Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e8201
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8201
10.20873/uft.rbec.e8201
2020
ISSN: 2525-4863
1
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A organização do trabalho pedagógico em escolas
multisseriadas do campo: reflexões e possibilidades
Adlândia do Nascimento Dias
1
, Ivânia Paula Freitas de Souza Sena
2
, Jaini Pereira Xavier Souza
3
1
Centro Universitário Leonardo da Vinci - UNIASSELVI. Polo Senhor do Bonfim. Rodovia Lomanto Junior, 250 - KM 124, BR
407. Senhor do Bonfim - BA. Brasil.
2
Universidade do Estado da Bahia - UNEB.
3
Universidade Federal do Vale do São
Francisco - UNIVASF.
Autor para correspondência/Author for correspondence: adlandiadias@hotmail.com
RESUMO. Este trabalho apresenta reflexões acerca da
Organização do Trabalho Pedagógico nas escolas multisseriadas
do campo e teve embasamento nas experiências de um ano e
meio no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à
Docência (PIBID), na prática de estágio supervisionado em uma
turma multisseriada, bem como as observações realizadas em
cinco escolas do município de Senhor do Bonfim-BA,
proveniente do projeto de pesquisa para elaboração do Trabalho
de Conclusão do curso de Licenciatura em Pedagogia. Diante
deste desafio, objetivou-se, portanto, compreender como se
organiza o trabalho pedagógico nestas escolas. Como aporte
teórico, nos subsidiamos nos estudos de Caldart (2007), Hage
(2014), Santos (2012), Freitas (2012), dentre outros. Utilizou-se
de uma abordagem metodológica qualitativa, de campo
exploratório, como uma busca de estabelecer aproximação com
o objeto de estudo. A pesquisa evidenciou que formatos bem
similares, no geral, advindos da experiência dos docentes nestas
turmas. Apontou ainda, que o trabalho pedagógico carece de
uma organização que consiga contemplar o campo e os seus
saberes de forma contextualizada.
Palavras-chave: Educação do Campo, Multisserie, Organização
do Trabalho Pedagógico.
Dias, A. N., Sena, I. P. F. S., & Souza, J. P. X. (2020). A organização do trabalho pedagógico em escolas multisseriadas do
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The organization of pedagogical work in multiseriated
schools in countryside: reflections and possibilities
ABSTRACT. This work presents reflections on the
Organization of Pedagogical Work in multisierial schools in the
countryside and was based on the experiences of a year and a
half in the Institutional Program of Teaching Initiation
Scholarship (PIBID), in the practice of supervised internship in
a multiseriate class, as well as the observations made in five
multi-grade schools in the municipality of Senhor do Bonfim-
BA, from the research project for the preparation of the
Conclusion Work for the Pedagogy Degree course. Faced with
this challenge, the objective was, therefore, to understand how
pedagogical work is organized in these schools. As a theoretical
contribution, we subsidize ourselves in the studies of Caldart
(2007), Hage (2014), Santos (2012), Freitas (2012), among
others. We used a qualitative methodological approach, with an
exploratory field, as a search for clarification and approximation
with the object of study. The study showed that there are very
similar formats, in general, arising from the experience of
teachers in these classes. He also pointed out that the
pedagogical work lacks an organization that can encompass the
field and its knowledge in a contextualized way.
Keywords: Rural Education, Multisserie, Organization of
Pedagogical Work.
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La organización del trabajo pedagógico en escuelas de
campo multiserial: reflexiones y posibilidades
RESUMEN. Este trabajo presenta reflexiones sobre la
Organización del Trabajo Pedagógico en escuelas de varios
niveles en el campo y se basó en las experiencias de un año y
medio en el Programa Institucional de Becas de Iniciación
Docente (PIBID), en la práctica de pasantías supervisadas en
una clase multiseriada, así como Las observaciones hechas en
cinco escuelas multigrado en el municipio de Senhor do
Bonfim-BA, desde el proyecto de investigación para la
preparación del trabajo de conclusión para el curso de
Pedagogía. Frente a este desafío, el objetivo era, por lo tanto,
comprender cómo se organiza el trabajo pedagógico en estas
escuelas. Como aporte teórico, nos subvencionamos en los
estudios de Caldart (2007), Hage (2014), Santos (2012), Freitas
(2012), entre otros. Utilizamos un enfoque metodológico
cualitativo, con un campo exploratorio, como una búsqueda de
aclaración y aproximación con el objeto de estudio. El estudio
mostró que existen formatos muy similares, en general,
derivados de la experiencia de los docentes en estas clases.
También señaló que el trabajo pedagógico carece de una
organización que pueda abarcar el campo y su conocimiento de
manera contextualizada.
Palabras-clave: Educación Rural, Multisserie, Organización del
Trabajo Pedagógico.
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Introdução
A educação voltada para o povo
camponês, como política pública
denominada de “Educação do Campo”,
resulta da luta por direitos e nasce pelos
movimentos sociais na busca por igualdade
para os sujeitos do campo. A década de 80
foi marco das primeiras lutas dos
movimentos da Reforma Agrária que
tinham como principal reivindicação a
implantação de escolas nos acampamentos.
A década de 1990 inaugurou uma
discussão nacional sobre a necessidade de
uma educação desde a identidade da
organização da vida no campo, através do
movimento nacional Por uma Educação do
Campo, que reuniu os movimentos sociais,
universidades e coletivos de educação
popular. A partir dos anos 2000, pela
primeira vez na história, se constitui uma
política pública que não apenas garante o
direito aos povos do campo à Educação
Básica, mas o afirma dentro de um projeto
de educação, no qual o campo, mais do
que, uma delimitação geográfica, constitui-
se em espaço de produção da vida, cujas
características exigem pensar os processos
educativos a partir de outros parâmetros.
Uma das características desses
processos é a existência de escolas com
alunos em diferentes anos (séries), níveis
de aprendizagem distintos e um único
professor que deve acompanhar e auxiliar
esses alunos e as suas particularidades. São
as escolas multisseriadas, as quais, na
literatura, tem sido frequentemente
afirmadas como responsáveis pela “má
qualidade” do ensino no Campo, tese esta,
em debate nas últimas duas décadas,
sobretudo, quando estudos como os de
Hage (2014), nos colocaram a pensar sobre
as especificidades destes espaços e sua
organização.
Tratar das escolas multisseriadas
significa refletir acerca das especificidades
que as constituem, os diferentes modos de
pensar os processos formativos e,
consequentemente, de aprendizagens,
considerando a sua organização e todos os
aspectos envolvidos. Dessa forma, é
necessário ir ao alicerce da história da
Educação do Campo, revelando a
negligência com seus povos, sobretudo, a
presença de políticas públicas de cunho
compensatório, que de certa forma,
perduraram na história das populações
camponesas.
O modelo de organização de ensino
multisseriado do campo é uma variação da
seriação das escolas urbanas, não tendo,
por parte do Estado, o devido interesse em
se pensar em um modelo diferenciado para
capaz de dialogar com as necessidades e
com diversidade ambiental, cultural e com
os modos de produção que marcam a vida
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no campo. Tais questões, sem dúvidas,
requerem ser contextualizadas também na
educação escolar.
Ao abordar o papel do Estado na
garantia de políticas públicas voltadas para
as escolas do campo, de maneira geral nos
referimos a investimentos em aspectos que
vão desde a estrutura e financiamento das
escolas, até as políticas de formação
docente, compreendendo que os preceitos
da Educação do Campo necessitam ser
vivenciados na prática e a formação de
professores se faz indispensável. Além
disso, ressaltamos a importância de
investimentos também voltados para o
material didático-pedagógico, incluindo
recursos tecnológicos, que se fazem
indispensáveis à permanência com
qualidade e aprendizagem dos alunos
nessas escolas, superando a história de
precarização que as constituem.
Nesta perspectiva, configura-se
relevante adentrar o cotidiano da escola
multisseriada do campo para compreender
a forma como ocorre a organização do
trabalho pedagógico, tendo em vista a
diversidade e o suporte para efetivação da
prática.
