Revista Brasileira de Educação do Campo
The Brazilian Scientific Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e9113
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e9113
10.20873/uft.rbec.e9113
2020
ISSN: 2525-4863
1
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Interface das políticas da Educação Especial e Educação
do Campo sobre a formação de professores
Arlindo Lins de Melo Júnior
1
, Ivan Fortunato
2
, Jackeline Silva Alves
3
, Teresa Cristina Leança Soares Alves
4
1, 4
Universidade Federal de São Carlos - UFSCar. Programa de Pós-Graduação em Educação. Rodovia Washington Luiz, s/n.
São Carlos - SP. Brasil.
2
Instituto Federal de São Paulo - IFSP.
3
Universidade Estadual de Goiás - UEG.
Autor para correspondência/Author for correspondence: arlindoef@yahoo.com.br
RESUMO. Na interface das políticas da Educação Especial e
Educação do/no Campo encontramos pontos importantes sobre a
formação de professores e seus reflexos na escolarização de
estudantes da educação especial nas escolas do campo. Este
artigo cumpre o objetivo de analisar documentos fundamentais
das duas modalidades de ensino em questão no intuito de
entender principalmente aquilo que diz respeito à formação de
professores. O percurso metodológico utilizado na construção
deste texto foi orientado pela pesquisa documental junto a
quatro dispositivos legais das duas modalidades de ensino. Na
interface das políticas, vimos que a documentação investigada
demonstra preocupação com a qualidade da formação docente,
embora não trate especificamente da carreira e valorização
profissional, nem de aspectos mais específicos sobre a atuação
das Instituições de Ensino Superior na formação. Espera-se que
as discussões ora apresentadas ajudem a promover novas e mais
densas pesquisas a respeito do papel fundamental que
desempenham os professores nas escolas do campo.
Palavras-chave: Educação Especial, Educação do Campo,
Formação de Professores, Políticas Públicas da Educação.
Melo Júnior, A. L., Fortunato, I., Alves, J. S., & Alves, T. C. L. S. (2020). Interface das políticas da Educação Especial e
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Special education and rural education policies interface on
teacher training
ABSTRACT. In special education and rural education interface
we find important points about teacher training and their
reflexes in the schooling of special education students in rural
schools. This paper fulfills the objective of analyzing
fundamental documents of the two teaching modalities in
question in order to understand mainly what concerns teacher
training. The methodological path used in the construction of
this text was guided by documentary research of four legal
documents of the two teaching modalities. In the policy
interface, we saw that the investigated documentation shows
concern with the quality of teacher training, although it does not
deal with careers and professional development, nor with more
specific aspects of the role of Higher Education Institutions in
their training. In the end, it is hoped that the discussions
presented here will help to promote new and denser research on
the fundamental role that teachers play in rural schools.
Keywords: Special education, Rural education, Teacher
training, Education Public Policy.
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Interfaz de las políticas de educación especial y educación
rural en la formación del profesorado
RESUMEN. En la interfaz de las políticas de Educación
Especial y Educación de/en el Campo encontramos puntos
importantes sobre la formación de docentes y sus reflejos en la
escolarización de los estudiantes de educación especial en las
escuelas rurales. Este artículo cumple el objetivo de analizar
documentos fundamentales de las dos modalidades de enseñanza
en cuestión para comprender principalmente lo que concierne a
la formación del profesorado. La ruta metodológica utilizada en
la construcción de este texto fue guiada por la investigación
documental junto con cuatro disposiciones legales de las dos
modalidades de enseñanza. En la interfaz de políticas, vimos que
la documentación investigada muestra preocupación por la
calidad de la formación del profesorado, aunque no se trata de
carreras y desarrollo profesional, ni con aspectos más
específicos del desempeño de las instituciones de educación
superior en esta formación. Al final, se espera que las
discusiones presentadas aquí ayuden a promover una
investigación nueva y más densa sobre el papel fundamental que
juegan los maestros en las Escuelas en el Campo.
Palabras clave: Educación especial, Educación rural,
Formación del profesorado, Políticas Públicas da Educación.
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Introdução
Este artigo trata de uma complexa
relação encontrada na interface das
políticas da Educação Especial e Educação
do Campo sobre a formação de professores
e seus reflexos diversos, seja na
profissionalização e carreira docente, seja
na escolarização de estudantes da
Educação Especial nas escolas do campo,
mas, principalmente, no desenvolvimento
da educação como transformação social.
Dessa forma, consiste como objetivo deste
artigo analisar documentos fundamentais
que orientam as duas modalidades de
ensino em questão, no intuito de
compreender principalmente aquilo que diz
respeito à formação inicial e/ou continuada
de professores.
É interessante salientar que pesquisas
anteriores demonstram a existência de uma
quantidade significativa de alunos com
deficiência matriculados em escolas
situadas no campo, com ênfase aos estudos
que tratam sobre a interface acadêmica
entre Educação Especial e a escola do
campo (Caiado & Meletti, 2011; Loureiro,
& Selingardi, 2011; Jesus & Anjos,
2012; Gonçalves, 2014). Tais estudos
revelam que, no Brasil, tem-se observado
crescimento no número de estudantes com
deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação matriculados no
sistema regular de ensino. Em parte, isso se
deve aos investimentos das políticas
educacionais em torno da Educação
Especial que, em seu bojo, favorece e
constitui o direito da pessoa com
deficiência de ser incluída,
prioritariamente, no modelo de ensino
regular. O que vale, obviamente, para a
Educação do Campo.
Conforme posto pelo Estatuto da
Pessoa com Deficiência (EPD) (Brasil,
2015a), a Educação se constitui como
direito da pessoa com deficiência, e sua
escolarização na escola regular (em área
rural ou urbana) deve ser assegurada pelo
sistema educacional inclusivo em todos os
níveis de aprendizado ao longo de toda a
vida. Além disso, prevê o alcance do
máximo desenvolvimento em relação aos
seus talentos e habilidades, sejam eles
físicos, sensoriais, intelectuais e sociais,
fitando nos interesses e necessidades de
aprendizagem desse estudante.
Nessa direção, também é garantido o
acesso e a permanência do aluno com
deficiência no ambiente da escola regular
pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Brasil, 1996), incluindo,
obviamente, aquelas denominadas de
escolas do campo (Brasil, 2010). Assim, a
educação do estudante com deficiência,
filho do trabalhador rural, bem como a
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educação efetivamente destinada aos
residentes no campo tem acompanhado
essa discussão, não por parte do poder
público, mas também dos Movimentos
Sociais.
