Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e9151
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e9151
10.20873/uft.rbec.e9151
2020
ISSN: 2525-4863
1
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Estudo bibliométrico de teses e dissertações brasileiras
(1996-2018) sobre materiais didáticos específicos e
diferenciados para populações indígenas
Maria Cristina Piumbato Innocentini Hayashi
1
,
Alexandre Masson Maroldi
2
,
Carlos Roberto Massao Hayashi
3
1, 3
Universidade Federal de São Carlos - UFSCar. Departamento de Ciências da Informação. Programas de Pós-Graduação
em Educação, Educação e Ciência, Tecnologia e Sociedade. Rodovia Washington Luis, km 235. São Carlos - SP. Brasil.
2
Universidade Federal de Rondônia - UNIR.
Autor para correspondência/Author for correspondence: dmch@ufscar.br
RESUMO. No âmbito acadêmico o debate sobre a elaboração
de materiais didáticos específicos e diferenciados para os povos
indígenas tem sido frequente visando romper com sua
invisibilidade no contexto da educação escolar. Com o objetivo
investigar como esse debate permeia os trabalhos defendidos em
programas de pós-graduação no Brasil, e buscando respostas
sobre como se configura essa produção científica foi realizada
uma pesquisa exploratória e descritiva, conduzida com
abordagens bibliométrica e de conteúdo. Os dados foram
coletados na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e
Dissertações (BDTD/IBICT) utilizando as expressões “materiais
didáticos indígenas” e “livros didáticos indígenas”, que
resultaram em dissertações (n=29) e teses (n=3). A análise
bibliométrica dos trabalhos revelou a evolução temporal (1996-
2018), as instituições (n=17), regiões geográficas (n=5) e áreas
dos programas de pós-graduação (n=11). A análise de conteúdo
expôs os objetivos (n=4); a tipologia dos materiais didáticos
(n=8); os níveis de ensino (n=2), as disciplinas (n=5) e as etnias
(n=42) às quais se destinam esses materiais didáticos. Concluiu-
se que apesar de importantes, ainda são poucos os trabalhos de
pós-graduação que aceitaram os desafios e complexidade
inerentes à elaboração e análise de materiais didáticos
específicos no contexto da educação escolar indígena. Isto
requer um olhar mais crítico sobre a representação e
participação dos povos indígenas na preparação desses
materiais.
Palavras-chave: Materiais Didáticos Específicos, Livro
Didático Indígena, Educação Escolar Indígena, Análise
Bibliométrica.
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Specific and differentiated didactic materials for
indigenous populations: bibliometric study of Brazilian’s
theses and dissertations (1996-2018)
ABSTRACT. In the academic sphere, the debate on the
development of specific and differentiated teaching materials for
indigenous peoples has been frequent in order to break with
their invisibility in the context of school education. To
investigate how this debate permeates the works defended in
postgraduate programs in Brazil and seeking answers on how
this scientific production is configured, an exploratory and
descriptive research was conducted, conducted with bibliometric
and content approaches. Data were collected at the Brazilian
Digital Library of Theses and Dissertations (BDTD / IBICT)
using the expressions “indigenous teaching materials” and
“indigenous teaching books”, which resulted in dissertations
(n=29) and theses (n=3). The bibliometric analysis of the works
revealed the temporal evolution (1996-2018), the institutions
(n=17), geographic regions (n=5) and areas of the graduate
programs (n=11). The content analysis exposed the objectives
(n=4); the typology of teaching materials (n=8); the educational
levels (n=2), the subjects (n=5) and the ethnic groups (n=42) to
which these teaching materials are destined. It was concluded
that, in the scope of postgraduate studies, there are still few
works that accepted the challenges and complexity inherent to
the elaboration and analysis of specific didactic materials in the
context of indigenous school education, requiring a more critical
look at the representation and participation of indigenous people
in the preparation of these materials.
Keywords: Instructional Materials, Indigenous Textbooks,
Indigenous School Education, Bibliometric Analysis.
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Materiales didácticos específicos y diferenciados para
poblaciones indígenas: estudio bibliométrico de tesis y
disertaciones brasileñas (1996-2018)
RESUMEN. En el ámbito académico, el debate sobre el
desarrollo de materiales didácticos específicos y diferenciados
para los pueblos indígenas ha sido frecuente para romper con su
invisibilidad en el contexto de la educación escolar. Para
investigar cómo este debate impregna los trabajos defendidos en
los programas de posgrado en Brasil, y para buscar respuestas
sobre cómo se configura esta producción científica, se realizó
una investigación exploratoria y descriptiva, realizada con
enfoques bibliométricos y de contenido. Los datos se
recopilaron en la Biblioteca Digital Brasileña de Tesis y
Disertaciones (BDTD / IBICT) utilizando las expresiones
materiales de enseñanza indígena y libros de enseñanza
indígena, que dieron como resultado disertaciones (n=29) y
tesis (n=3). El análisis bibliométrico de los trabajos reveló la
evolución temporal (1996-2018), las instituciones (n=17), las
regiones geográficas (n=5) y las áreas de los programas de
posgrado (n=11). El análisis de contenido expuso los objetivos
(n=8); la tipología de materiales didácticos (n=4); los niveles
educativos (n=2), las asignaturas (n=5) y los grupos étnicos
(n=42) a los que se destinan estos materiales didácticos. Se
concluyó que en el ámbito de los estudios de posgrado todavía
hay pocos trabajos que acepten los desafíos y la complejidad
inherentes a la elaboración y análisis de materiales didácticos
específicos en el contexto de la educación escolar indígena, que
requieren una mirada más crítica de la representación y
participación de pueblos indígenas en la preparación de estos
materiales.