O interesse por esta temática se deu a
partir de três importantes experiências: a)
A prática de estágio em uma sala
multisseriada nos anos iniciais; b) A
participação no Programa Institucional de
Bolsa de Iniciação Docência (PIBID),
desenvolvido em uma escola multisseriada
do campo; c) As observações realizadas
em cinco escolas multisseriadas do campo,
na execução da pesquisa para elaboração
do Trabalho de Conclusão do curso de
Licenciatura em Pedagogia de uma das
autoras do presente artigo.
Além das referidas vivências, esse
desejo foi reforçado a partir da
participação em eventos promovidos pela
Universidade do Estado da Bahia,
direcionados à temática da Educação do
Campo, dos quais foram revelando a
complexidade presente nessas escolas.
Com a participação no PIBID, o
interesse e motivação tornaram-se mais
intensos e os diversos questionamentos e
indagações foram ampliados. Muitas
questões necessitavam ser compreendidas
no cenário da multisserie: A Organização
do Trabalho Pedagógico é aqui discutida à
luz do conceito de Freitas (2012), que vai
compreendê-lo como toda a organização da
escola, desde o projeto político-pedagógico
até as especificidades metodológicas e
intervenções didáticas, que se estruturam
uma teoria educacional. A teoria
pedagógica, presente e refletida no Projeto
da escola, se concretiza via teoria
pedagógica, sendo base para a estruturação
do trabalho pedagógico da escola em todas
as suas dimensões formativas.
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Neste sentido, a pesquisa apresenta
como objetivo, trazer uma compreensão de
como se organiza o trabalho pedagógico
nas escolas multisseriadas do campo,
buscando discutir sobre planejamento,
organização do ambiente e dos tempos de
aprendizagem, as estratégias de ensino
utilizadas pelos professores e como estes
processos se articulam com a comunidade
e as vivências dos alunos.
Essa pesquisa foi realizada em cinco
escolas da rede municipal de ensino de
Senhor do Bonfim-BA. Parte do processo
de coleta de dados foi realizada no mês de
novembro de 2014. E no caso dos dados
colhidos a partir do PIBID, decorreram de
um processo de observação participante,
realizada durante todo o ano de 2014 e
meados de 2015. Além das referidas
escolas, utilizou-se de informações dos
registros do estágio realizado nos anos
iniciais do Ensino Fundamental em maio
de 2014, com informações importantes
para o desenvolvimento deste trabalho.
Esta pesquisa mostra-se relevante, no
sentido de avançarmos cada vez mais nos
estudos relacionados à multisseriação,
trazendo aspectos da realidade concreta
existente nestes espaços. E momento
oportuno também para iniciarmos uma
reflexão sobre alguns elementos
observados nestas escolas, que nos
provocam a necessidade de compreender
melhor sua estrutura.
Metodologia
A presente pesquisa configura-se de
cunho qualitativo, mais especificamente de
campo exploratório, que Lakatos e
Marconi (2009) definem como uma
pesquisa que objetiva formular hipóteses,
trazer maior aproximação do pesquisador
com o objeto de estudo, na busca de
esclarecimentos e conceitos. Para coleta de
dados foram utilizados os seguintes
instrumentos:
Observação
As observações ocorreram em cinco
escolas, sendo que em quatro escolas foi
utilizada a observação não-participante
que, segundo Lakatos e Marconi (2009, p.
195), é onde o pesquisador “presencia o
fato, mas não participa dele; não se deixa
envolver pelas situações”. Essas
observações totalizaram uma carga horária
de 60 horas, que neste caso foram
previamente estabelecidas no projeto para
elaboração do Trabalho de Conclusão do
curso de Licenciatura em Pedagogia,
valendo ressaltar que em uma dessas
escolas observadas, foi realizada também a
prática de estágio. Já na quinta escola (do
PIBID) foi realizada a observação
participante, caracterizada pela
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“participação real do pesquisador com a
comunidade ou grupo” (Lakatos &
Marconi, 2009, p. 196).
Entrevista semiestruturada
Para complementação dos dados
observados, foram realizadas entrevistas
com seis professores. E para realização
dessas entrevistas, foi tomado como base
um roteiro semiestruturado, com questões
elaboradas à priori e acrescidas durante a
entrevista, conforme direcionamento da
conversa com os docentes. Estas
entrevistas foram gravadas e,
posteriormente, transcritas para
sistematização e análise de dados. A
escolha por esses docentes entrevistados se
deu a partir do conhecimento prévio dos
mesmos e das comunidades que
lecionavam e também por pertenceram ao
município de Senhor do Bonfim-BA. A
escolha pelo número de professores
ocorreu a partir da perspectiva de que uma
análise mais detalhada seria possível
embasada por diversas experiências, que
poderiam ser colocadas lado a lado em
parâmetro não comparativo, mas
elucidativo das distinções e similaridades.
Perfil dos Sujeitos
Os sujeitos envolvidos no processo
de pesquisa foram seis professores, sendo
cinco mulheres e apenas um homem. Cinco
desses professores trabalham em turmas
multisseriadas do campo, a sexta
professora entrevistada trabalhou durante
26 anos em turmas multisseriadas, mas
estava, à época, como vice-diretora da
educação infantil, também em uma escola
do campo.
Descrição do Lócus da pesquisa
As escolas participantes estão
localizadas em povoados pertencentes ao
município de Senhor do Bonfim-BA,
situadas entre 4 e 16 km da sede do
município. Senhor do Bonfim possui uma
extensa área rural, apresentando como
principal atividade econômica, a
Agricultura Familiar. Marca também o
território municipal e as comunidades
quilombolas.
Discussão Teórica
Contextualizando a Educação do Campo
A educação brasileira vem ao longo
dos anos se modificando e passando por
reformas, e não é diferente como modelo
educacional direcionado para o povo
residente no campo, que anteriormente era
denominado “Educação Rural”, cujas
práticas pedagógicas pouco dialogavam
com o campo e seus sujeitos. Mudanças
importantes aconteceram e atualmente
atribui-se o termo “Educação do Campo”,
que tem a proposta de uma prática aliada à
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valorização dos saberes, à cultura e modos
de vida no campo.
A Educação do Campo é entendida
como forma de ação político-social,
em oposição à tradicional educação
rural, transposição empobrecida da
educação construída para as áreas
urbanas. No contexto da Educação do
Campo, a escola passa a ser
reconhecida como espaço de reflexão
da realidade dos povos do campo, de
seu trabalho, suas linguagens, de suas
formas de vida e, sobretudo, de um
novo projeto político de
desenvolvimento. (Ministério da
Educação, 2010, p. 18).
A Educação do Campo se coloca
como afirmação da identidade, é percebida
como o alicerce para melhores condições
de vida dos seus povos. Portanto, a
proposta da Educação do Campo está
embasada em práticas que consigam
dialogar com as origens de seu povo sob a
defesa de que o campo e suas
peculiaridades sejam o fundamento maior
na construção da prática pedagógica
escolar, que não se separa das lutas sociais
que reivindicam outro projeto de
sociedade.
O vínculo da educação com as lutas
sociais camponesas demarca que a sua
identidade é constituída desde a
diversidade e as demandas concretas do
sujeitos que a constituem: agricultores
familiares, extrativistas, pescadores,
ribeirinhos, assentados da reforma agrária,
quilombolas, caiçaras, indígenas etc., que
nos últimos 20 anos tem tensionado o
Estado brasileiro na reivindicação de
direitos, dentre eles, o direito à educação.
