo as
necessidades mais básicas e dispensando o
dinheiro. Apresenta uma alternativa de
desenvolvimento econômico que não esta
está sob o imperativo do dinheiro e do
Capital.
Esta diversidade é observada nas
produções de: milho, mamão, jiló, laranja,
acerola, banana, abobora, batata, mamão,
quiabo, caju, abacate, abacaxi, manga,
pequi, limão, goiaba, tamarindo, coco,
mandioca, feijão, cana-de-açúcar, diversos
legumes e verduras (alface, cula,
cebolinha, coentro).
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Na criação de galinha, porco, gado,
peixe. "Pode-se concluir que a
biodiversidade pertence tanto ao domínio
do natural e do cultural, mas é a cultura
enquanto conhecimento que permite que as
populações tradicionais possam entendê-la,
representá-la mentalmente, manuseá-la e,
frequentemente, enriquecê-la". (Diegues,
2004, p. 16).
Estas comunidades tradicionais
possuem um repertório de conhecimento
sobre o ecossistema que as envolve e as
fazem apropriar da natureza (Toledo &
Berreira-Bassols, 2015): plantas
medicinais; frutas; tipos de solos; clima;
pragas naturais; a importância do sol,
chuva, lua para a produção; a propriedade
de rochas; mamíferos; peixes; aves; insetos
polinizadores como abelha; etc.
Dessa forma, o saber local abrange
conhecimentos detalhados de caráter
taxonômico sobre constelações,
plantas, animais, fungos, rochas,
neves, águas, solos, paisagens e
vegetações, ou sobre processos
geofísicos, biológicos e ecológicos,
tais como movimentos da terra,
ciclos climáticos ou hidrológicos,
ciclos de vida, período de formação,
frutificação, germinação, cio ou
nidação, e fenômenos de recuperação
de ecossistemas (sucessão ecológica)
e manejo de paisagens. (Toledo &
Berreira-Bassols, 2015, p. 97).
Estes saberes tornaram-se costumes
nas comunidades. A sua socialização, de
geração em geração, conservando e
modernizando estruturaram-se como uma
cultura subversiva. Nos dizeres de
Thompson (1998, p. 19): "uma cultura
tradicional que é, ao mesmo tempo,
rebelde". Nesta rebeldia surge uma
experiência singular, própria da
experiência do Bem-Viver: Festa de Troca
de Sementes Crioulas que é organizada por
estas comunidades tradicionais, apoiadas e
articuladas por entidades como a Comissão
Pastoral da Terra
vi
, rompe com diversos
imperativos do capital e propõe uma
alternativa de circulação dos produtos do
trabalho.
As próprias comunidades
autogestionam a organização da festa. Os
alimentos para o café da manhã, lanches,
almoço são organizados em cooperação e
os produtos doados por todos, utilizando
suas próprias produções. O barracão
utilizado para a festa, quando não está
pronto, é construído em mutirão.
A socialização e cooperação vão
além destes momentos. A Festa de Troca
de Sementes Crioulas promove momentos
em que os saberes populares e
conhecimentos científicos dialoguem entre
si e sejam socializados a camponeses a e
camponesas. Saberes sobre quais são as
raízes, folhas, cascas de madeiras que
podem ser utilizados como remédio e
como utilizá-los.
Eis alguns ensinamentos, sobre
plantas medicinais, socializados nestas
Cabral, C. A., Burema, L. C., & Caetano, E. (2020). Saberes, Produção Associada e bem viver: A Festa de Troca de Sementes
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festas: o chá mineiro, erva nativa no
cerrado, contribui na prevenção de
eclampses e inchaços durante a gravidez; o
poejo é um ótimo remédio para quem tem
diabetes, é recomendável que tome todos
os dias; o carrapatinho do mato serve para
ajudar a equilibrar a pressão e anemia; a
carqueja é diurético, ajuda no combate ao
reumatismo, diabetes, ajuda na cicatrização
de feridas, a emagrecer; a jurubeba é bom
para o fígado e diabetes; a couve e o
inhame previnem furúnculos e espinhas,
são depurativos do sangue, o inhame ainda
é muito usado no combate a coceiras na
pele; o açafrão também contribui com as
funções intestinais, e sua folha pode ser
usada para curar asma, bronquite e
resfriados. Como os camponeses e
camponesas das comunidades diziam: "o
cerrado é a nossa farmácia".
Estes se identificam enquanto
guardiãoões e guardiãs do cerrado, dos
saberes tradicionais e populares, das
plantas medicinais, das frutas, das
sementes. Com esta identificação,
cooperação, solidariedade, associação da
força coletiva para a produção, produção
agroecológica que a 'Festa de troca de
sementes crioulas' se efetiva enquanto uma
consequência histórica destas comunidades
tradicionais camponesas.