Palabras clave: Materiales Didácticos Específicos, Libros
Didácticos Indígenas, Educación Escolar Indígena, Análisis
Bibliométrico.
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Introdução
No Brasil, como em outras
sociedades, o longo processo histórico da
educação indígena enquanto produto da
colonização, do desenvolvimento da
sociedade industrial e da globalização foi
permeado de lutas, confrontos,
transformações e solidariedade (Mello,
Sousa, Palomino, 2018, p. 1). As autoras
assinalam que no centro do debate sobre e
entre povos indígenas sobre educação
escolar indígena estão temas como
autodeterminação, aculturação,
preservação dos seus territórios e tradições
e a negociação de costumes voltados para
as culturas nacionais. Além disso,
enfatizam que os marcos legais da
educação indígena no país sofreram
influências internacionais desde “a bula
papal e tratados entre reinos colonizadores,
à Declaração dos Direitos Humanos, à
Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho”.
A população indígena do Brasil, de
acordo com os dados do Censo
Demográfico Indígena realizado em 2010
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) foi estimada em
896.917 indivíduos, o que representa 0,4%
da população total do país. Desse conjunto,
57,7% (517.383) residiam nas terras
indígenas e 42,3% (379.534) fora delas.
Em termos da distribuição regional dessa
população total, a região Norte, com
342.836 indígenas, revela a sua
importância como a mais populosa no País,
seguida pelas regiões Nordeste (232.739),
Centro-Oeste (143.432), Sudeste (99.137)
e Sul (78.773). Por sua vez, o conjunto de
terras indígenas reconhecidas totalizou
2.830, considerando aquelas que estão em
situação fundiária delimitada, declarada,
homologada, regularizada e em processo
de aquisição como reservas indígenas. Nas
terras indígenas foram declaradas 274
línguas indígenas faladas pelos indígenas
de cinco anos ou mais de idade. Quanto ao
número de povos ou etnias assim
consideradas enquanto a comunidade
definida por afinidades linguísticas,
culturais e sociais foram contabilizadas
305, contudo 16,4% declararam não saber
o nome da etnia ou povo ao qual
pertenciam, sendo que esses indígenas
estavam, na sua maioria, concentrados fora
das terras, e 6% não fizeram nenhum tipo
de declaração de etnia, ficando assim o
quesito sem declaração (IBGE, 2012).
No que se refere à educação, os
resultados do Censo 2010 confirmaram que
o indígena residente no Brasil detém nível
educacional inferior ao da população não
indígena. Contudo, como ressalta o IBGE
(2012, p. 70), as informações contidas
nessas estatísticas “não permitem
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aprofundamentos, com destaque para os
currículos diferenciados, o conhecimento
dos saberes tradicionais, principalmente, o
uso das línguas indígenas, entre outros”.
Essa constatação remete à diferença
existente entre os conceitos de educação
indígena e educação escolar indígena,
conforme destacado por Meliá (1979) ao
pontuar que a primeira seria caracterizada
como os modos específicos utilizados
pelos indígenas para socialização dos
jovens de suas comunidades, de acordo
com os padrões tradicionais dessas
sociedades, enquanto a segunda seria
marcada pela imposição da cultura não
indígena por meio da escola. Em suma, o
ponto fulcral dessa visão é a distinção que
deve ser feita entre “educação do
indígena”, baseada no seu próprio sistema
educacional ao qual a educação escolar
deveria se justapor e não substituir, e a
“educação para o indígena”, isto é, aquela
imposta aos povos indígenas no contexto
do uso da escrita em sociedades ágrafas
como forma de dominação.
Esse debate teve continuidade nos
anos 1980, quando foi promulgada a
Constituição Brasileira (Brasil, 1988) que
preconizou como dever de Estado o
oferecimento de uma educação escolar
bilíngue e intercultural para fortalecer as
práticas socioculturais e a língua materna
de cada comunidade indígena. Para
Grupioni (2001, p. 131), “o maior saldo da
CF [Constituição Federal] foi o abandono
da postura integracionista, que “rompeu
com uma tradição da legislação brasileira
que sempre procurou integrar os índios à
“comunidade nacional” vendo-os como
uma categoria étnica e social transitória,
fadada ao desaparecimento.
Desde então, rias diretrizes,
normas e legislações foram promulgadas
visando o desenvolvimento de uma
educação escolar indígena baseada nos
pressupostos da interculturalidade,
especificidade e diferenciação. Apesar
desses marcos legais terem sido
amplamente divulgados na maioria dos
trabalhos sobre a temática indígena, e
mesmo correndo o risco da repetição, ainda
assim é válido sintetizar esse conjunto de
preceitos (Quadro 1) considerando a
importância de os neófitos na temática
refletirem sobre a longa trajetória de
institucionalização da educação escolar
indígena no país desde 1991 até 2017.
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Quadro 1 - Marcos legais e diretrizes da educação escolar indígena no Brasil após a CF de 1988
Legislação / Ano
Síntese
1991 - Decreto 26, de 4
de fevereiro
Dispõe sobre a educação indígena no Brasil, atribuindo ao Ministério da
Educação (MEC) a competência para coordenar ações em todos os níveis e
modalidades de ensino, ouvida a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) que
passa a ser o órgão executor das políticas de educação escolar indígena.
1993 - Diretrizes para a
Política Nacional de
Educação Escolar Indígena
Baseado nos direitos constitucionais dos índios, estabelece os princípios
organizadores da prática pedagógica que visa se constituir em instrumento
essencial na implantação de uma política que garanta concomitantemente o
respeito à especificidade dos povos indígenas frente aos não-índios e à sua
diversidade linguística, cultural, histórica.
