Revista Brasileira de Educação do Campo
The Brazilian Scientific Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e9044
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e9044
10.20873/uft.rbec.e9044
2020
ISSN: 2525-4863
1
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Práticas inclusivas no curso de Licenciatura em Educação
do Campo na Universidade Federal de Viçosa: atuação
multidisciplinar de um Projeto de Letramento voltado à
formação de uma discente Surda
Carlos Antonio Jacinto
1
, Cristiane Lopes Rocha de Oliveira
2
, Danila Ribeiro Gomes
3
, Idalena Oliveira Chaves
4
, Vinícius Catão
de Assis Souza
5
1, 4
Universidade Federal de Viçosa - UFV. Departamento de Letras. Avenida Peter Henry Rolfs, s/n, Campus Universitário.
Viçosa - MG. Brasil.
2, 3
Universidade Federal de Viçosa - UFV.
5
Universidade Federal de Viçosa - UFV.
Autor para correspondência/Author for correspondence: carlos.jacinto@ufv.br
RESUMO. O presente trabalho propõe, a partir dos saberes
acerca dos letramentos bilíngue e científico, discutir as
demandas educacionais e linguísticas de uma estudante Surda da
Licenciatura em Educação do Campo, atendida por uma equipe
multidisciplinar que desenvolveu ações estratégicas no sentido
da inclusão. Para tanto, utilizou-se uma abordagem qualitativa
caracterizada como pesquisa-ação-crítica, que contou com a
observação participante para descrever o histórico e as
necessidades que levaram a criação de um Projeto de
Letramento e da composição da equipe em questão. Os
resultados das ações apontaram a pertinência e viabilidade de se
considerar a participação efetiva da discente Surda como agente
orientador de todo o processo educacional, visto que a
articulação da equipe foi possível a partir das considerações e
apontamentos dados pela discente. Os achados revelam a
necessidade de busca por intervenções de caráter inclusivo e
bilíngue na Educação Superior, especificamente na formação
inicial para docência em Ciências da Natureza, de modo a
efetivar a presença da Língua Brasileira de Sinais (Libras) nesse
contexto. E, assim, assegurar a formação educacional da
estudante Surda e a capacitação continuada dos integrantes da
equipe, por meio de uma efetiva avaliação crítica desse processo
formativo.
Palavras-chave: Educação do Campo, Inclusão de Surdos(as),
Língua Brasileira de Sinais, Letramento, Multidisciplinaridade.
Jacinto, C. A., Oliveira, C. L. R., Ribeiro, D., Chaves, I. O., & Souza, V. C. A. (2020). Práticas inclusivas no curso de
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Inclusive practices in Rural Teacher Bachelor Course at
Federal University of Viçosa (Brazil): multidisciplinary
actions of the Literacy Project that was addressed to one
deaf in the pre-service teacher process
ABSTRACT. This article discusses the educational and
linguistic demands presented by a deaf person in the Bachelor of
Rural Teachers, attended by a multidisciplinary team to develop
strategic actions for the educational inclusion of the deaf.
Knowledge of bilingual and scientific literacy practices was
considered. For that, we used a qualitative approach
characterized as action-critical research, including participant
observation to describe the history and demands that led to the
creation of this Literacy Project and the composition of the team
that participated in the inclusion and literacy process. The
results of educational actions pointed out the pertinence and
need of considering the participation of this pre-service teacher
deaf of the Rural Bachelor course as the guiding agent of the
entire process. Since the team's articulation was only possible
based on the considerations and notes given for this deaf
referred. The results reveal the importance to articulate
interventions about inclusive and bilingual approach in the
University. Specifically, in the pre-service Science teacher
courses, in order to discuss the presence of Brazilian Sign
Language in inclusive or bilingual contexts, ensure the
professional development of the deaf and the technical
capacitation of the team members, through an effective
evaluation of the educational process.
Keywords: Rural Teacher Bachelor, Inclusion of Deaf People,
Brazilian Sign Language, Literacy, Multidisciplinarity.
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Prácticas inclusivas en el curso de Licenciatura en
Educación del Campo en la Universidad Federal de
Viçosa: desempeño multidisciplinario de un Proyecto de
Literacidad dirigido a capacitar a una estudiante Sorda
RESUMEN. Este trabajo propone, basado en las literacidades
bilingüe y científica, articular las necesidades educativas y
lingüísticas de una estudiante Sorda del curso de Educación del
Campo, atendida un equipo multidisciplinario que desarrolló
acciones estratégicas hacia la inclusión. Para eso, utilizamos un
enfoque cualitativo caracterizado como investigación-acción-
crítica, que se basó en la observación participante para describir
los antecedentes y las necesidades que llevaron a la creación de
un proyecto de Literacidad y de la composición del equipo. Los
resultados de las acciones apuntan a la pertinencia y viabilidad
de considerar la participación efectiva de la estudiante Sorda
como el agente orientador de todo el proceso educativo, ya que
la articulación del equipo solo fue posible en función de las
consideraciones y notas dadas por la estudiante. Los resultados
revelan la necesidad de crear intervenciones de carácter
inclusivo y bilingüe en la Educación Superior, específicamente
en la formación inicial para la enseñanza de las Ciencias
Naturales, a fin de lograr la presencia de la Lengua de Señas
Brasileña en este contexto, para garantizar la formación
educativa de la estudiante Sorda y la capacitación de miembros
del equipo, a través de una continua evaluación crítica del
proceso formativo.
Palabras-clave: Educación del Campo, Inclusión de Sordos(as),
Lengua de Señas Brasileña, Literacidad, Multidisciplinariedad.
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Introdução
A Educação do Campo tem suas
origens marcadas pelas lutas e resistências
dos movimentos e organizações sociais
camponesas em prol das questões relativas
ao Campo
(i),
no sentido de reconhecer esses
sujeitos como construtores de sua própria
história, considerando suas trajetórias de
vidas e suas organizações (Caldart et al.,
2015). A partir desse pressuposto, a tríade
Campo, Educação e Políticas Públicas está
presente nas diretrizes desse movimento
educacional, ou seja, a Educação do
Campo está entrelaçada em suas estruturas
pedagógicas ao fortalecimento da
formação humana e à valorização das
diversidades presentes (Molina & Jesus,
2004). Dessa forma, o paradigma do
ensino rural tradicional implementado por
séculos pelos órgãos oficiais, a chamada
Educação Rural, com predomínio da
cultura urbana e industrial, e cuja principal
referência é a exploração e o produtivismo,
foi tensionada por uma educação que
garantisse o direito a um ensino
contextualizado, crítico, permeado por
saberes populares e consoantes com os
saberes científicos (Santos, 2017).
Esse protagonismo dos movimentos
e organizações sociais para uma nova
concepção do Campo, no contexto
educacional, ganhou força principalmente
a partir de 1980, produzindo uma
diferenciação da histórica Educação Rural
para um novo contexto: a Educação do
Campo. Esta modalidade representa uma
educação emancipatória, feita pelos(as)
camponeses(as), do/no Campo, e com
respeito às diferenças como princípio de
combate à exclusão (Oliveira & Campos,
2013). Assim, destaca-se a importância da
formação e orientação de professores(as)
pesquisadores(as) nas Instituições de
Ensino Superior neste processo
educacional, seja na valorização das
identidades camponesas, no
desenvolvimento de metodologias ativas
voltadas às realidades dos(as) discentes ou
em propostas pedagógicas que contemplem
um ensino de qualidade.
Dentro da diversidade de sujeitos que
compõem os povos campesinos, podem-se
encontrar pessoas que integram um grupo
de minoria expressiva: os(as) Surdos(as)
(ii)
.
A minoria em questão diz respeito ao
pertencimento a um grupo cujo ngua
materna (língua natural) é uma ngua de
sinais, sendo no Brasil a Língua Brasileira
de Sinais (Libras). Essa possibilidade é
verificada em uma cidade da Zona da Mata
Mineira, onde vive uma família de
agricultores(as) com sujeitos Surdos.
Dentre eles, está uma Surda que ingressou
no curso de Licenciatura em Educação do
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Campo Ciências da Natureza (Licena),
na Universidade Federal de Viçosa (UFV).