A educação do campo nasceu dos
pensamentos, desejos e interesses dos
sujeitos do campo, que nas últimas
décadas intensificaram suas lutas,
especializando-se e territorializando-
se formando territórios concretos e
imateriais, construindo comunidade e
políticas, determinando seus destinos
na construção de suas ideologias,
suas visões de mundo. (Souza, 2006,
p. 16)
A luta pelo reconhecimento e a
afirmação da identidade dos sujeitos do
campo estão muito além da conquista do
espaço físico para moradia digna, busca-se
a construção e efetivação de políticas
públicas direcionadas e específicas para as
necessidades do homem do campo e para
seus ideais. Dessa forma, a demanda
almejada está relacionada a uma escola do
campo pensada a partir da sua própria
ideologia, valorizando seus saberes.
Segundo Caldart (2007), o conceito
de Educação do Campo configura-se como
algo não fixo e fechado, uma construção
em movimento, a depender do contexto e
da realidade histórica na qual se aplica.
Está intimamente ligado ao costume e
cultura das realidades camponesas. “O
conceito tem raiz na sua materialidade de
origem e no movimento histórico da
realidade a que se refere. Esta é a base
concreta para discutirmos o que é ou não é
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a Educação do Campo” (Caldart, 2007,
p.02).
Nesse sentido, é válido ressaltar que
são os movimentos sociais os percussores
da Educação do Campo. O trabalho
educativo dos movimentos tem por base a
formação social e crítica dos sujeitos, que
deve ser ampliada e assegurada pela
garantia de uma educação com qualidade
social, reconhecida pela Constituição
Federal como direito de todo cidadão
brasileiro, seja qual for o seu espaço de
pertencimento.
Mesmo diante de diversos problemas
sociais, frutos do descaso do Estado
brasileiro para com suas populações, o
campo é um espaço extremamente rico
pela diversidade ambiental, climática,
cultural e de capacidade produtiva, um
lugar de potencialidades. Segundo Santos
(2013, p. 100), “a diversidade cultural,
política, econômica e ambiental existente
no campo, precisa ser compreendida como
o encontro possível entre educação e as
novas práticas educativas e sociais”.
Contudo, o currículo imposto
historicamente às escolas em detrimento de
suas identidades e especificidades, tem
desconsiderado tais elementos constituindo
assim, uma distância significativa do
contexto dos sujeitos.
O ideário de identidade defendido na
Educação do Campo se correlaciona com
as ideias de Borges Netto e Silva Júnior
(2011, p. 11), que compreendem como a
busca do atendimento às multiplicidades, e
também por uma escola do campo que
atenda “as características dos alunos que
vivem no meio rural, por isso, a
importância de levar em conta as
especificidades do povo do campo sem
perder de vista o que é comum a todos”.
Um modelo de educação que contextualize
saberes sem perder de vista, as relações
sociais mais amplas que incidem sobre a
vida coletiva.
Nesta perspectiva da diversidade
cultural do campo, percebemos que é
possível e didático pensar a organização do
trabalho pedagógico dialogando com o
contexto comunitário. A Educação do
Campo defende uma proposta de
contextualização, no sentido da valorização
da diversidade e da importância de
aproximar a escola, das questões que
perpassam a vida comunitária. Propõe-se
que o projeto político-pedagógico das
escolas do campo se constitua de uma
perspectiva mais aberta e dialogue tanto,
com os saberes e conhecimentos
produzidos nas tradições camponesas,
como com os conhecimentos científicos e
culturais que ultrapassam o campo e sua
dinâmica. O objetivo é desenvolver
propostas educativas que elevem a
condição cultural dos camponeses, dando-
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lhes maiores condições de avançarem na
direção de um outro projeto social. Nesta
perspectiva, contextualizar a educação é:
... fazer um investimento na
formação dos sujeitos para que
possam compreender criticamente o
jogo de forças presente na sociedade
e nesse sentido, propõe-se que a
escola se ocupe de discussões que
transponham o previsto no seu
cotidiano, mudando o paradigma do
currículo desenhado sob referências
universalistas, tornando-o lugar de
busca de outras possibilidades, de
outros vínculos e propósitos. Uma
perspectiva que politiza a escola,
deslocando-a do campo “neutro”,
incluindo-a na defesa de um projeto
de sociedade mais igualitário e justo.
(Souza, 2009, p. 06).
Dentro dessa perspectiva da
construção de um projeto de educação
contextualizada com a realidade
camponesa, deve-se considerar as
transformações que o campo vem
passando. Assim como a sociedade, de
maneira geral o campo também vem se
reconstruindo no âmbito político, social,
cultural e econômico e, inevitavelmente,
uma educação pensada para este contexto
deverá ser embasada nessa direção.
A Educação do Campo tem o desafio
de uma construção teórico-pedagógica
capaz de aliar, de forma coerente, a relação
da escola com o contexto local, sem perder
de vista, que as especificidades não podem
ser vistas isoladas das relações sociais mais
amplas.
Contextualizando a Multisserie
Para avançar na compreensão das
especificidades do campo, vamos tratar da
multisseriação. Para isso, é preciso
adentrar em um período em que, embora o
modelo de ensino não possuísse essa
nomenclatura, as escolas seguiam uma
configuração e organização correlata.
Denominadas de escolas de “método
mútuo”, essas escolas estão presentes
desde o período imperial. O método mútuo
foi implementado através da Lei de 15 de
outubro de 1827, que estabelecia que todas
as cidades e vilarejos garantissem a
escolarização dos anos iniciais, visando o
crescimento do setor produtivo, que na
época exigia que os trabalhadores
possuíssem um nível mínimo de
escolarização. (Lei de 15 de outubro de
1827, 1827).
A Lei, composta por 17 artigos,
determinava também, que os
professores deveriam ensinar a
leitura, a escrita, as quatro operações
de cálculo e as noções gerais de
geometria. Taxavam interinamente os
ordenados dos mesmos, regulando-os
de 200$000 (duzentos mil réis) a
500$000 (quinhentos mil réis)
anuais. Determinava ainda que, em
todas as escolas, deveria ser aplicado
o método mútuo, estabelecia o
currículo e obrigava o exame público
das aptidões dos professores antes
que fossem nomeados, entre outras
coisas. (Santos, 2012, p. 56-57).
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Referente ao funcionamento do
método mútuo, Ghiraldelli Junior (2001)
destaca que os alunos menos adiantados
em questões de aprendizagem eram
comandados por alunos-monitores, e os
referidos monitores seguiam as instruções
de um inspetor de alunos, que neste caso,
era o responsável por manter contato com
o professor, se assemelhando a uma
hierarquia.
Era um modelo de educação definido
pelos que detinham o “poder”, no sentido
de que era ensinado na escola apenas o que
a lei estabelecia, configurando-se um
modelo educacional bastante reducionista,
inquisidor e também deficiente. Era o
modelo de educação do dominador para os
dominados, refletido, inclusive, no espaço
em que essas aulas eram ministradas:
residências, igreja, salões, galpões.
Os elementos do método mútuo,
permanecem no atual cenário das escolas
multisseriadas, predominantemente
presentes nos povoados da zona rural e,
principalmente, nas regiões Norte e
Nordeste brasileiro. Muitos aspectos destas
primeiras escolas ainda se fazem visíveis,
principalmente na questão da
desvalorização e precariedade do ensino, o
que nos remete a pensar na deficiência de
políticas públicas educacionais que
contemplem esse modelo escolar no Brasil.
A heterogeneidade é uma das
principais características quando fazemos
referência ao modelo de ensino por
multisseriação. A diversidade de níveis e
anos de ensino são apontados como os
fatores de maior dificuldade para muitos
professores, pois é necessário atender as
distintas necessidades e estágios escolares
dos alunos que, vão desde as diferenças
etárias até as fases distintas de
alfabetização.
A denominação “multisseriada”
causa impacto negativo aos
professores, que se veem ante o
desafio de planejar para mais de uma
série e de lidar com estágios de
aprendizado e de idades
diferenciadas, cenário que vai contra
toda a lógica da seriação. Adicionem-
se a isso as precárias condições de
trabalho e da própria formação
docente (também pautada na
seriação) e as demais tarefas
administrativas de manutenção da
unidade escolar que são obrigados a
acumular, incluindo muitas vezes
limpeza e preparo das merendas.