1996 - Lei 9394/96 Lei
de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional
(LDBEN)
Institui, como dever do Estado, o direito dos povos indígenas a uma educação
escolar que contemple suas culturas e garanta o acesso ao conhecimento da
sociedade nacional e das demais sociedades indígenas e não-índias.
1998 Referencial
Curricular Nacional para as
Escolas Indígenas
Elaborado em atendimento às determinações da LDBEN, estabelece diretrizes
gerais para o trabalho educativo junto às comunidades indígenas pautadas na
pluralidade e diversidade das múltiplas programações curriculares dos
projetos históricos e étnicos específicos.
1999 - Parecer n
o
. 14/1999 e
Resolução n
o
.3/1999
Apresenta a fundamentação da escola indígena, determinando sua estrutura e
funcionamento, além de definir competências para a formação do professor
indígena, o currículo da escola e sua flexibilização, e propor ações visando a
educação escolar indígena.
2002 - Referenciais
Curriculares para a
Formação de Professores
Indígenas
Subsidia a discussão para a implantação de programas de formação inicial de
professores indígenas, visando a sua habilitação no magistério intercultural.
2004 - Decreto Presidencial
nº 5.051, de 19 de abril
Promulga a Convenção 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais em
Países Independentes garantindo que cada etnia possa se encarregar de
conceber o seu próprio projeto educacional.
2008 - Lei n
o
. 11.645, de 10
de março
Inclui no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática
“História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”.
2009 - Decreto nº.
6.861/2009, de 27 de maio
Cria os Territórios Etnoeducacionais, estruturados de acordo com os critérios
das relações interétnicas, das filiações linguísticas e da territorialidade dos
povos indígenas, apresentando--se como estratégia de organização e gestão da
educação escolar indígena.
2010 - Portaria 734, de 7
de junho
Cria a Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena (CNEEI) composta
por representantes governamentais, da sociedade civil e dos povos indígenas,
com a atribuição de assessorar o MEC na formulação de políticas para a
educação indígena.
2011 - Lei 12.416, de 9 de
junho
Altera a LDBEN para dispor sobre a oferta de educação superior para os
povos indígenas.
2012 - Resolução 5, de 22
de junho
Define Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena na
Educação Básica, e sua organização em todas etapas e modalidades segundo
os princípios da igualdade social, da diferença, do bilinguismo e da
interculturalidade.
2013 - Portaria 1.062, de
30 de outubro
Institui o Programa Nacional dos Territórios Etnoeducacionais, anunciando a
ampliação e a qualificação da oferta de educação escolar indígena em todos os
níveis.
2017 - Lei no. 13.415, de 16
de fevereiro.
Altera a LDBEN tornando obrigatório o ensino da língua portuguesa e da
matemática no ensino médio, assegurada às comunidades indígenas, também,
a utilização das respectivas línguas maternas.
Fonte: Adaptado de Maroldi (2017).
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Apesar dos avanços expostos no
Quadro 1, vale destacar que a conquista da
autonomia pedagógica pelos povos
indígenas nos processos educativos tem
sido árdua e nem sempre isenta de
entraves, muitas vezes ditados por práticas
e políticas educacionais que desconfiguram
a plena efetivação de uma educação
escolar indígena assentada no paradigma
da diversidade étnico-cultural e linguística.
Como referem Mello, Sousa e Palomino
(2018, p. 13), a escola indígena “deve ser
moldada em seu território, para ser uma
escola comunitária, e não somente uma
escola na comunidade”.
Diante dessa conjuntura, assume
significativa importância o debate
acadêmico sobre a elaboração de materiais
didáticos específicos e diversificados para
romper com a invisibilidade dos povos
indígenas no contexto da educação escolar.
É dessa perspectiva que esse artigo se tem
como objetivo investigar como tal debate
tem permeado os trabalhos defendidos em
programas de pós-graduação no país, por
meio de um estudo orientado pela busca de
respostas para a seguinte questão: como se
configura essa produção científica?
As etapas dos procedimentos
adotados para a composição do corpus da
pesquisa, a metodologia adotada e a análise
dos resultados estão detalhadamente
descritas nas próximas seções.
Método
Tendo como base o objetivo e a
pergunta de pesquisa propostos, o estudo
caracteriza-se como exploratório e
descritivo orientado pela abordagem
metodológica da análise bibliométrica
combinada com a análise de conteúdo
(Silva, Hayashi & Hayashi, 2011),
métodos que têm sido adotados em
diversos campos de conhecimento, pois
permitem realizar um estado da arte da
literatura científica investigada, entre eles
o da educação (Esen, Bellibas & Gumus,
2018; Redondo, Sánchez-García & Etura,
2017), e inclusive em estudos sobre
educação indígena (Maroldi, 2017;
Maroldi, Lima, Hayashi & Hayashi, 2017a;
Maroldi, Lima, Hayashi & Hayashi 2017b;
Maroldi, Lima & Hayashi, 2018a; Maroldi,
Lima & Hayashi, 2018b) que os autores
desse artigo têm desenvolvido.
A fonte de dados foi a Biblioteca
Digital Brasileira de Teses e Dissertações
(BDTD) que é mantida pelo Instituto
Brasileiro de Informação em Ciência e
Tecnologia (IBICT) e integra em um só
portal o acesso a textos completos de
trabalhos acadêmicos de mestrado
(n=395.905) e doutorado (n=143.037) que
estão disponíveis nas bibliotecas e
repositórios das instituições de ensino
superior e de pesquisa (n=114) em que
Hayashi, M. C. P. I., Maroldi, A. M., & Hayashi, C. R. M. (2020). Estudo bibliométrico de teses e dissertações brasileiras
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foram defendidos e são integrantes da rede
BDTD.
A coleta de dados ocorreu em maio
de 2019, mediante a utilização das
expressões de busca: “materiais didáticos
indígenas” e “livros didáticos indígenas”.
