Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e9700
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e9700
10.20873/uft.rbec.e9700
2021
ISSN: 2525-4863
1
Este conteúdo utiliza a Licença Creative Commons Attribution 4.0 International License
Open Access. This content is licensed under a Creative Commons attribution-type BY
A ludicidade na EJA/Campo no contexto de uma escola da
Comunidade Matinha dos Pretos, Feira de Santana - BA
Suely das Virgens Souza1, Idalina Souza Mascarenhas Borghi2, Maricleide Pereira de Lima Mendes3, klayton
Santana Porto4
1 Fazenda Alecrim Miúdo - Distrito de Matinha Feira de Santana. Feira de Santana - BA. Brasil. 2, 3, 4 Universidade Federal do
Recôncavo da Bahia - UFRB.
Autor para correspondência/Author for correspondence: suelydasvirgensfsa@hotmail.com.br
RESUMO. O presente trabalho é resultado de uma pesquisa que
tem por objetivo compreender as concepções de ludicidade de
uma professora de Ciências que atua na EJA/Campo e a
importância atribuída a essa ferramenta pedagógica no ensino de
Ciências, em uma escola quilombola do campo localizada no
município de Feira de Santana/BA. O estudo foi balizado pelos
princípios da abordagem qualitativa, do tipo estudo de caso, e
para a coleta das informações foram utilizadas a entrevista
semiestruturada, observação e análise documental. A pesquisa
indica que a ludicidade inserida no contexto escolar e cotidiano
do aluno precisa superar o caráter da brincadeira, constituindo-
se como ferramenta fundamental para a promoção de propostas
pedagógicas que despertem prazer, contribuindo para a
aprendizagem do aluno de forma significativa, principalmente
nesta modalidade de ensino, composta por atores sociais que
foram excluídos da educação formal. Diante da análise dos
resultados, constatamos certa contradição entre os discursos que
circulam no ambiente escolar, o que foi observado em sala e o
que consta no Projeto Político Pedagógico da escola, revelando
um distanciamento entre o que se pensa sobre ludicidade e o que
se faz na prática. Todavia, é fundamental reconhecer que os
educadores não podem ser responsabilizados, quando da
impossibilidade da mediação de práticas lúdicas, uma vez que
não tiveram acesso à formação inicial e continuada condizente
com tais práticas.
Palavras-chave: ludicidade, ciências da natureza, educação de
jovens e adultos, educação do campo.
Souza, S. V., Borghi, I. S. M., & Mendes, M. P. L., & Porto, K. S. (2021). A ludicidade na EJA/Campo no contexto de uma escola da Comunidade de
Matinha dos Pretos, Feira de Santana - BA...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e9700
10.20873/uft.rbec.e9700
2021
ISSN: 2525-4863
2
Playfulness in Youth and Adult Education/Countryside in
the context of a school from Matinha dos Pretos
Community, Feira de Santana - BA
ABSTRACT. The present work is the result of a research that
aims to understand the concepts of playfulness of a science
teacher who works at Youth and Adult Education/Countryside
and the importance attributed to this pedagogical tool in science
teaching, in a school in the field of the community of
Quilombola, municipality of Feira de Santana-BA. The study
was guided by the principles of the qualitative approach and the
case study type, and semi-structured interviews, observation and
document analysis were used to collect the information. The
research indicates that the playfulness inserted in the student's
school and daily context needs to overcome the character of
play, constituting itself as a fundamental tool for the promotion
of pedagogical proposals that arouse pleasure, contributing to
the student's learning in a significant way, especially in this
modality of education, composed of social actors who were
excluded from formal education. In view of the analysis of the
results, we found a certain contradiction between the speeches
circulating in the school environment, what was observed in the
classroom and what appears in the school's Political Pedagogical
Project, revealing a gap between what is thought about
playfulness and what is done in practice. However, it is essential
to recognize that educators cannot be held responsible, when it
is impossible to mediate playful practices, since they did not
have access to initial or continuing training consistent with such
practices.
Keywords: playfulness, natural sciences, youth and adult
education, rural education.
Souza, S. V., Borghi, I. S. M., & Mendes, M. P. L., & Porto, K. S. (2021). A ludicidade na EJA/Campo no contexto de uma escola da Comunidade de
Matinha dos Pretos, Feira de Santana - BA...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e9700
10.20873/uft.rbec.e9700
2021
ISSN: 2525-4863
3
Ludicidade en Educación de Jóvenes y Adultos/Campo en
el contexto de una escuela de la Comunidad de Matinha
dos Pretos, Feira de Santana - BA
RESUMEN. El presente trabajo es el resultado de una
investigación que tiene como objetivo comprender los conceptos
de diversión de un profesor de ciencias que trabaja en Educación
de Jóvenes y Adultos/Campo y la importancia atribuida a esta
herramienta pedagógica en la enseñanza de las ciencias, en una
escuela en el campo de la comunidad Quilombola, municipio de
Feira de Santana-BA. El estudio se guió por los principios del
enfoque cualitativo y el tipo de estudio de caso, y se utilizaron
entrevistas semiestructuradas, observación y análisis de
documentos para recopilar la información. La investigación
indica que el juego insertado en la escuela y el contexto diario
del alumno debe superar el carácter del juego, constituyéndose
como una herramienta fundamental para la promoción de
propuestas pedagógicas que despiertan placer, contribuyendo al
aprendizaje del alumno de manera significativa, principalmente
en esta modalidad de educación, compuesta por actores sociales
que fueron excluidos de la educación formal. En vista del
análisis de los resultados, encontramos una cierta contradicción
entre los discursos que circulan en el entorno escolar, lo que se
observó en el aula y lo que aparece en el Proyecto Político
Pedagógico de la escuela, revelando una brecha entre lo que se
piensa sobre el juego y lo que se hace en la práctica. Sin
embargo, es fundamental reconocer que no se puede
responsabilizar a los educadores, cuando es imposible mediar
prácticas lúdicas, ya que no tuvieron acceso a una formación
inicial o continua acorde con dichas prácticas.
Palabras clave: lúdico, ciencias de la naturaliza, educación de
jóvenes y adultos, educación rural.
Souza, S. V., Borghi, I. S. M., & Mendes, M. P. L., & Porto, K. S. (2021). A ludicidade na EJA/Campo no contexto de uma escola da Comunidade de
Matinha dos Pretos, Feira de Santana - BA...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e9700
10.20873/uft.rbec.e9700
2021
ISSN: 2525-4863
4
Introdução
A Ludicidade é uma necessidade do
ser humano em qualquer idade e, quando
partimos para o campo educacional, não
pode ser vista apenas como diversão.
Trabalhar com o lúdico no processo de
ensino e aprendizagem não significa
apenas brincar, mas ampliar as
oportunidades de aprendizado,
possibilitando que os alunos adquiram os
conhecimentos de maneira significativa e
prazerosa.