O presente artigo se propõe a discutir
algumas das práticas implementadas por
uma equipe multidisciplinar de um Projeto
de Letramento voltado à inclusão de
Surdos(as), no contexto do referido curso
de Licenciatura em Educação do Campo da
UFV. Para essa articulação, pautamo-nos
nas necessidades apresentadas pela
discente, considerando uma relação
bilateral do processo formativo. Dessa
forma, a equipe se articulou considerando
as consequências que essas condições de
surdez traziam ao seu desenvolvimento
sociocognitivo. Para esse processo,
destacamos que ao usar o termo
letramento, busca-se enfatizar a função
social em termos linguísticos e científicos,
foco do Projeto aqui descrito, com a
concepção de oferecer aos(às) estudantes
condições de desenvolver melhor suas
capacidades de associar o domínio dessas
linguagens adquiridas nos âmbitos social,
cultural e histórico (Santos, 2007; Soares,
1998).
Aspectos metodológicos da pesquisa
O presente trabalho traz uma
abordagem qualitativa que pode ser
classificada como pesquisa-ação. De
acordo com Thiollent (1994), a pesquisa-
ação apresenta três categorias distintas: (i)
pesquisa-ação colaborativa, na qual o(a)
pesquisador(a), que é parte da pesquisa, faz
a intervenção num processo de mudança
iniciado pelos sujeitos envolvidos; (ii)
pesquisa-ação-crítica, que pode ser
concebida a partir de um trabalho prévio
realizado com o grupo dos sujeitos da
pesquisa, no qual o(a) pesquisador(a) traça
um diagnóstico das possíveis mudanças a
serem implementadas no espaço de
investigação, sendo essas propostas
baseadas em uma reflexão coletiva e com
vistas à emancipação dos sujeitos
envolvidos; e (iii) pesquisa-ação
estratégica, que pressupõe a intervenção
previamente planejada pelo(a)
pesquisador(a), sem a contribuição direta
dos sujeitos envolvidos na pesquisa, o que
permite acompanhar os efeitos dessa
intervenção e avaliar os resultados
alcançados ao final desse processo. A
partir das classificações apresentadas, é
possível caracterizar o trabalho como uma
pesquisa-ação-crítica, em que os(as)
monitores(as) que atuaram no Projeto
de Letramento, que será descrito
posteriormente com mais detalhes,
realizaram, desde o surgimento do projeto,
a observação e o entendimento das
necessidades educativas específicas da
estudante Surda, planejaram ações com
toda a equipe e as colocaram em prática
por meio da realização das monitorias.
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Nesse contexto, especificamente para
este estudo, serão consideradas e descritas
as atuações do monitor-pesquisador,
primeiro autor deste artigo, com base nos
planejamentos e monitorias implementadas
ao decorrer do ano de 2019, valendo-nos
também de relatos publicados
anteriormente por outros(as) monitores(as).
Mediante isso, realizou-se a observação
participante ao longo das intervenções, o
que pode ser considerado, de acordo com
Angrosino (2009), como uma boa
possibilidade para a coleta de dados,
sobretudo quando o foco da pesquisa se
volta para analisar as interações entre
pessoas. A observação participante pode
ser articulada pelo(a) pesquisador(a) de
várias formas, dependendo do tipo de
interação estabelecida com o grupo
investigado. De acordo com Adler e Adler
(1994), essa diferenciação abarca três
categorias distintas: (i) pesquisador-
membro-periférico, o pesquisador não
interage diretamente com os sujeitos da
pesquisa, sendo sua ação restrita à
observação; (ii) pesquisador-membro-
ativo, o pesquisador assume uma
responsabilidade dentro do grupo,
interagindo de forma mais intensa ou
desempenhando uma determinada função,
além do seu papel de observador; e (iii)
pesquisador-membro-completo, o
pesquisador integra o ambiente a ser
pesquisado, tal como em pesquisas em que
um(a) professor(a) desenvolve com suas
turmas. No contexto aqui analisado, o
monitor responsável pelas intervenções
assumiu a função de pesquisador-membro-
ativo.
A coleta dos dados se deu por meio
da observação participante, originando as
notas de campo que foram utilizadas para
descrever todo processo formativo. Bogdan
e Biklen (1994) apontam que as notas de
campo se configuram como um material
descritivo para relatar a parte mais
subjetiva das etapas de uma pesquisa
qualitativa que adota a observação
participante, principalmente na ênfase
especulativa proporcionada pelo
desenvolvimento das primeiras impressões.
Além disso, as notas de campo incluíram
detalhados apontamentos de natureza
descritiva (atividades, lugares, conversas,
ideias, estratégias utilizadas na interação
com a estudante Surda) e reflexões do
monitor sobre aquilo que foi vivenciado
durante a coleta dos dados, incluindo os
sentimentos, as ansiedades e as dúvidas
sobre a investigação (Richardson, 2000).
Com as notas de campo, tentou-se
contemplar uma componente descritiva e
outra reflexiva que se dirige para a análise
dos dados, sendo anotadas logo após a
observação de uma dada situação, de modo
a manter o máximo de fidelidade possível
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frente ao que foi vivenciado nas
intervenções (Bogdan & Biklen, 1994).
De acordo com Cohen, Manion e
Morrison (2000), a maioria das
aproximações adotadas pela investigação
educativa para reunir os dados utilizados
como base para inferência, interpretação e
compreensão do processo vivenciado pelos
sujeitos investigados são de natureza
descritiva e não experimental. Esses
autores destacam, ainda, que na
investigação descritiva o pesquisador não
somente relata o que aconteceu. O que se
faz é estruturar o que ocorreu, de modo a
poder comparar, contrastar, classificar,
analisar e interpretar os acontecimentos e
as interações entre os participantes da
pesquisa. Nossa pesquisa, com base nessas
constatações, enquadra-se como um estudo
de caráter descritivo.
Posto isso, o texto foi estruturado em
quatro partes que descrevem em detalhes:
(i) os percursos históricos do curso de
Licenciatura em Educação do Campo na
UFV e do Projeto de Letramento voltado
ao desenvolvimento de uma estudante
Surda em processo de formação docente
inicial; (ii) a relação entre práticas
inclusivas e Educação do Campo; (iii) a
importância da leitura e da escrita na
formação de professores(as) Surdos(as); e
(iv) o letramento científico e inclusão
educacional de Surdos(as).
Percursos históricos do curso de
Licenciatura em Educação do Campo da
UFV e do Projeto de Letramento
voltado à formação de uma discente
Surda
Com uma trajetória que se aproxima
dos 100 anos, a UFV, localizada na região
da Zona da Mata Mineira, oferece oito
cursos de Licenciatura no campus Viçosa,
dentre eles, o curso de Licenciatura em
Educação do Campo Ciências da
Natureza, que tem como foco a cultura, os
valores e as ações dos camponeses,
vinculando o protagonismo e a autonomia
(Garske et al., 2019). Como proposta
educativa, apresenta-se, como ponto de
partida, a questão do trabalho, da cultura e
de seus conhecimentos entrelaçados às
vivências no Campo, além de resgatar
valores históricos e sociais (D´Agostini et
al., 2013).
As políticas públicas e diretrizes
nacionais voltadas à Educação do Campo
com o viés da Pedagogia da Alternância,
começaram a ganhar força a partir de 1969,
tendo o tempo escola/universidade e o
tempo comunidade como um dos seus
pressupostos, conforme será discutido
posteriormente. Tal necessidade surgiu,
principalmente, na luta dos(as)
trabalhadores(as) do Campo e de suas
organizações para conquistarem uma
política de educação que favorecesse
necessidades sociais da população
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camponesa. Dentre outras, essas
necessidades se manifestam nas dimensões
de trabalho e cultura, tendo como
pressuposto a valorização de saberes
construídos nas vivências no Campo
(Silva, 2012; 2014).
Na UFV, os fundamentos do curso
de Educação do Campo têm como base o
fim dos anos 1990, com a participação e
desdobramentos dos trabalhos do
Programa Nacional de Educação na
Reforma Agrária (PRONERA), do Grupo
de Trabalho da Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização, Diversidade e
Inclusão (SECADI) e do Instituto Nacional
de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA) (UFV, 2018).