Foram definidos como critérios de inclusão
dos registros a disponibilização dos textos
completos, sem delimitação temporal,
visando recuperar a evolução da produção
científica sobre a temática pesquisada ao
longo dos anos. A exclusão de trabalhos
levou em conta os seguintes aspectos:
registros repetidos e aqueles sem aderência
ao escopo da pesquisa, isto é, embora
apresentassem os termos de busca no
título, resumo ou palavra-chave, a leitura
do texto completo revelou a ausência de
abordagem sobre a produção e elaboração
de materiais didáticos específicos e
diferenciados no contexto da educação
escolar indígena. Após a aplicação desses
critérios foram identificadas as
dissertações de mestrado (n=29) e as teses
de doutorado (n=3) que constituíram o
corpus da pesquisa. O fluxograma exibido
na Figura 1 apresenta a constituição do
corpus investigado e as etapas de
desenvolvimento da pesquisa.
Figura 1 - Fluxograma da constituição do corpus e etapas da pesquisa.
Fonte: Elaborado pelos autores (2019).
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Os dados coletados foram registrados
em uma planilha Excel contendo as
variáveis necessárias para a realização das
análises bibliométrica e de conteúdo e que
permitiram traçar:
a) o panorama bibliométrico:
temporalidade dos documentos, o nível de
titulação obtido (mestrado acadêmico,
mestrado profissional ou doutorado), as
áreas de conhecimento dos programas de
pós-graduação, as instituições, e regiões do
país.
b) o perfil dos estudos: objetivos das
pesquisas; tipologia dos materiais
didáticos; etnias, nível de ensino e
disciplinas às quais se destinam os
materiais didáticos específicos e
diferenciados.
Em seguida foi realizada a
modelagem dos dados para eliminar
possíveis inconsistências, tais como:
divergências na data de defesa registrada
na BDTD/IBICT e no texto completo do
trabalho; o nome completo dos autores e
orientadores, entre outros. Na etapa
subsequente, algumas variáveis foram
cruzadas visando estabelecer comparações
entre os achados da pesquisa. Os resultados
quantitativos foram descritos em gráficos e
tabelas para melhor visualização, e as
análises e interpretações do corpus
pesquisado foram baseadas na literatura
científica sobre educação escolar indígena.
A seguir, são apresentados e
discutidos os resultados obtidos que estão
organizados em dois tópicos de acordo
com as análises bibliométrica e de
conteúdo realizadas.
Resultados e Discussão: Panorama
bibliométrico
A produção científica analisada
abrange o período entre 1996 e 2018
(Figura 2) e é composta por dissertações de
mestrado acadêmico (n=26), mestrado
profissional (n=3) e teses de doutorado
(n=3).
Figura 2 - Distribuição temporal das dissertações e teses.
Fonte: Elaborada pelos autores (2019).
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As dissertações de mestrado
profissional, modalidade de pós-graduação
brasileira têm como característica
principal, de acordo com Ferreira, Tavares
e Kebian (2012, p. 764) “a possibilidade de
aproximar a pesquisa do exercício
profissional, gerando inovações que
atendam aos avanços da profissão, sendo
essa a principal diferença em relação ao
mestrado acadêmico”.
Observa-se na Figura 2, que
apresenta a evolução temporal dos
trabalhos, um padrão constante de
distribuição dessa produção científica no
período que abrange 1996 até 2008, com
média de uma dissertação por ano, com
exceção do ano 2008 que apresenta a
primeira tese defendida. Esse mesmo
padrão se repete no período entre 2016 e
2018, com acréscimo de três teses no
período. Por sua vez, a maioria dos
trabalhos (n=16) representando 50% do
total dos períodos iniciais e finais,
concentra-se no período entre 2009 e 2015.
Os resultados da Figura 2 quando
confrontados com os marcos legais da
educação indígena no Brasil (Quadro 1)
sugerem que a promulgação da LDBEN
em 1996 tenha sido um ponto de inflexão
para mobilizar a comunidade acadêmica da
pós-graduação a refletir e discutir em seus
trabalhos os princípios organizadores da
prática pedagógica que visa a garantia e o
respeito à especificidade dos povos
indígenas frente aos não índios, e à sua
diversidade linguística, sociocultural e
histórica e os impactos que essas diretrizes
teriam na produção e elaboração dos
materiais didáticos específicos e
diferenciados no contexto da educação
indígena.
Por exemplo, naquele ano, a
dissertação de Vencio (1996) apresenta o
relato de uma experiência do povo
Jarawara com a escrita. Embora sendo uma
sociedade de tradição oral, a autora relata
que esses indígenas assumiram o controle
do processo de escolarização adaptando-o
à espontaneidade própria de sua cultura,
substituindo o livro didático em constante
atualização e criaram a Carta Jawarara,
tendo como principal característica o fato
de ser escrita para uma pessoa em
particular, mas lida por todos.
Pode-se observar que no período
entre 2009 e 2015 a produção científica
sobre a elaboração e produção de materiais
didáticos específicos e diferenciados atinge
o seu ápice. Nesse período, é válido
lembrar que ocorreu a criação e instituição
dos Territórios Educacionais (Decreto n.
6.861, 2009; Portaria n. 1.062, 2013) e a
definição das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Escolar
Indígena na Educação Básica, que
passaram a orientar a sua organização em
Hayashi, M. C. P. I., Maroldi, A. M., & Hayashi, C. R. M. (2020). Estudo bibliométrico de teses e dissertações brasileiras
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todas as etapas e modalidades segundo os
princípios da igualdade social, da
diferença, do bilinguismo e da
interculturalidade (Resolução n. 5, 2012).