De acordo com Apaz et al. (2012, p.
7), a palavra lúdico, etimologicamente,
vem do latim lúdus e reporta-se a jogo,
divertimento, associado ao brincar de
forma livre individual, mas também
referindo-se a comportamento social de
jogar, utilizando regras, e aludindo à
conduta social de recreação, apontando
para uma maior abrangência das ações
lúdicas. Assim, pode-se dizer que o lúdico
é como se fosse uma parte inerente do ser
humano, utilizado como recurso
pedagógico em várias áreas de estudo,
oportunizando a aprendizagem do
indivíduo.
Nesse sentido, o lúdico é uma
necessidade básica da personalidade, do
corpo e da mente, pois faz parte das
atividades essenciais da dinâmica humana.
Com isso, as práticas lúdicas podem e
devem ser utilizadas de diferentes em
diversas faixas etárias, inclusive, na
Educação de Jovens e Adultos (EJA).
A EJA é uma modalidade de ensino
destinado aos jovens, adultos e idosos que
não tiveram acesso à educação formal, ou
acessaram a escola, mas não conseguiram
permanecer, sendo excluídos do sistema
educacional. Esta modalidade de ensino foi
criada para proporcionar melhores
condições de vida e trabalho para essas
pessoas, que, ao acessarem a EJA, obtêm
significativa melhora em seu conhecimento
e autoestima, propiciando o seu
desenvolvimento (Arroyo, 2017).
Arroyo (2017) afirma, ainda, que a
EJA possui um público bastante
diferenciado, heterogêneo e, em vista disto,
se faz necessária a busca de estratégias e
diferentes metodologias de ensino que
venham a contribuir para o aprendizado
dos alunos, bem como a permanência dos
mesmos em sala de aula. Nesse sentido,
defendemos práticas educacionais que
tragam prazer ao serem realizadas e uma
dessas práticas pode ser o desenvolvimento
de atividades lúdicas, pois estas, como
sinalizado, proporcionam uma sensação de
bem-estar e podem funcionar como
instrumento de mediação da aprendizagem,
aliada à descontração, pois, embora os
estudantes da EJA não sejam mais
crianças, um dia foram e certamente
Souza, S. V., Borghi, I. S. M., & Mendes, M. P. L., & Porto, K. S. (2021). A ludicidade na EJA/Campo no contexto de uma escola da Comunidade de
Matinha dos Pretos, Feira de Santana - BA...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e9700
10.20873/uft.rbec.e9700
2021
ISSN: 2525-4863
5
aprenderam com esse recurso (Castilho &
Tonus, 2008).
As inquietações que desencadearam
o ensejo de desenvolver essa pesquisa
surgiram durante o período do estágio
Supervisionado I, desenvolvido pela
primeira autora na modalidade EJA, em
uma escola quilombola do campo,
localizada na zona rural do Município de
Feira de Santana-BA. A Matinha dos
Pretos foi reconhecida, recentemente, pela
Fundação Palmares, como comunidade
remanescente de Quilombo. No período do
estágio foi percebido o desafio de
mobilizar os estudantes para aprendizagens
que fizessem sentido para a produção de
suas vidas. E, percebendo a ausência de
atividades lúdicas no processo de ensino e
de aprendizagem, assumimos o
compromisso de desenvolver pesquisas,
em vista de buscar alternativas para
trabalhar o lúdico na sala de aula.
A partir destas reflexões, esta
pesquisa teve como objetivo compreender
as concepções de ludicidade de uma
professora de Ciências que atua na
EJA/Campo e a importância atribuída a
essa ferramenta pedagógica no ensino de
Ciências, em uma escola quilombola do
município de Feira de Santana/BA. Para
isso, realizamos um período de observação
do cotidiano da sala de aula, no estágio V,
que corresponde ao e ano do ensino
fundamental, em uma turma de Ciências da
Natureza, entrevistamos a professora de
Ciências desta turma e fizemos uma
análise do Projeto Político Pedagógico da
escola.
Sendo assim, defendemos que a
Educação do Campo, no contexto da EJA,
precisa trabalhar a realidade, as
experiências e as expectativas sociais,
culturais e econômicas do grupo a que se
destina. Essa educação precisa vir imbuída
de consistente reflexão política e cidadã,
do contrário, não obterá resultados
concretos tão efetivos, que a educação é
uma ferramenta que visa preparar os
sujeitos para o mundo do trabalho. E nesse
sentido, acreditamos que a ludicidade,
enquanto ferramenta pedagógica, poderá
ter grande relevância no processo
formativo dos estudantes da EJA.
Para tanto, organizamos este trabalho
em cinco seções: introdução, referencial
teórico, procedimentos metodológicos, a
análise dos resultados da pesquisa e
considerações finais. A primeira seção
trata dos elementos introdutórios do
trabalho, expondo a temática abordada e os
objetivos do trabalho, justificando a
relevância da pesquisa. Na segunda seção,
dialogamos sobre o conceito de EJA, sua
relação com a Educação do Campo e a
ludicidade, refletindo sobre o ensino de
Ciências na EJA/Campo e a prática lúdica
Souza, S. V., Borghi, I. S. M., & Mendes, M. P. L., & Porto, K. S. (2021). A ludicidade na EJA/Campo no contexto de uma escola da Comunidade de
Matinha dos Pretos, Feira de Santana - BA...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e9700
10.20873/uft.rbec.e9700
2021
ISSN: 2525-4863
6
nesse ambiente. na terceira seção,
apresentamos os aspectos metodológicos
da pesquisa, descrevendo os procedimentos
e instrumentos para a coleta de
informações. As últimas seções versam
sobre a análise dos resultados da pesquisa,
refletindo sobre as atividades lúdicas na
realidade da EJA/Campo e as
possibilidades vislumbradas. Por fim,
apresentamos as considerações finais sobre
o estudo desenvolvido, sugerindo uma
experiência de EJA na perspectiva da
Pedagogia da Alternância como
possibilidade para o desenvolvimento de
um trabalho lúdico e integrado com as
vivências dos estudantes camponeses,
como caminho para um ensino de Ciências
que faça sentido para os estudantes que
produzem suas vidas no campo.
Diálogo sobre EJA, Educação do
Campo, ludicidade e ensino de Ciências
A EJA é uma modalidade educativa
para Jovens e Adultos que, independente
do motivo, não tiveram oportunidade de
concluir o Ensino Fundamental ou Médio.
De acordo com Galdino et al. (2012), a
EJA é uma modalidade de ensino que
busca amparar, equalizar e qualificar o
ensino para jovens, adultos e idosos e que
deve ser orientada pelos princípios de
proporção, equidade e diferença. As
autoras ainda argumentam que, como parte
da Educação Básica, esta modalidade de
ensino precisa primar pela cidadania dos
jovens e adultos; e primando pela
qualidade, constituído por educadores “...
aptos a congregar, em seu trabalho, as
inovações nas distintas áreas de
conhecimento e de incorporar as mudanças
sociais e as suas consequências na esfera
escolar” (Galdino et al., 2012, p. 15).