No campo das políticas públicas
nacionais, destaca-se o Programa de Apoio
à Formação Superior (PROCAMPO), sob a
direção da SECADI. Este programa apoiou
a instituição dos cursos de Licenciatura em
Educação do Campo, com o objetivo de
assegurar a formação de educadores(as)
para atuação nos anos finais do Ensino
Fundamental e Ensino Médio, em Escolas
do Campo (Brasil, 2015). Com isso, várias
instituições federais e estaduais de Ensino
Superior foram convidadas a apresentarem
propostas para implementação de cursos de
Licenciatura em Educação do Campo, que
deveriam oferecer formação docente inicial
por habilitações em áreas de conhecimento
(Ciências Humanas, Letras e Artes,
Ciências da Natureza e Matemática)
(Carvalho, 2017). Atendendo ao edital
MEC/SESU/SETEC/SECADI 2/2012,
foram implantados 42 novos cursos de
Licenciatura em Educação do Campo em
várias instituições brasileiras de Ensino
Superior (Molina & Hage, 2015). Dentre
elas, estava a UFV, que propôs o curso
com a habilitação em Ciências da
Natureza.
Assim, com reconhecida excelência
nacional e internacional nas pesquisas em
diversas áreas de conhecimento, a UFV
também atua desenvolvendo ensino,
pesquisa e extensão com o foco na
agricultura familiar camponesa de base
agroecológica e na orientação por uma
concepção holística e sistêmica das
Ciências Naturais (UFV, 2018). Na UFV,
os primórdios da agroecologia começaram
na década de 1980, quando se iniciou a
parceria entre professores(as), estudantes e
agricultores(as) familiares na Zona da
Mata Mineira e nas organizações sociais,
como o Centro de Tecnologias Alternativas
(CTA-ZM), Sindicatos de Trabalhadores
Rurais (STR), associações e cooperativas
de agricultores(as) familiares, movimentos
sociais do Campo e Escolas Família
Agrícola (EFA), no desenvolvimento do
“Projeto Educação, Campo e Consciência
Cidadã”, do PRONERA.
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Posteriormente, em 2010, a partir
dessa parceria iniciou-se o Programa
“Observatório da Educação do Campo”
(OBEDUC). Esse programa financiou o
projeto “Educação do Campo, Práticas de
Educação de Jovens e Adultos, Letramento
e Alternâncias Educativas”, o qual integrou
a UFV, a Universidade do Estado de Minas
Gerais (UEMG), a Universidade Federal
de São João Del Rei (UFSJ),
professores(as) da Educação Básica de
escolas do Campo e representantes dos
movimentos sociais e sindicais:
Associação Mineira das Escolas Família
Agrícola (AMEFA); Movimento dos
Trabalhadores Sem-Terra (MST);
Federação dos Trabalhadores na
Agricultura do Estado de Minas Gerais
(FETAEMG); Movimento dos Atingidos
por Barragens (MAB) (UFV, 2018).
Em 2011, a UFV passou a contar
com mapeamentos e sistematizações
elaborados no projeto “Observatório dos
Movimentos Sociais”, inicialmente
vinculado a um programa da UFV e,
posteriormente, aprovado no Programa de
Extensão Universitária (ProExt) do
Ministério da Educação (MEC).
Consolidou-se o diálogo da UFV com os
movimentos sociais do Campo, o que lhe
permitiu conhecer as demandas da
Educação do Campo e submeter a proposta
de criação do curso de Licenciatura em
Educação do Campo. Orientado por uma
abordagem multidisciplinar, o curso
promove o diálogo entre práticas sociais
escolares e não escolares, saberes dos
diferentes sujeitos do Campo e o
conhecimento acadêmico (UFV, 2018).
O público-alvo do curso contempla,
principalmente, sujeitos do Campo, com
perfis diversos, como professores(as) de
escolas do Campo, filhos(as) de
trabalhadores(as) do Campo,
educadores(as) populares, assessores(as)
de organizações do Campo, monitores(as)
de EFAs, quilombolas, atingidos(as) por
barragem, dentre outros (UFV, 2018).
Com base no perfil formativo dos(as)
discentes do curso, verifica-se a existência
de uma expressiva diversidade identitária
entre os sujeitos pertencentes ao Campo e
que estão aptos a pleitearem uma vaga. A
realização do processo seletivo para a
composição da primeira turma do curso
ocorreu no ano de 2013, na forma de
provas objetivas relativas aos conteúdos
escolares. Entre os(as) estudantes
aprovados(as), encontrava-se uma discente
Surda filha de trabalhador(a) do Campo, o
que motivou ações diferenciadas para o
acolhimento e a inclusão dela na
universidade.
Especificamente sobre o percurso
escolar e linguístico dessa estudante Surda,
convém destacar que, assim como a grande
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maioria dos(as) Surdos(as), ela é filha de
pais ouvintes e vivenciou o processo de
aquisição tardia da Libras. De acordo com
a discente, até os 16 anos a comunicação
com seus(suas) familiares era
exclusivamente por meio de gestos
caseiros, dada a ausência de um(a)
interlocutor(a) que favorecesse a interação
social para aquisição da Libras de forma
natural. Além disso, durante o percurso
formativo na Educação Básica, ela não
contou com Tradutores(as) e Intérpretes de
Língua de Sinais (TILS), tampouco
vivenciou uma educação bilíngue.
Considerando essas especificidades
linguísticas e educacionais, logo após o
ingresso da discente, os(as) professores(as)
perceberam a necessidade de ações que
priorizassem o seu desenvolvimento
linguístico em Libras e, de modo
complementar, possibilitasse o progresso
nas habilidades de leitura e escrita,
assegurando assim o efetivo acesso ao
conhecimento da área de estudo. No
princípio, o suporte pedagógico à estudante
Surda ficou sob a incumbência da Unidade
Interdisciplinar de Políticas Inclusivas da
UFV (UPI-UFV), que faz os
encaminhamentos dos(as) estudantes que
apresentam necessidades educacionais
específicas, decorrentes de alguma
deficiência ou transtorno de aprendizagem
previamente diagnosticado.
Ressalta-se também que no primeiro
semestre cursado pela estudante, a UFV se
valeu do trabalho de estudantes
vinculados(as) aos projetos de Ensino e
Extensão em vigência na época para
atuarem com TILS, que a universidade
estava em processo de contratação
desses(as) profissionais. Com o ingresso
dos(as) TILS no quadro de servidores(as)
efetivos(as) da universidade, foram feitos
acompanhamentos sistemáticos da
estudante na UPI-UFV. Nesse espaço, ela
ficava a maior parte do tempo
comunicando-se por meio de mímicas e de
uma língua gestual limitada, com um
diminuto vocabulário, estrutura gramatical
rudimentar e pouca fluidez, devido a todo
esse contexto histórico social apresentado.
Foi constatado, assim, que a estudante
havia concluído a Educação Básica sem o
domínio esperado da Libras e da Língua
Portuguesa (LP).
Aos(às) docentes da Licena foram
demandados pela UPI-UFV materiais
didáticos ricos em imagens para, assim,
contribuir com o processo de letramento da
estudante. Contudo, não houve tempo hábil
para uma adequada produção desse tipo de
material imagético. No decorrer do tempo,
foram ficando cada vez mais evidentes os
desafios impostos pela necessidade de,
efetivamente, incluir a estudante no curso e
no ambiente universitário, e não apenas
Jacinto, C. A., Oliveira, C. L. R., Ribeiro, D., Chaves, I. O., & Souza, V. C. A. (2020). Práticas inclusivas no curso de
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integrá-la, sem dar o devido respaldo para
o seu desenvolvimento e promover a
verdadeira inclusão, que oferecesse um
ensino de qualidade.
Diante dessa necessidade, no terceiro
semestre do curso foi proposto o Projeto
“Alfabetização e Letramento na Unidade
de Políticas Inclusivas” (ALUPI),
registrado na plataforma de projetos de
extensão da UFV. Formou-se uma equipe
multidisciplinar, composta por
professores(as) com experiência em áreas
como: Ensino de Libras, Ensino de LP
como segunda língua (L2), Educação de
Jovens e Adultos e Ensino de Ciências da
Natureza para Surdos(as). Em 2016, o
Projeto ALUPI solicitou a integração de
docentes da Licena em sua equipe.
Ingressaram uma docente com acúmulo na
área de Artes Cênicas, um docente da área
de Ciências da Natureza com proficiência
em Libras, além de uma docente do curso
de Letras, com experiência em ensino de
LP para estrangeiros(as). Nos anos
seguintes, ingressaram mais duas docentes
da Licena com acúmulo em Ciências da
Natureza e Libras, uma das quais coordena
o projeto desde o fim de 2018.