Essa legislação pode ter suscitado o debate
acadêmico que se reflete nas teses e
dissertações analisadas, uma vez que
tornaram obrigatória a observância desses
aspectos na elaboração de currículos e na
produção de materiais didáticos específicos
e diferenciados para os povos indígenas.
Mesmo observando-se um
crescimento dessa literatura no período
entre 2009 e 2015, contemplando 50% dos
trabalhos, o total de teses e dissertações
que compuseram o corpus da pesquisa
(n=32) sobre materiais didáticos
específicos e diferenciados ainda é muito
pequeno frente ao longo período decorrido
desde a promulgação da LDBEN (1996)
que garantiu o direito aos povos indígenas
a uma educação que contemple sua
diversidade sociocultural e linguística, até
os dias atuais.
Também foram pesquisadas as áreas
de conhecimento dos programas de pós-
graduação em que as teses e dissertações
foram defendidas (Figura 3). Os resultados
apontaram que a maioria, representada por
31,3% (n=10), é oriunda da área de
Educação, seguida pelos trabalhos da área
de Linguística, com 18,8% (n=6), de
História, com 9,4% (n=3) e de
Antropologia, com 9,4% (n=3). As áreas
de Ciências Sociais, Letras, e Ensino de
História representaram 18,8% (n=6) do
total, cada uma com 6,4% (n=2). As
demais teses e dissertações, representando
12,5% (n=4) do total, são das áreas de
Geografia, Desenvolvimento Sustentável,
Sociedade e Cultura na Amazônia e Gestão
e Avaliação de Políticas Públicas, com
apenas um trabalho cada.
Figura 3 - Áreas de conhecimento de acordo com os programas de pós-graduação.
Fonte: Elaborada pelos autores (2019).
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Ao revelar que as áreas de Educação,
Linguística e Antropologia são majoritárias
nas pesquisas sobre materiais didáticos
específicos e diferenciados no contexto da
educação indígena verifica-se que esses
resultados estão em consonância com o
estudo realizado por Maroldi, Lima,
Hayashi & Hayashi (2017a), que
analisaram a produção científica de teses e
dissertações sobre educação indígena no
Brasil.
Na área de Educação, as teses e
dissertações (n=10) se voltaram para o
estudo dos impactos dos materiais
didáticos sobre as práticas educativas
desenvolvidas no contexto da educação
escolar indígena. Os estudos do campo da
Linguística (n=6) realizaram análises da
leitura e escrita da língua nas sociedades
indígenas, enfocando aspectos como o
letramento, o bilinguismo e os textos
enquanto discurso linguístico do professor
não índio e do aluno indígena. Por sua vez,
os estudos da área de Antropologia (n=3)
utilizaram a abordagem etnográfica para
investigar aspectos como valores, crenças,
ideologia e identidade étnica, entre outros,
e que permeiam as culturas tradicionais,
buscando articular a presença desses
conceitos na produção e elaboração de
materiais didáticos específicos e
diferenciados.
A Figura 4 mostra a distribuição das
teses e dissertações de acordo com as
instituições em que foram defendidas e sua
distribuição nas cinco regiões do país.
Figura 4 - Instituições x Regiões do País
Fonte: Elaborada pelos autores (2019).
Pode-se observar a concentração de
estudos em programas de pós-graduação da
região Sudeste (n=15) representando
46,9% do total. Em seguida, comparece a
região Norte, com 18,8% (n=6) dos
trabalhos que juntamente com aqueles da
região Nordeste (n=4) atingem 31,3%
(n=10) do total de trabalhos. As regiões
Sul, com 12,5% (n=4) e Centro-Oeste, com
9,4% (n=3), obtiveram os menores índices.
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Uma possível explicação para essa
distribuição caminha em duas direções. A
primeira está relacionada com a
distribuição geográfica dos programas de
pós-graduação do Brasil, conforme os
dados do sistema de informações
georreferenciadas Geocapes da
Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (CAPES,
2018a), fundação vinculada ao Ministério
da Educação do Brasil. Esse banco de
dados mostra que a maioria dos programas
de pós-graduação está concentrada em
instituições nas regiões Sudeste e Sul do
país.
A segunda explicação para que a
distribuição das teses e dissertações esteja
concentrada na região Sudeste do país, em
instituições como a Universidade de São
Paulo (USP) e a Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp), pode estar
relacionada ao fato de que as linhas de
pesquisa dos programas de pós-graduação
dessas instituições estejam voltadas para o
ensino de disciplinas como História e
Geografia aplicadas a populações
indígenas, ao estudo dos aspectos
histórico-culturais e da literatura e línguas
indígenas, bem como aos processos e
práticas educativas no contexto da
educação escolar dessas sociedades,
favorecendo e atraindo estudantes de pós-
graduação que queiram se dedicar ao
estudo dessas temáticas, como é o caso dos
autores das teses e dissertações analisadas.
Perfil dos estudos
Por meio da leitura integral das teses
e dissertações que compuseram o corpus
investigado (n=32) foi realizada a análise
de conteúdo dos trabalhos, o que permitiu
explorar os diversos aspectos abordados.
Por exemplo, os tipos de abordagem dos
materiais didáticos foram extraídos da
análise dos objetivos das teses e
dissertações, conforme exposto na Tabela
1.