Conforme Ajala (2011), os motivos
que levam ao abandono escolar são: a
necessidade de trabalhar; conflito na volta
com a distorção idade/série que, muitas
vezes, provoca nova evasão escolar; a
distância da casa para a escola e a
dificuldade de aprendizagem. Cabe citar
ainda que muitos alunos reclamam de
cansaço físico e manifestam vergonha de
retornar ao ambiente escolar com idade
mais avançada, não conseguindo conciliar
o trabalho diário com as tarefas escolares.
Os motivos elencados reportam as
consequências de um modelo de sociedade
fundada nas bases escravocratas, que
produziu grandes desigualdades sociais,
demarcando o lugar de quem pode e de
quem não pode ter acesso à escola. Esse
acesso não se faz somente com a
possibilidade de adentrar o espaço escolar,
mas com condições estruturais para todas
as pessoas ingressarem e permanecerem
com dignidade, o que inclui condições
materiais e imateriais, indispensáveis para
Souza, S. V., Borghi, I. S. M., & Mendes, M. P. L., & Porto, K. S. (2021). A ludicidade na EJA/Campo no contexto de uma escola da Comunidade de
Matinha dos Pretos, Feira de Santana - BA...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e9700
10.20873/uft.rbec.e9700
2021
ISSN: 2525-4863
7
garantir o senso de pertencimento do
estudante ao espaço onde acontece a
mediação de aprendizagens (Borghi &
Porto, 2019).
Quando partimos para a realidade
dos alunos do campo, nos deparamos com
jovens e adultos trabalhadores a quem
foram negadas as condições para a
efetivação do direito à educação. Esta
negação é uma dívida histórica da
sociedade brasileira para com os sujeitos
que fazem parte do segmento EJA/campo.
Inspiradas em Freire (1967), podemos
afirmar que a EJA e a Educação do Campo
são tratadas como territórios marcados por
lutas e conquistas históricas no campo da
educação e, por se tratar de experiências
educacionais historicamente
negligenciadas pelas políticas públicas
educacionais, constituem-se também
enquanto campo de importantes lutas pelo
processo de democratização da sociedade
brasileira.
Para autores como Caldart e Molina
(2011) e Arroyo (2017), a Educação do
Campo surge da luta dos movimentos
sociais do campo pelo direito à educação,
associada, principalmente, à luta pela terra
que gera trabalho e cidadania. Para estes
autores, esta não pode ser qualquer
educação, mas uma educação que se
contrapõe à subordinação e às relações de
poder e de dominação da população
campesina à cultura urbanocêntrica.
A educação do campo é aquela que
trabalha os interesses, a política, a
cultura e a economia dos diversos
grupos de trabalhadores e
trabalhadoras do campo, nas suas
diversas formas de trabalho e de
organização, na sua dimensão de
permanente processo, produzindo
valores, conhecimentos e tecnologias
na perspectiva do desenvolvimento
social e econômico igualitário desta
população (Araújo & Porto, 2019, p.
4).
As ideias desses autores dialogam
com as proposições de Paulo Freire (1967),
ao afirmar que o papel primordial da
educação na construção da formação dos
sujeitos é o de sua libertação, levando-os a
compreender o mundo no qual estão
inseridos, as possibilidades de sua
transformação e, em consequência, a
transformação do mundo.
Coadunando com as ideias de Freire
(1967), defendemos que a transformação
não se por um modelo de educação
bancária, na qual o sujeito que aprende é
um sujeito passivo, um ser que não reflete,
mas por meio de uma educação que liberta
e que vai além dos saberes puramente
técnicos e nos dá a condição de refletir
sobre quem somos, por que somos e para
que somos formados.
Dessa maneira, evidencia-se que as
propostas pedagógicas para a EJA/Campo
precisam atender às necessidades
Souza, S. V., Borghi, I. S. M., & Mendes, M. P. L., & Porto, K. S. (2021). A ludicidade na EJA/Campo no contexto de uma escola da Comunidade de
Matinha dos Pretos, Feira de Santana - BA...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e9700
10.20873/uft.rbec.e9700
2021
ISSN: 2525-4863
8
específicas dos sujeitos da EJA,
considerando também às particularidades
de quem vive e trabalha no campo. É
importante ressaltar, ainda, que nem
sempre o currículo e os conteúdos estão
adaptados para os alunos do campo, o que
dificulta a aprendizagem dos
conhecimentos socializados na escola e o
diálogo com as demandas da vida no
campo fica desencontrado, o que não
permite ao estudante da EJA/Campo
encontrar o sentido dos conteúdos
socializados para a produção da vida no
campo.
Com relação aos conceitos de EJA e
Educação do Campo, Arroyo (2017)
defende que as conquistas da Educação de
Jovens e Adultos permanecem integradas
com os movimentos sociais dos
trabalhadores do campo, que passaram a
exigir maior engajamento político do
direito à Educação dos estudantes da EJA,
valorizando o trabalho do campo e
defendendo a cidadania. A partir da luta e
resistência desses trabalhadores, novas
concepções de ensino foram emergindo e,
por meio de organização de fóruns de EJA,
construção de políticas públicas especificas
para atender demandas especificas dos
estados, foram se consolidando
experiências de educação mais digna e
humana, a fim de combater a exclusão
social que, ao longo da história, vitimou os
sujeitos da EJA.
Para Arroyo (2017), isso trouxe a
representação e conscientização do direito
a terra, trabalho, justiça, igualdade,
conhecimento, cultura, saúde e educação.
E o reconhecimento dos sujeitos jovens,
adultos e idosos do campo, enquanto
sujeitos de direitos, se através da
realização de lutas e ações de mulheres e
homens do campo. Sendo assim Alencar,
Santos e Carvalho, (2016, p. 63)
contribuem com essa discussão, afirmando
que:
A Educação de Jovens e Adultos EJA
e Educação do campo, como campos
de conhecimento em diálogo,
produzem um fazer pedagógico
potencializador de experiências
diversas e algumas inovadoras;
porém suas bases de construção são,
muitas delas, de difíceis conquistas
porque exigem a desconstrução de
um modelo de mundo solidificado
nas bases do capital e do mercado.
Mas, não impossíveis. Cada aluno/a
que frequenta as classes da EJA
destinada à população do campo são
exemplos de renovação e da
construção de uma etapa diferente
daquela que muitos de nós
conhecemos (Alencar, Santos &
Carvalho, 2016, p. 63).
