Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e8904
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8904
10.20873/uft.rbec.e8904
2020
ISSN: 2525-4863
1
Este conteúdo utiliza a Licença Creative Commons Attribution 4.0 International License
Open Access. This content is licensed under a Creative Commons attribution-type BY
Formação continuada de professores do MST: uma
releitura teórica da situação de estudo a partir de Henry
A. Giroux
Francislene Neres Santos Silva
1
,
Elisa Prestes Massena
2
1, 2
Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC. Departamento de Ciências Exatas e Tecnológicas (DCET). Rodovia Jorge
Amado km 16, Salobrinho. Ilhéus - BA. Brasil.
Autor para correspondência/Author for correspondence: neressantos6@hotmail.com
RESUMO. Discussões referentes ao ensino de Ciências no
contexto nacional têm auxiliado na formação inicial e
continuada de professores, como contribuição para a qualidade
do ensino e aprendizagem. Nesse sentido, este trabalho explicita
uma releitura da proposta de Situação de Estudo (SE) para a
formação de professores do MST, dialogando com a pedagogia
crítica de Henry A. Giroux. A pesquisa, fruto de uma
dissertação, foi desenvolvida no Centro Integrado Florestan
Fernandes do Assentamento Terra à Vista, localizada em
Arataca/Bahia, constituindo-se dos seguintes instrumentos: a)
Projeto Político Pedagógico (PPP); b) Questionários realizados
com doze professores da escola; c) Entrevistas realizadas com a
coordenadora, o diretor da escola e três professores participantes
do curso. Os dados provenientes de todos os instrumentos foram
analisados à luz da Análise Textual Discursiva (ATD). Por meio
das etapas que foram desenvolvidas, podemos perceber
aproximações a partir do teórico adotado com a SE e a formação
de professores do MST, bem como relações com a pedagogia
crítica e com a pedagogia do MST.
Palavras-chave: Formação Continuada, MST, Situação de
Estudo, Ensino de Ciências.
Silva, F. N. S., & Massena, E. P. (2020). Formação continuada de professores do MST: uma releitura teórica da situação de estudo
a partir de Henry A. Giroux...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8904
10.20873/uft.rbec.e8904
2020
ISSN: 2525-4863
2
Formación continua de profesores del MST: una relectura
teórica de la situación de estudio a partir de Henry A.
Giroux
RESUMEN. Discusiones referentes a la enseñanza de las
ciencias en el contexto nacional han ayudado en la formación
inicial y continuada de profesores, como contribución a la
calidad de la enseñanza y el aprendizaje. En este sentido, este
trabajo explicita una relectura de la propuesta de Situación de
Estudio (SE) para la formación de profesores del MST,
dialogando con la pedagogía crítica de Henry A. Giroux. La
investigación, fruto de una tesis de maestría, fue desarrollada en
el Centro Integrado Florestan Fernandes en el Asentamiento
Terra a Vista, ubicada en Arataca/Bahía, constituyéndose de los
siguientes instrumentos: a) Proyecto Político Pedagógico (PPP);
b) Cuestionarios realizados con 12 profesores de la escuela; c)
Encuestas realizadas con la coordinadora, el director de la
escuela y tres profesores participantes del curso. Los datos
provenientes de todos los instrumentos se analizaron a la luz del
análisis textual discursivo (ATD). Por medio de las etapas que
fueron desarrolladas podemos percibir las aproximaciones de la
SE y la formación de profesores del MST, así como su relación
con la pedagogía crítica y con la pedagogía del MST.
Palabras clave: Formación Continua, MST, Situación de
Estudio, Enseñanza de las Ciencias.
Silva, F. N. S., & Massena, E. P. (2020). Formação continuada de professores do MST: uma releitura teórica da situação de estudo
a partir de Henry A. Giroux...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8904
10.20873/uft.rbec.e8904
2020
ISSN: 2525-4863
3
Continuing Training of MST Teachers: A Theoretical Re-
reading of the Study Situation from Henry A. Giroux
ABSTRACT. Discussions concerning the teaching of sciences
in the national context have assisted in the initial and continuing
teacher training, as a contribution to the quality of teaching and
learning. In this sense, this work explains a re-reading of the
Study Situation (SE) proposal for the training of MST teachers,
in dialogue with the critical pedagogy of Henry A. Giroux. The
research, result of a dissertation, was developed in the Integrated
Center Florestan Fernandes of the Settlement Terra a Vista,
located in Arataca/Bahia, constituting of the following
instruments: a) Pedagogical Political Project (PPP); b)
Questionnaires conducted with twelve teachers of the school; c)
Interviews with the coordinator, the school director and three
teachers participating in the course. Data from all instruments
were analyzed in the light of the Discursive Textual Analysis
(ATD). Through the stages that have been developed, we can
perceive approximations from the theoretician adopted with the
SE and the formation of teachers of the MST, as well as
relations with the critical pedagogy and with the pedagogy of
the MST.
Keywords: Continuing Training, MST, Study Situation, Science
Teaching.
Silva, F. N. S., & Massena, E. P. (2020). Formação continuada de professores do MST: uma releitura teórica da situação de estudo
a partir de Henry A. Giroux...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8904
10.20873/uft.rbec.e8904
2020
ISSN: 2525-4863
4
Introdução
A Situação de Estudo (SE) teve sua
origem no Grupo Interdepartamental de
Pesquisa sobre Educação em Ciências
(GIPEC) da Universidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
(UNIJUÍ) no final dos anos de 1990 e se
apresenta como uma inovação curricular
em que as atividades se organizam a partir
de uma situação de alta vivência de
professores e estudantes (Maldaner &
Zanon, 2004; Pansera-de-Araújo, Auth &
Maldaner, 2007; Frison et al., 2007;
Sangiogo et al., 2013; Massena, 2015;
Vieira et al., 2016).
A partir da proposta do GIPEC,
diversas SEs desde 2012, têm sido
desenvolvidas em um grupo de pesquisa de
uma universidade do Sul da Bahia. Esse
grupo tem buscado desenvolver a proposta
de SE com especificidades locais e
diferenciadas da que foi pensada pelo
Gipec/Unijuí. Como exemplo, pode-se
mencionar a discussão dos conteúdos a
partir de temas do contexto da comunidade
escolar. O grupo tem desenvolvido
processos formativos, envolvendo
licenciandos de química, docentes da
universidade e professores da Educação
Básica. Dentre essas formações, encontra-
se um trabalho desenvolvido em uma
escola de Assentamento.
Cabe destacar que os debates sobre a
Educação do Campo ampliaram-se no
cenário nacional, além do crescente
número de pesquisas na área. Porém, no
que tange ao Ensino de Ciências e
Educação do Campo, a produção de
trabalhos ainda é insípida (Halmenschlager
et al., 2017; Halmenschlager et al., 2018;
Silva et al., 2019), necessitando de um
olhar voltado para a temática da Educação
do Campo.
Assim, as escolas dos Assentamentos
têm a sua proposta embasada nos cadernos
do MST, e buscam a integração entre
“...teoria e prática por meio de práticas
pedagógicas que envolvam, além das
questões pedagógicas, o trabalho como
princípio educativo e os problemas do dia a
dia nos Assentamentos” (Santos, 2013, p.
85). Outro documento marco, em que se
baseiam os sistemas de ensino dos
Assentamentos, são as Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica em
Escolas do Campo que, no Art. 13, inciso
II, apontam que as propostas pedagógicas
dos sistemas de ensino devem valorizar
também o acesso ao avanço científico e
tecnológico (Brasil, 2002).
Diante disso, educadores e
educadoras do MST, enredados com a
educação das escolas do Movimento,
Silva, F. N. S., & Massena, E. P. (2020). Formação continuada de professores do MST: uma releitura teórica da situação de estudo
a partir de Henry A. Giroux...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8904
10.20873/uft.rbec.e8904
2020
ISSN: 2525-4863
5
devem “... se assumir como sujeitos de
uma reflexão permanente sobre as práticas
do MST, extraindo delas lições de
pedagogia que permitem fazer (e
transformar) em cada escola, e do seu jeito,
o ambiente educativo, que reproduz e
produz o Movimento como sujeito
educador” (MST, 2001, p. 24). Nesse
contexto, a formação continuada desses
educadores deve estar pautada dentro da
pedagogia do Movimento. Nessa
perspectiva, o Caderno 8 do MST
destaca que a formação continuada dos
professores excede a formação escolar,
trata-se de uma formação humana com
dimensões políticas e ideológicas que
fazem parte das experiências dos sujeitos
em formação (MST, 2005).
Cabe destacar que a SE tem como
base teórica os estudos da Psicologia
Histórico-Cultural, cujo o principal
representante é Vygotsky. Entretanto, no
âmbito do nosso grupo, ao agregarmos as
discussões sobre currículo e a formação de
professores, temos buscado apresentar
relações teóricas com autores do campo
curricular crítico como Michael W. Apple
e Henry A. Giroux, priorizando o diálogo
com a pedagogia crítica do último teórico
citado. Dessa forma, constitui-se como
objetivo, deste estudo, apresentar uma
releitura da SE para a formação de
professores do MST, dialogando com a
pedagogia crítica de Henry A. Giroux.