Desde que passou a incorporar
monitores(as) bolsistas dentre os(as)
quais também atuou um estudante Surdo ,
o projeto buscou dar suporte à estudante
em três frentes: Libras, LP e disciplinas do
curso. A primeira e a segunda destinaram-
se ao desenvolvimento linguístico bilíngue
da estudante, isto é, ao letramento em
Libras como primeira língua (L1) e em LP
como segunda língua (L2). A terceira
possibilitou aporte bilíngue para o
desenvolvimento das atividades
acadêmicas relativas aos conteúdos das
disciplinas que compõem a matriz
curricular do curso. Ressalta-se que os
planejamentos e as ações desenvolvidas
pela equipe multidisciplinar foram
(re)orientadas por meio de uma avaliação
contínua das atividades realizadas, em que
as práticas foram coletivamente repensadas
por meio de um processo crítico e
reflexivo.
O Projeto ALUPI será finalizado em
2020, quando está prevista a conclusão do
curso pela licencianda Surda. Atualmente,
a equipe é composta por três docentes da
área de Ciências da Natureza, duas de
Ensino de LP como L2 e uma professora
especialista na Educação de Jovens e
Adultos, além do apoio de vários(as) TILS
na equipe. Ademais, há a colaboração de
um mestrando do Programa de Pós-
Graduação em Letras que atua como
monitor e é responsável por orientar a
discente Surda na realização das atividades
do curso e, ainda, possibilitar-lhe práticas
formativas bilíngues que considerem a
Libras como L1 e sejam pertinentes ao
Jacinto, C. A., Oliveira, C. L. R., Ribeiro, D., Chaves, I. O., & Souza, V. C. A. (2020). Práticas inclusivas no curso de
Licenciatura em Educação do Campo na Universidade Federal de Viçosa...
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ensino da LP como L2, conforme disposto
no Decreto 5626 (Brasil, 2005).
Portanto, a constituição dessa equipe
multidisciplinar foi articulada de modo a
garantir à discente Surda diferentes
experiências no âmbito do letramento
acadêmico, pensando-se nas habilidades de
leitura e escrita demandadas no Ensino
Superior.
Práticas inclusivas na Educação de
Surdos(as) em diálogo com a
Licenciatura em Educação do Campo
As instituições educacionais devem
atender aos princípios dispostos na
Constituição Brasileira (Brasil, 1988), não
excluindo estudantes em razão da sua
condição humana ou deficiência e
observando os fundamentos principais da
cidadania e da dignidade da pessoa
humana (art. 1º, incisos II e III). Para tal,
deve assumir como um dos seus objetivos
fundamentais a promoção do bem de
todos(as), sem preconceitos de origem,
raça, gênero, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação (art. 3º, inciso
IV). A Constituição assegura, ainda, o
direito à igualdade (art. 5º) e trata do
direito à Educação, que deve contemplar o
“pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para a cidadania e sua qualificação
para o trabalho (art. 205). Além disso,
institui como princípio a “igualdade de
condições de acesso e permanência na
escola” (art. 206, inciso I), acrescentando
que “... o dever do Estado com a educação
será efetivado mediante a garantia de
acesso aos níveis mais elevados do ensino,
da pesquisa e da criação artística, segundo
a capacidade de cada um” (art. 208, inciso
V).
Como a Educação deve visar ao
pleno desenvolvimento humano e o
preparo para o exercício da cidadania,
segundo o artigo 205 da Constituição, as
restrições de acesso e permanência no
espaço educacional seriam uma
“diferenciação ou preferência que
limitaria “em si mesma o direito à
igualdade dessas pessoas (art. 205).
Porém, de nada adianta um(a) estudante
estar integrado(a), mas excluído(a) do
processo educativo como um todo. Nesse
caso, as instituições educacionais não
cumpririam os seus propósitos, se
representassem apenas um meio de
socialização ou integração dos(as)
educandos(as).
Assim, acreditamos que o processo
inclusivo como um todo tem o potencial
para melhorar as condições das instituições
educacionais desde a esfera humana, até a
social e científica, de modo que nela se
possam formar pessoas mais preparadas,
humana e profissionalmente, para
conviverem em sociedade, livres de
Jacinto, C. A., Oliveira, C. L. R., Ribeiro, D., Chaves, I. O., & Souza, V. C. A. (2020). Práticas inclusivas no curso de
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preconceitos e que sejam capazes de
acolher e respeitar a diversidade. Por isso,
a educação inclusiva supõe, sobretudo,
uma mudança nas estratégias
metodológicas utilizadas e no modo como
se estruturam as relações tempo-espaço em
sala de aula (Mantoan, 2013). Nesse
sentido, incluir significa (re)aprender,
(re)organizar, promover uma maior
interação entre os(as) estudantes e
educadores(as), em um processo
cooperativo em que todos(as) tenham a
possibilidade de crescer juntos(as) e
aprimorar as práticas formativas.
Nesse sentido, é importante destacar
que mais de duas décadas os debates
sobre inclusão se pautam no respeito à
diversidade, no acolhimento das diferenças
e no atendimento educacional
especializado, buscando contemplar as
especificidades dos(as) estudantes com
ações que visam eliminar ou minimizar
algumas das barreiras comunicacionais,
físicas ou atitudinais, tais como: ensino da
Libras e da LP para Surdos(as); presença
dos(as) TILS em sala de aula assumindo a
função de co-formadores(as) no processo
educativo; uso do Braille e de materiais
adaptados para favorecer o processo
formativo das pessoas cegas; orientação,
mobilidade e uso das tecnologias
assistivas; comunicação alternativa;
adaptações curriculares etc.
Tais questões têm sido discutidas
com muito vigor nos meios acadêmicos e
não acadêmicos, destacando-se a
importância da inclusão nos diferentes
âmbitos. Questões sobre acessibilidade
(autonomia para cadeirantes) e a presença
de TILS nas salas de aula e em outros
espaços (museus, teatros, bancos,
hospitais, delegacias etc.) já se tornaram
pautas de discussões políticas e sociais.
Mas incluir é muito mais do que isso. Para
que a inclusão se efetive, devem-se levar
em consideração os aspectos de
acessibilidade física, psicossociais
(interações com o meio e com as diferentes
formas de conhecimento), motivacionais e
socioemocionais. Embora isso pareça ser
impossível, dadas as diferentes habilidades
que um(a) educador(a) deverá articular,
acreditamos que a mudança precisa
começar no querer fazer, transgredindo
aquilo que existe e acreditando na
capacidade de transformar uma realidade.
Esse foi o mote para iniciar o Projeto de
Letramento com o foco na inclusão aqui
discutido, buscando apresentar algumas
das ações realizadas para favorecer o
processo de formação inicial de uma Surda
da Licena.
Sobre o curso aqui apresentado, é
importante destacar que a Licena dispõe de
um currículo organizado em oito
semestres. O objetivo é formar
Jacinto, C. A., Oliveira, C. L. R., Ribeiro, D., Chaves, I. O., & Souza, V. C. A. (2020). Práticas inclusivas no curso de
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professores(as) habilitados para
ministrarem disciplinas de Ciências da
Natureza nos anos finais do Ensino
Fundamental e no Ensino Médio, além de
contemplar a gestão de processos
educativos escolares e comunitários,
orientados por uma visão integradora de
experiências e conhecimentos populares e
acadêmicos (UFV, 2018).
Para atender o público-alvo em suas
especificidades, a proposta da Educação do
Campo teve viabilidade garantida pela
chamada Pedagogia da Alternância, que
incorpora a adoção de diferentes tempos e
espaços educativos: o Tempo Universidade
(TU) e o Tempo Comunidade (TC). No
primeiro, os estudos ocorrem no ambiente
universitário, com aulas presenciais das
disciplinas que compõem a matriz
curricular do curso, orientação acadêmica,
participação em espaços coletivos diversos
nos quais é mediada a construção do
conhecimento, dentre outras atividades
acadêmicas. No TC, os(as)
licenciandos(as) desenvolvem, em suas
comunidades, produtos pedagógicos de
natureza didático-metodológica e
científico-tecnológica. Esses produtos
contemplam as dimensões social, política,
econômica e ambiental de seu território de
residência e trabalho. Assim, a partir desse
dinamismo é possível criar condições para
superação da dicotomia teoria-realidade,
posto que, na articulação entre TU e TC, é
promovida uma inter-relação entre a
realidade dos estudantes e os
conhecimentos construídos no ambiente
universitário, num projeto de educação
pública articulada ao projeto de Campo e
de sociedade (UFV, 2018).