A riqueza de sementes, mudas de
plantas medicinais, de frutas etc. são
enormes
vii
: pimenta; cara; melão;
tansagem; banana; abacaxi; cupuaçu;
mamão; dipirona; milho; abóbora; banana;
caninha do brejo; cumbaru; algodão;
mandioca; coco; caju; açafrão; gergelim;
ingá; jambo; feijão; limão; arroz; abacate;
vick; camomila; buriti; goiaba; mamona;
tamarindo; milho; cumbaru; quiabo;
tomate; batata; coentro; maxixe; etc.
Tanto quem leva quanto quem não
leva sementes e mudas para a troca, irá
adquirir a sua semente ou muda para levar
para casa. Ninguém fica excluído do
acesso. Na troca, não há a relevância do
valor financeiro de mercado, da raridade
do produto, do tempo utilizado para
produzi-lo, pois o que é relevante é a
necessidade do produto e o acesso a partir
da solidariedade de todos.
A dinamicidade para encontrar
formas de superar as limitações ou nas
unidades familiares ou nas comunidades
não se restringe à cooperação da força de
trabalho em mutirões, em trocas de
jornadas de trabalhos, em produção
associada ou em produções agroecológicas,
mas se estende à troca, gratuita, dos
produtos de seus trabalhos familiares ou
comunitários. Aqui, dinheiro é, novamente,
inexistente.
Contudo, a responsabilidade com a
semente, com o adubo, com a planta
medicinal não se fixa espacial e
Cabral, C. A., Burema, L. C., & Caetano, E. (2020). Saberes, Produção Associada e bem viver: A Festa de Troca de Sementes
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temporalmente à 'Festa de troca de
sementes crioulas'. Há, com o registro
destes produtos, em um Banco de
Informações de Sementes, um mapeamento
tanto de qual família e comunidade doaram
quanto para qual família e comunidade
receberam.
Uma das intenções deste
mapeamento é para uma eventual perda
tanto para quem trouxe quanto para quem
levou poder ter acesso novamente. Nas
festas de 2017, por exemplo, em Nossa
Senhora do Livramento e em Jangada,
foram cadastradas
viii
270 e 300 sementes e
mudas, respectivamente.
Compartilhar estas sementes, mudas
e plantas medicinais é compartilhar os
saberes, a cultura tradicional, a cultura de
trabalho e a esperança de continuidade
desta identidade forjada nas sementes.
Assim, mantendo e dando prosseguimento
à própria história, pois: um povo sem
sementes é um povo sem história.
Considerações finais
As comunidades tradicionais
camponesas da baixada cuiabana possuem
diversas contradições e limitações.
Todavia, umas vivem mais os princípios do
Bem-Viver que outras; exemplos são as
comunidades São Manoel do Pari,
Raizama, Minhocal, Ribeirão das Pedras
Acima, entre outras. Tornar o espaço de
produção da existência em território cheio
de sentidos e significados que representam
a solidariedade, os interesses, as
expectativas e os valores comuns é
essencial para a vivência dos princípios do
Bem-Viver. Pois, não somente as relações,
a natureza, o processo de trabalho, mas o
território em que vivem possui significado
(Palenzuela, 2014).
Nesta territorialidade da cultura de
trabalho singular, as comunidades
tradicionais poderão romper e superar aos
imperativos mais destruidores da vida
humana e ecológica do capitalismo. Desta
forma, um novo processo de produção,
distribuição, circulação e consumo se
efetivarão em bases concretas.
Por este motivo, a produção
associada, a produção agroecológica, uma
singular cultura do trabalho que valorize a
cooperação e a solidariedade e, por fim, a
vivência na cotidianidade do Bem-Viver
são atributos e experiências contra
hegemônicas ao capital. Uma experiência
entranhada na cultura. Como reconhece
Gruppi (1978, p. 73), "a hegemonia,
portanto, não é apenas política, mas é
também um fato cultural, moral, de
concepções de mundo".
Desta maneira, a troca de sementes
crioulas, de mudas frutíferas, de plantas
medicinais é a concretização não somente
de uma alternativa cultural, mas um
Cabral, C. A., Burema, L. C., & Caetano, E. (2020). Saberes, Produção Associada e bem viver: A Festa de Troca de Sementes
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empoderamento político destas
comunidades, aqui a soberania alimentar
entra em pauta.
Assim, soberania alimentar significa
que, além de terem acesso aos
alimentos, as populações de cada país
têm o direito de produzi-los. E é isso
que pode garantir a elas a soberania
sobre suas existências. O controle da
produção dos seus próprios alimentos
é fundamental para que as
populações tenham garantido o
acesso a eles em qualquer época do
ano e para que a produção desses
alimentos seja adequada ao bioma
onde vivem, às suas necessidades
nutricionais e aos seus hábitos
alimentares. (Stedile & Carvalho,
2012, p. 722).