Tabela 1 - Objetivos dos estudos por autores, anos e total de teses e dissertações
Objetivos
Autores/Ano
Total
Análise e representação de
indígenas em materiais didáticos
Barros (2001); Gobbi (2006); Santiago (2007); Cruz
(2009); Macêdo (2009); Costa (2012); Monteiro
(2012); Palhares (2012); Santos (2012); Valentini
(2018); Silva (2014); Sanchez (2015); Lima (2016);
Nobre (2017); Biazetto (2017); Sánchez (2018)
16
Elaboração de materiais didáticos
por indígenas
Vencio (1996); Borges (1998); Carvalho (2006);
Nincao (2008); Duarte (2009); Deluci (2013); Silva
(2016); Rubim (2016)
8
Análise de materiais didáticos
elaborados por indígenas
Moraes (2009); Quaresma (2012); Sousa (2013); Lira
(2015)
4
Análise de materiais didáticos
elaborados para indígenas
Scaramuzzi (2008); Ives (2014); Silva (2015); Santos
(2017)
4
Fonte: Elaborada pelos autores (2019).
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É válido esclarecer que a perspectiva
teórica de Meliá (1979) foi adotada para a
categorização dos materiais didáticos
indígenas abordados nos trabalhos: aqueles
que foram elaborados “por” indígenas, e os
produzidos “para” os indígenas. Ou seja,
os primeiros são baseados no próprio
sistema educacional indígena que entende
a educação escolar como aquela que se
justapõe, mas não substitui a educação
existente, enquanto os segundos podem ser
caracterizados como uma forma de
dominação que se dá pela imposição da
cultura não indígena pelo uso da escrita em
sociedades ágrafas.
A problemática da diversidade étnica
em materiais didáticos também havia
sido apontada por Lima (1995, p. 407) ao
destacar que “a imagem dos índios,
populações nativas ao território que hoje
definimos como brasileiro, tem sido
construída de modo simplificador e
estereotipado, tanto pela historiografia
mais tradicional, quanto pelos livros
didáticos que a reproduzem”.
Os resultados da Tabela 1 mostram
que metade (n=16) das teses e dissertações
se dedicaram a analisar a representação do
povo indígena em materiais didáticos, com
trabalhos que tomaram como objeto de
estudo o livro didático distribuído ao
ensino fundamental e médio,
principalmente após a obrigatoriedade da
inclusão da temática “História e Cultura
Afro-Brasileira e Indígena” no currículo
oficial da rede de ensino (Lei n. 11.645,
2008). Entre esses trabalhos destacam-se
dois por terem analisado a representação
indígena em outros tipos de materiais
didáticos, as produções cinematográficas
(Sanchez, 2015) e os deos do Youtube
(Valentini, 2018).
A elaboração de materiais didáticos
específicos e diferenciados por indígenas
foi a preocupação de um quarto dos
trabalhos analisados (n=8) incluindo
aqueles que se dedicaram a estudar a
produção de cartilhas de alfabetização
elaboradas na língua mãe dos indígenas
(Vencio, 1996; Nincao, 2008; Duarte,
2009) enquanto os demais abordaram
outros tipos de materiais. A análise de
materiais didáticos elaborados “por” (n=4)
e destinados “para” (n=4) incluiu
professores e indígenas de várias etnias.
Ao aprofundar a análise das teses e
dissertações foram identificados os tipos de
materiais didáticos (n=8) tomados como
objeto de estudo nesses trabalhos.
Verificou-se que prevaleceram as seguintes
tipologias: livros didáticos (n=20) e
paradidáticos (n=1) representados por
65,6% (n=21) do total de trabalhos
seguidos pelas cartilhas de alfabetização
com 15,6% (n=5). Os demais tipos de
materiais didáticos investigados (n=6) com
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um estudo cada, a saber: produções
cinematográficas, vídeos no Youtube,
jogos educativos, histórias em quadrinhos,
materiais cartográficos e aplicativo para
celular, conforme apontam os dados da
Figura 5.
Figura 5 - Tipos de materiais didáticos indígenas investigados nas dissertações e teses
Fonte: Elaborada pelos autores (2019).
Prevalecem nessa tipologia os livros
didáticos (n=20) e paradidáticos (n=1),
representados por 65,6% (n=21) do total de
trabalhos seguidos pelas cartilhas de
alfabetização com 15,6% (n=5).
O livro didático foi objeto de
reflexões críticas realizadas por inúmeros
autores (Bonazzi & Eco, 1972; Freitag,
Motta & Costa, 1987; Schäffer, 1988;
Choppin, 2004; Luca, 2009; Silva, 2012)
que entre outros aspectos abordaram as
diversas funções e usos desse tipo de
material didático. No contexto da educação
escolar indígena a análise crítica do livro
didático indígena realizada por Grupioni
(1995) é digna de nota, ao abordar o
preconceito e a discriminação que atinge as
sociedades indígenas e seus reflexos nos
materiais didáticos, especialmente o livro
didático. Por exemplo, entre outras
questões importantes, o autor aborda as
formas como as sociedades indígenas são
retratadas nesse material, “geralmente pela
negação de traços culturais considerados
significativos: falta de escrita, falta de
governo, falta de tecnologia para lidar com
metais, nomadismo, etc.”, bem como aos
manuais didáticos que “operam com a
noção de índio genérico [grifo do autor],
ignorando a diversidade que sempre existiu
entre estas sociedades” (Grupioni, p. 488-
489).
Na Figura 5 observa-se que os
demais materiais didáticos analisados nas
teses e dissertações totalizaram 18,8%
(n=6) evidenciando sua diversidade, tais
como produções cinematográficas
(Sanchez, 2015) e vídeos do Youtube
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(Valentini, 2018) comentados
anteriormente, bem como jogos educativos
(Ives, 2014), materiais cartográficos, como
mapas e sistemas globais de
posicionamento (Carvalho, 2006), histórias
em quadrinhos e aplicativo de tradutor da
língua indígena para celular (Rubim,
2016).
Também foi investigado para quais
níveis de ensino fundamental ou médio
e séries que esses materiais didáticos são
destinados, e a Figura 6 mostra os
resultados obtidos.