O curso consta também com outros
instrumentos característicos da Pedagogia
da Alternância, destacando-se os espaços
comuns a todos(as) os(as) estudantes e
docentes, como o Projeto de Estudo
Temático, o Embarque, o Espaço Aberto, o
Licine, a Troca de Saberes, a Feira do
Conhecimento etc. Todos são orientados
por uma abordagem interdisciplinar,
articulando as práticas sociais formais e
não formais e os saberes das experiências
dos diferentes sujeitos e dos movimentos
do Campo.
Diante do exposto, verifica-se o
dinamismo e a complexidade dos vários
espaços e tempos presentes no curso em
questão, atestando-se que o Campo
também pode ser um local de pesquisa,
extensão e ensino, o que favorece a
formação de professores(as)
qualificados(as) para esse meio.
A importância da leitura e da escrita em
contexto de formação acadêmica de
Surdos(as)
É notório o valor atribuído à leitura e
à escrita em sociedades letradas. A criança,
Jacinto, C. A., Oliveira, C. L. R., Ribeiro, D., Chaves, I. O., & Souza, V. C. A. (2020). Práticas inclusivas no curso de
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antes mesmo de ingressar no ambiente
escolar, vivencia experiências com o
mundo das letras. Todavia, convém
ressaltar que essas habilidades e
competências não são inatas da espécie
humana, o que exigirá esforços por parte
de educandos e educadores para que esses
conhecimentos se efetivem. Entendendo
que a escola representa o principal meio
que viabiliza práticas de letramento, apesar
de não ser o único, defendemos que um
dos objetivos centrais dela é justamente
possibilitar aos(às) educandos(as)
participarem das várias práticas sociais que
utilizam a leitura e a escrita (Rojo, 2009).
No entanto, quando se chega ao Ensino
Superior, alguns/mas professores(as)
tendem a considerar que determinados(as)
estudantes(as) são iletrados(as), visto que
as dificuldades relacionadas à leitura e
escrita de alguns gêneros textuais que
circulam no contexto acadêmico se tornam
evidentes.
Para o desenvolvimento deste
trabalho, assim como defendido por Fiad
(2011), não acreditamos que os(as)
discentes ingressantes na Educação
Superior sejam iletrados(as), mas
consideramos que as práticas de letramento
desejadas nesse contexto ainda não foram
vivenciadas pelo(a) aprendiz nas esferas
escolares anteriores. Com base nessas
reflexões, defendemos que, no contexto de
Educação Superior, seja oferecido ao(à)
estudante a possibilidade de interagir com
gêneros textuais e práticas sociais
provenientes do contexto acadêmico,
considerando que as práticas de letramento
possuem um caráter situado, estando
atreladas ao contexto situacional no qual
o(a) aprendiz se insere (Street, 1984).
Portanto, por se tratar de um curso
superior, podemos destacar a existência da
necessidade de um letramento acadêmico,
considerando usos específicos da leitura e
da escrita nesse âmbito e que se diferem de
outros contextos (Fiad, 2011). Ou seja, se
os(as) estudantes(as) ouvintes
normalmente não entram na universidade
com o nível de letramento exigido, a
situação dos(as) estudantes Surdos(as)
pode ser ainda mais agravante. Isso se
justifica pelo fato de que eles(as) têm a LP
como L2 e o vivenciam experiências
significativas com as práticas de leitura e
escrita nessa L2, uma vez que a grande
maioria das escolas inclusivas não está
organizada de modo a possibilitar aos(às)
Surdos(as) o desenvolvimento desse tipo
de competência (Neves, 2016; Valadão &
Jacinto, 2017).
Mediante essas considerações, e por
estar no meio acadêmico, letrado por
excelência, sem nunca ter tido a
oportunidade de ler e produzir textos em
LP, evidencia-se o grande desafio diante
Jacinto, C. A., Oliveira, C. L. R., Ribeiro, D., Chaves, I. O., & Souza, V. C. A. (2020). Práticas inclusivas no curso de
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das práticas de leitura e escrita para o(a)
universitário(a) Surdo(a). Nessa
perspectiva, a equipe inserida no Projeto
ALUPI, no que concerne ao trabalho com a
L2, foi fundamental para minimizar as
dificuldades e as barreiras linguísticas que
perpassavam todo o processo de inclusão e
formação docente.
A maioria dos(as) Surdos(as) não
aprendem a LP como L2 nos primeiros
anos da escola e, em determinadas
situações, vão ter acesso à leitura
quando adultos(as), ou até mesmo quando
chegam às universidades. Um agravante
dessa situação tem sido a não aquisição da
Libras na tenra idade, pois cerca de 90%
dos(as) Surdos(as) nascem em famílias de
ouvintes (Fernandes, 2006) que não se
comunicam em línguas de sinais e, as
crianças Surdas, em decorrência da surdez,
não acessam de modo natural a língua oral.
Consequentemente, a aquisição da Libras
ocorrerá quando elas passam a ter
contato com outros(as) Surdos(as) ou
ouvintes sinalizantes no contexto escolar.
No tocante ao ingresso no Ensino
Superior, desde 2005, verifica-se um
aumento da entrada de jovens Surdos(as).
Como justificativa para essa constatação,
podemos considerar o marco legal da
educação bilíngue e o direito à Educação
em sua L1 ressaltada pelo Decreto nº 5.626
(Brasil, 2005). Além disso, destaca-se que,
a partir de 2016, o acesso das pessoas com
deficiência ao Ensino Superior é endossado
pela Lei 13.409 (Brasil, 2016), que
garantiu a reserva de vagas em cursos, nos
âmbitos das Instituições Federais de
Ensino Superior e de Ensino Técnico de
Nível Médio, para candidatos(as)
autodeclarados(as) pretos, pardos,
indígenas e por pessoas com deficiência.
Essas esferas legais possibilitam e
viabilizam o acesso de pessoas com
deficiência ao Ensino Superior e, nesse
sentido, ações de cunho inclusivo precisam
ser implementadas pelas universidades.
Na contramão dessa demanda está a
preparação das universidades para receber
esses(as) estudantes, imersos(as) neste
contexto acadêmico, com as disciplinas
específicas do curso e o volume das
leituras. Muitos(as), entretanto, não
conseguem acompanhar as exigências dos
cursos e veem o sonho de concluir a
graduação esvair-se, sobretudo por não
conseguirem atender às demandas
formativas que se mostram como grandes
desafios a serem transpostos.
Nesse sentido, verifica-se que a falta
de vocabulário é a principal causa de
dificuldades de leitura para os(as)
estudantes Surdos(as). As palavras
abstratas e polissêmicas configuram-se
uma problemática constante quando se
pensa na representação delas em Libras.
Jacinto, C. A., Oliveira, C. L. R., Ribeiro, D., Chaves, I. O., & Souza, V. C. A. (2020). Práticas inclusivas no curso de
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Consequentemente, ler um texto
acadêmico é desafiador para os(as)
Surdos(as). Além disso, a capacidade de
analisar, sintaticamente, um parágrafo e
compreendê-lo como um todo, é um
exercício árduo, pois eles(as) não
percebem os sinais prosódicos da fala,
constituídos por pausas e entonação, que
ajudam a agrupar as palavras. Isso pode ser
constatado em um estudo anterior,
realizado por parte da equipe do Projeto
ALUPI em que se verificou que a discente
Surda não interpretava de forma
satisfatória o que lia. Ela somente replicava
e sinalizava algumas palavras que
conhecia, desconsiderando o contexto no
qual elas estavam inseridas (Valadão et al.,
2017). As primeiras intervenções
realizadas pela equipe foram no sentido de
ampliar as competências de leitura e escrita
da discente, algo que se mostrou urgente
para favorecer o processo de
desenvolvimento acadêmico-profissional
em curso.