As especificidades da pedagogia do
MST: o ensino de Ciências nas escolas
de Assentamento
A questão da educação no MST
surge desde a sua oficialização no
Encontro Nacional de Trabalhadores Sem
Terra, em 1984, e é ratificada, em 1985, no
I Congresso Nacional realizado em
Curitiba. Nesses eventos, o MST insere em
sua agenda política a luta por escolas e
que, portanto, essas instituições deveriam
fazer parte das famílias dos sem-terra.
Nesse sentido, o Movimento
i
se preocupa
em formar “novos sujeitos, os quais não
serão os mesmos camponeses de antes,
mas sujeitos sociais que trazem para si a
luta social, a luta de classe e um projeto de
futuro (Caldart, 2001).
O MST tem como objetivo constituir
uma educação voltada às necessidades e à
realidade do campo e, para isso, a
educação não cabe apenas em uma escola.
Dessa forma, os educadores e educandos
precisam apropriar-se de diversos tipos de
conhecimentos, sendo a realidade a base
para essa formação (MST, 2005). Nesse
sentido, o MST espera que os educadores
construam, no coletivo, métodos de ensino
que possam garantir o aprendizado e a
produção dos conhecimentos. Assim,
quando os documentos do MST (2005) se
Silva, F. N. S., & Massena, E. P. (2020). Formação continuada de professores do MST: uma releitura teórica da situação de estudo
a partir de Henry A. Giroux...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8904
10.20873/uft.rbec.e8904
2020
ISSN: 2525-4863
6
referem às metodologias de ensino, o
destaque aos temas geradores, objetos
geradores e conteúdos que estejam
vinculados à dimensão humana.
Isso significa, de acordo com Caldart
(2001), que a escola, o sujeito e o contexto
em que estão inseridos vinculam-se a um
projeto de desenvolvimento do ser humano
em todas as suas dimensões, portanto,
esses aspectos devem ser parte do
planejamento do professor. Nesse
contexto, o ensino deve partir da prática
com o objetivo de possibilitar ao educando
o conhecimento científico da realidade.
Assim, “... é por meio do ensino que os
alunos entram em contato com o
conhecimento acumulado pela
humanidade nos vários campos da vida
humana” (MST, 2005, p. 43-44). Diante
disso, os conteúdos devem ser ensinados a
partir das situações concretas do
Assentamento e até mesmo daquelas
questões que os alunos apresentam.
É a partir da realidade e das
experiências práticas que o currículo nas
escolas do MST é desenvolvido. Quanto
mais experiência prática tiver o aluno, mais
fácil ele consegue aprender a teoria. Sendo
assim, o currículo gira em torno das
experiências práticas, da organização e
divisão de tarefas, da tomada de decisões,
da resolução de problemas do cotidiano,
bem como, também, dos conteúdos
ensinados em sala de aula que irão auxiliar
na compreensão da realidade próxima e da
realidade distante (MST, 1992).
O Caderno de Educação 01 do
Movimento explicita o que os educandos
precisam conhecer dentro da área de
Ciências, dentre os quais podemos apontar:
a) entender que tudo está relacionado à
vida e à natureza, à produção agrícola e
pecuária; b) perceber o seu lugar no
mundo, na natureza e na sociedade como
um sujeito de transformação e de
equilíbrio; c) desenvolver a curiosidade
científica e a capacidade de investigar a
realidade por meio da observação
experimentação análise das
transformações do que acontece na
natureza e na sociedade, nas relações entre
as coisas do mundo (animal, mineral,
vegetal e social) (MST, 1992).
Por fim, cabe destacar que a seleção
e escolha de conteúdos não deve ser feita
de maneira imprevista. Necessita-se de
estratégias amplas que abarquem a
associação entre teoria e prática. Quanto
mais complexa e heterogênea é a realidade,
mais conceitos envolverão e mais rica será
a construção do pensamento e as
habilidades intelectuais dos estudantes
(Caldart, 2005; MST, 2014). Não se trata
de uma reprodução de conhecimentos e
definições de conceitos prontos,
característica do método tradicional, mas
Silva, F. N. S., & Massena, E. P. (2020). Formação continuada de professores do MST: uma releitura teórica da situação de estudo
a partir de Henry A. Giroux...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8904
10.20873/uft.rbec.e8904
2020
ISSN: 2525-4863
7
da construção do conhecimento entre
educadores e educandos.
Alguns pressupostos da proposta da SE
A SE é uma proposta de
reconfiguração curricular que tem como
principal aporte teórico a Psicologia
Histórico-Cultural fundamentada por
Vygotsky (Sangiogo et al., 2013; Massena,
2015). De acordo com Halmenschlager
(2014), trata-se de uma proposta de ensino
que se apresenta como uma alternativa
curricular, priorizando os conteúdos de
Ciências em uma abordagem que
transcende a linearidade e a fragmentação.
A SE começou a ser pensada e
desenvolvida no final dos anos de 1990 e
início de 2000, dentro do Grupo
Interdepartamental de Pesquisa sobre
Educação em Ciências (GIPEC) da
Universidade Regional do Noroeste do
Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ)
como uma proposta de reconfiguração
curricular que considera as vivências dos
alunos, promovendo e valorizando as
relações sociais (Maldaner & Zanon, 2004;
Auth, 2002; Frison et al., 2007; Sangiogo
et al., 2013; Halmenschlager, 2014).
Conforme Maldaner e Zanon (2004),
a proposta da SE nasce com base nos
pressupostos da concepção histórico-
cultural acerca dos processos relacionados
ao conhecimento e desenvolvimento dos
processos psíquicos essencialmente
humanos. Assim, segundo esses autores, a
partir da relação entre a escola básica e a
universidade, com a participação de
professores, de estudantes de licenciatura,
do professor da universidade, mudanças
consideráveis têm acontecido tanto na
concepção quanto nas práticas curriculares
de formação em ciências naturais.
Nessa perspectiva, a SE se constrói
na relação entre escola e universidade e sua
elaboração se na tríade: docentes
universitários, professores da escola básica
e licenciandos/as de diferentes áreas do
conhecimento (Biologia, Física e
Química). Desse modo, pode-se propiciar
um diálogo entre a escola e a universidade
na construção de um currículo aberto
(Massena & Brito, 2015).
Auth (2002) propõe para o
desenvolvimento da SE em sala de aula
três etapas: problematização; primeira
elaboração; e função da elaboração e
compreensão conceitual.
A problematização é a primeira etapa em
que serão buscadas e explicitadas as
primeiras ideias dos estudantes sobre
determinada problemática. Nesse
momento, os conceitos espontâneos dos
alunos são problematizados a partir da
introdução dos conceitos científicos
(Gehlen, Maldaner & Delizoicov, 2012).
Silva, F. N. S., & Massena, E. P. (2020). Formação continuada de professores do MST: uma releitura teórica da situação de estudo
a partir de Henry A. Giroux...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8904
10.20873/uft.rbec.e8904
2020
ISSN: 2525-4863
8
No que se refere à Primeira
elaboração, Gehlen, Maldaner e
Delizoicov (2012) afirmam que este é o
momento em que serão desenvolvidas
atividades com textos de aprofundamento
sobre as circunstâncias que foram
apresentadas na primeira etapa. Conforme
os autores, este é o primeiro contato dos
estudantes com o conceito científico para
além da palavra e isso acontece através da
orientação do professor em diferentes
atividades.
Quanto à Função da elaboração e
compreensão conceitual, Gehlen,
Maldaner e Delizoicov (2012) consideram
que é o momento mais formal dos
conceitos. Para estes autores, neste
momento, as explicações científicas são
apresentadas e exploradas com os alunos,
os quais passam a identificar palavras
representativas do conceito e conciliar com
as primeiras palavras da primeira e
segunda etapas. Os autores afirmam que
são trabalhados textos científicos a fim de
que os alunos identifiquem palavras que
sejam representativas dos conceitos com
que tiveram contato nos momentos
anteriores e destacam que este é o
momento em que novas significações
aparecem, os alunos passam a dominar
novas linguagens e se apropriam do
conceito verdadeiro. Esse conceito é o
entendimento aprofundado pelos sujeitos
sobre um estudo específico. Isto não
significa que os conceitos espontâneos dos
educandos serão deixados de lado, mas ele
alcançará uma nova interpretação por meio
da transição entre os seus conhecimentos
iniciais e as compreensões dos conceitos
científicos.
Ainda nesta etapa, de acordo com
Gehlen, Delizoicov e Maldaner (2012), são
retomadas as questões iniciais apresentadas
na primeira etapa (Problematização), com
o objetivo de obter a compreensão
conceitual das mesmas e são expostas
também outras situações para além das
apresentadas.