Como se vê, a situação é bastante
delicada. (Souza, 2009, p. 77).
A ausência de uma estrutura
administrativa e pedagógica que dialogue
com as especificidades desse formato, leva
a uma visão negativa dos professores em
relação a estes coletivos, uma vez que são
expostos à precarização, inclusive, pelo
acúmulo de atividades que a eles são
atribuídas, gerando uma sobrecarga de
trabalho para o docente e prejuízos efetivos
ao desenvolvimento das crianças.
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Importante salientar que, além desses
fatores da sobrecarga docente e da
estrutura escolar muitas vezes precária,
existe uma problemática à parte que é a
não superação da lógica da seriação,
mesmo em uma turma mista. Santos (2012,
p. 62) enfatiza que, “se a seriação fosse o
modelo de organização escolar ideal, os
indicadores educacionais relacionados às
escolas urbanas não apresentariam
consideráveis taxas de reprovação, evasão,
distorção idade-série, dificuldades de
aprendizagem, para explicitar alguns”.
Dentre os desafios de construir uma
proposta educativa para as escolas
multisseriadas do campo está a superação
da gica de seriação que, tanto fragmenta
os processos organizativos da escola, como
distancia os professores de uma visão de
educação integral ampla, cuja diversidade
constitui a base fundamental para sua
estruturação.
Santos (2012) aponta que a escola
seriada é uma instituição com bases
excludentes, que segue com rigidez a
seletividade, aprovação e reprovação. É na
verdade resultado da valorização do
urbano, que enxerga o modelo educacional
que a cidade segue como o ideal. Dessa
forma, faz-se necessário pensar uma
estrutura que tenha não princípios
educacionais, mas também princípios
voltados para o desenvolvimento humano.
“Precisamos organizar as escolas do campo
para além da seriação, uma vez que esta
forma de organização escolar atende aos
propósitos do projeto educacional
capitalista” (Santos 2012, p. 63).
As escolas multisseriadas são uma
realidade efetivamente presente no Brasil,
e de acordo com informações obtidas a
partir do Censo Escolar 2011 que estão
disponíveis na página virtual do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira [INEP]
(2011), o país possuía até aquele ano,
42.711 escolas multisseriadas localizadas
na zona rural, sendo a Bahia, o estado com
maior número, cerca de 15 mil.
De acordo com os estudos de Hage
(2005), um dos fatores que mais
contribuem para este elevado número de
classes multisseriadas é a questão da
predominante formação de pequenos
povoados com baixo número de crianças
em idade escolar comum, para que se
possam formar turmas específicas para
cada ano (série). Desse modo, são vistas
como uma anomalia no sistema de ensino,
uma vez que não permitem que sua
organização se estruture como a maior
parte das escolas, nas quais, cada série está
sob o comando de um professor e as
escolas se estruturam com mais de uma
dependência, tendo outros profissionais
que atuam em seu cotidiano.
Dias, A. N., Sena, I. P. F. S., & Souza, J. P. X. (2020). A organização do trabalho pedagógico em escolas multisseriadas do
campo: reflexões e possibilidades...
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Na escola multisseriada, geralmente
os professores assumem múltiplas tarefas,
uma vez que maior parte das escolas é
unidocente, ou seja, somente um professor.
Figueira e Lima (2011) destacam que, em
muitos casos, esse professor é incumbido
de realizar atividades que perpassam as
suas funções.
É importante trazer em destaque essa
problemática das condições que são
oferecidas para realização do trabalho
docente, no sentido de estrutura física,
materiais, espaços para refeição, etc., uma
vez que os participantes de nossas
pesquisas acenaram que estes fatores são
deficitários na estrutura destas escolas.
Além disso, consideramos que é
fundamental que se nos atentemos para
combater os discursos que desprezam a
importância das condições estruturais,
como determinantes na garantia da
aprendizagem e centram, exclusivamente,
no professor, essa responsabilidade. Santos
(2012) reitera que:
Com a ausência de condições
concretas para realização do trabalho,
os docentes são obrigados a procurar
alternativas e criar estratégias que
venham contribuir para a condução
do processo ensino-aprendizagem,
dada sua responsabilização pelos
resultados de tal processo, ou seja,
pelo desempenho dos alunos e do
sistema educativo. (Santos, 2012, p.
89).
São diversas questões que perpassam
as funções do professor, causando
desdobramentos para realização do seu
trabalho, sendo que inclui-se dentre as
questões estruturais, o número elevado de
alunos por professor, uma vez que a
presença dos diferentes estágios de
escolarização, demanda uma
multiplicidade de intervenção didática que
requer mais tempo do professor.
As escolas multisseriadas são um
desafio à lógica dos sistemas de ensino ao
tempo que sua presença no campo,
significa a garantia de um direito. Contudo,
na perspectiva da Educação do Campo, sua
oferta não pode se nos moldes da
precarização como tem ocorrido requer,
sobretudo, uma proposta educativa que lhe
assegure qualidade pedagógica e fortaleça
sua diversidade.
Entendendo a Organização do Trabalho
Pedagógico
O conceito de Organização do
Trabalho Pedagógico compreende a forma
como a escola se organiza e como está
pautada em concepções de educação e de
trabalho pedagógico, constituída desde as
relações sociais mais amplas. A escola e
sua estrutura educativa não estão fora das
determinações sociais gerais, sendo,
portanto, organizadas tendo em vista as
relações econômicas, culturais e políticas,
Dias, A. N., Sena, I. P. F. S., & Souza, J. P. X. (2020). A organização do trabalho pedagógico em escolas multisseriadas do
campo: reflexões e possibilidades...
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que permeiam a sociedade em diferentes
momentos da história. Estas determinações
se materializam na escola, na sua
organização geral (objetivos, tempos,
espaços e ações), que se dão via projeto
político-pedagógico e no trabalho
específico do professor, desde a definição
do conteúdo do ensino até as definições
metodológicas. Para Freitas (2012), a
Organização do Trabalho Pedagógico é
perpassada por duas categorias que
conformam um par dialético fundante para
compreender tal organização, são elas:
avaliação e objetivos. Segundo o autor, os
objetivos permitem uma análise da função
social da escola, qual sua relevância para a
formação do indivíduo. (Freitas, 2012).
Nesses termos, é fundamental
compreender que os objetivos da educação,
sua função social, estão em disputa. Na
Educação do Campo, se busca uma
educação para transformação social,
enquanto, em âmbito mais geral, a
educação tem sido cada dia mais vinculada
ao atendimento das exigências do mercado.
Essa disputa marca uma tensão entre os
objetivos e as formas de avaliação.
Para Freitas (2012), a educação e a
escola, refletem em sua organização, sua
intrínseca relação com os valores
capitalistas, que o capitalismo é o modo
social vigente e que tem, na escola, uma
instância de reprodução de seus valores e,
ao mesmo tempo, encontra nela, formas e
conteúdo de resistência aos seus preceitos
ideológicos, ainda que, estes nem sempre
estejam explícitos aos docentes, alunos e
comunidade.
Freitas (2012, p. 58) vai reiterar que
“a escola sofre influência das grandes
determinações do processo de trabalho na
sociedade capitalista, as quais incorporam-
se na forma de organização do trabalho
pedagógico na escola”, alcançando assim,
o conteúdo, a forma da escola estruturar
sua dinâmica, inclusive seus métodos
didáticos, ou seja, “os objetivos da escola,
como um todo (sua função social),
determinam o conteúdo/forma da escola”
(Freitas, 2012, p. 59).
É a partir dessa compreensão que a
Organização do Trabalho Pedagógico na
escola multisseriada é tratada nesse
trabalho, de modo que se possam
evidenciar, no seu percurso, como estas
determinações se manifestam e as formas
de superação que são apresentadas pelos
próprios professores em suas práticas.