Ao longo dos anos, a escolarização
tem se tornado uma realidade para mais
pessoas com deficiência; vimos, no Censo
Escolar (Brasil, 2019a), um aumento
superior a 33% nas matrículas entre os
anos 2014 e 2018. Assim, tornam-se
essenciais à escolarização desse
significativo quantitativo de estudantes
com deficiência, residentes na zona rural,
professores que tenham uma formação de
qualidade e que consigam tratar de tais
especificidades. Nesse sentindo, a
formação inicial e continuada de
professores do campo deve ser construída a
partir do “... contexto sociopolítico das
exigências colocadas pela realidade social,
das finalidades da educação, do lugar que a
educação ocupa nas políticas
governamentais, e das lutas travadas pela
categoria e sociedade civil”. (Baraúna,
2009, p. 294).
Diante do exposto, em vista de
apresentar um panorama atual a respeito da
interface proposta, este artigo, além de
expor seu percurso metodológico, se
desdobra em duas seções discursivas
oriundas de pesquisa documental, a seguir:
(I) perspectivas da Educação Especial em
Escolas do Campo e (II) Políticas da
Educação do Campo e Educação Especial:
pontos sobre a formação inicial e
continuada de professores.
Ao fim, espera-se que as discussões
ora apresentadas suscitem a realização de
novas e mais densas pesquisas a respeito
do fundamental papel que desempenham
professores em escolas do campo,
particularmente aqueles envolvidos em
processos de inclusão. Espera-se, ainda,
lançar luz sobre as demandas e os meios de
formação inicial ou continuada desses
docentes.
Percurso metodológico
Para tentar compreender as políticas
de formação docente na interface
delineada entre Educação Especial e
Educação do Campo, realizamos uma
pesquisa documental a partir de políticas e
os programas planejados, coordenados e/ou
orientados pela Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização, diversidade e
inclusão (SECADI). Embora
descontinuada pelo Decreto 9.465, de 2
de janeiro de 2019, o qual reorganizou a
estrutura do Ministério da Educação, a
SECADI teve papel fundamental no
reconhecimento da diversidade, da
promoção da equidade e do fortalecimento
da inclusão no processo educativo de
diversas modalidades, das quais fazem
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parte a Educação Especial e a Educação do
Campo. Dessa forma, a SECADI foi eleita
como fonte para pesquisa documental na
interface que buscamos compreender.
Assim, o caminho traçado na análise
documental identificou relevância nos
documentos a seguir
i
: (a) Política Nacional
de Educação Especial na Perspectiva da
educação Inclusiva, lançada no início de
2008; (b) a Lei 13.146, de 6 de julho de
2/015, conhecida como Lei Brasileira de
inclusão da Pessoa com Deficiência; (c)
Resolução 2, de 28 de abril de 2008 que
estabelece diretrizes complementares,
normas e princípios para o
desenvolvimento de políticas públicas de
atendimento da Educação Básica do
Campo e (d) o Decreto 7.352, de 4
novembro de 2010. De posse desses
documentos, buscou-se identificar aspectos
relevantes sobre a formação de professores
do campo que trabalham com alunos com
ou sem deficiência.
Dessa forma, tendo localizado os
documentos fundamentais para a pesquisa,
realizamos uma análise documental,
caracterizada por Lüdke e André (2013)
como uma técnica valiosa da abordagem
de dados qualitativos que desvelam
aspectos novos de um tema ou problema.
Segundo as autoras, depois da leitura e
releituras(s) dos documentos selecionados,
a análise documental serve para “...
identificar informações factuais” (Lüdke &
André, 2013, p. 38), por meio do que
nomearam como tipo de codificação, que é
a busca por palavras ou expressão pré-
determinadas.
Assim, dentre os documentos
selecionados para análise, dois deles
versam sobre a modalidade Educação
Especial e os outros sobre a Educação do
Campo. Nesses dispositivos legais, para
identificar as “informações factuais”,
analisamos parágrafos, artigos e incisos
que tratam do que foi definido como nossa
“codificação”, a formação inicial e
continuada de professores que trabalham
com alunos com ou sem deficiência. Tais
pontos trazem a necessidade de se
considerar, no processo de formação de
professores, a diversidade e as
especificidades que constituem a Educação
do Campo. Essa modalidade de educação
visa atender trabalhadores rurais, caiçaras,
indígenas e quilombolas, atuando em
comunidades que podem ou não ter alunos
com deficiência. Sobre os dispositivos
identificados, debruçamo-nos para
esmiuçar seus significados e possíveis
reflexos na formação e atuação docente,
bem como nas escolas e seus estudantes.
Perspectivas da Educação Especial em
Escolas do Campo
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Do ponto de vista histórico-crítico, a
educação se destina a um processo de
desenvolvimento humano, associado à
realidade global que, de modo especial,
depende das estruturas políticas da nação
que almejam sua totalidade social, não se
limitando, portanto, ao mundo do trabalho
(Saviani, 2012). Pode-se dizer então, que a
educação é um processo deliberado e
coerente, embasado em determinados
modelos básicos nacionais e internacionais
implementados e adotados em um contexto
local, a qual deveria ser organizada como
elemento fundamental da transformação do
status quo (Saviani, 2012).
Nesse sentindo, a Educação do
Campo objetiva a promoção do ser
humano, por meio do acesso dos
trabalhadores e seus filhos ao
conhecimento produzido na sociedade. Ao
mesmo tempo, problematiza e faz crítica
ao modo de conhecimento dominante e à
hierarquização epistemológica própria
desta sociedade, que deslegitima os
cidadãos “... originários da Educação do
Campo como produtores de conhecimento
e que resiste a construir referências
próprias para a solução de problemas de
uma outra lógica de produção e de trabalho
que não seja a do trabalho produtivo para o
capital”. (Caldart, 2009, p. 38).