Dessa forma, para que essas etapas
sejam desenvolvidas em sala de aula é
preciso que aconteça um planejamento de
elaboração de cada etapa. Pansera-de-
Araújo, Auth e Maldaner (2007)
apresentam orientações básicas para a
construção coletiva de uma SE,
envolvendo três categorias de sujeitos e
quatro etapas. De acordo com os autores,
os professores em exercício na educação
básica precisam fazer parte dessa
construção, juntamente com os professores
universitários e os licenciandos. As quatro
etapas envolvem: a) o planejamento
coletivo no âmbito do grupo de pesquisa;
b) o desenvolvimento da SE com
licenciandos da área de ciências; c) o
desenvolvimento da SE com os professores
Silva, F. N. S., & Massena, E. P. (2020). Formação continuada de professores do MST: uma releitura teórica da situação de estudo
a partir de Henry A. Giroux...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8904
10.20873/uft.rbec.e8904
2020
ISSN: 2525-4863
9
da educação básica das áreas de Biologia,
Física e Química; e, a última etapa, d) a
reelaboração do material com as três
categorias de sujeitos apresentados
acima. Dessa forma, de acordo com
Massena (2015), os estudantes e os
professores que estão envolvidos se
constituem como agentes responsáveis na
construção do currículo, o que permite o
questionamento de fatores relacionados ao
papel do professor, do conhecimento e do
ambiente escolar.
Uma releitura da SE: o desenvolvimento
da SE a partir da escolha de temas do
contexto escolar
Massena (2015) apresenta algumas
características do Grupo de Pesquisa em
Currículo e Formação de Professores em
Ensino de Ciências (GPeCFEC) da
Universidade Estadual de Santa Cruz
(UESC), localizada no Sul da Bahia,
coordenado por uma docente desta
instituição e composto por discentes de
mestrado e doutorado, licenciandos/as de
Química, bolsistas de Iniciação Científica
(IC), estudantes de ensino médio,
professores formadores e professores da
educação básica. A autora afirma que, no
âmbito deste grupo, têm-se produzido
trabalhos relacionados a SE, a exemplos de
artigos, dissertações e Trabalhos de
Conclusão de Curso (TCC)
ii
.
De acordo com a autora, o grupo tem
características específicas ao desenvolver
SEs, diferentemente da proposta inicial do
Gipec-Unijuí, pois o primeiro grupo parte
de um tema do contexto escolar como
afirma Vieira (2017, p. 88)
...no contexto do grupo, se os
conceitos trabalhados na SE são
contextualizados a partir de uma
situação concreta do cotidiano a fim
de produzir significado, então a SE
não pode ser relacionada a um tema
qualquer e sim a um tema que
apresente uma relevância social para
os estudantes e para a comunidade
escolar.
Nessa perspectiva, desde 2012/2013,
os integrantes do grupo de pesquisa
desenvolveram algumas SEs que valorizam
o contexto escolar. Neste texto
destacaremos os trabalhos elaborados e
desenvolvidos no âmbito do GPeCFEC
relacionados à formação continuada de
professores. Dentre eles estão os trabalhos
de Santos et al. (2015) e de Vieira et al.
(2016).
A SE, elaborada e desenvolvida em
2016, teve como contexto a Educação do
Campo. Os autores estruturaram e
desenvolveram um processo formativo
baseado na SE, levando em consideração o
ensino de ciências no campo. A partir de
um levantamento sobre o contexto local e o
público que seria atendido, os autores e
integrantes do grupo de pesquisa
identificaram uma problemática em torno
Silva, F. N. S., & Massena, E. P. (2020). Formação continuada de professores do MST: uma releitura teórica da situação de estudo
a partir de Henry A. Giroux...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8904
10.20873/uft.rbec.e8904
2020
ISSN: 2525-4863
10
do gerenciamento do lixo em uma cidade
da Bahia. A partir desse problema,
elegeram-se algumas atividades da SE
“Geração e Gerenciamento de Resíduos
Sólidos Provenientes das Atividades
Humanas”, elaboradas e desenvolvidas
pelo Gipec/Unijuí, em 2003, que foram
adaptadas para o curso.
a SE desenvolvida em 2017
consistiu no desenvolvimento de um curso
de formação continuada para professores
que atuam na Educação de Jovens e
Adultos (EJA) de uma escola pública da
Bahia. O curso foi estruturado
considerando-se as três etapas da SE:
problematização, primeira elaboração e
função da elaboração e compreensão
conceitual (Gehlen; Maldaner &
Delizoicov, 2012), sendo possível aos
professores participantes do curso elaborar
uma SE para desenvolverem com seus
alunos. Para essas atividades, a escolha do
tema foi discutida e selecionada pelos
professores, que consideraram o contexto
da escola e dos alunos, definindo o tema
Ecologia.
A pedagogia crítica de Henry A. Giroux
Henry A. Giroux se destacou como
umas das figuras principais da pedagogia
crítica, no final dos anos de 1980. Seus
inúmeros trabalhos discutem aspectos que
vão de encontro à pedagogia tradicional e,
influenciados por Paulo Freire, Antônio
Gramsci e os marxistas da Escola de
Frankfurt, propõem uma educação
transformadora (Moreira & Silva, 2002).
Moreira e Silva (2002) destacam que
Henry A. Giroux fez parte do movimento
que pretendia reconceituar o campo do
currículo, pois, juntamente com diversos
especialistas em currículo, rejeitava a
tendência curricular dominante por ser
apolítica, acrítica, instrumental e ateórica.
Diante disso, Henry A. Giroux passou a
desenvolver uma série de estudos,
propondo uma pedagogia radical como
forma de política cultural, a partir da sua
crítica ao modelo educacional tradicional,
recuperando a natureza da atividade
pedagógica como uma atividade política,
crítica e transformadora (Giroux, 1987).
Conforme Giroux (1997), a
pedagogia radical nasce como parte da
Nova Sociologia da Educação (NSE
iii
),
com a determinação de desvelar a
dominação e a opressão que são
produzidas nos mais variados mecanismos
de escolarização. O mesmo autor afirma
que os educadores tradicionais, na maioria
das vezes, não questionam a natureza
política do ensino público, reproduzindo e
legitimando as ideologias capitalistas.
Assim, de acordo com o autor mencionado,
para os tradicionalistas, a escola é apenas
Silva, F. N. S., & Massena, E. P. (2020). Formação continuada de professores do MST: uma releitura teórica da situação de estudo
a partir de Henry A. Giroux...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8904
10.20873/uft.rbec.e8904
2020
ISSN: 2525-4863
11
um local de instrução, ou seja, um espaço
para transmitir o conhecimento.
Paradoxalmente a esta visão, na
pedagogia radical, a escola é considerada
como uma esfera pública e não como uma
instituição que serve a interesses de uma
única classe (Giroux, 1987). O conceito de
esfera pública, de acordo Giroux (1987, p.
8), é compreendido como a “que mantém
uma associação indissolúvel com as
questões de poder e de democracia”. Ou
seja, uma escola capaz de oferecer um
número expressivo de espaços pedagógicos
para que o movimento social democrático
seja incorporado pelos grupos
subordinados e os grupos de resistência a
fim de gerar formas de emancipação do
conhecimento, como, também, das relações
sociais.
Conforme o autor, a escola como
esfera pública possibilita que os grupos
subordinados desenvolvam seus próprios
intelectuais. Desse modo, enfatizamos, a
partir de Giroux (1987), que o termo
intelectual é adotado por ele para
denominar os professores, pois, assim,
torna-se possível repensar e reestruturar o
trabalho docente. Para o autor, o professor,
como intelectual, valoriza a atividade
docente como um trabalho intelectual,
esclarece quais são as condições materiais
importantes para desenvolver o trabalho
intelectual e ajuda no desvelamento das
formas de ideologia dominantes que
permeiam e legitimam o trabalho docente.
Ainda, conforme Giroux (1997, p. 29), “a
fim de atuarem como intelectuais, os
professores devem criar a ideologia e
condições estruturais necessárias para
escreverem, pesquisarem e trabalharem uns
com os outros na produção de currículos e
repartição do poder”. Em síntese, significa
considerar os professores como atores
reflexivos, críticos e questionadores das
condições ideológicas e econômicas.
Giroux (1987; 1997) se apropria do
termo intelectual baseado em Antônio
Gramsci, o qual considera que homens e
mulheres são intelectuais, mas nem todos
agem como tais, e desenvolve as categorias
para também analisar a função social dos
educadores. Para o autor, essas categorias
são típico-ideais para indicar os interesses
e tendências presentes em cada uma delas.
As categorias que foram desenvolvidas por
Giroux (1987) são explicitadas a seguir.