Segundo Silva et al. (2010), para que
alterações ocorram no trabalho pedagógico
da escola, neste caso na escola do campo, é
necessário, sobretudo, a transformação das
ações dos sujeitos envolvidos no processo
escolar, sejam eles professores, alunos e
comunidade, e também as ações em si, ou
seja, devem ocorrer as mudanças dentro da
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sala de aula no sentido teórico e
metodológico, a partir da compreensão de
suas contradições. Tratar a prática docente
dentro da Organização do Trabalho
Pedagógico, e este entendido desde as
múltiplas determinações (da política
educacional e além dela), não é uma tarefa
fácil, visto que, consiste em situar as
práticas, as didáticas, dentro de um projeto
histórico que a escola, consciente ou não,
torna concreto em sua forma de se
organizar e estruturar o processo educativo
nas dimensões da gestão, da avaliação e
dos procedimentos didáticos em âmbito da
relação professor-aluno. Para Souza (2006)
Trata-se de um processo de
formação humana e de definição
de objetivos, conteúdos e
metodologias com sustentação em
teorias educacionais que podem
levar à emancipação ou à
conformação, no sentido da
deformação política. Uma prática
pedagógica crítica necessita de
um profissional que desafia sua
própria formação, que exercita a
tomada de posicionamento na
escolha e na construção da sua
concepção de educação. Necessita
de respeito, ousadia e humildade.
(Souza, 2006, p. 24).
Assim, avançamos no entendimento
de ser necessário investir em prática
pedagógica crítica, que entende que o
trabalho do professor em em sala de aula
se vincula aos objetivos do Projeto da
escola e que este, por sua vez, se estrutura
no confronto com as questões sociais que
atuam diretamente na organização do
trabalho pedagógico da escola e nos seus
fins mais específicos. No contexto da
multisseriação, contudo, estes elementos
são pouco debatidos, o que dificulta
superar as tantas dificuldades destas
escolas, cujas especificidades não são
reconhecidas em sua organização,
tornando-se fatores ampliação de
desigualdades educacionais.
O que acontece, geralmente, é a
imposição de um sistema de ensino com
metas e percursos iguais, que devem ser
rigorosamente cumpridos, sem considerar
as questões que necessitam ser melhor
compreendidas dentro das distintas
formatações dos espaços educativos e
coletivos sociais, desconsiderando o
contexto e suas diversidades, o que tem
efeitos amplos sobre o ensino e a
aprendizagem dos alunos, sendo esse um
importante aspecto a ser revisto por muitos
sistemas e redes de ensino. Para Moura
(2012)
Este descompasso tem sido
fortalecido pelas políticas de
formação docente, que, fundadas na
perspectiva da racionalidade técnica,
não têm conseguido orientar os
professores, as escolas e os sistemas
a implementarem práticas
pedagógicas inscritas em seu entorno
e tem feito prevalecer uma escola
“fechada em si mesma ... embora as
práticas concretas “revelam que as
práticas efetivadas no cotidiano da
Dias, A. N., Sena, I. P. F. S., & Souza, J. P. X. (2020). A organização do trabalho pedagógico em escolas multisseriadas do
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sala de aula não seguem um script
tão homogêneo”. (Moura, 2012, p.
77).
Nessa lógica de organizar sempre da
mesma forma o trabalho em sala de aula,
muitos fatores são revertidos de maneira
negativa na aprendizagem dos alunos, seja
porque limita as possibilidades formativas,
seja porque ignoram a realidade dos
processos pedagógicos da escola.
Destacamos ainda, a ausência de
acompanhamento e apoio aos professores,
bem como um diálogo respeitoso desde
suas vivências concretas. As perspectivas
teóricas que embasam a formação de
professores, vale ressaltar, pouco
colaboram para um estágio mais
qualificado de entendimento da realidade
objetiva destas escolas e carecem de
alinhamento teórico com a Educação do
Campo.
Ausente dessa clareza teórica, o que
se é uma crescente padronização da
organização do trabalho pedagógico nestas
escolas, sobretudo, do currículo, o que tem
levado a fragilização do conhecimento.
Vimos, em todas as escolas, que o foco
principal do currículo está nas habilidades
de leitura e escrita e que isso tem
significado a sua centralidade estritamente
no ensino de Português e Matemática, não
estabelecendo uma reflexão sobre a
importância do conhecimento das demais
áreas na base da formação. Isso ocorre,
devido a Prova Brasil que elegeu essas
duas áreas para serem avaliadas
periodicamente e, serem elas, o maior peso
no discurso da qualidade da educação.
Analisando e interpretando os dados
Nos limites desse artigo, trouxemos
parte do que a pesquisa desenvolvida nos
possibilitou apreender. Desse modo,
focamos os pontos centrais de cada
categoria, sem esgotar os achados da
pesquisa e o que temos como material
ainda a ser analisado. Devido seu caráter
exploratório, compreendemos que tais
sinalizações nos permitiram abrir novos
campos de estudo no complexo universo
que essa sistematização nos levou.
Perfil dos professores pesquisados
Os professores que fizeram parte da
pesquisa serão aqui denominados como
Professores A, B, C, D, E e F. Para melhor
organização, os dados dos professores
serão apresentados em um quadro, no qual
podemos observar informações referentes
aos anos (séries) nos quais esses
professores lecionam, o número de alunos
e faixa etária.
Importante ressaltar que daqui em
diante, serão apresentados trechos das
entrevistas realizadas com os professores.
E para manter a legitimidade da pesquisa,
optou-se em transcrever as falas não
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realizando alterações ou correções de
palavras explanadas pelos sujeitos da
pesquisa.
Quadro 1 - Informações sobre os professores e turmas pesquisadas.
PROFESSOR (A)
Ano (série) que lecionam
Número de alunos
Idade dos alunos
Professora A
Maternal, 1°, 2° e 3° ano.
19
3 a 9 anos
Professora B
1°, 2° e 3° ano.
15
6 a 8 anos
Professor C
4° e 5° ano.
19
7 a 9 anos
Professora D
2° e 3° ano.
13
7 a 8 anos
Professora E
1°, 2° e 3° ano.
21
6 a 10 anos
Professora F
Na época das entrevistas estava atuando
como vice-diretora
-
-
Fonte: Dados da pesquisa, nov. 2015.
A formatação da multisseriação: fator
indispensável para compreender limites
e possibilidades
Um dos pontos centrais na discussão
acerca da organização do trabalho
pedagógico diz respeito à forma como a
multisseriação está estruturada em termos
de tempo-espaço. Em relação ao formato,
conforme o quadro apresenta, as escolas
mantêm um certo padrão de organização
das turmas, com a priorização de uma
formatação que garante grupos com
aproximação a partir das duas fases dos
anos iniciais, uma que contempla os três
primeiros anos, podendo variar entre dois a
três anos na mesma turma e o segundo
grupo, que consta da última fase, e
anos, com exceção da turma da Professora
A, que descumpre uma recomendação das
Diretrizes de Educação do Campo, por
juntar, numa mesma turma, a Educação
Infantil com os Anos Iniciais.
A formatação que junta objetivos
comuns das distintas fases, embora seja
favorável para a ação docente, ainda requer
maior aprofundamento teórico-pedagógico
que supere a visão de série que prevalece
nesses coletivos. Os professores expressam
diversas dificuldades com a prática diária,
afirmando buscarem diferentes estratégias
para um melhor desenvolvimento didático.
Em suas narrativas, é possível evidenciar
que o parâmetro para o planejamento das
aulas, ainda que seja um coletivo
multietário e multiseriado, é o da seriação,
para a qual, se tem determinadas
expectativas de comportamento e
aprendizagem.