Nessa perspectiva, Arroyo (2017)
afirma que a EJA deve atender às
necessidades dos indivíduos que, muitas
vezes, vão do trabalho direto para a sala de
aula, moram em bairros ou comunidades
distantes da unidade de ensino, e são de
Souza, S. V., Borghi, I. S. M., & Mendes, M. P. L., & Porto, K. S. (2021). A ludicidade na EJA/Campo no contexto de uma escola da Comunidade de
Matinha dos Pretos, Feira de Santana - BA...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e9700
10.20873/uft.rbec.e9700
2021
ISSN: 2525-4863
9
diversas identidades coletivas,
provenientes do território social e espacial
que ocupam. O autor ressalta que o
currículo da EJA deve ser repensado para
que seja possível aprofundar
conhecimentos e atender à dinâmica que
compõe a produção e exploração do
trabalho, visto que os alunos da Educação
de Jovens e Adultos são trabalhadores que
buscam sobreviver na sociedade.
Nesse contexto, cabe-nos ressaltar
que os componentes território, natureza
(ambiente), a soberania popular
(cidadania), a resistência crítica e
democrática e a renovação das lutas e dos
ambientes institucionais, bem como as
questões políticas, socioeconômicas,
culturais, científicas e tecnológicas são
subsídios transversos da Educação do
Campo (Ferreira & Porto, 2020), em
especial da EJA/Campo. Uma vez que a
EJA e a Educação do Campo devem
resguardar uma concepção educativa que
se materialize na escola, de modo que esta
escola seja do campo e não apenas para o
campo. Vivenciar uma proposta educativa
do campo e no campo necessita da
identificação e da edificação de uma
identidade escolar banhada pela
territorialidade e toda sua historicidade,
cultura e formas de viver (Santos & Porto,
2020).
Percebe-se que o diálogo entre as
práticas educativas escolares e as práticas
educativas das comunidades é um dos
principais desafios que a Educação do
Campo, em especial a EJA/Campo, tem
enfrentado. Isso significa que o
fortalecimento de uma educação do campo
e no campo não pode prescindir de um
currículo conectado com as demandas dos
estudantes camponeses.
A Educação de Jovens e Adultos
destinada aos sujeitos do Campo precisa
oferecer subsídios para garantir as
aprendizagens dos conhecimentos
disponibilizados pela escola e, ao mesmo
tempo, melhorar suas condições de vida.
Pois o acesso à educação é parte dos
direitos que foram negados aos sujeitos
pauperizados e, portanto, os
conhecimentos apreendidos na escola
devem contribuir para melhorar as
condições de produção da vida de Jovens e
Adultos no campo.
Alinhar uma educação pública para
os jovens e adultos do campo com a
construção de um projeto de mundo nas
bases da igualdade, solidariedade e justiça
é, sem dúvida, o desafio que educadores,
educandos, movimentos sociais e gestores
públicos devem enfrentar (Santos, Jesus &
Porto, 2020). Desse modo, defendemos
que a prática pedagógica, quando
contextualizada, tem o poder de influenciar
Souza, S. V., Borghi, I. S. M., & Mendes, M. P. L., & Porto, K. S. (2021). A ludicidade na EJA/Campo no contexto de uma escola da Comunidade de
Matinha dos Pretos, Feira de Santana - BA...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e9700
10.20873/uft.rbec.e9700
2021
ISSN: 2525-4863
10
o rendimento do aluno e melhorar o
envolvimento das pessoas e, por
consequência, produzir mais conhecimento
(Lopes, Mendes & Faria, 2006).
As atividades lúdicas no ambiente
educativo possibilitam a construção de
ações pedagógicas que buscam a
autoexpressão e socialização dos
indivíduos, uma vez que estes devem ser
estimulados a superarem seus próprios
obstáculos de aprendizagem. De acordo
com Vygotsky (1989), o caráter lúdico
influencia o crescimento do indivíduo,
melhorando seu modo de agir, aumentando
sua curiosidade acerca dos ambientes nos
quais permanece inserido, desenvolve seu
potencial de iniciativa e autoconfiança,
além de contribuir com o desenvolvimento
da linguagem, pensamento e emoções.
Ressalta-se que a rotina juntamente
com a monotonia escolar reduz o
rendimento do aluno, bem como a
motivação pedagógica; enquanto que o
dinamismo e ludicidade das atividades no
repertório escolar repercutem na forma de
explorar o entendimento do aluno,
promovem novas práticas, descortinando
um mundo novo do saber. Isso contribui
para a construção de uma cultura e
conhecimento capazes de mudar o modo
como estudantes e professores lidam com
os processos de construção do
conhecimento.
A EJA precisa ser um ambiente de
estudo prazeroso, motivador, que gere a
satisfação pessoal do aluno. Diante disso, é
preciso pensar em formas de mudanças que
possam contribuir para uma aprendizagem
significativa, incluindo esses atores sociais,
que foram historicamente excluídos dos
processos educativos.
O lúdico gera uma movimentação,
uma ação aliada às estratégias de ensino.
As atividades lúdicas precisam extrapolar a
dimensão da recreação e proporcionar ao
educando uma apropriação de
conhecimentos. Assim sendo, por meio dos
jogos e brincadeiras, pode-se produzir um
ambiente provocador de aprendizagens de
forma leve, significativa e, de maneira
tangível, abranger os aspectos éticos,
estéticos, artísticos, técnicos etc. Diante do
exposto, compartilhamos com Leite e Belo
(2016, p. 14) a compreensão de que:
A ludicidade tem sido uma sugestão
inovadora para a EJA, pois ainda é
percebido que a metodologia aplicada
a esse público ainda se apresenta de
forma tradicional, sem levar em
consideração o conhecimento prévio.
Sendo assim: a ludicidade entra nesse
contexto para fazer com que esses
indivíduos sejam sujeitos de direitos,
participantes e protagonistas de sua
história fazendo-os compreender a
realidade em que vivem, tendo
conhecimento formal como armadura
para protegê-los de uma possível
alienação política. Para isso o lúdico
proporciona a esses indivíduos uma
releitura de mundo, de forma
descontraída e prazerosa, resgatando
valores e alegrias que estavam
Souza, S. V., Borghi, I. S. M., & Mendes, M. P. L., & Porto, K. S. (2021). A ludicidade na EJA/Campo no contexto de uma escola da Comunidade de
Matinha dos Pretos, Feira de Santana - BA...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e9700
10.20873/uft.rbec.e9700
2021
ISSN: 2525-4863
11
adormecidas pelo tempo e pelo
trabalho enfadonho do cotidiano desses
jovens e adultos (Leite & Belo, 2016,
p. 14).
Com base nos autores supracitados, a
ludicidade é considerada um suporte
pedagógico para uma melhor
aprendizagem do aluno, sendo essa
ferramenta uma maneira de ensinar, com
recurso diferenciado, que possibilite ao
aluno uma maior compreensão do
conteúdo abordado.