Resultado da mobilização da
sociedade brasileira em favor dos direitos
individuais e sociais, a Constituição
Federal de 1988 estabeleceu que todos são
iguais perante a lei, que todos têm direito,
inclusive, a uma mesma educação. Quando
trata sobre as garantias de acesso à
educação, o Artigo 208 diz que “O dever
do Estado com a Educação será efetivado
mediante a garantia de: III atendimento
educacional especializado aos portadores
de deficiência
ii
, preferencialmente na rede
regular de ensino”. (Brasil, 1988, p. 137).
Assim, evidencia-se a interface entre
a Educação Especial e a Educação do
Campo, estando a Educação Especial
presente também na legislação específica
que regulamenta a Educação do Campo,
conforme exposto na Resolução 2/2008
(Brasil, 2008b) que estabelece diretrizes
complementares, normas e princípios para
o desenvolvimento de políticas públicas de
atendimento da Educação Básica do
Campo:
os sistemas de ensino adotarão
providências para que as crianças e
os jovens portadores de necessidades
especiais
iii
, objeto da modalidade de
Educação Especial, residentes no
campo, também tenham acesso à
Educação Básica, preferentemente
em escolas comuns da rede de ensino
regular. (Brasil, 2008b, p. 1).
É importante ressaltar que desde a
promulgação da Constituição Federal de
1988, perpassando pela Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (1996), até os
Melo Júnior, A. L., Fortunato, I., Alves, J. S., & Alves, T. C. L. S. (2020). Interface das políticas da Educação Especial e
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anos mais recentes, uma série de
dispositivos legais (leis, decretos,
resoluções e notas técnicas) foram
elaboradas pleiteando o direito dos alunos
com deficiência de frequentarem escolas
regulares (Brasil, 1998, 2001, 2008a,
2011). Segundo dados recentes do Censo
Escolar (Brasil, 2019a), o número de
matrículas na Educação Especial chegou a
1,2 milhão em 2018, indicando um
aumento de 33,2% em relação a 2014, cujo
quantitativo de matrículas era de 698.768.
O Censo Escolar revela que, no decorrer
dos últimos anos, houve uma mudança no
quadro dos estudantes com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento e
altas habilidades/superdotação no sistema
regular de ensino. Isso se explica pelo fato
de que os alunos que outrora eram
matriculados em escolas especializadas, ou
não frequentavam qualquer tipo de escola
ou instituição, passaram a frequentar
escolas públicas (na zona rural ou urbana).
Contudo, apesar da expressividade
no número de matrículas dos alunos com
deficiência em escolas públicas, não se
pode afirmar que estes estão efetivamente
incluídos na educação regular urbana ou
rural. Essa constatação está embasada em
estudos que demonstram que a seguridade
legal, por si própria, não garante inclusão
escolar. Além disso, os mesmos estudos
apontam para a sensação de permanente
despreparo dos docentes das salas comuns
e das Salas de Recursos Multifuncionais,
para a ausência de acessibilidade nas
escolas e para as dificuldades técnicas no
acesso (Gonçalves, Rahme & Rocha,
2018).
Na redação apresentada pela Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
Lei 9.394 de 1996, podemos
compreender que os sistemas de ensino
devem assegurar aos alunos com
deficiência a seguridade de serem incluídos
na escola de ensino regular urbana ou
rural. Deve-se observar, nesse contexto, a
questão da formação continuada desses
profissionais em vista de atender seus
alunos. Conforme está posto no Artigo 61,
inciso III da referida Lei, “Os sistemas de
ensino assegurarão ... professores com
especialização adequada em ensino nível
médio ou superior, para atendimento
especializado, bem como professores do
regular capacitados para a integração
desses educandos nas classes comuns”.
(Brasil, 1996, p. 24).
Diante do exposto, entendemos que
os dispositivos legais compreendem os
professores como agentes fundamentais
para a transformação social dos estudantes
do campo com ou sem deficiência.
Ademais, as Diretrizes Curriculares
Nacionais da Educação Básica (Brasil,
2015b) ressaltam uma formação dos
Melo Júnior, A. L., Fortunato, I., Alves, J. S., & Alves, T. C. L. S. (2020). Interface das políticas da Educação Especial e
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professores comprometida com projeto
social, político e ético, que colabore para a
consolidação de um país soberano,
democrático, justo, inclusivo.
iv
Tudo isso
viabiliza a emancipação dos sujeitos e
grupos sociais, além de reconhecer a
valorização da diversidade da população
brasileira. De acordo com o Artigo do
referido documento,
... a formação inicial e a formação
continuada destinam-se,
respectivamente, à preparação e ao
desenvolvimento de profissionais
para funções de magistério na
educação básica em suas etapas
educação infantil, ensino
fundamental, ensino médio e
modalidades educação de jovens e
adultos, educação especial, educação
profissional e técnica de nível médio,
educação escolar indígena, educação
do campo, educação escolar
quilombola e educação a distância
a partir de compreensão ampla e
contextualizada de educação e
educação escolar, visando assegurar a
produção e difusão de conhecimentos
de determinada área e a participação
na elaboração e implementação do
projeto político-pedagógico da
instituição, na perspectiva de
garantir, com qualidade ... os
objetivos de aprendizagem e o seu
desenvolvimento, a gestão
democrática e a avaliação
institucional. (Brasil, 2015b, p. 3).
Dessa forma, identificamos os
enormes desafios que se apresentam para a
gestão educacional das instituições de
ensino superior no país, no sentido de
“valorização desses profissionais que
compreende a articulação entre formação
inicial, formação continuada, carreira,
salários e condições de trabalho”. (Aguiar,
2017, p. 59).
Claro que não basta o professor do
campo ser qualificado, pois é necessária
uma assistência técnico-pedagógica mais
consistente para que os efetivos objetivos
da escolarização, referendados pelos
documentos legais, sejam alcançados,
tendo em vista que a Educação do Campo
compreende os processos culturais, as
estratégias de socialização e as relações de
trabalho vividas pelos sujeitos desse local
em suas lutas cotidianas para manterem
essa identidade como elementos essenciais
de seu processo formativo e produtivo
como cidadãos detentores dos seus direitos
(Molina & Freitas, 2011). Nesse sentido,
Saviani (2013, p. 195) assevera que “...é o
trabalho que define a essência humana”.
Esse autor prossegue, afirmando ser
possível se considerar “... que está a
referência ontológica para se compreender
e reconhecer a educação como formação
humana. O homem se constitui como
homem, ou seja, se forma homem no e
pelo trabalho.”