1. Intelectuais transformadores:
Fundamentado em Gramsci (1971) e Freire
(1984), Giroux (1987) afirma que, nesta
categoria, os professores podem emergir
como intelectuais de qualquer grupo,
podendo atuar em diversos grupos para
desenvolver as culturas emancipatórias
tanto dentro como fora das esferas
públicas. O mesmo autor enfatiza que o
papel central dos intelectuais
Silva, F. N. S., & Massena, E. P. (2020). Formação continuada de professores do MST: uma releitura teórica da situação de estudo
a partir de Henry A. Giroux...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8904
10.20873/uft.rbec.e8904
2020
ISSN: 2525-4863
12
transformadores é “tornar o pedagógico
mais político e o político mais pedagógico”
(p. 32). Ou seja, no primeiro caso, o
professor como intelectual transformador
tem a tarefa de introduzir a educação no
campo da política. Isso significa que o
processo de escolarização representa uma
luta por relação de poder e uma disputa por
significado, ou seja, a escola é o espaço em
que poder e política se encontram a partir
de uma relação dialética entre os grupos e
indivíduos.
Em relação a tornar o político mais
pedagógico, Giroux (1987) afirma que os
professores como intelectuais
transformadores precisam utilizar formas
de pedagogia em que seja possível
considerar os educandos como sujeitos
críticos, que sejam capazes de
problematizar o conhecimento a partir do
diálogo crítico emancipatório. Segundo o
autor mencionado, significa dar aos
estudantes voz ativa, considerando suas
experiências de aprendizagem, considerá-
los também como atores coletivos e
particulares. Em síntese, significa “criar
condições materiais e ideológicas na escola
e na sociedade mais ampla que deem aos
alunos a oportunidade de se tornarem
agentes de coragem cívica” (p. 33).
2. Intelectuais críticos: O termo
crítico não significa que estes intelectuais
possuem uma função social política.
Conforme Giroux (1987), os educadores
como intelectuais críticos têm um
pensamento diferente das instituições e às
formas de pensamento vigentes, porém,
não se consideram vinculados a nenhuma
formação social específica, o que significa
que estão isentos de uma função social
explicitamente política por natureza. Do
mesmo modo, de acordo com o autor
citado, na maioria das vezes, os
intelectuais críticos possuem uma postura
a-política, ou seja, “como indivíduos, são
críticos das desigualdades e injustiças, mas
frequentemente se recusam ou são
incapazes de avançar de sua postura
isolada para o terreno da solidariedade
coletiva e da luta” (p. 34).
3. Intelectuais adaptados: Conforme
Giroux (1987), os intelectuais adaptados de
maneira inconsciente adotam uma postura
ideológica e um conjunto de ações
materiais que dão sustento para a
sociedade dominante. Para o autor, os
educadores que se enquadram nesta
categoria produzem e mediam, de maneira
acrítica, as ideias e as práticas sociais que
reproduzem o status quo.
4. Intelectuais hegemônicos: Ao
contrário dos intelectuais adaptados, os
intelectuais hegemônicos agem
conscientemente em favor da ideologia
dominante. Segundo Giroux (1987), esses
intelectuais se rendem ao modelo de
Silva, F. N. S., & Massena, E. P. (2020). Formação continuada de professores do MST: uma releitura teórica da situação de estudo
a partir de Henry A. Giroux...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8904
10.20873/uft.rbec.e8904
2020
ISSN: 2525-4863
13
cooptação acadêmica como também
política e se colocam à disposição das
classes dominantes, fortalecendo suas
ideias éticas, políticas e econômicas.
Apesar de desenvolver as categorias
citadas acima, Giroux (1987; 1997)
defende os professores como intelectuais
transformadores, pois é a única maneira de
repensar e reestruturar a natureza da
atividade docente. Ao defender esta
categoria, o autor afirma que, nessa
perspectiva, existe a possibilidade de unir a
linguagem do discurso à linguagem da
possibilidade. Significa que educadores
enquadrados nesta categoria são capazes de
promover mudanças e podem se manifestar
contra as mais diversas formas de
injustiças políticas, sociais e econômicas
que se fazem presentes dentro e fora da
escola.
Os intelectuais transformadores
ganham vida nas instituições de diversos
níveis de ensino que produzem e mantêm a
ideologia dominante, oferecendo aos
estudantes discursos alternativos e práticas
sociais críticas (Giroux, 1987; 1997). Para
isso, é preciso que o educador, como
intelectual transformador, compreenda
qual a teoria educacional crítica em que ele
está fundamentado e, além disso, que
compreenda as relações de poder presentes
nos currículos formais e ocultos,
reconhecendo que o conhecimento escolar
não poderá ser transmitido, mas construído
a partir de um processo de seleção e
exclusão (Giroux, 1987).
Para além dos aspectos citados
acima acerca do papel do intelectual
transformador, Giroux (1987; 1997)
defende que são tarefas centrais também:
1. O desvelamento do papel que a
linguagem e o poder desempenham na
escola como forma de manter o status quo;
2. A investigação da relação entre as
culturas populares e as formas dominantes
de escolarização; 3. O envolvimento em
um diálogo crítico entre professores da
mesma escola e acadêmicos, para o
desenvolvimento de projetos que
questionem de maneira crítica o currículo
escolar que legitima as relações sociais
dominantes.
Em relação à última tarefa citada
acima, essas alianças se dão a partir da
relação entre teoria e prática, que, para
Giroux (1987), significa a abolição da
divisão social do trabalho entre os que
elaboram a teoria e os que a executam. Isso
significa, conforme o autor citado,
compreender que nos espaços escolares
surgem as diversas formas de produção
teórica e, portanto, não podem ser vistos
apenas como locais onde serão
desenvolvidas essas teorias.
Caminhos percorridos
Silva, F. N. S., & Massena, E. P. (2020). Formação continuada de professores do MST: uma releitura teórica da situação de estudo
a partir de Henry A. Giroux...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8904
10.20873/uft.rbec.e8904
2020
ISSN: 2525-4863
14
Este trabalho é parte de uma etapa
que antecede o curso realizado com
professores de um Assentamento do MST.
Buscou-se, nesta pesquisa, levantar
informações acerca da Pedagogia do MST
por meio de análise de documento,
questionários e entrevistas (Silva, 2019).
Portanto, ao considerar a questão de
investigação nesta pesquisa, utilizamos
uma abordagem metodológica qualitativa.
Este tipo de pesquisa se aprofunda no
mundo dos significados, em que o
pesquisador expõe e interpreta fenômenos
da realidade não visível à luz da
subjetividade. Além disso, é possível a
aproximação do pesquisador com a
realidade de perto, estabelecendo interação
com os sujeitos da pesquisa (Minayo,
2012).
A pesquisa foi desenvolvida no
Centro Integrado Florestan Fernandes, no
Assentamento Terra à Vista, localizado em
Arataca, no Sul da Bahia com capacidade
para 100 famílias, mas, segundo a página
do Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (INCRA, 2017), este
possui 53 famílias assentadas. O referido
Assentamento, no momento, possui duas
escolas, sendo uma de ensino médio e com
alguns cursos técnicos, os quais atendem
alunos de cidades próximas; e outra (local
onde foi realizada a pesquisa) que atende a
Educação Infantil, Ensino Fundamental I e
II e Educação de Jovens e Adultos. A
escola atende a 200 alunos do
Assentamento e de comunidades próximas
e conta com um diretor, uma vice-diretora,
uma secretária, um auxiliar de secretaria,
duas (2) merendeiras, duas (2) faxineiras,
um porteiro, quinze (15) professores, dois
(2) auxiliares e duas (2) coordenadoras.
O espaço está estruturado em: seis
(06) salas de aula, (01) sala de secretaria,
(01) sala de diretoria, (12) sanitários, (04)
banheiros, (02) cozinhas, (01) refeitório,
(01) auditório, (01) laboratório de
informática, (01) laboratório de ciências,
(01) biblioteca e (01) pátio externo sem
muros.
Após o projeto ser aprovado pelo
Comitê de Ética em Pesquisa (CEP),
delimitamos como sujeitos desta pesquisa
professores, coordenadores e diretor
conforme apresentado no Quadro 1.
Quadro 1 - Sujeitos da pesquisa.
SUJEITO
CÓDIGO
FORMAÇÃO
SEGMENTO
Diretor
D1
Engenharia Agronômica
Administração da escola
Coordenador
C1
Licenciando em Pedagogia
Coordenação do E. Fund. I
Silva, F. N. S., & Massena, E. P. (2020). Formação continuada de professores do MST: uma releitura teórica da situação de estudo
a partir de Henry A. Giroux...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8904
10.20873/uft.rbec.e8904
2020
ISSN: 2525-4863
15
Professor
P1
Engenharia Agronômica
Ensino Fundamental I
Professor
P2
Engenharia Agronômica
Ensino Fundamental II
Professor
P3
Pedagogia
EJA
Professor
P4
Magistério
Ensino Fundamental I
Professor
P5
Engenharia Agronômica
Ensino Fundamental II
Professor
P6
Magistério
Educação Infantil
Professor
P7
Auxiliar
Educação Infantil
Professor
P8
Pedagogia
Ensino Fundamental I
Professor
P9
Licenciando em Pedagogia
Ensino Fundamental I
Professor
P10
Engenharia Agronômica
Ensino Fundamental II
Professor
P11
Lic. em Matemática
Ensino Fundamental II
Professor
P12
Auxiliar
Educação Infantil
(Fonte: Dados de pesquisa, 2018).