No mais, por se tratar de um
acompanhamento longitudinal e pelo fato
de a discente estar no processo de
finalização do curso, suas reais
necessidades, atualmente, estão
relacionadas à leitura massiva de
referências para composição do seu
Trabalho de Conclusão de curso e, ainda, o
entendimento de como esse gênero se
constitui em Libras e em LP. O letramento
acadêmico de Surdo(a) envolve várias
questões, seja pelo estranhamento da
linguagem empregada e que se relaciona a
um gênero textual específico, pela
composição estrutural e técnica dos textos,
pelo vocabulário científico adotado ou pela
ausência de terminologia em Libras para a
sinalização desses conceitos, entre outros
desafios (Fernandes & Medeiros, 2017).
Quanto aos(às) docentes do curso,
coube adequar, cada um(a) à sua maneira,
uma dinâmica de trabalho, de modo que a
leitura e a escrita fossem utilizadas como
forma de acesso e produção de
conhecimento, permeadas pelo trabalho
reflexivo e crítico, cientes de que havia
uma estudante Surda no curso. Nesse
sentido, umas das facetas do Projeto tem
relação, também, com a formação dos(as)
professores(as) do curso, aos quais é
demandada uma postura diferenciada
frente a situação que se mostrava nova para
todos(as). Pensar as formas de leitura e
produção, bem como a avaliação, foi
desafiador para todos(as). Assim como
pensar e propor práticas que fossem
alinhadas aos pressupostos teóricos da
Educação de Surdos(as) descritos por
Quadros (1997), sobretudo quando se
considera que:
... não existe a associação entre sons
e sinais gráficos, a língua escrita é
percebida visualmente. Os sinais
Jacinto, C. A., Oliveira, C. L. R., Ribeiro, D., Chaves, I. O., & Souza, V. C. A. (2020). Práticas inclusivas no curso de
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gráficos são símbolos abstratos para
quem nunca ouviu os sons e
entonações que eles representam
(Ahlgren, 1992) É uma linguagem
silenciosa. (Quadros, 1997, p. 98).
Isso mostra que a alfabetização
(científica ou não) é um processo que
perpassa os aspectos visuais, em um campo
de significação que se faz necessário
considerar as questões semânticas,
sintáticas e morfológicas inerentes à língua
de sinais, para que seja possível atribuir
sentido aos diversos conceitos que são
abstratos e complexos. Desta forma, é
importante que a formação docente
estabeleça um efetivo diálogo com a
multiculturalidade, destacando-se a
pluralidade linguística. Isso teria o objetivo
de produzir práticas pedagógicas e
metodologias que o culturalmente
sensíveis à diversidade linguística,
acolhendo e respeitando as diferenças e
suas especificidades por meio de uma
educação intercultural, que pode ser
compreendida, segundo Candau (2011)
como:
... uma educação para negociação
cultural, que enfrenta os conflitos
provocados pela assimetria de poder
entre os diferentes grupos
socioculturais nas nossas sociedades
e é capaz de favorecer a construção
de um projeto comum, pelo qual as
diferenças sejam dialeticamente
integradas. A perspectiva
intercultural está orientada à
construção de uma sociedade
democrática, plural, humana, que
articule políticas de igualdade com
políticas de identidade. (Candau,
2011, p. 27).
Finalmente, com base nas
considerações elencadas ao longo deste
texto, entendemos que o acesso e a
permanência dos(as) discentes Surdos(as),
no contexto acadêmico, será viável
quando os(as) estudantes(as) tiverem
domínio linguístico em Libras, o que
permitirá uma ampliação do conhecimento
de mundo e uma efetiva inserção nas
práticas acadêmico-profissionais. Assim,
de forma adicional, o grande desafio do
Projeto foi construir práticas que
envolvessem a leitura e a escrita da LP
como L2, consolidando o letramento
bilíngue da estudante Surda e a sua efetiva
inclusão no processo formativo.
Essas práticas se concretizaram nas
ações contínuas conduzidas pelos(as)
monitores(as) do Projeto ALUPI com a
estudante Surda, orientadas por
(re)planejamento feito em reuniões
semanais, ora com a equipe do Projeto ora
somente com a coordenadora, bem como
em reuniões esporádicas com os(as)
professores(as) das disciplinas da Licena
em que a estudante estava matriculada.
Ao longo de todo processo,
diferentes monitores(as) realizaram
atividades que dialogavam com as
necessidades da discente Surda e foram
pertinentes com os objetivos previstos.
Jacinto, C. A., Oliveira, C. L. R., Ribeiro, D., Chaves, I. O., & Souza, V. C. A. (2020). Práticas inclusivas no curso de
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Dentre as mais recentes, estão aquelas
ações realizadas pelo monitor-pesquisador,
destacando-se a organização e a elaboração
de materiais didáticos bilíngues com ênfase
na L1 e atividades que mediaram o
oferecimento de suporte pedagógico
realizadas em duas monitorias semanais de
4 horas cada. São elas: letramento em LP
em função da escrita de atividades e
relatórios das disciplinas da Licena;
letramento em Libras em função da
realização de atividades das disciplinas do
curso para as quais foi permitida
apresentação em Libras; gravação e edição
de vídeo de atividades das disciplinas;
interpretação em reuniões e regências de
estágio supervisionado realizado em
turmas do Ensino Médio de uma escola
pública.
Ao longo do acompanhamento da
equipe do Projeto ALUPI, verificou-se que
a estudante Surda se desenvolveu
expressivamente em termos de
protagonismo e autonomia, especialmente
no que tange à disciplina de estágio
supervisionado. Para tanto, as monitorias
foram fundamentais, uma vez que
ofereceram à estudante intensivo e
contínuo suporte pedagógico para os
processos de formação docente, atendendo,
assim, necessidades educacionais
específicas da estudante Surda, conforme
os pressupostos da Educação Inclusiva
apresentados na seção anterior.
A equipe do Projeto avaliou que
houve êxito não somente no que diz
respeito aos resultados alcançados no
desenvolvimento acadêmico da estudante,
mas também na autoformação docente de
toda a equipe do Projeto, que alçou novos
níveis de consciência acerca das dimensões
da Educação Bilíngue para Surdos(as),
inclusive aumentando sua participação em
eventos acadêmicos na área.
Alfabetização ou Letramento Científico
no contexto de inclusão educacional
A alfabetização ou letramento
científico pode ser considerado(a) como
uma das dimensões para potencializar
alternativas que privilegiam uma educação
mais comprometida com a construção do
saber e com a diversidade. De acordo com
Chassot (2003), a alfabetização ou
letramento científico pode ser entendida(o)
como um conjunto de conhecimentos que
quando mobilizados permitiriam as
pessoas fazerem uma leitura do mundo
onde vivem, buscando desenvolver um
olhar crítico e reflexivo para as questões
ambientais, tecnológicas, sociais, políticas,
econômicas etc. Ou seja, alguém letrado,
cientificamente, estaria mais
instrumentalizado para lidar com a
complexidade do mundo, do que aquele
que não se inseriu no universo do
conhecimento científico.
Jacinto, C. A., Oliveira, C. L. R., Ribeiro, D., Chaves, I. O., & Souza, V. C. A. (2020). Práticas inclusivas no curso de
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Nesta perspectiva, as Ciências, em
geral, podem ser consideradas um
construto humano para explicar o mundo
natural, sendo expressas por meio de uma
linguagem com códigos próprios.
Compreender essa linguagem (das
Ciências), como entendemos algo escrito
numa língua que se conhece (Libras, LP,
Língua Espanhola etc.) é poder interpretar
os diversos fenômenos que se processam
em nosso dia a dia. De acordo com Chassot
(2003), é aceitável que nossas dificuldades
diante de um texto em uma língua que não
se domina podem ser comparadas com as
incompreensões para explicar muitos dos
fenômenos que ocorrem na natureza.
Entender Ciências possibilita, também,
contribuir para controlar e prever as
transformações que ocorrem na natureza.
Assim, abrem-se caminhos para criar
condições de fazer com que essas
transformações sejam propostas, para que
conduzam a uma melhor qualidade de vida.