Em conformidade com Saviani
(2013) o professor deve olhar sua prática
docente como uma possibilidade para
compreender os alunos do campo, com ou
sem deficiência, enquanto seres humanos
que buscam superar seus limites em prol de
Melo Júnior, A. L., Fortunato, I., Alves, J. S., & Alves, T. C. L. S. (2020). Interface das políticas da Educação Especial e
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uma humanização social coletiva,
desempenhando de forma efetiva seu papel
enquanto professor. Para Saviani (2013), a
educação eleva o sentido do trabalho como
próprio sentido da vida; isto é, ao invés de
uma mera reprodução alienada para
sobrevivência, o trabalho se torna a própria
condição da vida numa perspectiva
ontológica. Eis, então, a educação a serviço
da totalidade social.
Políticas da Educação do Campo e
Educação Especial: pontos sobre a
formação inicial e continuada de
professores
Ao analisar as políticas de formação
de professores nos quatro documentos
pesquisados, verificamos que tais
dispositivos produzem um prenúncio
necessário de boas práticas dos educadores
que atuam nas escolas do campo,
principalmente ao considerarmos as
particularidades dos estudantes do campo.
Conforme vimos em Martins (2014), as
políticas educacionais são elaboradas e
reelaboradas a partir de diálogos,
discussões e tensões entre vários atores,
incluindo os poderes do Estado (Executivo,
Legislativo e Judiciário), o Ministério
Público, entidades da sociedade civil e
movimentos sociais. Dessa forma, vimos
que os documentos aqui analisados foram
elaborados a partir das pressões
empreendidas pelos Movimentos Sociais
ligados ao campo e por associações que
representam as pessoas deficientes, tendo
em vista garantir o direito de acesso e
permanência destes à escolarização.
Contudo, temos visto que as práticas
sociais de pessoas inseridas no cotidiano
escolar, principalmente de professores e
estudantes que fazem parte dos
Movimentos Sociais campesinos, trazem
em suas lutas militantes a premência de
buscar um ensino inclusivo e
transformador. Assim, identifica-se nos
documentos (Brasil, 2008a, 2008b, 2010,
2015a) a determinação em suprir a
necessidade de uma formação inicial e
continuada de qualidade, visando colaborar
com os processos formativos de
professores que atuarão no campo, em
favor de alunos com ou sem deficiência.
Não podemos ignorar o fato de que a
formação de professores é parte
fundamental do desenvolvimento
profissional que perpassa ao longo de toda
a atuação do educador. Seu objetivo deve
ser o de possibilitar uma constante
ressignificação do sentido da prática
pedagógica e do papel exercido no
contexto da educação. Assim, buscando
identificar se essa perspectiva se insere nas
políticas públicas da Educação Especial e
Educação do Campo aqui em análise,
procuramos observar os pontos que
tratavam da formação de professores nos
Melo Júnior, A. L., Fortunato, I., Alves, J. S., & Alves, T. C. L. S. (2020). Interface das políticas da Educação Especial e
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quatro documentos em questão. Passamos,
então, à análise, organizada da seguinte
maneira: inicialmente analisamos os
documentos que tratam sobre Educação
Especial (Brasil 2008a, 2015a) e, na
sequência, dos documentos da Educação
do Campo (Brasil 2008b, 2010). Por
último, organizamos as análises de forma a
identificar a interface encontrada a respeito
da formação docente.
O primeiro documento analisado
A Política Nacional de Educação
Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva (Brasil, 2008a) tem como
objetivo assegurar a inclusão escolar de
estudantes com deficiência, transtornos
globais do desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação, norteando os
sistemas de ensino para garantir:
... acesso ao ensino regular, com
participação, aprendizagem e
continuidade nos níveis mais
elevados do ensino; transversalidade
da modalidade de educação especial
desde a educação infantil até a
educação superior; oferta do
atendimento educacional
especializado; formação de
professores para o atendimento
educacional especializado e demais
profissionais da educação para a
inclusão; participação da família e da
comunidade; acessibilidade
arquitetônica, nos transportes, nos
mobiliários, nas comunicações e
informação; e articulação
intersetorial na implementação das
políticas públicas. (Brasil, 2008a, p.
14).
Verificamos que o documento em
questão trata como objetivo assegurar a
inclusão para os alunos com deficiência,
atentando para a formação de professores
(que trabalham no campo ou cidade) como
um ponto essencial para se alcançar essa
inclusão. Esse documento também
expressa que a “educação especial é uma
modalidade de ensino que perpassa todos
os níveis, etapas e modalidades, realiza o
atendimento educacional especializado”
(Brasil, 2008a, p. 16). Identificamos aqui
uma referência de seu percurso por todas
as modalidades e veis de ensino,
indicando, assim, a existência dos alunos
com deficiência no campo e a necessidade
de se trabalhar de forma inclusiva. A
política também trata da interface da
Educação Especial com o campo, ao
expressar que ela “... deve assegurar que os
recursos, serviços e atendimento
educacional especializado estejam
presentes nos projetos pedagógicos
construídos com base nas diferenças
socioculturais desses grupos”. (Brasil,
2008a, p. 17). A respeito da atuação
docente, o documento ainda registra que
Para atuar na educação especial, o
professor deve ter como base da sua
formação, inicial e continuada,
conhecimentos gerais para o
exercício da docência e
conhecimentos específicos da área.
Essa formação possibilita a sua
atuação no atendimento educacional
especializado e deve aprofundar o
Melo Júnior, A. L., Fortunato, I., Alves, J. S., & Alves, T. C. L. S. (2020). Interface das políticas da Educação Especial e
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caráter interativo e interdisciplinar da
atuação nas salas comuns do ensino
regular, nas salas de recursos, nos
centros de atendimento educacional
especializado, nos cleos de
acessibilidade das instituições de
educação superior, nas classes
hospitalares e nos ambientes
domiciliares, para a oferta dos
serviços e recursos de educação
especial. Essa formação deve
contemplar conhecimentos de gestão
de sistema educacional inclusivo,
tendo em vista o desenvolvimento de
projetos em parceria com outras
áreas, visando à acessibilidade
arquitetônica, aos atendimentos de
saúde e à promoção de ações de
assistência social, trabalho e justiça.
(Brasil, 2008a, p. 17-19).