A ludicidade pode facilitar a prática
da Educação do Campo, permitindo que o
aluno desenvolva suas próprias
capacidades e identifique novos potenciais
para a obtenção do conhecimento e
formação educativa. Isso é fundamental
para o desenvolvimento pessoal, social e
profissional do educando, que, ao se
manter em contato com ações lúdicas,
consegue melhorar sua percepção sobre os
conteúdos antes considerados como
difíceis ou complicados. Dessa maneira, o
lúdico melhora os aspectos intelectuais,
cognitivos e afetivos, pois visa à
apropriação de estratégias construídas com
elementos da vivência e da cultura dos
estudantes.
Como sinalizado, a ludicidade é
um suporte pedagógico e como tal pode ser
utilizado no contexto do ensino de
Ciências. Ensinar Ciências não significa
apenas transmitir informações e apresentar
conteúdos prontos de um livro didático.
Para além disso, o ensino de Ciências, e
aqui nos reportamos ao ensino de Ciências
para alunos do campo, deve contribuir para
a compreensão da realidade, pois aprender
Ciência é aprender uma forma de obter
uma visão crítica do mundo e compreender
como os conteúdos de Ciências da
Natureza podem contribuir para a produção
da vida sustentável no campo.
Nesse sentido, Santos e Porto (2020)
ressaltam que o estudo das Ciências, na
realidade escolar do campo, deve favorecer
o aprendizado sobre os sujeitos que vivem
nele, suas formas de sobrevivência e a
evolução histórica de sua realidade social,
econômica e cultural ao longo do tempo;
dando atenção também à macro realidade,
ou seja, aos aspectos do mundo material
como um todo, abrangendo o meio
ambiente, com seus recursos naturais, e
consequentes transformações ocasionadas
pela ação do homem sobre a natureza; o
conhecimento e a valorização da fauna, da
flora e da vida, em suas mais variadas
espécies e formas; a busca pelo
conhecimento quanto ao Universo, o
Sistema Solar e seus movimentos, dentre
outros.
Nessa perspectiva de ensino, se faz
necessário desenvolver atividades lúdicas
articuladas à atividade científica e ao
contexto do educando, uma vez que não
Souza, S. V., Borghi, I. S. M., & Mendes, M. P. L., & Porto, K. S. (2021). A ludicidade na EJA/Campo no contexto de uma escola da Comunidade de
Matinha dos Pretos, Feira de Santana - BA...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e9700
10.20873/uft.rbec.e9700
2021
ISSN: 2525-4863
12
tem sentido desenvolver atividades
baseadas em modelos fundamentados
somente na explicação do professor e na
realização de resolução de exercícios.
Utilizar a ludicidade como prática
pedagógica é uma das diversas maneiras de
mobilizar a aprendizagem de conteúdos e
tornar o processo de ensino e
aprendizagem mais dinâmico. Porém,
apesar das práticas lúdicas facilitarem a
aprendizagem dos conteúdos, o objetivo
das mesmas, segundo Almeida (2016), não
é apenas levar o estudante a aprender
brincando, mas sim provocar à reflexão, ao
raciocínio e à construção do conhecimento
de maneira que o mesmo possa refletir e
vivenciar de forma prática o conteúdo.
Moreira e Pinto (2003) ressaltam que
para que os alunos possam se interessar e
aumentar seu potencial de percepção para
as leis das Ciências é imprescindível que
possam relacionar o método ou as fórmulas
com os seus conhecimentos prévios. Para
isso, os autores revelam que existe a
necessidade de mudar as propostas
pedagógicas no ensino da Ciência, que o
objetivo envolve a aprendizagem
significativa e não a aprendizagem
mecânica.
Considerando que antes de iniciar a
vida escolar os estudantes da EJA
convivem continuamente com fenômenos e
transformações naturais e com aparatos
tecnológicos em seu cotidiano, o ensino
das Ciências da Natureza na EJA/Campo
deverá partir das concepções prévias
desses estudantes sobre o mundo natural e
social no qual estão inseridos e sobre os
fenômenos e transformações que os
permeiam. A partir dessa primeira leitura
de mundo, os conhecimentos científicos
poderão ser expostos às educandas e aos
educandos, de modo a propiciar o diálogo
do conhecimento científico acadêmico com
o conhecimento popular e proporcionar
momentos de aprendizagem, nos quais os
alunos aprendam novos conhecimentos e
possam vivenciá-los, experimentá-los na
realidade de sua comunidade e no seu
cotidiano (Santos & Porto, 2020).
Essa prática possui grande
relevância, pois contribui para que os
estudantes da EJA/Campo possam
observar a realidade imediata de suas
comunidades, a partir de uma compreensão
mais crítica acerca dos conhecimentos
científicos que nelas se fazem presentes.
Além disso, esse tipo de ação visa ao
resultado de um processo de planejamento
ligado à escolha de conteúdos,
procedimentos, atividades, recursos físicos,
humanos e intelectuais, estratégias,
instrumentos para avaliação, metodologia,
enfim, tudo que propicia maior
entendimento dos assuntos. Cabe ressaltar
que o ensino de Ciências na Educação do
Souza, S. V., Borghi, I. S. M., & Mendes, M. P. L., & Porto, K. S. (2021). A ludicidade na EJA/Campo no contexto de uma escola da Comunidade de
Matinha dos Pretos, Feira de Santana - BA...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e9700
10.20873/uft.rbec.e9700
2021
ISSN: 2525-4863
13
Campo deve buscar superar as dificuldades
dos estudantes em adquirir o
conhecimento, visando desenvolver novas
potencialidades e fortalecer as capacidades
existentes. Sabe-se que as questões
ambientais, ligadas à rotina de trabalho dos
alunos na EJA, podem se transformar em
conteúdos pedagógicos, ampliando as
formas de aprendizagem e,
consequentemente, contribuindo para que
os estudantes permaneçam interessados em
frequentar o ambiente escolar.
Percurso metodológico
Para o desenvolvimento do trabalho
foi utilizada a abordagem qualitativa,
recorrendo à entrevista semiestruturada,
observação e análise do Projeto Político
Pedagógico (PPP) da escola, como
instrumentos para viabilizar o acesso às
informações necessárias ao alcance dos
objetivos deste estudo. Tratou-se de uma
pesquisa qualitativa, por esta abordagem
abranger o conhecimento que é um
“processo dinâmico e inacabado, e servir
como referencial ... das relações sociais,
como forma de busca de conhecimentos
próprios das ciências exatas e
experimentais” (Gerhardt & Silveira, 2009,
p. 17).
Esta pesquisa procurou compreender
o universo particular da EJA/Campo no
que se refere ao uso e importância da
ludicidade como uma ferramenta
pedagógica nesta modalidade educativa.
Com o intuito de responder ao objetivo
desta investigação, participou da pesquisa
uma docente que ministra aula no
componente curricular na EJA/Campo, em
uma escola quilombola, da Rede Municipal
de Feira de Santana-BA. Durante a
pesquisa foi estabelecida uma relação de
diálogo com a professora que participou do
estudo, mantendo um debate harmonioso
entre os investigadores e a investigada, por
meio de entrevistas semiestruturadas. Cabe
ressaltar que o diálogo harmônico foi
possível em razão da flexibilidade
proporcionada pela entrevista
semiestruturada, que permite ao
pesquisador seguir determinadas questões
previamente definidas, se assemelhando a
uma conversa informal (Lakatos &
Marconi, 2010).