Dias, A. N., Sena, I. P. F. S., & Souza, J. P. X. (2020). A organização do trabalho pedagógico em escolas multisseriadas do
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É difícil, mas, tem que ter muita
calma e muita tranquilidade, por que
pra ensinar numa turma multisseriada
é difícil, mas ao mesmo tempo se
torna fácil, aí você tem que fazer uma
atividade de acordo com o vel de
cada um. É difícil, mas tento, não sei
se agrada bem a todos, por que não
deixa de não ter alguma coisa, que
deixe a desejar, por que você vai
atender uma turma ali, já tem outra
turma aqui pra ser atendido, e muitas
das vezes a gente falta em um, pra
complementar o outro, por que é
difícil, mas a gente leva assim
mesmo. (Professora A)
Uma sala multisseriada, eu tenho que
dividir as atividades, claro, na hora
de dividir as atividades, porque na
hora da oração é todo mundo junto,
na hora do recreio é todo mundo
junto, agora na hora das atividades é
que eu separo (Professora B)
Eu ensino de forma que interaja com
cada nível, e as atividades são
diferenciadas umas das outras e o
acompanhamento, a avaliação é
continua, no dia a dia. (Professor C)
Primeiro eu faço um diagnóstico dos
níveis dos alunos, para poder
trabalhar com eles, a partir dos níveis
que eles estão. Eu trabalho levando
em conta mais os níveis, do que a
série. Por que assim, é a partir dos
níveis que eu vou saber trabalhar
com eles, se já conhecem as letras, as
palavras, se reconhecem silabas,
conseguem escrever. (Professora D)
Eu tento cumprir o currículo, o
cronograma, tudo e às vezes eu não
consigo pela questão da dificuldade,
então nessa linha. Então assim, eu
trabalho, vou tentando trabalhar
questões práticas, pra ver se eles
conseguem assimilar, que não, não é
fácil trabalhar com eles por essa
questão dessa dificuldade que eles
têm, mas assim, diante disso, é esse
trabalho, questão prática, atividades,
questão da leitura eu tento trabalhar
muito, porque sem a leitura eles não
conseguem muita coisa, então é nessa
linha. (Professora E)
A heterogeneidade, embora presente
em todas as salas de aula, é apontada como
fator de maior complicação na multissérie,
por conta do referencial da seriação que
orienta os programas de ensino, o
planejamento e os livros didáticos,
principais instrumentos do professor. A
padronização destes conteúdos e
expectativas, que isolam cada série em um
lugar específico, faz da heterogeneidade e
diversidade, problemas e não
oportunidades. Nesta perspectiva e
concordando com Hage (2014, p.53), é
notável que esse formato “impede que os
professores compreendam sua turma como
um único coletivo, com suas diferenças e
peculiaridades próprias, pressionando-os
para organizarem o trabalho pedagógico de
forma fragmentada” (p. 1175). Hage
complementa essa reflexão dizendo que,
A seriação aposta na fragmentação e
padronização do tempo, espaço e
conhecimento no interior da escola,
pré-definindo o ano letivo de duração
anual, estabelecendo a escola como o
local por excelência onde a
aprendizagem se efetiva e o
conhecimento científico como o que
efetivamente tem validade, como
legítimo, em detrimento dos saberes
dos sujeitos do campo, que são
desvalorizados, negados e
invisibilizados pela escola. (Hage, p.
1175-1176).
A fragmentação que se repete na
seriação (e prevalece na multisseriação),
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traz consequências várias, uma delas se
refere ao fato de que os coletivos escolares
não são vistos dentro de um processo de
ensino, cujos objetivos específicos
constituem parte de uma totalidade mais
ampla de intenções e ações. Ou seja, os
anos iniciais acabam não sendo percebidos
como uma etapa do ciclo formativo da
Educação Básica, de modo que cada série
ganha uma característica de fim em si
mesma e não como partes de um percurso.
No caso da multisseriação, a organização
por fases não deveria ser um problema, se
a organização do trabalho pedagógico
tivesse como parâmetro, os objetivos
gerais e específicos da formação escolar
nesta etapa do ensino.
Com estes objetivos claros, os
processos pedagógicos estariam voltados
para a potencialidade que constitui a
diversidade de saberes, de estágios de
aprendizagens e experiências que se fazem
presentes nestas turmas e escolas, sem que
elas fossem limites para a consecução dos
objetivos gerais da educação (que apontam
para uma formação integral e ampla) e
específicos desta etapa do ensino, que tem
a alfabetização como base fundante do
percurso escolar. Uma segunda
consequência é que, ao não compreender
as características deste formato
pedagógico, buscam-se soluções isoladas,
tanto para os processos de ensino quanto
para a aprendizagem. Desse modo, os
problemas ficam concentrados na
“incapacidade dos professores” e não nas
questões reais que passam desde a
estrutura precária destas escolas, a
ausência da multisseriação no processo de
formação inicial e continuada dos
professores e o acompanhamento
pedagógico deficiente por parte das
secretarias de educação.
Organização do Trabalho Pedagógico: A
prática Revelando Desafios
Segundo Rodrigues (2009), a prática
educativa pode ser definida teoricamente
como as ações docentes guiadas por
objetivos e finalidades que se pretendem
alcançar, levando em consideração
conceitos teóricos e questões sociais
presentes na realidade na qual está
inserida, ou seja, é a forma como o
professor conduz o seu trabalho, busca
cumprir metas e construir saberes em sala
de aula.
Ao retomarmos a abordagem
anteriormente apresentada por Silva et al.
(2010), sobre o Trabalho Pedagógico no
âmbito da Educação do Campo e o desejo
de transformação, é válido concordar que
esse processo em que se transforma a
realidade, somente será possível a partir
dos próprios sujeitos envolvidos no
processo e das suas ações, desde que estes
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passem a compreender as determinações da
sua prática. Para contribuir com essas
elucidações, os professores entrevistados,
foram questionados sobre quais parâmetros
e referências utilizam para a organização
da rotina e tempo de aula. Três dos
professores fazem apenas uma divisão das
disciplinas que devem trabalhar em cada
dia da semana e o tempo que utilizará. Os
outros dois professores baseiam-se em
tipos de atividades que desenvolverão,
como mostram as seguintes falas:
Eu faço planejamento semanal. Na
segunda-feira eu faço plano de
matemática, português, ai na terça eu
dou português e ciência,
matemática e ciência, conforme o
nível deles que eu vou planejando.
(Professora A)
Nós temos a rotina, os dias da
semana, três dias nós temos o Pacto,
o PNAIC, ai nós dividimos, no
primeiro dia da semana nós fazemos
as adivinhas, sabe, ai nós temos que
ter três dias pra um, três dias pra
outro, embora não dá, pra dividir esse
trabalho, porque são muita coisa em
um só tempo, mas quando não pra
fazer três dias de cada eu faço dois
dias de cada, dois dias de português,
dois dias de matemática, ai quando
chega na sexta feira, nós temos a
recreação. (Professora B)
O meu tempo é, cada aula tenho 40
minutos, 30, pra basear né, ai vou
seguindo esse tempo, cada conteúdo,
assim. Cada disciplina eu tenho 30,
40 minutos, ai dá pra organizar os
conteúdos. (Professor C)
Ao observarmos a fala do professor
(C) percebemos a semelhança com os
outros dois (A e B) em relação às
disciplinas que devem ser cumpridas, mas
vemos, também, o apego pela questão do
tempo, algo comprovado no período de
observação. Constatou-se que a principal
preocupação, muitas vezes, diz respeito ao
cumprimento dos conteúdos e disciplinas
em um tempo estipulado (sem o devido
cuidado com a garantia da aprendizagem),
notando-se muitas vezes que, mesmo o
aluno não tendo concluído determinada
atividade naquele tempo, ou estivesse
avançando aquela linha de pensamento e
tendo progressos, a interação era
interrompida, pois o tempo deveria ser
rigorosamente respeitado e cada aula
possuía o seu período máximo para não
atrapalhar o andamento das demais
disciplinas. Aqui mais uma vez, aparecem
as características da educação capitalista na
organização do trabalho pedagógico da
escola, hoje firmemente respaldadas pela
Base Nacional Comum Curricular
(BNCC), onde os professores acabam
seguindo roteiros prescritos por equipes
externas à escola e muitas vezes, externas
às Secretarias de Educação (guiadas pelas
assessorias externas das grandes empresas,
incluindo as editoras e fundações),
retirando a autonomia docente e
empobrecendo as atividades criativas e
formativas nas escolas.