De acordo com o texto legal, é
necessário que os professores reconheçam
seu papel na escolarização de seus alunos
com ou sem deficiência. Assim sua
formação deve contemplar a inclusão dos
estudantes nos processos de ensino e
aprendizagem na sala de aula, não
importando se essa sala de aula seja
comum ou Sala de Recursos
Multifuncionais, no campo ou na cidade.
As “salas de recursos multifuncionais
são ambientes dotados de equipamentos,
mobiliários e materiais didáticos e
pedagógicos para a oferta do atendimento
educacional especializado”. (Brasil, 2011,
p. 2). Cabe ressaltar que o AEE apresenta-
se como um sistema de apoio à
escolarização de estudantes com
deficiência, composto por um conjunto de
atividades, recursos de acessibilidade e
pedagógicos organizados
institucionalmente, prestado de forma
complementar ou suplementar à formação
dos alunos no ensino regular (Brasil,
2011).
O “AEE é realizado na SRM por um
professor da Educação Especial e deve ser
realizado no horário contrário da sala de
aula regular para fornecer aos alunos com
deficiência o ensino de conteúdos
específicos, estratégias e utilização de
recursos pedagógicos”. (Pasian, Mendes &
Cia, 2019, p. 03). Os estudantes atendidos
nessas salas devem desenvolver formas
para transpor as limitações causadas pelos
seus comprometimentos de comunicação,
compreensão, locomoção, entre outras,
desenvolvendo e explorando ao máximo
suas competências e habilidades (Pasian,
Mendes & Cia, 2019).
Neste sentido, para assegurar
condições de escolarização dos estudantes
tanto na SRM como na sala regular, a
legislação (Brasil, 2011) expressa que a
União prestará apoio cnico e financeiro
aos sistemas públicos de ensino dos
Estados, Municípios e Distrito Federais e a
instituições comunitárias, confessionais ou
filantrópicas sem fins lucrativos. Nesse
caso, fica determinado que a...
... formação continuada de
professores, inclusive para o
desenvolvimento da educação
bilíngue para estudantes surdos ou
Melo Júnior, A. L., Fortunato, I., Alves, J. S., & Alves, T. C. L. S. (2020). Interface das políticas da Educação Especial e
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com deficiência auditiva e do ensino
do Braile para estudantes cegos ou
com baixa visão; .... formação de
gestores, educadores e demais
profissionais da escola para a
educação na perspectiva da educação
inclusiva, particularmente na
aprendizagem, na participação e na
criação de vínculos interpessoais.
(Brasil, 2011, p. 4).
Estudo anterior (Melo Júnior &
Fortunato, 2018) nos demonstrou que
formação inicial direcionada para a
Educação do Campo é constituída em sua
grande parte pelas diversas licenciaturas,
principalmente nos cursos de Pedagogia. Já
a formação continuada de professores é
caracterizada como todo e qualquer
aperfeiçoamento profissional elencados em
seus mais variados tipos, tais como:
extensão universitária ou voluntária, cursos
de capacitação, atualização,
aperfeiçoamento e pós-graduação,
participação em eventos como congressos
e oficinas. Além disso, afirmamos que a
“... concepção de formação continuada
reforça a perspectiva de caráter social,
contrapondo-se à formação
individualizada, voltada tão somente para a
certificação” (Melo Júnior & Fortunato,
2018, p. 53). Nesse sentido, entendemos
que a compreensão da formação do
professor, para além da sua formação
específica, precisa também contribuir para
o desenvolvimento do seu entorno,
buscando garantir, pela educação, a
conquista da totalidade social.
O segundo documento analisado
A Lei nº 13.146, de 6 de julho de
2015, conhecida como Lei Brasileira de
inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI)
foi uma conquista para as pessoas com
deficiência. Tal texto tem como base a
Convenção da Organização das Nações
Unidas (ONU) sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência, sendo o primeiro
tratado internacional de direitos humanos a
ser incorporado pelo ordenamento jurídico
brasileiro como emenda constitucional.
Segundo Caiado (2009), a originalidade e a
importância do documento da ONU é o
fato de a sua produção ter envolvido
organizações da sociedade civil e ativistas
em direitos humanos que lutam pelos
direitos das pessoas com deficiência,
oriundos de aproximadamente duas
centenas de países, tendo sido um processo
de construção de mais de cinco anos. Os 50
artigos da Convenção, explica a autora,
trazem como princípios norteadores “a
autonomia individual, a não discriminação,
a igualdade de oportunidades, o respeito à
diferença, à acessibilidade, à participação e
à inclusão das pessoas com deficiência na
sociedade” (Caiado, 2009, p. 331).
Por conseguinte, muito além das
medidas instituídas pela Convenção da
Melo Júnior, A. L., Fortunato, I., Alves, J. S., & Alves, T. C. L. S. (2020). Interface das políticas da Educação Especial e
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ONU, exemplificando os direitos à saúde,
à educação, ao trabalho, à cultura, ao lazer,
à informação etc., o texto da LBI baseou-se
na carência de serviços públicos existentes
no Brasil e nas demandas da própria
população.
Seu capítulo V trata especificamente
da educação e, ao analisarmos os aspectos
da formação de professores, encontramos o
seguinte:
... adoção de práticas pedagógicas
inclusivas pelos programas de
formação inicial e continuada de
professores e oferta de formação
continuada para o atendimento
educacional especializado; XI -
formação e disponibilização de
professores para o atendimento
educacional especializado, de
tradutores e intérpretes da Libras, de
guias intérpretes e de profissionais de
apoio. (Brasil, 2015a, p. 35).
Identificamos que a formação deve
estar voltada para duas categorias do
trabalho docente: (i) aqueles que trabalham
diretamente com salas regulares, e (ii)
aqueles que atuam com a Sala de Recursos
Multifuncionais, sendo que, nesta
categoria, a formação deveria prepará-los
para o Atendimento Educacional
Especializado (AEE).
v
De acordo com
Alves, Melo Júnior e Caiado (2018), a
formação de professores para a realização
do trabalho com os estudantes com
deficiência no campo deve incentivar a
busca pelos conhecimentos, habilidades e,
principalmente, a sensibilidade para
observar e atender as peculiaridades de
cada deficiência, favorecendo a
escolarização desses alunos. Nesse sentido,
a Lei em questão enfoca a preparação
docente para o atendimento especializado
aos alunos com deficiência e/ou altas
habilidades/superdotação, sendo, portanto,
indispensável o incentivo da formação
inicial e continuada.