Para viabilizar o diálogo, foi
necessária maior flexibilidade na conversa,
especialmente quando surgiam elementos
pertinentes no momento da entrevista que
não estavam previstos nas expectativas da
pesquisa. Por isso a importância de
escolher esse caminho metodológico, a fim
de acessar melhor o conhecimento da
docente entrevistada.
O primeiro contato para a realização
da pesquisa foi com a vice-diretora,
quando explicamos o tipo de estudo a ser
Souza, S. V., Borghi, I. S. M., & Mendes, M. P. L., & Porto, K. S. (2021). A ludicidade na EJA/Campo no contexto de uma escola da Comunidade de
Matinha dos Pretos, Feira de Santana - BA...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e9700
10.20873/uft.rbec.e9700
2021
ISSN: 2525-4863
14
realizado e apresentada a temática da
pesquisa, juntamente com a carta de
apresentação, o termo de anuência da
escola e o termo de consentimento livre e
esclarecido. Após a apresentação dos
documentos, foi obtida a resposta
favorável ao desenvolvimento da atividade
proposta e assinado o termo de anuência
pela diretora, para então procedermos com
a coleta das informações.
A entrevista foi realizada com uma
professora de Ciências da Natureza, não
havendo critério de escolha da professora,
pois a escola possuía uma única
professora deste componente curricular na
EJA. Assim, para fins de preservação da
identidade da professora, optamos por não
identificar o nome da escola. Esta
profissional possui formação em Ciências
Biológicas e trabalha na escola nos três
turnos. Além disso, atua como docente
19 anos e na EJA há 9 anos. Após conversa
com a professora, entregamos duas cópias
de igual teor do termo de consentimento
livre e esclarecido, que após lidas, foram
assinadas pela professora e pelos
pesquisadores, seguindo todas as
orientações e aspectos éticos da resolução
466 de 2012, do Conselho Nacional de
Saúde. Somente de posse desse documento
devidamente assinado, iniciamos a
entrevista, tomando como base oito
questões norteadoras, com enfoque na
concepção e importância da ludicidade na
EJA/Campo. Posteriormente, foi feita a
observação sistemática das aulas
ministradas pela docente, a fim de entender
em que medida as atividades lúdicas eram
desenvolvidas em sala de aula.
Em se tratando de entrevista e
observações, Ludke e André (1986)
afirmam que estes instrumentos ocupam:
... um lugar privilegiado nas novas
abordagens de pesquisa educacional.
Usada como o principal método de
investigação ou associada a outras
técnicas de coleta, a observação
possibilita um contato pessoal e
estreito do pesquisador com o
fenômeno pesquisado, o que
apresenta uma série de vantagens.
Em primeiro lugar, a experiência
direta é sem dúvida o melhor teste de
verificação da ocorrência de um
determinado fenômeno. "Ver para
crer", diz o ditado popular (Ludke &
André, 1986, p. 86).
As observações ocorreram no estágio
V, que corresponde ao e ano do
ensino fundamental e, como discutem
Ludke e And (1986), a observação é o
momento de conhecer de perto a prática de
sala de aula, mesmo conhecendo a
realidade da escola, essa foi uma
experiência singular, pela possibilidade de
observar a prática com foco na ludicidade,
compreendendo os desafios, possibilidades
que tantas vezes são desperdiçados por
falta de maior aproximação com a
realidade dos estudantes e com as
discussões específicas da EJA/Campo.
Souza, S. V., Borghi, I. S. M., & Mendes, M. P. L., & Porto, K. S. (2021). A ludicidade na EJA/Campo no contexto de uma escola da Comunidade de
Matinha dos Pretos, Feira de Santana - BA...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e9700
10.20873/uft.rbec.e9700
2021
ISSN: 2525-4863
15
Foi durante o período de observação
que percebemos o quanto o diálogo entre a
realidade dos estudantes e a ludicidade
pode contribuir para mobilizar as
aprendizagens dos conteúdos, estreitando
as relações entre trabalho e educação e
evitando práticas infantilizadoras.
O dico no Projeto Político Pedagógico
da escola
A análise documental do Projeto
Político Pedagógico (PPP) da escola se
tornou necessária, sendo este tipo de
análise uma técnica valiosa para
complementar as informações obtidas na
entrevista com a professora, desvendando
aspectos que podem não ser evidenciados
durante a entrevista.
Para Vasconcelos (2000), o PPP
constitui a sistematização das diretrizes de
trabalho da escola e deve fazer parte do
processo de construção participativo desta,
que vai definir as ações educativas a serem
desenvolvidas neste ambiente. É um plano
de organização do trabalho que a escola se
propõe a realizar. O PPP pesquisado foi
elaborado pela comunidade escolar,
definido pela Secretaria de Educação do
Município de Feira de Santana-BA
(SEDUC), que solicitou a Unidade de
Ensino que realizasse as adequações
necessárias para a implementação da
modalidade Educação Escolar Quilombola,
porque a escola está localizada numa
comunidade quilombola.
Diante da solicitação, essa proposta
pedagógica foi construída coletivamente,
levando em consideração tanto a cultura
local, como a ancestralidade, as questões
étnicas, sociais e políticas do lugar. De
acordo com o PPP, a escola busca trabalhar
sua proposta pedagógica para a formação
de cidadãos com senso crítico e reflexivo,
possibilitando a interpretação da vida e do
mundo.
Conforme o documento da escola
pesquisada, a instituição busca ainda
formar alunos como sujeitos livres e
conscientes dos seus direitos e deveres,
garantindo assim um exercício pleno da
sua cidadania em sociedade, contribuindo
significativamente para a melhoria de suas
vidas. De acordo com o PPP, a escola deve
difundir esses aspectos como processo de
identidade dos estudantes quilombolas.
O PPP propõe também que a escola
estimule o aluno a adquirir hábitos e
habilidades favoráveis ao trabalho em
grupo. Ao pensar no desenvolvimento dos
alunos, a escola busca ampliar em sua
prática pedagógica estratégias de ensino
diversificadas, com a criação de projetos
que envolvam todo âmbito escolar: essas
atividades diferenciadas têm a participação
efetiva de alunos do matutino e vespertino
Souza, S. V., Borghi, I. S. M., & Mendes, M. P. L., & Porto, K. S. (2021). A ludicidade na EJA/Campo no contexto de uma escola da Comunidade de
Matinha dos Pretos, Feira de Santana - BA...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e9700
10.20873/uft.rbec.e9700
2021
ISSN: 2525-4863
16
e, no noturno com a modalidade da EJA,
ainda são apresentadas de forma tímida.