Ao nos atentarmos para a fala da
professora A, percebemos a menção do
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Pacto Nacional pela Alfabetização na
Idade Certa (PNAIC), uma iniciativa
criada em 2012 pelo Ministério da
Educação (MEC), voltada para a
alfabetização de crianças com até 8 anos de
idade, ou seja, ao final do ano do ensino
fundamental, sendo um compromisso
firmado entre governo federal, estadual e
também os governos municipais.
(Ministério da Educação, 2018).
Todos os professores pesquisados,
participaram do PNAIC e ressaltam a
importância da formação continuada, e que
mesmo em um contexto em que os
conteúdos e práticas não estivessem
voltados exclusivamente para as escolas do
campo, o conhecimento obtido era de
grande riqueza para a prática.
Referente a essa perspectiva
formativa, refletimos também sobre a
importância das políticas públicas
direcionadas para as escolas do campo e
consequentemente o impacto para a
Organização do Trabalho Pedagógico, bem
como, para a aprendizagem dos alunos.
Tratar de políticas para as escolas do
campo vai além de pensarmos somente na
formação, mas a partir do que foi
pesquisado e observado, é coerente atrelar
também questões como estrutura física,
material didático e participação
comunitária. E como Caldart (2007)
dialoga, um modelo de Educação do
Campo que respeite e seja construído
embasado nos costumes, cultura e contexto
histórico relacionados à realidade das
localidades.
Dessa forma, ao retornarmos as falas
dos professores sobre a rotina em sala de
aula, a importância de políticas públicas
que estejam engajadas com os preceitos da
Educação do Campo, conforme Caldart
(2007) defende, compreendemos o
conceito de Organização do Trabalho
Pedagógico, que neste caso, não está
reduzido apenas ao que fazer em sala de
aula, mas também a ideias e ações, algo
mais amplo e complexo.
Os desafios
Em estudos no decorrer da pesquisa e
nas explanações dos professores
pesquisados, as expressões “desafios”,
“dificuldades” e “sobrecarga” estão
constantemente presentes e citadas em
diferentes contextos. Percebendo essa
problemática como algo que merece ser
discutido em busca de resoluções e melhor
andamento do trabalho docente,
questionou-se nas entrevistas sobre as
principais problemáticas que os
professores consideram como empecilho e
deficiência no trabalho com classes
multisseriadas, e foram constatadas as
seguintes questões:
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A primeira professora (A)
entrevistada mostrou-se bastante
preocupada com a questão do aprendizado
dos alunos, pois de acordo com ela, não é
possível fazer um acompanhamento da
mesma forma com todos, e
consequentemente um grupo de alunos
acaba sendo prejudicado, pois a sua turma
vai do maternal ao ano, e os alunos do
maternal necessitam de um cuidado
especial, afirmando que, “o desafio é
grande, e o trabalho com a multisserie é
mais sofrido, você sofre mais, e tem que
“rebolar” mesmo para o aluno aprender”.
Essa questão é preocupante, pois são
níveis bastante opostos, e
consequentemente são diversas
disparidades existentes entre o maternal até
o ano. Neste sentido, é notável que
um comprometimento da prática
direcionada para algum dos grupos ou para
turma de maneira geral, pois alunos do
maternal necessitam de metodologias
específicas, assim como os dos anos
iniciais do fundamental têm as suas
especificidades. Neste contexto, Hage
(2006) salienta que:
Os professores enfrentam
dificuldades quanto ao planejamento
pelo fato de trabalharem em turmas
que reúnem até sete séries
concomitantemente, incluindo
educação infantil e ensino
fundamental, situação em que a faixa
etária, o interesse e o nível de
aprendizagem dos estudantes é muito
variado. (Hage, 2006, p. 03).
Além da problemática da
diferenciação da idade, nível e série/ano, e
de acordo com a entrevista da segunda
professora (B), a apreensão maior diz
respeito a alfabetização, pois é algo
primordial e muitas vezes acaba não sendo
dada a devida atenção para os alunos que
apresentam grandes dificuldades. É citada
também a comum situação da falta de
parceria com a família, que é uma situação
presente não nas classes multisseriadas,
mas na educação de forma geral.
Três dos professores entrevistados
(C, D e F), apontam que a maior
dificuldade está na sobrecarga de trabalho,
no sentido de elaboração de múltiplas
atividades e diferentes planos, o que resulta
num comprometimento do tempo pessoal
desses professores, e para eles é algo
complicado, pois são muitas cobranças
feitas e resultados a serem mostrados, e
como esses professores salientam, tudo
isso resulta em um grande desgaste. Sobre
essa questão, os professores apontam que:
Elaborar aula diferenciada pra cada
aluno, ai dificulta muito o tempo que
agente gasta em casa né, em sala de
aula, com o aluno que ainda não ler,
e nem escreve direito com uns que já
sabem ler e escrevem corretamente.
(Professor C)
As atividades diferentes, os
conteúdos são os mesmos, a
dificuldade é com relação às
atividades, e ao mesmo tempo em
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que você está com esse grupo, você
tem que correr e ir atender o outro
grupo, corre aqui um pouquinho,
corre ali. (Professora D)
São muitos os desafios que nos
encontramos. O de você dar conta,
você planejar e dar conta da
cobrança. A cobrança, que existe e
você mostrar os resultados do seu
trabalho, você ver que aqueles
meninos estão ou não de acordo com
aqueles objetivos que são propostos.
(Professora F)
Podemos perceber que a sobrecarga
está intimamente ligada a falta de estrutura
pedagógica que a escola oferece, e se
agrava no decorrer dos anos, e nos guia ao
pensamento de que se não houver a criação
de uma política que ofereça melhores
condições para o trabalho do professor
sempre haverá precarização de trabalho, de
ensino e, consequentemente, de
aprendizagens.
Em pesquisas realizadas por Hage
(2006), com professores de escolas
multisseriadas brasileiras, constata-se que
as informações obtidas condizem com a
presente realidade do município e
manifestam um pensamento que parece ser
unânime entre os professores da
multisserie:
Os professores se sentem
angustiados, sobretudo quando
assumem a visão da multissérie
enquanto “junção de várias séries
numa mesma turma”, e têm que
elaborar tantos planos e estratégias de
ensino e avaliação diferenciados
quanto forem as séries reunidas na
turma; ação essa, fortalecida pelas
secretarias de educação quando
definem encaminhamentos
pedagógicos e administrativos
padronizados, desconsiderando as
indicações legais detalhadas
anteriormente. (Hage, 2006, p. 04).
E de contraponto a essa perspectiva,
somente uma professora (E), considera que
a maior dificuldade está centrada na
dispersão dos alunos. Para ela, a
diferenciação de idade resulta em crianças
em diferentes fases e interações, então são
formados diversos “grupinhos” e muitas
vezes esses alunos acabam se
desconcentrando do que a aula propõe:
Pela questão da minha sala eu vejo
assim a dificuldade de aprendizagem
que eles tem, é essa questão de
inquietação, porque o e ano
são mais concentrados, ai o do
vem e atrapalha porque não tem essa
maturidade ... a questão da
inquietação, a questão das
aprendizagens, das dificuldades de
aprendizagem, da concentração das
crianças, é, por umas conhecerem
mais do que as outras, isso dificulta.
(Professora E)
Como os próprios professores
relatam, a formação (e não apenas a
alfabetização) dos alunos acaba sendo
comprometida a partir de um conjunto de
fatores que requerem o entendimento das
especificidades destes coletivos. No
entanto, esses fatores ultrapassam as
questões pedagógicas, pois denunciam que
as políticas públicas ainda relegam as
escolas multisseriadas ao plano do
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incômodo e não de uma estruturação
pedagógica própria da conformação
territorial do Campo, a qual perpassa pela
dispersão populacional, mas, sobretudo,
pelo direito à educação e à escola, que
mesmo em pequenas comunidades, onde o
quantitativo de alunos não permite seguir
com o padrão organizativo do ensino das
redes, o direito deve ser assegurado.