Cabe destacar que foi apresentado
aos participantes da pesquisa o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE) para que eles pudessem
compreender do que se tratava a pesquisa e
conhecer seus direitos. O nome dos
participantes foi mantido em sigilo e
substituído por códigos alfanuméricos. Os
professores tiveram seus nomes
substituídos pela letra P seguida do número
que identifica o mesmo na organização dos
dados.
A pesquisa foi realizada
considerando-se três instrumentos, a saber:
a) documento referente ao Projeto Político
Pedagógico (PPP) do Centro Integrado
Florestan Fernandes; b) questionários com
perguntas abertas (Figura 1) e c)
entrevistas com o diretor, com a
coordenadora e três com professores
(Quadros 2 e 3).
A utilização dos questionários foi
realizada antes do processo formativo, a
fim de levantar informações relacionadas
ao ensino de ciências e ao
desenvolvimento da prática pedagógica
dos docentes, sendo assim, foram
entregues doze (12) questionários a
professores, entretanto, apenas seis (06)
responderam.
Figura 1 - Roteiro do questionário com os professores.
Nome:
Função:
Formação:
Instituição de formação:
1. Faz algum curso atualmente? Se sim, qual?
2. Este curso é financiado por alguma instituição?
3. Qual o seu tempo de serviço no magistério?
Silva, F. N. S., & Massena, E. P. (2020). Formação continuada de professores do MST: uma releitura teórica da situação de estudo
a partir de Henry A. Giroux...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8904
10.20873/uft.rbec.e8904
2020
ISSN: 2525-4863
16
4. Esse tempo foi cumprido todo no Assentamento?
5. Como são realizados os planejamentos das aulas de Ciências na escola em que você trabalha?
6. Os planejamentos realizados são organizados com base na educação do campo? Consideram
algum teórico em especial?
7. As atividades propostas em sala de aula são baseadas na realidade dos alunos? Explique.
8. Na instituição em que você trabalha existe formação continuada específica para a área de
Ciências? Se sim, esta formação corresponde às necessidades do cotidiano profissional?
9. Você poderia citar algumas das matrizes pedagógicas em que a pedagogia do MST se baseia?
10. Você poderia explicitar sobre a proposta pedagógica para o Ensino de Ciências presente no
Projeto Político Pedagógico desta escola?
11. Como são ministradas suas aulas de Ciências?
12. Você participou da construção do currículo da escola neste ano?
13. Como se deu essa construção e a escolha dos conteúdos?
(Fonte: Dados da pesquisa 2018).
As entrevistas tinham como objetivo
levantar informações sobre os princípios
educativos do MST que são desenvolvidos
na escola e a consonância com o Projeto
Político Pedagógico, como também obter
informações relacionadas aos
planejamentos e formação de docentes.
Quadro 2 - Roteiro da entrevista com professores.
1
Qual a sua formação e faz quanto tempo que você atua na educação? E com a docência em Ciências?
E nessa escola? Houve a opção de atuar nessa escola?
3
A sua formação superior lhe ajudou na sua função como docente de Ciências?
4
Atualmente você faz alguma formação complementar para enriquecer seu trabalho como docente?
5
Como são ministradas suas aulas de Ciências?
6
Existe na escola uma perspectiva de trabalho colaborativo? Como isso acontece?
7
Você participou da construção do currículo da escola neste ano? Como se deu essa construção e a
escolha dos conteúdos e das temáticas?
(Fonte: Dados da pesquisa, 2018).
Quadro 3 - Roteiro da entrevista com diretor e coordenadora.
1
Gostaria que você explicasse um pouco sobre sua trajetória na educação aqui na escola do
Assentamento. Se é concursada, assentada, há quanto tempo leciona?
3
Você poderia citar a proposta educativa presente nos documentos do MST?
4
Você poderia citar algumas das matrizes pedagógicas em que a pedagogia do MST se baseia?
5
Você poderia explicitar sobre a proposta pedagógica para o Ensino de Ciências presente no Projeto
Político Pedagógico desta Escola?
6
Você poderia citar algumas das matrizes pedagógicas em que a pedagogia do MST se baseia?
(Fonte: Dados da pesquisa, 2018).
Na análise dos dados, as falas
relacionadas às entrevistas e questionários
estão representadas pela letra E e Q,
seguida do código alfanumérico referente
ao sujeito da pesquisa. Os dados
construídos ao longo da pesquisa foram
analisados à luz da ATD, que consiste
numa metodologia de análise de dados
com o intuito de produzir novos
significados aos elementos existentes a
partir dos dados dos documentos,
questionários e entrevistas (Moraes &
Galiazzi, 2007). A ATD se inicia com o
processo de unitarização, que consiste em
Silva, F. N. S., & Massena, E. P. (2020). Formação continuada de professores do MST: uma releitura teórica da situação de estudo
a partir de Henry A. Giroux...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8904
10.20873/uft.rbec.e8904
2020
ISSN: 2525-4863
17
separação dos textos em unidades de
significação. Nessa etapa, os materiais
(PPP, questionários e entrevistas
semiestruturadas) que constituíram o corpo
da pesquisa foram examinados
detalhadamente e fragmentados, o que nos
permitiu atingir as unidades de sentido.
Após esse processo, seguiu-se para a
categorização em que reunimos as
unidades de significado semelhantes, o que
culminou em níveis de categorias de
análise. Ou seja, as unidades que foram
construídas foram agrupadas em elementos
semelhantes e estabelecemos o modelo de
categorias a priori”, conforme Moraes e
Galiazzi (2007). Neste artigo, é discutida
uma categoria a priori, a qual
denominamos “Formação continuada de
professores por meio da SE: possíveis
reflexões sobre a realidade na educação do
MST”. A partir dessa categoria,
produzimos o metatexto que, de acordo
com os autores citados acima, são
constituídos de interpretações e descrições
do pesquisador acerca do fenômeno
investigado.
Formação continuada de professores
por meio da SE: possíveis reflexões
sobre a realidade na educação do MST
Uma das maiores bandeiras de luta
do MST é a formação tanto inicial quanto
continuada de seus educadores. Diante
disso, partindo do princípio de “quem
educa também precisa se educar
continuamente” (MST, 2005, p. 175), o
Movimento, por meio do Setor de
Educação, promove atividades formativas
que vão além de uma formação
descontextualizada. Ou seja, as formações
propostas pelos documentos do MST
devem ser de natureza política e
ideológica, além de valorizar a experiência
humana. E, ainda conforme Caldart (2003,
p. 51), “...o MST tem uma pedagogia, quer
dizer, tem uma práxis (prática e teoria
combinadas) de como se educam as
pessoas, de como se faz a formação
humana”, aspecto valorizado no PPP da
escola como registrado a seguir.
... a escola é um espaço de formação
humana ... (PPP, 2015, p. 7).
Considera-se que a SE apresenta
similaridades com os aspectos defendidos
pela educação do MST, pois a mesma
“...contempla a visão de uma formação
humana que seja capaz de promover as
potencialidades humano-sociais como um
todo” (Maldaner & Zanon, 2004, p. 8). Ou
seja, significa formar o homem em suas
várias dimensões, aspecto também
defendido pelo MST (2005, p. 161) quando
menciona “...consideramos a educação
uma das dimensões da formação, entendida
tanto no sentido amplo da formação
humana, como no sentido mais restrito de
formação de quadros para nossa
Silva, F. N. S., & Massena, E. P. (2020). Formação continuada de professores do MST: uma releitura teórica da situação de estudo
a partir de Henry A. Giroux...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8904
10.20873/uft.rbec.e8904
2020
ISSN: 2525-4863
18
organização e para o conjunto da luta dos
trabalhadores”. Isso significa uma
educação omnilateral
iv
em que é possível
trabalhar todos os aspectos do ser humano
(Caldart, 2005, 2003, 2001).
Nessa mesma perspectiva, Giroux
(2003, p. 124, tradução nossa) defende que
Uma pedagogia radical, então, tem
que assumir com seriedade a tarefa
de criar condições para modificar a
subjetividade tal como esta se
constitui nas necessidades, impulsos,
paixões e inteligência do indivíduo,
assim como para transformar os
fundamentos políticos, econômicos e
sociais da sociedade que faz parte.
Para isso, o autor afirma que os
professores como intelectuais
transformadores precisam desenvolver nos
sujeitos as relações sociais que sejam
compatíveis com suas necessidades reais,
assim, a sua subjetividade se modifica e
passa a ter significado de maneira que
possa transformar os aspectos políticos,
econômicos e sociais que permeiam o meio
em que vivem. Nessa mesma perspectiva, a
SE, a partir das inter-relações entre as
questões conceituais, tecnológicas, sociais,
ambientais e linguísticas, permite
“...desenvolver uma visão articulada para
as transformações do meio e do próprio ser
humano em seu meio - também como
construtor e transformador desse meio”
(Maldaner & Zanon, 2004, p. 7). Desse
modo, torna-se imprescindível à formação
continuada de educadores em um viés
crítico.