Figura 6 - Níveis de ensino e séries abrangidas pelos materiais didáticos
Fonte: Elaborada pelos autores (2019).
Nota-se na Figura 6 que um quarto
dos trabalhos (n=8) não especificaram o
nível ou a série para as quais os materiais
didáticos indígenas analisados ou
elaborados são destinados. Contudo,
prevaleceu o ensino fundamental em geral
se forem somadas todas as séries incluídas
nesse nível, isto é, da à 8ª, com menor
expressividade para os materiais didáticos
para o ensino médio, denotando a
necessidade de mais estudos que enfoquem
esse nível de ensino.
Aliado aos níveis e séries de ensino a
análise das teses e dissertações também se
voltou para as disciplinas que os materiais
didáticos indígenas abrangem.
Os resultados obtidos apontaram que
a maioria dos trabalhos (n=16) abordaram
as disciplinas de História e Geografia
incluindo História do Brasil e História das
Américas. As disciplinas Línguas
Indígenas (Kokama, Apurinã, Jarawara,
Maxakali e Terena) e Português Línguas
Indígenas (Bakairi e Mebengokre) foram
focalizadas em 21,8% (n=7) dos trabalhos.
12,5% (n=4) dos trabalhos abordaram a
disciplina Português. O mesmo escore foi
obtido por trabalhos que não especificaram
a disciplina abordada, e apenas um
trabalho abordou várias disciplinas.
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A Figura 7 apresenta as disciplinas
pelos materiais didáticos de acordo com as
teses e dissertações analisadas.
Figura 7 - Disciplinas abrangidas pelos materiais didáticos
Fonte: Elaborada pelos autores (2019).
Entre as várias disciplinas abordadas
em um único estudo destacou-se a
dissertação de mestrado de Santos (2018).
A autora realizou uma pesquisa
longitudinal abrangendo o período entre
1944 e 2015 investigando não as
diversas disciplinas abrangidas por esses
materiais, como também as instituições
envolvidas na produção desse material
entre elas as equipes de missões dos
salesianos, do Summer Institute of
Linguistics, do Conselho Indigenista
Missionário, e de organizações não
governamentais, como o Centro de
Trabalho Indigenista, a Comissão Pró-
Índio do Acre, o Instituto Socioambiental,
bem como por órgãos associados ao
governo e à educação escolar indígena. A
autora realizou um levantamento em
diversos acervos de bibliotecas,
instituições de pesquisa e organizações não
governamentais resultando na identificação
de 566 materiais didáticos de várias
tipologias, tais como cadernos de
exercício, cartilhas, catecismos, livros
didáticos, livro do professor, livro de
leitura, livro de consulta. Também foram
identificadas as etnias para as quais esses
materiais eram destinados. É um amplo e
relevante estudo de leitura obrigatória para
aqueles que se interessam pela temática da
educação escolar indígena.
Por último, mas não menos
importante, também foram investigadas as
diversas etnias (n=42) que estão
representadas ou para as quais foram
elaborados materiais didáticos abordados
nas teses e dissertações (n=32).
Vale observar que um único trabalho
pode ter abrangido mais de uma etnia,
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como por exemplo, o estudo de Lima
(2016) que contemplou os Apinajé, Javaés,
Karajá, Krahô, Pankararu, Xambioá,
Xerente; a pesquisa de Monteiro (2012)
que focalizou os Apiacá; Ticuna, Kaiowá,
Pataxó, Guarani; Yanomami; Kamayurá; e
a dissertação de mestrado de Nobre (2017)
que enfocou os Kalapalo, Kamayurá;
Kayapó, Xavante, Yanomami, Yawalapiti,
Waurá.
Além disso, alguns poucos trabalhos
(n=4) não declararam para qual etnia os
materiais didáticos foram elaborados ou
analisados.
Na Figura 8, a seguir, podem ser
observadas as etnias que estão
representadas nas teses e dissertações
analisadas.
Figura 8 - Etnias representadas nos materiais didáticos
Fonte: Elaborada pelos autores (2019).
Nessa ampla diversidade de etnias
(n=42) relacionadas na Figura 8 nota-se a
preponderância da Guarani (n=5), Kayapó
(n=4), Kamayurá (n=4), Yanomami (n=4),
Pataxó (n=4), Kayowá (n=3) e Xavante
(n=3). Um segundo grupo de etnias (n=8)
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também foi representado nos materiais
didáticos, a saber: Apurinã, Sateré-Mawé,
Ticuna, Pankaru, Xambioá, Karajá,
Baniwa, Panará.
Com menor incidência nas teses e
dissertações analisadas, outros povos
indígenas não deixaram de ser
considerados quando se tratou da
elaboração e análise de materiais didáticos
específicos e diferenciados: Apiacá;
Apinajé; Bakairi; Bororo; Enawenê-Nawê;
Jarawara; Javaés; Kaingang; Kalapalo;
Kaxinawá; Kokama; Krahô; Kuikuro;
Manchineri; Maxakali; Munduruku;
Nukini; Potiguara; Shawãdawa; Tentehar;
Terena; Waimiri-Atroari; Waurá; Xacribiá;
Xerente; Yawalapiti; Yawanawá.
A despeito do amplo universo de
etnias indígenas existentes no país (n=305)
conforme dados do IBGE (2012), apenas
13,7% (n=42) foram focalizadas nas teses e
dissertações analisadas.
Conclusões
Ao retomar a questão de pesquisa
inicial como se configura a produção
científica que aborda a elaboração e análise
de materiais didáticos específicos e
diferenciados no contexto da educação
escolar indígena os resultados obtidos
revelaram que existe um pequeno mas
relevante contingente de teses e
dissertações que se preocuparam com a
elaboração e análise de materiais didáticos
para as populações indígenas.