As estratégias diversificadas
utilizadas são: projetos, gincana, feiras,
oficinas, apresentações culturais,
atividades relacionadas às datas
comemorativas, como a semana da
consciência negra, dentre outras, que são
atividades dicas. Todavia, torna-se
necessário trabalhar estas atividades
articuladas aos conteúdos curriculares, para
que não se restrinjam apenas a diversão,
mas passem a fazer parte da prática
pedagógica da escola, se configurando
como atividades significativas para o
aprendizado coletivo dos alunos da
EJA/Campo.
Diálogo entre ludicidade e a experiência
da professora de Ciências da Escola da
Comunidade Matinha dos Pretos
Nesta seção, apresentamos os
resultados da entrevista com a professora
identificada com o nome fictício de Flávia,
atualmente professora da EJA/Campo.
Nesta reflexão, buscamos dialogar sobre a
importância da ludicidade na EJA/Campo,
visando uma investigação que proporcione
o entendimento da concepção da
professora acerca desta ferramenta nas
aulas ministradas para jovens e adultos.
Quando indagada sobre o tema
proposto, as respostas foram bem
objetivas. Em relação a sua compreensão
de ludicidade, a professora afirma que “são
jogos e brincadeiras utilizadas em
atividades, com o objetivo de desenvolver
nas pessoas envolvidas habilidades/ou
competências, aprendizados de forma
divertida” (Flávia, 2018).
De acordo com a resposta da
docente, verifica-se que ela possui
conhecimentos acerca dos objetivos da
ludicidade, no entanto essa estratégia de
ensino não deve ser vista apenas como
jogos e brincadeiras. De acordo com
Luckesi (2014, p. 18), a ludicidade é
definida como: “... um estado interno, que
pode advir das mais simples as mais
complexas atividades e experiências
humanas. Não necessariamente a
ludicidade provém do entretenimento ou
das brincadeiras. Pode advir de qualquer
outra atividade que faça os olhos
brilharem”.
A ludicidade não é igual para todos.
Experiências que podem gerar satisfação
para um, podem não apresentar o mesmo
resultado para outro. Dessa forma, que
se considerar que as práticas pedagógicas
na EJA/Campo precisam ser
desempenhadas em razão de um fazer
criativo e lúdico, permitindo o
entendimento da realidade dos estudantes,
para que eles alcancem maior sentido na
aprendizagem.
Souza, S. V., Borghi, I. S. M., & Mendes, M. P. L., & Porto, K. S. (2021). A ludicidade na EJA/Campo no contexto de uma escola da Comunidade de
Matinha dos Pretos, Feira de Santana - BA...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e9700
10.20873/uft.rbec.e9700
2021
ISSN: 2525-4863
17
Quando abordada sobre o uso de
atividades lúdicas em suas aulas, com
estudantes da EJA, a docente afirmou que
adota estas ações em algumas ocasiões,
pois:
... devido à dificuldade de materiais
didáticos adequados e também à
dificuldade de entrosamento dos
alunos, que não querem participar de
algo novo, preferem a aula
expositiva. Os alunos também se
mostram desinteressados e com
comportamento inadequado, sendo
um grande desafio introduzir
atividades lúdicas em sala (Flávia,
2018).
A docente diz ainda que os alunos
que preferem aulas expositivas são os
alunos mais velhos, acostumados ao
tradicionalismo do quadro, livro e caderno.
Esses alunos são citados como tímidos, não
se sentindo à vontade para participar de
atividades diferenciadas. A professora
salientou que quando utiliza estratégias
lúdicas em sala faz uso de experimentos,
oficinas, cartazes, mural, e apresentações
culturais.
Para driblar esses desafios,
sinalizados pela docente, Luckesi (2014)
propõe que a ludicidade na maturidade
deve ser praticada a partir de ações como
pintura, música, escrita, e outras atividades
que aliem o entretenimento e lazer ao
aprendizado significativo.
É preciso refletir sobre a melhor
forma de trabalhar a ludicidade na
realidade da EJA/Campo, em uma
comunidade quilombola, a fim de valorizar
o trabalho e as experiências construídas
pelos alunos em sua vida cotidiana, uma
vez que estas experiências podem ser
transformadas em conteúdos pedagógicos.
Nesta busca, a professora Flávia trata
da reação dos alunos perante os trabalhos
efetuados com ludicidade, a professora
afirma que “alguns têm dificuldade de
entrosamento e não querem participar de
algo novo, preferindo aula expositiva”.
Reafirmando o que tinha dito
anteriormente, a professora se posiciona
sobre o papel da ludicidade na
aprendizagem dos estudantes da EJA,
afirmando que
Atividades lúdicas facilitam a
aprendizagem, no entanto essa não
deve ser a única, a aula expositiva
também se mostra muito importante.
A ludicidade facilita a aprendizagem,
pois o educando consegue
compreender na prática os conteúdos
trabalhados teoricamente durante as
aulas expositivas. A ludicidade é um
complemento para o aprendizado do
aluno. As duas estratégias de ensino
devem caminhar juntas para um
melhor resultado (Flávia, 2018).
Embora a professora trabalhe a
ludicidade de vez em quando, a mesma a
considera como importante ferramenta no
processo de ensino e de aprendizagem,
considerando uma forma de mobilizar a
aprendizagem de maneira divertida,
tornando as aulas teóricas enriquecedoras.
Souza, S. V., Borghi, I. S. M., & Mendes, M. P. L., & Porto, K. S. (2021). A ludicidade na EJA/Campo no contexto de uma escola da Comunidade de
Matinha dos Pretos, Feira de Santana - BA...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e9700
10.20873/uft.rbec.e9700
2021
ISSN: 2525-4863
18
Na EJA/Campo, o lúdico precisa ser
trabalhado a partir das experiências de vida
dos estudantes, ampliando as
possibilidades de aprendizado, pois
constitui-se um instrumento metodológico
que pode oferecer maior sentido ao
conhecimento, deixando as aulas mais
prazerosas e possibilitando o diálogo com
a vida cotidiana do estudante do campo.
Para Oliveira (2016, p. 02) é este sentido
que a EJA trabalhada com ludicidade “...
pode tornar-se para os educandos um
espaço privilegiado de formação com
metodologias divertidas e dinamizadas,
desfrutando de momentos prazerosos ao
mesmo tempo construindo um
conhecimento escolar agradável”.
Considerando que a escola está
inserida em uma comunidade quilombola,
é preciso considerar que as festas e as
manifestações culturais são características
de sua existência, enquanto comunidade
quilombola com muitos saberes ancestrais
marcados pelos afetos. Nos períodos
festivos, os laços e vínculos da
comunidade são fortalecidos pela fé, sendo
possível retornar às suas origens e
contribuir com a continuação de crenças e
rituais praticados por seus antepassados.