Considerando os aspectos
apresentados, o MST promove formações
continuadas de professores nos níveis:
locais, estaduais e nacionais. Conforme
Santos (2011), as formações continuadas
que acontecem em nível local são
articuladas a partir da gestão da escola com
a direção do Assentamento. Já em nível
estadual, as formações acontecem por meio
da articulação entre os Assentamentos e
acampamentos. E, por último, as
formações em nível nacional são realizadas
por meio da articulação entre os
coordenadores estaduais do Setor de
Educação e a gestão nacional do MST.
Sobre essa assertiva, constatamos, a partir
das entrevistas com D e C¹, que as
formações continuadas desenvolvidas na
escola acontecem em nível estadual, como
podemos observar na fala abaixo:
Agora mesmo vai ter um encontro do
MST em Salvador e eu vou levar a
maioria dos professores para a gente
começar a adaptar a questão dos
novos professores e dos antigos
também para estarem se atualizando
nessa pedagogia do Movimento
(DE).
Cabe destacar que a formação
realizada anualmente pelo Setor de
Educação Estadual não é específica em
Ciências, mas trata-se de uma formação
geral, voltada para as especificidades da
Silva, F. N. S., & Massena, E. P. (2020). Formação continuada de professores do MST: uma releitura teórica da situação de estudo
a partir de Henry A. Giroux...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8904
10.20873/uft.rbec.e8904
2020
ISSN: 2525-4863
19
Educação do Campo, como observamos
nas falas de P²:
A escola oferece formação mais
voltada para a questão da educação
do campo onde todos os professores
participam da formação, porém ela
não é específica para o ensino de
ciências. E todo ano tem formação
sobre a educação do campo (P² E,
grifo nosso).
Não há formação específica para a
área de ciências. um processo de
formação para a educação do campo
no âmbito mais amplo (P² Q).
Entretanto, não bastam apenas as
formações em nível estadual, é preciso o
desenvolvimento de formações em nível
local que valorize as peculiaridades e o
contexto de cada escola de Assentamento.
Portanto, “...o professor precisa conhecer
profundamente a realidade do
Assentamento: os problemas da produção,
da organização, da formação; o tipo de
educação que as crianças têm em casa, no
grupo” (MST, 2005, p. 53). Essa assertiva
se coaduna com as ideias de Giroux e
Mclaren (1998, p. 126) quando mencionam
que “Os mestres necessitam desenvolver
práticas pedagógicas que vinculem as
experiências estudantis com aqueles
aspectos da vida comunitária que moldam
e sustentam tais experiências”. Os autores
defendem que os educadores precisam
assumir uma responsabilidade de entender
as relações e forças que influenciam os
estudantes para além dos muros da escola.
Para isso, as formações continuadas no
interior da escola permitem o
desenvolvimento profissional nesse viés
ideológico, a exemplo das formações
desenvolvidas por meio da SE, pois têm
buscado valorizar temas do contexto e
valorizar as altas vivências (Viera et al.,
2016).
Assim, a partir das análises,
verificou-se que, durante o período de
2016 e 2017, não houve formação
continuada na escola, como podemos
observar nas falas abaixo.
Tínhamos três marcadas. Mas, não
teve nenhuma. Tinha uma menina
que vinha de Salvador, mas acabou
não acontecendo. Até hoje não (CE).
Ainda não, porque nós marcamos
uma formação com uma pessoa e, no
dia, deu um problema e ela não
conseguiu comparecer. E, estamos
tentando remarcar outra formação
para com os professores (DE).
A partir das falas, podemos inferir
que para uma formação local,
principalmente na área de Ciências, a
escola necessita de apoio de pesquisadores
que levem em consideração as
especificidades da educação no MST.
Assim, a ausência de formação no interior
da escola pode se configurar como um
entrave para o desenvolvimento integral da
proposta de educação defendida pelo
Movimento, pois, alguns professores não
são assentados e precisam de formação
específica. A fala de D confirma que o
quadro de docentes da escola é composto
Silva, F. N. S., & Massena, E. P. (2020). Formação continuada de professores do MST: uma releitura teórica da situação de estudo
a partir de Henry A. Giroux...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8904
10.20873/uft.rbec.e8904
2020
ISSN: 2525-4863
20
também dos que vêm da cidade, os quais
precisam conhecer a proposta do
Movimento.
Na verdade, no Assentamento, nós
exigimos que todos que trabalham
precisam estudar para se formar e
preparar para a educação, nessa
questão da pedagogia do Movimento
também que a gente trabalha. Mesmo
os que vêm da cidade a gente
trabalha com eles a questão da
formação (DE).
Conforme os documentos do MST
(2005), os educadores precisam ter um
maior conhecimento para que haja
mudanças na educação nos Assentamentos,
isso se estende desde os aspectos
organizacionais do espaço educativo até a
maneira de ensinar e assumir o papel de
um intelectual transformador como
referenciado por Giroux (1987). Diante
disso, o professor deve, além de ensinar os
conteúdos, saber o jeito de ensinar,
acompanhar os alunos no trabalho, ajudar
no seu processo de organização como
também levá-los a tomar decisões.
Entretanto, isso não é o bastante. O
professor do Assentamento precisa ser um
militante, e isso só é possível se este
... participar das discussões e ações
principais do Assentamento como um
todo ... assumir de corpo, mente e
coração os princípios pedagógicos e
os princípios do MST. Quando fizer
sua a luta pela terra, pela produção,
como a luta pela educação (MST,
2005, p. 36).
É nesse sentido que “A escola deve
ensinar a realidade local e geral” (MST,
2005, p. 33), este é um dos princípios
fundamentais no MST. Assim, para o
Movimento, a realidade é entendida como
tudo o que está relacionado à vida prática,
ao trabalho, à organização, ao ambiente
natural, ao meio social e aos problemas do
dia a dia e da sociedade. Desse modo, tudo
o que se ensina no espaço escolar deve
estar relacionado com as necessidades
concretas dos educandos. Se não for assim,
... toda vez que uma escola
desconhece e/ou desrespeita a
história de seus alunos, toda vez que
se desvincula da realidade dos que
deveriam ser seus sujeitos, não os
reconhecendo como tal, ela escolhe
ajudar a desenraizar e a fixar seus
educandos num presente sem laços
(Caldart, 2001, p. 41).
Dessa forma, quando o professor
relaciona os conteúdos de ciências com as
necessidades concretas dos estudantes,
acontece o processo de significação
conceitual como proposto na SE (Maldaner
& Zanon, 2004), bem como também um
significado na subjetividade e apreensão da
realidade que os cerca. Conforme
Maldaner e Zanon (2004), quando o aluno
aprende de forma articulada à sua vida
social, tem a capacidade de desenvolver
uma consciência crítica acerca das suas
práticas sociais e culturais, ao mesmo
tempo em que desenvolve os aprendizados
Silva, F. N. S., & Massena, E. P. (2020). Formação continuada de professores do MST: uma releitura teórica da situação de estudo
a partir de Henry A. Giroux...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8904
10.20873/uft.rbec.e8904
2020
ISSN: 2525-4863
21
de forma contextualizada. É válido
salientar que, de acordo Giroux (1998),
para o desenvolvimento de um discurso
crítico, a escola precisa compreender que o
currículo precisa estar relacionado com as
práticas sociais. Ainda nessa visão, Giroux
e McLaren (2011) defendem que a
“cultura-de-sala-de-aula” precisa estar
associada com a “cultura-de-esquina”.
Giroux (2003) afirma que a
valorização do contexto social dos
estudantes fornece bases para repensar o
modo pelo qual os sujeitos dão sentido às
suas experiências. Isso implica em
entender questões como: o porquê as
coisas são e como são; como vieram a se
tornar; tornar o familiar estranho e o
estranho familiar (Giroux & Simon, 2011).
Se os docentes considerarem as
experiências dos estudantes será mais fácil
compreender a leitura, as produções e as
respostas apresentadas por eles na sala de
aula (Giroux & McLaren, 2011).
A partir dos trechos abaixo, podemos
observar a ideologia da educação no MST
no que se refere aos aspectos
apresentados.
A educação a qual o MST defende é
voltada para as ... voltado pela
atualidade, pela formação do
Movimento, pelo aquilo que a gente
prega que a nossa vivência da terra,
da educação diferenciada, voltada
para o homem do campo (DE).
Costumo levar eles nas minhas aulas
para o externo, isso é muito
importante. ... fazemos visitas no
Assentamento para conhecer o
espaço, porque muitos estão na sala
de aula, mas não conhecem a
realidade. Então eu costumo levar
eles no externo, que é um espaço
muito rico, principalmente para as
aulas de ciências (P²E).
Às vezes as aulas são realizadas na
prática, pois assim possibilita o
contato direto com o ambiente e a
melhor compreensão dos fenômenos
da natureza (P
4
Q).