Entre outros aspectos, a análise das
teses e dissertações revelou a tipologia dos
materiais didáticos, o nível de ensino, as
disciplinas e as etnias às quais são
destinados. A preocupação em romper com
os desafios e complexidade inerentes à
discussão sobre os materiais didáticos,
caracterizados por Meliá (1979) como
sendo “de” e “para” indígenas, se refletiu
na produção científica analisada,
demonstrando que no contexto da
educação escolar indígena é fundamental
garantir a participação dessa população na
sua elaboração, bem como a necessidade
de um olhar crítico sobre a representação
dos povos indígenas em livros didáticos e
outros tipos de materiais. Como referem
Siekmann, Webster, Samson e Moses
(2017, p.2), as crianças aprendem melhor
quando se vêem e sua cultura representada
em materiais utilizados na instrução
escolar.”
Outro aspecto que chamou atenção
está relacionado à distribuição dos
trabalhos defendidos nos programas de
pós-graduação, ao identificar que a maioria
(n=10) está vinculada à área de Educação.
Quando são comparados com o total de
programas existentes nessa área no país
(n=176), de acordo com os dados do
Geocapes (CAPES, 2018b), esses achados
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representam apenas 5,7% desse total. Ou
seja, a temática da educação escolar
indígena ainda está sub-representada tanto
nos programas de pós-graduação da área
de Educação, quanto nas demais áreas.
Observou-se que a distribuição
temporal dos trabalhos analisados
abrangeu o período de 1996 a 2018,
contudo lacunas na produção científica
referentes aos anos de 1997, e entre 2002 a
2005 e entre 2010 a 2011. Os hiatos de
produção científica nesse ano e períodos,
embora coincidam com a promulgação de
legislação e diretrizes específicas para a
educação escolar indígena, podem sinalizar
que os pesquisadores necessitem de um
tempo mínimo necessário para que um
fenômeno seja estudado e que as ideias
sobre ele sejam maturadas antes de se
transformarem em objeto de estudo e
pesquisa.
Por exemplo, apesar da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN, 1996) ter garantido o direito aos
povos indígenas a uma educação que
contemple sua diversidade sociocultural e
linguística, nos anos de 1996, 1998, 2001,
e no período entre 2006 e 2008, foram
defendidos poucos trabalhos (n=8). Isso
pode denotar que os pesquisadores não
foram movidos por um impulso imediatista
na busca por temáticas relacionadas à
educação escolar indígena. Todavia, o
reflexo de legislações e diretrizes
estabelecidas no período entre 2009 e 2018
parece que impulsionaram mais
rapidamente as pesquisas realizadas (n=24)
subsequentemente.
A pesquisa também revelou que o
material didático mais investigado nas
teses e dissertações analisadas foi o livro
didático, presente em 62,5% dos trabalhos.
Todavia, cumpre mencionar que em todos
esses trabalhos estiveram presentes vários
aspectos do Programa Nacional do Livro
Didático (PNLD) criado em 1983, no final
da ditadura militar brasileira. Entretanto,
devido à complexidade dos aspectos que
cercam esse Programa, e que exigiriam um
maior espaço para o tratamento desse tema,
essa discussão não foi levada a cabo nesse
artigo, constituindo-se, portanto, em
possibilidades para serem exploradas em
futuras pesquisas.
Apesar da diversidade de etnias que
foram abordadas nos materiais didáticos
nas teses e dissertações analisadas ainda
um longo caminho a ser percorrido, seja
para identificar e analisar a singularidade
desses materiais, quanto para contemplar
outros povos indígenas que foram
excluídos do processo de educação escolar.
Pesquisas com esse enfoque muito podem
contribuir para a elaboração de material
didático específico e diferenciado para a
educação escolar indígena.
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Também como sugestões para
futuros estudos recomenda-se a ampliação
do corpus de investigação, bem como a
consulta a outras bases de dados.
Finalmente, cumpre mencionar que os
achados da pesquisa devem ser
relativizados frente ao tamanho da amostra
analisada. Não obstante, no lugar de se
constituírem em limitações, os resultados
obtidos sinalizam a necessidade de outros
estudos correlatos, tendo como fonte de
dados, por exemplo, outros tipos
documentais, tais como artigos publicados
em periódicos, os quais permitirão
comparações com as teses e dissertações,
bem como possibilitarão identificar outras
questões que perpassam o debate
acadêmico sobre tão relevante temática que
é a elaboração de materiais didáticos
específicos e diferenciados para a educação
escolar indígena.
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Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 09/05/2020
Aprovado em: 01/08/2020
Publicado em: 26/09/2020
Received on May 09th, 2020
Accepted on August 01st, 2020
Published on September, 26th, 2020
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Conflitos de interesse: Os autores declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Maria Cristina Piumbato Innocentini Hayashi
http://orcid.org/0000-0003-1250-3767
Alexandre Masson Maroldi
http://orcid.org/0000-0002-6592-7750
Carlos Roberto Massao Hayashi
http://orcid.org/0000-0003-1481-5545
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Hayashi, M. C. P. I., Maroldi, A. M., & Hayashi, C. R. M.
(2020). Estudo bibliométrico de teses e dissertações
brasileiras (1996-2018) sobre materiais didáticos
específicos e diferenciados para populações indígenas.
Rev. Bras. Educ. Camp., 5, e9151.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e9151
ABNT
HAYASHI, M. C. P. I.; MAROLDI, A. M.; HAYASHI, C. R.
M. Estudo bibliométrico de teses e dissertações brasileiras
(1996-2018) sobre materiais didáticos específicos e
diferenciados para populações indígenas. Rev. Bras.
Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 5, e9151, 2020.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e9151