O terceiro dispositivo legal analisado
Trata-se da Resolução 2, de 28 de
abril de 2008, que estabelece diretrizes
complementares, normas e princípios para
o desenvolvimento de políticas públicas de
atendimento da Educação Básica do
Campo. Traz em seu bojo algo semelhante
ao primeiro documento analisado (Brasil,
2008a), com um olhar para escolarização
de crianças e adolescentes residentes no
campo com ou sem deficiência. Para o
desenvolvimento educativo no campo, a
Resolução (Brasil, 2008b, p. 3) determina a
importância das “... condições infra-
estruturais adequadas, bem como materiais
e livros didáticos, equipamentos,
laboratórios, biblioteca e áreas de lazer e
desporto, em conformidade com a
realidade local e as diversidades dos povos
do campo”.
O documento também reitera a
necessidade de formação inicial e
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continuada de professores que trabalham
no campo para o apoio pedagógico dos
estudantes, determinando uma constante
formação e aperfeiçoamento. A Resolução
destaca, ainda:
A admissão e a formação inicial e
continuada dos professores e do
pessoal de magistério de apoio ao
trabalho docente deverão considerar
sempre a formação pedagógica
apropriada à Educação do Campo e
às oportunidades de atualização e
aperfeiçoamento com os profissionais
comprometidos com suas
especificidades. (Brasil, 2008b, p. 3).
A esse respeito, Saviani (2011)
ressalta que a formação de professores
se completa com o efetivo preparo que
advém do domínio dos conteúdos do
conhecimento logicamente organizados,
sendo adquiridos na própria prática
docente ou mediante mecanismos do tipo
formação em exercício. Em conformidade
com o referido autor, deve-se olhar a
cultura geral do lugar onde se ensina.
Souza (2012) salienta, ainda, que construir
fundamentos educacionais para formação
do professor deve também estar embasado
nas variadas implicações da diversidade
cultural, trabalhando o diálogo entre as
culturas. Nesse sentindo, a prática docente
do professor do campo deve contemplar a
diversidade cultural e as particularidades
locais, sob pena de uma prática alienada,
que pouco contribui para a transformação
social.
O quarto e último documento analisado
O Decreto 7.352, de 4 novembro
de 2010, em seu artigo 2º, inciso III,
destaca os princípios da Educação do
Campo, demonstrando uma preocupação
com a formação inicial e continuada
docente, sendo tais princípios baseados no
“... desenvolvimento de políticas de
formação de profissionais da educação
para o atendimento da especificidade das
escolas do campo, considerando-se as
condições concretas da produção e
reprodução social da vida no campo”
(Brasil, 2010, p. 3). Esse inciso aponta para
uma formação que se preocupa com o
contexto em que essas pessoas vivem,
visando uma qualificação na qual o
profissional da educação valorize o
contexto social das comunidades
campesinas. Tal aspecto não aparece nas
demais políticas analisadas.
É interessante salientar que esse
Decreto expressa que a União, por meio do
Ministério da Educação, deve prestar apoio
técnico e financeiro aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios na
implantação de escolas voltadas à
ampliação e qualificação da oferta de
educação básica e superior às populações
do campo em seus respectivos sistemas de
ensino. Assim, esse documento também se
diferencia dos outros no sentido de ofertar
o “acesso à educação superior, com
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prioridade para a formação de professores
do campo”. (Brasil, 2010, p. 03).
A respeito da ampliação da formação
inicial e continuada de professores para a
educação no campo, o documento
menciona que “poderão ser adotadas
metodologias de educação a distância para
garantir a adequada formação de
profissionais para a educação do campo”.
(Brasil, 2010, p. 4). Outro aspecto
importante determinado por esse Decreto é
o seguinte:
... a formação de professores poderá
ser feita concomitantemente à
atuação profissional, de acordo com
metodologias adequadas, inclusive a
pedagogia da alternância, e sem
prejuízo de outras que atendam às
especificidades da educação do
campo, e por meio de atividades de
ensino, pesquisa e extensão. (Brasil,
2010, p. 4).
O Decreto ainda expressa que as
instituições públicas de ensino superior
devem incorporar nos projetos político-
pedagógicos de seus cursos de licenciatura
os processos de interação entre o campo e
a cidade e a organização dos espaços e
tempos da formação, em consonância com
as diretrizes estabelecidas pelo Conselho
Nacional de Educação.
É evidente que o Decreto demonstra,
ao longo de seu texto, uma Educação do
Campo reconhecida como uma modalidade
inclusiva de educação que pode contribuir
na democratização das relações fundiárias
e agrárias brasileiras e superar o histórico
processo de sua exclusão social para os
alunos com deficiência. Sobre esse
processo, Caiado & Gonçalves (2013)
esclarecem que a construção histórica de
uma escola no campo para estudantes com
ou sem deficiência sempre apresentou
condições precárias, com professores mal
formados e adoecidos pela desvalorização
do seu trabalho, pelas longas distâncias que
percorrem diariamente e pela solidão no
cotidiano escolar. Essa instituição,
conhecida no século XX como escola rural,
era esvaziada de conhecimentos
sistematizados e permeada por práticas
pedagógicas desarticuladas em relação à
vida no campo. Todavia, à luz do século
XXI, buscou-se uma superação desse
projeto de educação conformador,
anunciando-se nas políticas públicas da
Educação do Campo e Educação Especial,
uma “escola comprometida com as lutas
organizadas pela construção de novas
relações sociais, para as escolas do campo
e da cidade”. (Caiado & Gonçalves, 2013,
p. 188).
Nesse sentido, concordamos com
Rossato e Praxedes (2015): no processo de
escolarização, os indivíduos não devem
assimilar passivamente os conhecimentos
transmitidos, mas, construir as suas
identidades e formular um pensamento
crítico a partir de um conjunto de relações
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sociais que possibilite a formação de
sujeitos em suas dimensões cultural, social,
afetiva, cognitiva, profissional e de
participação política.