As atividades propostas se baseiam
na realidade dos alunos para que eles
possam se familiarizar com os
conteúdos e aprender com mais
facilidade (P
11
Q).
A partir das falas apresentadas
anteriormente, nota-se que a realidade do
Assentamento é bastante trabalhada, além
de estar em consonância com o PPP da
escola.
Queremos que a prática social
dos/das estudantes seja a base do seu
processo formativo, seja a matéria
prima e o destino da educação que
fazemos (PPP, p. 22).
Porém, conforme P², as questões
mais amplas também são trabalhadas,
como observamos no trecho abaixo.
Em parte sim, mas trabalha questões
mais amplas que envolvem as
questões sociais, econômicas,
ambientais etc. (P²Q).
A concepção de P²Q está coerente
com o que o MST (2005, p. 45) defende,
pois “...o professor deve ter a preocupação
permanente de ajudar as crianças para que
relacionem a realidade próxima com a
Silva, F. N. S., & Massena, E. P. (2020). Formação continuada de professores do MST: uma releitura teórica da situação de estudo
a partir de Henry A. Giroux...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8904
10.20873/uft.rbec.e8904
2020
ISSN: 2525-4863
22
realidade mais distante”. Além disso, o
PPP afirma que a matriz curricular da
escola está fundamentada na tematização
da realidade e na problematização do
contexto escolar. Esses aspectos
assemelham-se com a SE que, conforme
Vieira et al. (2018, p. 4), “... possibilita o
resgate de uma situação real, rica em
contextos vivenciados dentro e fora do
ambiente escolar, no qual os estudantes
passam a desenvolver um pensamento
próprio acerca do que está sendo
trabalhado”. Diante disso, a formação de
docentes tendo como base a SE implica
voltar o olhar para o papel social da escola,
ir além dos muros da escola e, nas palavras
de Maldaner e Zanon (2004, p. 8), “...
implica valorizar a perspectiva do trabalho
crítico e reconstrutivo da escola”.
Assim, consideramos a assertiva de
Giroux (2004, p. 72, tradução nossa) o qual
afirma que “... as escolas não podem ser
analisadas como instituições separadas do
contexto socioeconômico em que estão
situadas”. Desse modo, conforme o autor,
na perspectiva da pedagogia radical, as
histórias e as experiências que os alunos
carregam consigo devem ser valorizadas.
Ademais, “... educadores radicais têm que
entender o poder como um conjunto
concreto de práticas que produzem formas
sociais por meio das quais se constroem
diferentes experiências e modos de
subjetividade” (Giroux, 2003, p. 173,
tradução nossa).
Conforme o PPP analisado, a escola
se organiza através dos princípios
filosóficos e pedagógicos, dentre estes se
encontra a relação entre teoria e prática.
Nesse sentido, a realidade da comunidade
escolar é o ponto de partida e o ponto de
chegada. Assim, esse documento
pedagógico se baseia na tematização da
realidade e na interpretar do cotidiano,
como podemos observar no trecho a seguir.
Queremos que a prática social
dos/das estudantes seja à base do seu
processo formativo (p. 23).
Para isso, a formação continuada de
professores torna-se parte fundamental,
assim, o docente se o agente que irá
garantir a formação humana dos sujeitos.
Caldart (2005) destaca que o professor que
atua nas escolas de Assentamentos deve
preocupar-se com a formação dos
educandos em todas as dimensões. Nas
palavras de Giroux (2003, p. 117, tradução
nossa), “... indica a necessidade de ir mais
além do discurso e a consciência dos
autores humanos para abordar as condições
e fundamentos de suas experiências
cotidianas ...”.
Para atender a esses aspectos, as
formações desenvolvidas em todos os
níveis (locais, estaduais e nacionais)
devem aprofundar tanto a prática, como a
Silva, F. N. S., & Massena, E. P. (2020). Formação continuada de professores do MST: uma releitura teórica da situação de estudo
a partir de Henry A. Giroux...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8904
10.20873/uft.rbec.e8904
2020
ISSN: 2525-4863
23
teoria na educação do MST, interferindo de
forma direta no currículo escolar. Além
disso, por meio de uma associação entre
teoria e prática é possível estabelecer uma
relação de trocas de experiências.
A formação de professores tendo em
vista a participação e o envolvimento dos
sujeitos, rompe com a hierarquia e com a
instrumentalização, permitindo que
formadores e formandos possam construir
juntos o conhecimento. Sobretudo, que
se destacar uma formação docente ligada a
transformação crítica dos sujeitos e da
escola. É o tipo de formação que irá
anunciar se o docente desenvolverá sua
prática crítica ou acrítica.
Considerações finais
Buscou-se apresentar, a partir desta
pesquisa, uma releitura da SE para a
formação de professores do MST,
dialogando com a pedagogia crítica de
Henry A. Giroux. Para isso, buscamos
compreender as especificidades da
Pedagogia do MST, como está pautado o
ensino de ciências e apresentar relações
entre a SE e a pedagogia crítica.
A educação no MST tem uma
especificidade, que é educar o sujeito
social no dia a dia do Assentamento. E,
para isso, a realidade é a base de toda
produção do conhecimento. Tendo em
vista esse princípio, consideramos, a partir
dos resultados, que o Centro Integrado
Florestan Fernandes do Assentamento
Terra à Vista tem buscado relacionar o
ensino com o contexto em que está
inserida. Desse modo, a base do processo
formativo dos educandos está relacionada
com a sua prática social.
Como um ambiente de formação
humana, a referida escola busca formar
seus educadores por meio dos encontros
estaduais realizados anualmente, sendo
possível o estudo e a reflexão dos aspectos
referentes à Educação do Campo. Essas
formações se configuram como
fundamentais para o desenvolvimento da
Pedagogia do MST na escola, e,
principalmente, para aqueles professores
que não são assentados e desconhecem a
concepção de uma educação voltada para a
realidade. Todavia, nesses eventos, não
existe uma discussão específica da área de
ensino de ciências.
Destaca-se a importância dos
encontros estaduais, porém, torna-se
necessário o desenvolvimento de processos
formativos de docentes no interior da
escola, tomando como base a realidade do
Assentamento Terra à Vista. Dessa
maneira, o professor, especialmente o que
não é assentado, poderá conhecer
profundamente os problemas do
assentamento. Assim, a gestão escolar
entende que todos os docentes, inclusive os
Silva, F. N. S., & Massena, E. P. (2020). Formação continuada de professores do MST: uma releitura teórica da situação de estudo
a partir de Henry A. Giroux...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8904
10.20873/uft.rbec.e8904
2020
ISSN: 2525-4863
24
que vêm de fora, precisam estudar a
proposta da educação defendida pela
escola.
Apesar da ausência de formação
local, a realidade do Assentamento Terra à
Vista tem sido trabalhada por alguns
professores por meio de aulas práticas,
visitas ao Assentamento, e, principalmente,
na associação entre conteúdos, contexto
em que os educandos estão inseridos e
questões sociais, políticas, econômicas e
ambientais. Nessa perspectiva, sinalizamos
uma relação com a pedagogia crítica a qual
defende que a escola não pode estar
desconectada do contexto socioeconômico,
sendo assim, a SE contribui para que este
papel social da escola seja desenvolvido.
Defendemos uma formação em que
seja possível o diálogo entre profissionais a
fim de questionar o currículo existente na
escola. Desse modo, o envolvimento entre
licenciandos, pós-graduandos, professores
da universidade e da educação básica,
permite a reflexão da natureza política do
trabalho docente. Portanto, formar o
intelectual transformador contribui no
desenvolvimento de um profissional crítico
e comprometido com a justiça social.
Diante disso, as propostas
curriculares desenvolvidas no âmbito do
GPeCFEC passam a se configurar de
forma diferenciada do que o proposto pelo
GIPEC com a SE. Essas propostas são
planejadas/organizadas/estruturadas a
partir do ponto de vista teórico, bem como
do ponto de vista prático e, neste artigo, a
partir de discussões de Henry A. Giroux
sobre currículo e formação de professores
no âmbito do ensino de Ciências.
Agradecimentos
À agência de fomento Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia
(FAPESB); aos professores que
participaram da pesquisa; e aos integrantes
do Grupo de Pesquisa em Currículo e
Formação de Professores em Ensino em
Ciências (GPeCFEC).
Referências
Auth, M. A. (2002). Formação de
professores de ciências naturais na
perspectiva temática e unificadora. (Tese
de Doutorado). Universidade Federal de
Santa Catarina, Florianópolis.
Caldart, R. S. (2001). A escola do Campo
em Movimento. In Benjamim, C., &
Caldart, R. S. (Orgs.). Projeto Popular e
Escolas do Campo (pp. 23-47). 2 ed.
Brasília.
Caldart, R. S. (2003). Movimento Sem
Terra: lições de Pedagogia. Currículo sem
Fronteiras, 3(1), 50-59.
Caldart, R. S. (2005). Elementos para a
construção do Projeto Político e
Pedagógico da Educação do Campo. In
Cadernos Temáticos: educação do campo,
(pp. 23-34). Paraná. Secretaria de Estado
da Educação.