Assim, acreditamos que o ensino de
Ciências ministrado nas escolas e nas
universidades deve conduzir os(as)
educandos(as) a uma visão mais ampla e
integrada do conhecimento, tendo maior
compreensão das manifestações sociais,
culturais e científicas em evidência na
sociedade como um todo. Para isso, os
cursos ou as disciplinas dessa área de
conhecimento deveriam ser mais
contextualizados social e culturalmente,
mais históricos e mais filosóficos ou
reflexivos, permitindo que os(as)
educandos(as) possam construir visões
diferenciadas do saber em meio à
complexidade e à diversidade. Nesse
sentido, para que o “saber científicoseja
incorporado efetivamente pelos(as)
discentes(as), deve-se levar em
consideração toda uma complexa rede de
conhecimentos às quais eles(as) têm
acesso, assim como os fatores de
relevância para uma determinada esfera
social a qual se ensina e suas
especificidades físicas e/ou humanas.
Colocando em diálogo os saberes
populares e os saberes científicos, um dos
propósitos da equipe do Projeto ALUPI era
justamente realizar a articulação entre os
saberes populares e os saberes acadêmicos,
de modo integrador, contextualizado e
significativo. Isto é, valemo-nos da
aprendizagem significativa, envolvendo a
transformação dos conhecimentos prévios
que a estudante Surda possui, de modo a
ressignificá-los, no sentido de oferecer
suportes para autonomia e criticidade no
âmbito cultural, social, político, ambiental,
econômico e cultural (Ausubel, Novak &
Hanesian, 1980).
Como forma de elucidar essas
considerações nas intervenções realizadas
pelo Projeto ALUPI, descrevemos, a
Jacinto, C. A., Oliveira, C. L. R., Ribeiro, D., Chaves, I. O., & Souza, V. C. A. (2020). Práticas inclusivas no curso de
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seguir, uma prática organizada por uma
monitora, com o acompanhamento de duas
docentes da Licena, ocorrida em 2017.
Ressalta-se que as aplicações dessas
monitorias visavam uma formação
complementar ao conteúdo abordado em
uma disciplina na qual a estudante estava
matriculada, de modo que havia o diálogo
permanente entre monitora e docentes.
Nesse sentido, objetivando uma
articulação entre os saberes populares e os
conhecimentos da Agroecologia,
organizou-se uma reflexão acerca dos usos
das plantas medicinais. Para isso, em
primeiro lugar realizou-se um estudo
bibliográfico da área e, após, a estudante
Surda foi orientada a consultar em sua
comunidade exemplos de plantas
medicinais que eram empregadas no dia a
dia, além de fazer a descrição de suas
propriedades terapêuticas. Em seguida, foi
proposta a criação de um catálogo com a
identificação e descrição das plantas
encontradas. Além disso, as docentes do
curso complementaram o catálogo com a
apresentação dos nomes científicos,
descrição de alguns benefícios
cientificamente comprovados, ademais das
questões químicas e biológicas
relacionadas à composição das plantas e
medicamentos (Oliveira & Pereira, 2018).
Essas considerações e observações
corroboram pertinência da
contextualização dos conteúdos científicos
com a realidade da discente Surda, o uso
de metodologias que exploraram outros
sentidos na construção do conhecimento e
o uso de espaços não formais para essa
constituição. E, ainda, foi possível a
articulação entre as vivências do Campo,
os saberes populares, a Agroecologia e,
principalmente, a reflexão de como a
Educação do Campo está intimamente
relacionada a esses temas e interesses
(Oliveira & Pereira, 2018).
Tendo em vista o exposto
anteriormente, pode-se afirmar que a
função básica da educação científica seria
completar a formação do indivíduo para a
vida social, enquanto cidadão. Entretanto,
muitas são as vezes em que se encontram,
por parte dos(as) professores(as), grandes
dificuldades em lidar com tais relações.
Quando um projeto pedagógico de alguma
instituição de ensino propõe que se deve
ensinar buscando formar um(a) cidadão(ã)
crítico(a) e reflexivo(a) frente à sociedade,
muitos questionamentos podem ser feitos
pelos(as) professores(as), como: O que é
ser um(a) cidadão(ã) crítico(a) e
reflexivo(a)? Por que é importante formar
esse(a) cidadão(ã)? Para quê? Como fazer
isso? Por onde começar? E isso se adensa
quando o fator inclusão passa a ser o mote
de uma educação que deve, em sua
essência, acolher e respeitar as diferenças.
Jacinto, C. A., Oliveira, C. L. R., Ribeiro, D., Chaves, I. O., & Souza, V. C. A. (2020). Práticas inclusivas no curso de
Licenciatura em Educação do Campo na Universidade Federal de Viçosa...
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Isso porque somos formados para lidar
com os iguais, ensinar a iguais,
desconsiderando a diversidade inerente ao
todo.
Assim, é importante que a educação
perpasse pelo desenvolvimento de
potencialidades e pela valorização dos
aspectos multiculturais,
independentemente das inúmeras
singularidades humanas existentes,
conduzindo à apropriação do saber social
(conjunto de conhecimentos e habilidades,
atitudes e valores que são produzidos pelas
classes, em uma dada situação histórica de
relações para dar conta de seus interesses e
necessidades) (Frigotto, 1995). Nesse
sentido, o desenvolvimento de habilidades
e conhecimentos que proporcionam ao(à)
educando(a) uma melhor compreensão da
realidade e a capacidade de fazer valer os
próprios interesses econômicos, políticos e
(multi)culturais seriam favorecidos.
Consequentemente, não haveria
correspondência ou subordinação ao
sistema predominante e os indivíduos
seriam valorizados e incluídos na escola,
na universidade e na sociedade como um
todo, independentemente das
especificidades que perpassam as barreiras
interpessoais e intrapessoais, sejam elas de
origens físicas ou cognitivas.
Não se pode esquecer ainda que as
pessoas com deficiência, como
educandos(as), têm o mesmo direito de
acesso à educação, em um ambiente não
segregado de seus pares. Aliás, são
esses(as) os(as) educandos(as) que, muitas
vezes, provocam mudanças fundamentais e
necessárias na organização educativa,
fazendo com que seus(suas) colegas e
professores(as) vivam a experiência da
diferença nas salas de aula. Tal fato é
destacado por diversos(as) autores(as),
como Mantoan (2003), que defende o
trabalho com um sentido ontológico e
prático para a inclusão escolar; Batista
(2004), que destaca a relevância para a
inclusão social e no trabalho; Alves (2003),
que destaca a relevância da inclusão na
escola; Carvalho (2004), que busca
vínculos da inclusão com os diversos
saberes construídos na escola; Mittler
(2003), que discute o sentido histórico e
ontológico para o movimento da inclusão;
Chassot (2003; 2004), que aponta a
relevância de um ensino de
Ciências/Química holístico e contextual;
Gomes (2004), que situa a discussão sobre
inclusão/exclusão escolar no contexto dos
processos de ensino e aprendizagem;
Santos e Schnetzler (2003), quando
defendem o ensino de Ciências/Química
como eixo central para a construção da
cidadania; dentre outras inúmeras
referências não menos importantes.
Jacinto, C. A., Oliveira, C. L. R., Ribeiro, D., Chaves, I. O., & Souza, V. C. A. (2020). Práticas inclusivas no curso de
Licenciatura em Educação do Campo na Universidade Federal de Viçosa...
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As ideias apresentadas no corpo
deste trabalho, e que estão em sintonia com
a dos(as) autores(as) supracitados(as),
enfatizam uma tendência em relação à
valorização das diferentes vertentes ou
modos distintos de se pensar a inclusão.
Elas estão sendo recentemente levantadas
por meio de inúmeras pesquisas
acadêmicas, tentando dialogar com os
aspectos mais relevantes discutidos
atualmente em relação à formação inicial e
continuada de professores(as). Com isso, é
importante entender que para se ter uma
educação efetivamente inclusiva é urgente
que seus planos se (re)definam para a
construção de práticas voltadas a
metodologias e ações que visem à
cidadania global, plena, livre de
preconceitos e disposta a reconhecer as
diferenças e os valores multiculturais entre
as pessoas e, sobretudo, a emancipação
intelectual. Isto porque não basta pensar
em uma educação para a cidadania de
forma genérica. De acordo com Freire
(2001) é preciso que se eduque para a
liberdade e, nesse sentido, nenhuma forma
de subordinação intelectual ou exclusão
poderia ser admitida.