O Decreto 7.352 (Brasil, 2010) faz
menção ao Programa Nacional de
Educação na Reforma Agrária, o
PRONERA, que também trata da
importância da formação de professores
do/no campo, entre os artigos 11 e 18. O
PRONERA oferece formação superior a
nível graduação (principalmente
licenciaturas) e especialização lato sensu
para as pessoas (professores ou não)
pertencentes a assentamentos e
comunidades campesinas, tais como as
caiçaras, quilombolas, indígenas, etc.
Importante destacar que a condição para
participação da formação superior para
professores é orientada a pessoas ligadas
aos projetos de reforma agrária, suas
comunidades campesinas e seus familiares,
sendo necessário que essas pessoas
comprovem seu vínculo com comunidades
agrárias. Sobre o PRONERA, o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST) (2020) destaca:
... o PRONERA forma educadores
para atuarem nas escolas do campo;
desde 2016 o tal dispositivo deixou
de ser apenas um programa pontual e
se tornou uma política pública de
referência para outras políticas
educacionais desenvolvidas no
campo brasileiro; o PRONERA
possibilitou a entrada coletiva de
jovens e adultos camponeses nas
universidades públicas; O programa
contribui para o fortalecimento da
educação nas áreas de Reforma
Agrária. (MST, 2020, p. 1).
Dessa forma, o PRONERA destaca-
se como um dos Programas mais
significativos instituídos na história
democrática no âmbito do Governo Federal
voltado ao atendimento da Educação do
Campo, uma vez que aponta para a
formação profissional de professores
articulada com cursos de educação de
diversas universidades públicas.
Da interface encontrada
Ao analisar quatro documentos legais
a respeito da Educação Especial e da
Educação do Campo, identificamos uma
preocupação dos Poderes Legislativo e
Executivo em assegurar uma boa formação
para os professores do campo, que
trabalham com alunos com ou sem
deficiência. Os documentos analisados, de
maneira geral, deixam claro o apoio
pedagógico aos estudantes, que é dado por
meio de formação inicial e continuada de
qualidade a seus professores. Aqui, vale
destacar o sentido de qualidade na
educação é baseado nos cinco aspectos
delineados por Gatti (2016): (i.) a educação
não é técnica, tecnológica ou formal, mas
cultural; (ii.) o papel docente é
absolutamente central no processo
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educativo; (iii.) o núcleo de todo e
qualquer processo educativo é a formação
para a autonomia dos estudantes; (iv.) a
população é heterogênea, logo, é preciso
respeitar a multiculturalidade inerente aos
espaços educativos; e (v.) as práticas
institucionalizadas determinam parte da
formação docente, portanto, da formação
discente, por isso devem favorecer a
promoção de valores, de atitudes e
conhecimentos que, ao mesmo tempo,
congreguem a heterogeneidade e
promovam a diversidade.
Nesse sentido, quando bem
qualificado, um profissional docente pode
beneficiar a comunidade escolar, pois se
torna conhecedor e consciente de seus
direitos e deveres, além de estar ciente da
totalidade social. Com isso, pode
transformar uma comunidade por meio de
suas ações educativas, despertando o senso
crítico de seus estudantes bem como de
todos que participam da vida escolar.
Assim, o direito a uma formação inicial e
continuada de excelência para os
professores do campo, que atendem alunos
com ou sem deficiência requer, sobretudo,
a garantia constitucional do cumprimento
de seu direito como cidadão.
Para tal, o respeito à diversidade
encontrada no trato das questões sociais,
culturais, políticas e econômicas do campo
devem ser consideradas pela sociedade e
seus gestores, no intuito de trazer
condições de acesso e mitigação das
distorções históricas observadas nas duas
modalidades de ensino (Educação Especial
e Educação do Campo), como o
preconceito, a exclusão, a segregação, a
negação de direitos e o desrespeito às
diferenças e às particularidades de cada
pessoa residente no campo, com ou sem
deficiência.
Palma e Carneiro (2017) ressaltam
que essas duas modalidades de ensino
tiveram um histórico de desatenção e
exclusão, pois, mesmo sendo considerado
um direito social, o acesso ao apoio
especializado foi negado por muitas
gerações. “No caso das pessoas com
deficiência”, explicam os autores, “a
segregação ocorreu devido a um olhar de
incapacidade desses sujeitos e, no caso da
população do campo, o desinteresse foi
causado pela visão do campo como um
lugar arcaico, de atraso, onde não
aconteceria o desenvolvimento”. (Palma &
Carneiro, 2017, p. 31). Um detalhe
significativo que envolve a Educação
Especial e a Educação do Campo é a
ausência de produção de conhecimento na
área (Caiado & Meletti, 2011; Caiado &
Gonçalves, 2013; Palma & Carneiro,
2017).
Assim, a documentação investigada
demonstra preocupação com a qualidade
Melo Júnior, A. L., Fortunato, I., Alves, J. S., & Alves, T. C. L. S. (2020). Interface das políticas da Educação Especial e
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da formação docente, pois reconhece que
nela está boa parte das possibilidades de
inclusão das pessoas com deficiência e da
transformação das comunidades em que
atua. No entanto, não encontramos nada,
nos documentos analisados, a respeito de
como essa perspectiva formativa deve ser
tratada pelas instituições de ensino
superior. Além disso, também não
encontramos nada sobre planos de carreira
ou valorização profissional, embora seja
recorrente a ideia de que os docentes
devem se aprimorar constantemente. O que
nos documentos é alguma premissa de
um melhor ambiente de trabalho, com
salas, bibliotecas e materiais didáticos.
Por fim, ainda que não faça parte do
escopo do artigo, acreditamos na
importância dos programas da Educação
do Campo como o PRONERA. Isso porque
essa política beneficia a todos os
estudantes, incluindo aqueles que possuem
deficiências, transtornos globais do
desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação. Vimos, com
Souza (2020), que o PRONERA remete
para um processo de inclusão das
populações do campo em relação ao direito
de acesso à educação no lugar em que as
pessoas residem, atuando na permanência e
desenvolvimento de escolas no campo e
pelo cumprimento da Constituição
Brasileira, no que concerne à garantida do
direito social à Educação, em vista de
atender os diversos setores da sociedade.
