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Amália Rodrigues, respectivamente. Esses
rezos, independente de sua origem, são
entoados em uma ordem determinada, e no
Muzanguê inicialmente se pede licença a
Exu ou Bará porque, segundo as Yás, "sem
Exu não se faz nada" (Labrea, 2020), e
cada mês é celebrada uma entidade:
Todo primeiro sbado de cada ms
h um Muzungu. Cada ms
corresponde a um Orix, ou seja, o
tempo est sob guardiania deste
Orix. Em Janeiro ocorre o Trabalho
dos Homens e das Mulheres,
orientado e guiado pelas pomba-
giras. Em fevereiro e em maro a
Morada da Paz fecha para o pblico
externo, seguindo uma srie de
ritualsticas e retiros para seus
membros. Em maro, h o chamado
Muzungu da Vacuidade, dedicado
aos processos de cura. Esse
muzungu direcionado para pessoas
especficas, e no aberto
comunidade. Em abril os trabalhos
abertos iniciam, com o Muzungu de
Ogum. Este seguido, em maio, pelo
das Yamis Ochorongs (chamadas de
Mes Ancestrais), de Exu em junho,
de Xang em julho, de Omulu em
agosto, dos Ibeji em setembro, das
Mes das guas em outubro, de Ians
em novembro e, por fim, o
Muzungu Xamnico em dezembro,
tambm conhecido como Muzungu
de limpeza... Cada Muzungu tem as
suas particularidades, mas o que de
praxe em todos iniciarmos com os
“orins de sustentao”, cantos
dedicados s entidades regentes do
territrio, a saber, Seu Sete, Ogum
Beira Mar, Yemanj, Me Preta,
Ibejis e, por fim, Oxal. Aps, h os
orins dos Exus e Giras que “so para
limpar”. Logo iniciam-se os Orins da
entidade que rege os trabalhos
(Flores, 2018, p. 118-119).
Os orins de sustentação e os pontos
do Orixá que regem os trabalhos do
terreiro são entoados ao som de tambores
ou atabaques e essa prática considerada
ancestral foi incorporada na ritualística. Os
alabês do Muzunguê fazem parte do
Maracatu Semente de Baobá que leva para
além do território músicas autorais e
também alguns orins que são permitidos
entoar fora do terreiro. Alabê, do yorùbá
alagbê, designa o responsável pelos toques
rituais e pelos instrumentos musicais
sagrados do terreiro.
Desde 2019, os tambores do
Muzunguê são femininos. Este aspecto não
é trivial, na cultura afro-brasileira é um
avanço porque antigamente só se viam
homens a tocar e a dançar. O kilombo é um
território feminino, habitado por mulheres
negras e empoderadas (Labrea, Dornelles
& Kiekow, 2019).
Afirmamos que a CoMPaz um
territrio negro feminino, pois a
grande maioria das moradoras so
mulheres que salvaguardam a cultura
matricial de seu povo. Elas nos
contaram nas rodas de conversa que,
aos poucos, “os homens foram indo
embora” do territrio e as mulheres
permaneceram. Essa característica
no incomum nos relatos de outras
mulheres negras onde as famlias se
desagregam e os homens deixam as
mulheres. O que incomum nessa
narrativa como essas mulheres
subverteram uma memria histrica
de discriminao em funo de raa,
gênero e classe social porque em seu
territrio reconstrem essa memria
a partir das atividades de cuidado que