Os saberes do campo na construção da
prática
Uma das grandes questões
defendidas pela Educação do Campo diz
respeito a um ensino que leve em
consideração os saberes das localidades e
do povo camponês. Neste sentido, e ainda
dentro do contexto do planejamento,
indagou-se para os professores
entrevistados sobre a influência que o
campo e os alunos que residem, têm nos
seus respectivos planos de aula e de qual
forma aparecem na efetivação da prática.
Todos os professores entrevistados
afirmaram ser imprescindível considerar o
diálogo com comunidade e que os alunos
possuem conhecimentos específicos das
suas localidades que devem ser
estimuladores das intervenções didáticas.
Um exemplo citado por um dos
professores refere-se à prática de plantação
e do tempo para colheita que são
conhecimentos que grande parte da sua
turma possui. Tais saberes podem ser
revertidos para se trabalhar problemas
matemáticos, tópicos voltados para a
disciplina de ciências e também ao meio
ambiente, dentre outras áreas e
possibilidades.
Percebemos nos entrevistados, o
cuidado de aceitar o conhecimento que o
aluno possui também como uma forma de
incentivo à autoestima dos estudantes.
Acredita-se que desse modo, o aluno
perceberá que o conhecimento que ele
possui é válido, mas que existem outras
formas de conhecimento que também são
válidas e precisam ser conhecidas para o
seu desenvolvimento:
Agente leva em conta na escola do
campo o que o aluno trás, porque às
vezes você planta feijão de uma
maneira e ele sabe de outra. Às vezes
eles sabem plantar um feijão e um
milho de um jeito e eu sei plantar de
outro. Ai eu vou aceitar o que eles
fazem. (Professora B)
Influenciam na forma de preparar as
aulas, por que de acordo com os
conteúdos a gente vai adaptando a
realidade deles, utilizando das
experiências deles, assuntos de
ciências, história. Sou eu que aprendo
muito com eles, questões do trabalho
com plantas, com animais, então
assim, dessas vivências deles não tem
como você fugir. (Professora D)
De maneira geral, vimos a
preocupação docente em interagir com os
saberes dos alunos como forma de
integração com os conteúdos que
necessitam ser trabalhados, na direção que
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apontam as Diretrizes Operacionais para a
Educação Básica nas Escolas do Campo de
2002, visando a legitimação do ensino a
partir da própria identidade do campo e dos
saberes dos seus sujeitos. (Resolução CNE/
CEB n. 01, 2002).
Cruzando as falas dos professores e
algumas situações que puderam ser
observadas em sala de aula, vimos que
fazer o entrelaçamento com a realidade de
vida dos alunos ainda é um desafio aos
docentes. Destacamos as situações em que
o conteúdo estudado permitia utilizar a
natureza local ou hortas, mas foi preferível
para o professor fazer uso de gravuras dos
livros didáticos. Em uma delas, o conteúdo
era saneamento básico e água, e não eram
citadas as cisternas de bicas e barragens
que estão sendo construídas em todo o
município, dentre outras situações que
chamaram atenção, e que poderiam ser
melhor contextualizadas.
Percebe-se que em qualquer
contexto, o local no qual está inserido pode
servir de recurso ou tema para o ensino e
uma forma de estímulo para os sujeitos que
estão envolvidos. Embora os alunos
tenham o direito de conhecer os modos de
vidas nos diferentes lugares, também é
importante incentivar a aprendizagem a
partir das suas localidades, como forma de
reconhecimento de sua importância para a
escola e para os alunos.
Considerações finais
As escolas multisseriadas do campo
são uma realidade que requer investimento,
inclusive em pesquisas que sejam capazes
de ouvir os docentes e suas vivências
Dessa forma, desenvolver um estudo
detalhado acerca da Organização do
Trabalho Pedagógico a partir dos preceitos
da Educação do Campo, sobretudo, na
multisseriação, é uma demanda importante,
no sentido de contribuir de forma mais
efetiva com essa desafiante realidade.
Inclui-se nesse desafio, dialogar
sobre as multisséries na relação com a
Educação do Campo, tratando-a desde os
aspectos pedagógicos, até a perspectiva
política que aponta um projeto histórico
voltado para uma sociedade justa e
igualitária que tem a educação como aliada
nessa construção. A partir das
aproximações com os sujeitos desta
pesquisa e suas práticas cotidianas, foi
possível perceber que a Organização do
Trabalho Pedagógico requer clareza de
objetivos, tanto da teoria educacional (qual
sociedade, qual sujeito se quer formar),
quanto da teoria pedagógica (quais meios,
conteúdos e formas) e isso nos revelou que
muito que aprofundar nesse sentido,
sobretudo, no contexto diverso da
multisseriação.
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A Organização do Trabalho
Pedagógico nas multisseriadas exige
pensar em uma articulação de fatores que
vão desde as condições da estrutura das
escolas, até a formação de professores
dentro de um referencial teórico que lhe
garanta apreender a realidade nas suas
possibilidades e desafios.
É evidente que uma proposta que
consiga suprir as especificidades das
escolas multisseriadas é um desafio que
provoca desde os professores destas
escolas, os gestores que formulam e
executam políticas de educação, até as
universidades, sobretudo, os cursos de
pedagogia que pouco investigam essa
realidade.
É imprescindível ressaltar que esse
trabalho, de cunho exploratório, apenas
anunciou questões de uma realidade que é
muito mais complexa e exigente. Desse
modo, acreditamos ter cumprido com
nosso objetivo de trazer sinalizações
referentes à forma como o trabalho
pedagógico é conduzido nas escolas
multisseriadas do campo, destacando as
tentativas docentes em lidar com essa
realidade, apontando os desafios que a
subjazem e apontam não ser possível de
serem ignorados.
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Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 14/01/2020
Aprovado em: 27/02/2020
Publicado em: 28/10/2020
Received on January 14th, 2020
Accepted on February 27th, 2020
Published on October, 28th, 2020
Contribuições no artigo: A autora Adlândia do
Nascimento Dias participou da elaboração do projeto,
coleta de dados, análise dos dados, redação,
normatização e revisão do artigo. As autoras Ivânia Paula
Freitas de Souza Sena e Jaini Pereira Xavier Souza
participaram da análise dos dados, redação, normatização
e revisão do artigo. As autoras também aprovaram essa
versão final publicada.
Author Contributions: The author Adlândia do
Nascimento Dias participated in the elaboration of the
project, data collection, data analysis, writing,
standardization and review of the article. Authors Ivânia
Paula Freitas de Souza Sena and Jaini Pereira Xavier
Souza participated in the data analysis, writing,
Dias, A. N., Sena, I. P. F. S., & Souza, J. P. X. (2020). A organização do trabalho pedagógico em escolas multisseriadas do
campo: reflexões e possibilidades...
Tocantinópolis/Brasil
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e8201
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2020
ISSN: 2525-4863
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normatization and review of the article, and approval of the
final version published.
Conflitos de interesse: As autoras declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
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Ivânia Paula Freitas de Souza Sena
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Jaini Pereira Xavier Souza
http://orcid.org/0000-0003-3210-3226
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Dias, A. N., Sena, I. P. F. S., & Souza, J. P. X. (2020). A
organização do trabalho pedagógico em escolas
multisseriadas do campo: reflexões e possibilidades. Rev.
Bras. Educ. Camp., 5, e8201.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e8201
ABNT
DIAS, A. N.; SENA, I. P. F. S.; SOUZA, J. P. X. A
organização do trabalho pedagógico em escolas
multisseriadas do campo: reflexões e possibilidades. Rev.
Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 5, e8201, 2020.
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