Cabe destacar que em todo mundo
despontam mais de duas décadas
propostas similares e promissoras de
transformação das escolas e das
universidades, reafirmando a importância
em assegurar o pleno direito dos(as)
educandos(as) a uma educação de
qualidade. Nessas propostas discutem-se
desde aspectos relacionados à
acessibilidade física ao ambiente
educacional (autonomia) até a importância
de uma real acessibilidade às múltiplas
formas de conhecimento (o direito de
aprender, independente da condição)
(Ainscow, 1999; Stainback & Stainback,
1999; Booth & Ainscow, 1998; Armstrong,
Armstrong & Barton, 2000; Mantoan &
Valente, 1998).
Por isso, aprendemos com o Projeto
ALUPI sobre a importância de os(as)
educadores(as) se envolverem em uma
busca incessante por ações educativas
baseadas na concretude da construção do
saber, visando assim a formação de uma
consciência mais humana frente ao
conhecimento articulado em meio à
diversidade. A nosso ver, isso deveria
fortalecer a base de uma educação que seja
formativa e não apenas informativa, em
que todos(as) os(as) educandos(as) teriam
o direito de ser aprendizes, mesmo sendo
diferentes em algumas situações que lhes
são demandadas. Nesse sentido, ao invés
de ter “dó” de um(a) estudante(a) cego(a)
ou Surdo(a), por exemplo, poderíamos ter
respeito e admiração por uma pessoa que,
tendo essas condições, luta a cada dia para
sobreviver em um mundo que é
Jacinto, C. A., Oliveira, C. L. R., Ribeiro, D., Chaves, I. O., & Souza, V. C. A. (2020). Práticas inclusivas no curso de
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predominantemente visual e oral-auditivo.
Por isso, o nosso grande desafio como
educadores(as) seria o de buscar conhecer
o que este(a) educando(a) pode fazer, suas
potencialidades (que são muitas) e, em
seguida, reconhecer que, apesar de sua
restrição física, ele(a) tem condições de se
desenvolver continuamente o que, de
resto, valeria para qualquer um de nós.
Considerações finais
No curso de Licenciatura em
Educação do Campo da UFV, dentro da
heterogeneidade dos(as) educandos(as)
encontra-se uma Surda do Campo e que
possui singularidades linguísticas,
comunicacionais e educacionais, o que
culminou na formação de uma equipe
multidisciplinar para orientar e efetivar o
processo de formação da estudante.
De modo geral, averiguou-se que as
necessidades da discente tinham relação
com a aquisição linguística da Libras,
habilidades e competências de leitura e
escrita, no sentido de propiciar um
letramento acadêmico. Além disso,
considerando os conhecimentos do curso e
da formação na área de Ciências da
Natureza, observou-se também a
pertinência e necessidade de desenvolver o
letramento científico, atuando em
disciplinas específicas do curso.
Destaca-se o grande desafio em
desenvolver propostas pedagógicas que
respeitassem e valorizassem tanto a
identidade Surda da estudante, quanto a
sua identidade do Campo, considerando
sua história, seus saberes e sua cultura. A
Educação do Campo, enquanto movimento
que busca a transformação dos sujeitos e
da sociedade, tem lutado constantemente
por um Campo justo e igualitário e uma
educação adequada e engajada na
formação dos sujeitos. Verificamos, assim,
que tanto Educação do Campo quanto a
Educação de Surdos(as) são movimentos
sociais que buscam o direito à diversidade,
sobrepujando a padronização pela busca de
um ideal e avultando o direito por uma
educação pública de qualidade que respeite
as múltiplas identidades culturais.
Diante disso, a descrição das nossas
observações enquanto equipe formativa
possibilitou o entendimento de que,
mediante as necessidades da discente
Surda, a equipe multidisciplinar que
compõe o Projeto ALUPI aqui descrito, foi
se articulando de modo a atender essas
necessidade e assegurar que os
planejamentos e as ações do Projeto
dialogassem com os pressupostos da
Educação do Campo e da Educação de
Surdos(as). Além disso, estudos como este
é uma forma de reflexão longitudinal e
avaliação continuada do processo
Jacinto, C. A., Oliveira, C. L. R., Ribeiro, D., Chaves, I. O., & Souza, V. C. A. (2020). Práticas inclusivas no curso de
Licenciatura em Educação do Campo na Universidade Federal de Viçosa...
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educacional da estudante Surda e das ações
do grupo em questão, o que também
possibilita uma autorreflexão para
todos(as) os(as) envolvidos(as) no
processo formativo da estudante.
Por meio de análises pautadas em
ações gerais desenvolvidas pela equipe do
Projeto, constatamos que as práticas aqui
apresentadas podem se constituir enquanto
ações de cunho político e educacional,
visando assegurar a permanência e
formação da discente Surda. No âmbito da
educação inclusiva, iniciativas dessa
natureza constituem-se em ações que
buscam amenizar as eventuais barreiras
vivenciadas no processo de ensino e
aprendizagem.
Um ponto cabível de análise, e que
não foi abordado de maneira profunda
neste trabalho, diz respeito à necessidade
de formação continuada para todos os
sujeitos imbricados no processo formativo
da estudante. A diversidade de
monitores(as) e professores(as) que
passaram pelo Projeto, alguns eram
fluentes em Libras e outros(as)
desconheciam a Língua e os princípios
inclusivos e bilíngues. Em vista disso, uma
das facetas complementares do Projeto foi
justamente o desenvolvimento de uma
formação diferencial para o grupo dos(as)
monitores(as), uma vez que, na prática, são
eles(as) que lidam diretamente com a
discente Surda. Sabemos, também, que a
educação de Surdos(as) envolve muito
mais que o conhecimento da Língua;
envolve questões de cunho metodológico e
as especificidades linguísticas e culturais
da Comunidade Surda.
Finalmente, dada a presença cada vez
maior de Surdos(as) no contexto
acadêmico, esperamos que este trabalho
possa servir de suporte para outras
universidades e contextos que se
encontrem em situação similar,
especialmente no que tange à percepção da
necessidade de uma equipe
multidisciplinar para o desenvolvimento de
ações inclusivas. Faz-se necessário a
proposição de novas ações e de políticas
educacionais e linguísticas que busquem
ampliar o acesso, a permanência e a
formação de qualidade dos(as) Surdos(as).
Em virtude disso, acreditamos que o
caráter empírico e vivencial das reflexões
aqui apontadas pode apoiar e incentivar a
criação de outros estudos e até mesmo o
desenvolvimento de projetos e
implementação de políticas educacionais
que visam a inclusão de Surdos(as).
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(i)
Optamos pela inicial maiúscula como forma de
conferir reconhecimento, legitimidade e
protagonismo a esse objeto de investigação,
possibilitando destaque no âmbito sociocultural e
acadêmico.
(ii)
O termo “Surdo(a)”, com inicial maiúscula,
refere-se ao indivíduo que, tendo perda auditiva,
não é caracterizado pela sua deficiência, mas pela
sua condição de pertencer a um grupo minoritário e
possui a Língua de Sinais como L1 (Moura, 2000;
Bizol, 2010).
Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 28/04/2020
Aprovado em: 19/05/2020
Publicado em: 03/07/2020
Received on April 28th, 2020
Accepted on May 19th, 2020
Published on July, 03rd, 2020
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nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
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Carlos Antonio Jacinto
http://orcid.org/0000-0003-1768-6988
Cristiane Lopes Rocha de Oliveira
http://orcid.org/0000-0001-6065-3968
Danila Ribeiro Gomes
http://orcid.org/0000-0003-0312-8299
Idalena Oliveira Chaves
http://orcid.org/0000-0002-2921-6425
Vinícius Catão de Assis Souza
http://orcid.org/0000-0003-4591-9275
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Jacinto, C. A., Oliveira, C. L. R., Ribeiro, D., Chaves, I. O.,
& Souza, V. C. A. (2020). Práticas inclusivas no curso de
Licenciatura em Educação do Campo na Universidade
Federal de Viçosa: atuação multidisciplinar de um Projeto
de Letramento voltado à formação de uma discente Surda.
Rev. Bras. Educ. Camp., 5, e9044.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e9044
ABNT
JACINTO, C. A.; OLIVEIRA, C. L. R.; RIBEIRO, D.;
CHAVES, I. O.; SOUZA, V. C. A. Práticas inclusivas no
curso de Licenciatura em Educação do Campo na
Universidade Federal de Viçosa: atuação multidisciplinar
de um Projeto de Letramento voltado à formação de uma
discente Surda. Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis,
v. 5, e9044, 2020.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e9044