Considerações finais
A inquietação inicial a respeito da
interface entre as políticas da Educação
Especial e Educação do Campo sobre a
formação de professores nos levou a uma
análise de documentos importantes sobre
as duas modalidades de ensino. Vimos,
expressa nos textos legais, a preocupação
com a qualidade da formação inicial e
continuada dos professores para o
atendimento de alunos, com ou sem
deficiência, residentes no campo ou na
cidade. Contudo, para além das
particularidades da Educação do Campo, é
preciso considerar que esta, na interface
com Educação Especial, agrega as
especificidades das pessoas que vivem e
trabalham no campo e com ela um leque de
riquezas historicamente herdadas de
conhecimentos, atividades culturais e
modos de vida. Por isso, concordamos com
Caiado, Martins e Antônio (2009, p. 628)
quando afirmam que a educação precisa
ser orientada por um saber vivo “... e a
construção sistematizada é humana, onde
os saberes dos alunos seriam ponto de
partida para dimensões que ampliassem a
curiosidade e o prazer de conhecer e
interferir no mundo”. Com isso,
entendemos que a formação inicial e
Melo Júnior, A. L., Fortunato, I., Alves, J. S., & Alves, T. C. L. S. (2020). Interface das políticas da Educação Especial e
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continuada docente deve se aliar à
construção de um trabalho educacional que
considere a diversidade do alunado, com
ou sem deficiência, que vive no campo.
Vimos essa formação de qualidade
sendo ofertada no âmbito do PRONERA.
Por isso, pensamos que esse programa é
essencial para conservação de uma
formação superior inicial e continuada,
principalmente para aqueles que habitam
no campo. Trata-se de fruto de lutas
históricas dos Movimentos Sociais ligados
ao campo, de intelectuais ligados a
instituições de ensino superior,
professores, camponeses e agricultores,
entre outros, em vista de garantir o direito
social de acesso e permanência à educação.
Nessa direção, a descontinuidade ou
interrupção dessas políticas apontam para
um processo de exclusão das populações
do campo, no que diz respeito à
manutenção do direito ao acesso à
educação no lugar em que as pessoas
vivem.
Cabe destacar que a inclusão faz
parte justamente do processo de combater
a exclusão. Dessa forma, não podemos
encará-la como uma ficção ou algo
romantizado, mas precisamos ter um olhar
crítico quando pensamos em formação de
professores que lecionam no campo para
pessoas com ou sem deficiências. Isso
requer um olhar diferenciado para os
problemas vistos nessa profissionalização
como, por exemplo, a valorização do
trabalho, além de melhores condições e
salários. Devemos procurar uma integração
entre os Movimentos Sociais do campo, do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra, dos pequenos agricultores, dos
sindicatos... e todos os envolvidos nos
diálogos e embates de construção de
políticas da educação que batalham pela
conquista de direitos e pela transformação
do status quo social. Para isso devemos ter
como fundamento basilar uma formação de
excelência para os profissionais da
educação no campo, assim como devemos
ampliar o acesso desses professores às
qualificações dadas no âmbito das
universidades, além de consolidar ainda
mais programas educacionais como o
PRONERA.
Ao final, observa-se uma
necessidade de ampliação dos estudos que
investiguem a formação inicial e
continuada, bem como a prática docente
dos professores que trabalham com
estudantes com deficiência em escolas do
campo pertencentes à rede pública. Com
isso, almeja-se a garantia constitucional do
cumprimento dos deveres e direitos como
cidadãos.
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confiança e transforma cargos em
comissão do Grupo-Direção e
Assessoramento Superiores - DAS e
Funções Comissionadas do Poder
Executivo - FCPE. Brasília: Presidência da
República.
i
Claro que vários outros documentos que tratam
sobre formação de professores e educação que não
foram trazidos para análise por não tratarem
especificamente da interface proposta. Temos, por
exemplo, a Política Nacional de Formação de
Professores (decreto 8.752/16) que apenas
menciona o estímulo de projetos para formação de
profissionais do magistério para a Educação
Especial e a Educação do Campo. Outro exemplo
de política importante é o Plano Nacional de
Educação (lei 13.005/14), sendo mencionada
como estratégia, na meta 15, a implementação de
“programas específicos para formação de
profissionais da educação para as escolas do campo
e de comunidades indígenas e quilombolas e para a
educação especial”.
ii
O termo “portador de deficiência” não é mais
usado, tendo sido utilizado “pessoa com
deficiência” (Brasil, 2015).
iii
Da mesma forma, o termo “portador de
necessidade especial” foi preterido pela ideia de
“pessoa com deficiência” (Brasil, 2015).
iv
Em tempo, durante a produção desta pesquisa, o
Ministério da Educação publicou a Resolução
CNE/CP Nº 2, de 20 de dezembro de 2019 que
define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Formação Inicial de Professores para a Educação
Básica, acrescentando novas determinações.
v
O atendimento educacional especializado tem
como função identificar, elaborar e organizar
recursos pedagógicos e de acessibilidade que
eliminem as barreiras para a plena participação dos
estudantes, considerando suas necessidades
específicas (Brasil, 2008b, p.11).
Melo Júnior, A. L., Fortunato, I., Alves, J. S., & Alves, T. C. L. S. (2020). Interface das políticas da Educação Especial e
Educação do Campo sobre a formação de professores...
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Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 05/05/2020
Aprovado em: 22/05/2020
Publicado em: 03/07/2020
Received on May 05th, 2020
Accepted on May 22th, 2020
Published on July, 03rd, 2020
Contribuições no artigo: Os autores foram os
responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for
the designing, delineating, analyzing and interpreting the
data, production of the manuscript, critical revision of the
content and approval of the final version published.
Conflitos de interesse: Os autores declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Arlindo Lins de Melo Júnior
http://orcid.org/0000-0003-2391-4772
Ivan Fortunato
http://orcid.org/0000-0002-1870-7528
Jackeline Silva Alves
http://orcid.org/0000-0002-3638-0899
Teresa Cristina Leança Soares Alves
http://orcid.org/0000-0003-0607-7968
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Melo Júnior, A. L., Fortunato, I., Alves, J. S., & Alves, T. C.
L. S. (2020). Interface das políticas da Educação Especial
e Educação do Campo sobre a formação de professores.
Rev. Bras. Educ. Camp., 5, e9113.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e9113
ABNT
MELO JÚNIOR, A. L.; FORTUNATO, I.; ALVES, J. S.;
ALVES, T. C. L. S. Interface das políticas da Educação
Especial e Educação do Campo sobre a formação de
professores. Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v.
5, e9113, 2020. http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e9113