Silva, F. N. S., & Massena, E. P. (2020). Formação continuada de professores do MST: uma releitura teórica da situação de estudo
a partir de Henry A. Giroux...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8904
10.20873/uft.rbec.e8904
2020
ISSN: 2525-4863
25
Frison, M. D. et al. (2007). Conhecendo o
Câncer, um caminho para a vida: uma
Situação de Estudo como possibilidade de
mudança no fazer cotidiano escolar. In
Galiazzi, M. C., Auth, M., Moraes, R., &
Mancuso, R. (Orgs). Construção
curricular em rede na educação em
ciências: uma aposta de pesquisa na sala
de aula (pp. 337-355). Ijuí: Ed. Unijuí.
Gehlen, S. T., Maldaner, O. A., &
Delizoicov, D. (2012). Momentos
Pedagógicos e as Etapas da Situação de
Estudo: complementaridades e
contribuições para a educação em
Ciências. Ciência & Educação, 18(1), 1-
22. https://doi.org/10.1590/S1516-
73132012000100001
Giroux, H. A. (1987). Pedagogia Radical e
o intelectual transformador. In Escola
Crítica e Política Cultural (pp. 7-53). São
Paulo, SP: Cortez Editora.
Giroux, H. A. (1997). Os professores como
intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica
da aprendizagem. Porto Alegre: Artes
Médicas.
Giroux, H. A. (2003). Pedagogía y política
de la esperanza: teoria, cultura y
enseñanza: uma antologia crítica. Buenos
Aires: Amorrortu.
Giroux, H. A. (2004). Teoría y Resistencia
em educación: uma pedagogia para la
oposición. ed. Buenos Aires, Argentina:
Siglo XXI Editores.
Giroux, H. A., & Mclaren, P. (1998).
Sociedad, cultura y educación. Madrid,
Espanha: Miño y Dáyila Editores.
Giroux, H. A., & Mclaren, P. (2011).
Formação do professor como um Contra-
esfera pública: a pedagogia radical como
uma forma de política cultural. In Moreira,
A. F., & Silva, T. T. (Orgs.). Currículo,
Cultura e Sociedade (pp. 125-153). 12 ed.
São Paulo: Cortez.
Giroux, H. A., & Simon, R. (2011).
Cultura Popular e Pedagogia Crítica: a vida
cotidiana como base para o conhecimento
curricular. In Moreira, A. F., & Silva, T. T.
(Orgs.). Currículo, Cultura e Sociedade
(pp. 107-140). 12 ed. São Paulo: Cortez.
Halmenschlager, K. R. (2014). Abordagem
de temas em Ciências da Natureza no
ensino médio: implicações na prática e na
formação docente (Tese de Doutorado).
Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis.
Halmenschlager, K. R., Fernandes, C. S.,
& Brick, E. M. (2018). Abordagem de
temas no Ensino de Ciências e
Matemática: um olhar para produções
relacionadas à educação do Campo. IENCI,
23(2), 172-189.
https://doi.org/10.22600/1518-
8795.ienci2018v23n2p172
Halmenschlager, K. R., Camilo, J.,
Fernandes, C. S., Mônaco, G. D., & Brick,
E. M. (2017). Articulações entre Educação
do Campo e Ensino de Ciências e
Matemática presentes na literatura: um
panorama inicial. Ensaio, 19, 1-21.
https://doi.org/10.1590/1983-
21172017190131
Maldaner, O. A., & Zanon, L. B. (2004).
Situação de Estudo: uma organização de
ensino que extrapola a formação
disciplinar em ciências. In Moraes, R., &
Mancuso, R. (Orgs.). Educação em
ciências: produção de currículos e
formação de professores (pp. 43-64). Ijuí:
Editora Unijuí.
Minayo, M. C. S. (Org.). (2012). Pesquisa
Social: teoria, método e criatividade. 32 ed.
Petrópolis: Vozes.
Moreira, A. F., & Silva, T. T. (2002).
Sociologia e Teoria Crítica do Currículo:
uma introdução. In Moreira, A. F., & Silva,
T. T. (Orgs.). Currículo, Cultura e
Silva, F. N. S., & Massena, E. P. (2020). Formação continuada de professores do MST: uma releitura teórica da situação de estudo
a partir de Henry A. Giroux...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8904
10.20873/uft.rbec.e8904
2020
ISSN: 2525-4863
26
Sociedade (pp. s./p.). 7 ed. São Paulo:
Cortez.
MST. (1992). Ocupar, resistir e produzir
também na Educação. Boletim da
Educação, 1.
MST. (1996). Princípios da Educação no
MST. Caderno de Educação, Porto Alegre,
8.
MST. (2001). Pedagogia do Movimento
Sem Terra: acompanhamento às
escolas. Boletim da Educação, 8.
MST. (2005). Dossiê MST Escola:
Documentos e Estudos 1990-2001.
Cadernos de Educação. Edição Especial,
13.
MST. (2014). II Encontro Nacional de
Educadoras e Educadores da reforma
Agrária. II ENERA. Boletim da Educação,
12.
Moraes, R., & Galliazi, M. C. (2007)
Análise Textual Discursiva. Ijuí: UNIJUÍ.
Pansera-de-Araújo, M. C., Auth, M. A., &
Maldaner, O. A. (2007). Situações de
Estudo como forma de inovação curricular
em Ciências Naturais. In Galiazzi et al.
(Orgs.). Construção em rede na Educação
em Ciências: uma aposta de pesquisa na
sala de aula (pp. 160-176). Ijuí: Ed.
Unijuí.
Resolução n.1, de 03 de abril de 2002.
(2002, 09 de abril). Estabelece as
Diretrizes para a Educação Básica nas
escolas do campo. Recuperado de:
http://www.camara.leg.br.
Sangiogo, F. A., Halmenschlager, K. R.,
Hunsche, S., & Maldaner, O. A. (2013).
Pressupostos Epistemológicos que balizam
a Situação de Estudo: algumas implicações
ao processo de ensino. Ciências e
Educação, 19(1), 35-54.
https://doi.org/10.1590/S1516-
73132013000100004
Santos, E. V. (Org.). (2011). Educação do
Campo: rompendo cercas construindo
caminhos. ed. FETAEMG, Minas
Gerais.
Santos, A. R. (2013). Ocupar, resistir e
produzir, também na educação! O MST e a
burocracia estatal: negação e consenso.
(Tese de Doutorado). Universidade Federal
de Minas Gerais, Belo Horizonte.
Santos, A. R. (2016). Aliança (neo)
desenvolvimentista e decadência
ideológica no campo: movimentos sociais
e reforma agrária do consenso. Editora
CRV: Curitiba.
i
A palavra Movimento com inicial em letra
maiúscula quando mencionada refere-se ao MST.
ii
O GPeCFEC desenvolve processos de formação
inicial e continuada de professores no âmbito do
curso de Licenciatura em Química da UESC e em
escolas da região Sul da Bahia. Maiores
informações sobre os trabalhos e atividades do
GPeCFEC podem ser encontradas no endereço
https://gruposdepesquisa.wixsite.com/gpecfec
iii
A NSE constituiu-se na primeira corrente
sociológica de fato voltada para o estudo do
currículo” (Moreira & Silva, 2002, p. 19).
iv
A palavra omnilateral vem de Marx, que usava a
expressão “desenvolvimento omnilateral do ser
humano”, para chamar a atenção de que uma práxis
educativa revolucionária deveria dar conta de
reintegrar as diversas esferas da vida humana que o
modo de produção capitalista prima por separar”
(MST, 2005, p. 163).
Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 11/04/2020
Aprovado em: 01/08/2020
Publicado em: 29/09/2020
Received on April 11th, 2020
Accepted on August 01st, 2020
Published on September, 29th, 2020
Silva, F. N. S., & Massena, E. P. (2020). Formação continuada de professores do MST: uma releitura teórica da situação de estudo
a partir de Henry A. Giroux...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e8904
10.20873/uft.rbec.e8904
2020
ISSN: 2525-4863
27
Contribuições no artigo: As autoras foram as
responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for
the designing, delineating, analyzing and interpreting the
data, production of the manuscript, critical revision of the
content and approval of the final version published.
Conflitos de interesse: As autoras declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Francislene Neres Santos Silva
http://orcid.org/0000-0002-0938-7761
Elisa Prestes Massena
http://orcid.org/0000-0002-7670-0201
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Silva, F. N. S., & Massena, E. P. (2020). Formação
continuada de professores do MST: uma releitura teórica
da situação de estudo a partir de Henry A. Giroux. Rev.
Bras. Educ. Camp., 5, e8904.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e8904
ABNT
SILVA, F. N. S.; MASSENA, E. P. Formação continuada
de professores do MST: uma releitura teórica da situação
de estudo a partir de Henry A. Giroux. Rev. Bras. Educ.
Camp., Tocantinópolis, v. 5, e8904, 2020.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e8904