Rompe-se com o domínio das
empresas sobre as sementes e sua
comercialização; com a sua
mercantilização; com a sua
industrialização e, assim, com a fome. Esta
é a proposta política presente na 'Festa de
troca de sementes crioula' e no conceito de
soberania alimentar.
A luta pelas sementes é a luta para se
manter os saberes e sabores que se
encontram em perigo pela produção
industrializada, pela monocultura e
uniformização de sementes (com a sua
consequente uniformização da saberes e
sabores): comer, no entanto, é muito mais
do que engolir alimentos". (Esteve, 2017,
p. 191).
Assim, com as 'Festas de trocas de
sementes crioulas' das comunidades
tradicionais camponesas, com todas as suas
limitações e contradições, é proposto uma
alternativa à produção da vida material e
imaterial, uma nova cultura do trabalho
para que a proposta do Bem-Viver tenha de
fato um fundamento no trabalho humano
para a satisfação de suas necessidades
biológica e sociocultural.
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Ziegler, J. (2013). Destruição em massa.
Geopolítica da fome. SP: Cortez.
i
O Território da Cidadania Baixada Cuiabana, ou
como é chamada Baixada Cuiabana, é ruma região
pertencente ao estado de Mato Grosso e possui 14
municípios, sendo eles Acorizal, Barão de Melgaço,
Campo Verde, Chapada dos Guimarães, Cuiabá,
Jangada, Nobres, Nossa Senhora do Livramento,
Nova Brasilândia, Planalto da Serra, Poconé,
Rosário Oeste, Santo Antônio do Leverger e Várzea
Grande.
ii
A intensificação quantitativa e qualitativa está em
plena relação às necessidades familiares. Esta
determina aquela.
iii
é aceitável a penosidade na jornada de
trabalho, se todo este esforço for útil à reprodução
da vida na comunidade. Se os benefícios são
maiores que a penosidade, é aceito.
iv
Relação de cuidado com a natureza, pois é a partir
dela que se poderá manter-se vivo.
v
É extremamente necessário e relevante a
manutenção da própria produção material, com seus
instrumentos e natureza, para a contínua
reprodução. Assim, é preciso a constante
reprodução dos materiais utilizados.
vi
A Comissão Pastoral da terra, criada em 1975,
após encontro de bispos da Amazônia, teve como
iniciativa responder os anseios de trabalhadores
rurais, posseiros, sem terra, ribeirinhos,
camponeses. Posteriormente, se estabeleceu em
todos os estado do país. A missão mantém-se na
ligação entre uma leitura subversiva do evangelho e
uma leitura subversiva da realidade. A sua ação está
na formação, organização, dinamização e
fortalecimento do protagonismo destes sujeitos
sociais na luta pela terra e na luta pela permanência
na terra produzindo e reproduzindo a existência de
maneira digna (Canuto, 2012).
vii
Dados dos arquivos internos da Comissão
Pastoral da Terra - MT.
viii
Dados dos arquivos internos da Comissão
Pastoral da Terra - MT.
Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 24/09/2019
Aprovado em: 20/01/2020
Publicado em: 29/05/2020
Received on September 24th, 2019
Accepted on January 20th, 2020
Published on May, 29th, 2020
Contribuições no artigo: O autor Cristiano foi
responsável pela elaboração, análise, interpretação dos
dados e escrita do artigo. A autora Luana foi responsável
pela escrita do artigo e revisão do conteúdo do
manuscrito. O autor Edson Caetano foi responsável pela
revisão e aprovação da versão final a ser publicada. Os
autores foram responsáveis pela aprovação da versão
final publicada.
Author Contributions: The author Cristiano was
responsible for the elaboration, analysis, interpretation of
data and writing of the article. The author Luana was
responsible for revising the content of the manuscript. The
author Edson Caetano was responsible for the review the
manuscript; the authors approved the final published
version.
Conflitos de interesse: Os autores declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Cristiano Apolucena Cabral
http://orcid.org/0000-0003-3770-5648
Luana da Cruz Burema
http://orcid.org/0000-0002-4886-5316
Edson Caetano
http://orcid.org/0000-0001-9906-0692
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Cabral, C. A., Burema, L. C., & Caetano, E. (2020).
Saberes, Produção Associada e bem viver: A Festa de
Troca de Sementes Crioulas em comunidades tradicionais
camponesas da baixada cuiabana - MT. Rev. Bras. Educ.
Camp., 5, e7672. http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e7672
ABNT
CABRAL, C. A.; BUREMA, L. C.; CAETANO, E. Saberes,
Produção Associada e bem viver: A Festa de Troca de
Sementes Crioulas em comunidades tradicionais
camponesas da baixada cuiabana - MT. Rev. Bras. Educ.
Camp., Tocantinópolis, v. 5, e7672, 2020.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e7672