Nesse sentido, a professora poderia
aproveitar essa riqueza de simbolismo
cultural e religioso para implementar as
práticas educativas lúdicas na escola, de
modo a permitir que os costumes e crenças
dos povos quilombolas sejam
transformados em conteúdos pedagógicos.
Talvez uma das possibilidades seria
articular a Ludicidade com a Pedagogia da
Alternância, a qual entendemos com Silva
(2003) como conjunto de estratégias de
escolarização para possibilitar aos jovens e
‘Adultos’ conciliar a formação escolar com
atividades desenvolvidas na unidade
produtiva familiar, vinculando família e
cultura camponesa.
Na visão de Silva (2009), a
organização das práticas pedagógicas e
mediação dos conteúdos nas escolas do
campo requer que se considerem as
condições sociais, políticas e culturais da
comunidade onde os estudantes estão
inseridos. Com isso, será possível aliar os
conteúdos teóricos com os conhecimentos
obtidos e construídos fora da escola,
fomentando a ampliação e transformação
dos saberes aprendidos de maneira mais
dinâmica, permitindo que os alunos da EJA
permaneçam ativos em seu próprio
desenvolvimento. Nesses termos, a
Pedagogia da Alternância é um caminho
promissor para alinhar os conteúdos
teóricos com os saberes produzidos fora do
espaço escolar e, portanto, pode ser
considerada uma proposta viável para
balizar as práticas pedagógicas na
EJA/Campo.
Souza, S. V., Borghi, I. S. M., & Mendes, M. P. L., & Porto, K. S. (2021). A ludicidade na EJA/Campo no contexto de uma escola da Comunidade de
Matinha dos Pretos, Feira de Santana - BA...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e9700
10.20873/uft.rbec.e9700
2021
ISSN: 2525-4863
19
A prática pedagógica na educação do
campo baseada na Pedagogia da
Alternância é voltada para a formação do
povo do campo, que consiste na
organização escolar diferenciada, onde os
estudantes articulam os conteúdos com os
saberes adquiridos na dinâmica do trabalho
(Porto, Duboc & Ribeiro, 2021).
Entendendo o trabalho como um princípio
educativo que envolve condições sociais e
culturais. Uma ludicidade que se
desenvolve no contexto de produção de
vida dos sujeitos não será vista pelos
estudantes com estranhamento. Essa é uma
experiência inspiradora e pode ser capaz de
fomentar um fazer educativo criativo e
lúdico, oferecendo maior sentido à
aprendizagem dos estudantes da
EJA/Campo, de modo que os conteúdos
ensinados façam parte da realidade dos
estudantes.
Com relação aos desafios e
possibilidades do trabalho com ludicidade
na EJA/Campo, a professora Flávia
ressalta que:
Um dos desafios é encaixar atividade
e conteúdo de forma lúdica numa
carga horária tão reduzida e também
fica difícil a inclusão das atividades
didáticas pedagógicas no
planejamento anual das disciplinas,
levando em consideração as séries
dos alunos e a realidade local (Flávia,
2018).
Foi perguntado também sobre o
papel das atividades lúdicas na relação
aluno/aluno e professor/aluno, sendo
evidenciado que:
É uma possibilidade de
entrosamento, socialização e
participação. Durante a realização de
atividades lúdicas ocorrem momentos
de interação entre os alunos. Essa
interação ajudara na compreensão
dos conteúdos propostos, estimulados
por situações que envolvem
descontração e estímulo a
aprendizagem (Flávia, 2018).
Outra questão buscou identificar se a
escola costuma proporcionar experiências
lúdicas aos alunos. Segundo Flávia, a
escola oferta essas ações, apresentando
maior participação dos alunos ingressantes
no período diurno. Verificou-se ainda que
dentre as atividades lúdicas mais
desenvolvidas na escola estão “alguns
projetos ao longo do ano, desenvolvidos
em todas as turmas, envolvendo todas as
disciplinas, com temas como
sustentabilidade na escola, reciclagem de
óleo usado para transformar em sabão,
semana da consciência negra, horta na
escola etc.” (Flávia, 2018).
Por fim, dialogamos sobre como
evitar o “fracasso” e a evasão escolar, uma
das grandes preocupações da EJA/Campo.
Foi perguntado à professora quais os
fatores que provocam a evasão e quais
metodologias podem contribuir para a
permanência do estudante da EJA na
Souza, S. V., Borghi, I. S. M., & Mendes, M. P. L., & Porto, K. S. (2021). A ludicidade na EJA/Campo no contexto de uma escola da Comunidade de
Matinha dos Pretos, Feira de Santana - BA...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e9700
10.20873/uft.rbec.e9700
2021
ISSN: 2525-4863
20
escola. Flávia se posicionou afirmando
que:
Sabemos que a EJA é uma realidade
bem diferente do diurno; na maioria
são alunos, que por diversos motivos
se afastaram dos estudos e
retornaram mais tarde para conclui-
los. Os mais jovens costumam evadir
por questões comportamentais
(entorpecentes, conduta), os mais
velhos por trabalho, família.
também as dificuldades de
locomoção e transporte, período de
chuvas, onde são realizadas as
plantações e esses alunos pelo
cansaço do trabalho árduo na roça,
acabam faltando bastante as aulas.
também na escola os alunos da
EJA, que trabalham no comércio,
indústrias e como diaristas. Diante
desses motivos o aluno se afasta,
naturalmente, impossibilitando a
continuidade dos estudos. Nesses
casos, a escola não tem muito o que
fazer para mantê-los em sala de aula
(Flávia, 2018).
Conforme as diretrizes operacionais
da Educação do Campo (Brasil, 2002), a
aceitação e inserção dos alunos na EJA
podem ser promovidas mediante a
facilitação da participação deles nas
atividades pedagógicas. Segundo as
diretrizes educacionais da Educação do
Campo, os povos do campo
i
têm direito à
alteração do calendário letivo para atender
suas demandas de trabalho. Ou seja,
suspensão das aulas nos períodos em que
as atividades agrícolas são mais intensas.
Nesse contexto, mais uma vez nos
reportamos à importância da Pedagogia da
Alternância que, conforme relatam Silva e
Miranda (2012), facilita a inclusão dos
estudantes na EJA, de modo a flexibilizar
os horários e os conteúdos que fazem parte
do currículo escolar, valorizando-os
enquanto sujeitos ativos no processo de
aprendizado e de trabalho. Assim, a
Pedagogia da Alternância e a ludicidade
podem contribuir para uma aprendizagem
que integre trabalho e escola, melhore a
permanência dos alunos do campo na sala
de aula, evitando o distanciamento da
escola, pois muitos deles trabalham
durante o dia e, no período noturno, estão
cansados, o que dificulta a dedicação aos
estudos ou o deslocamento até a unidade
de ensino.
As vivências durante o tempo
Comunidade criarão relações afetivas
significativas entre os alunos do campo,
pois trazem à tona conhecimentos em
comum e diferentes, que podem ser
compartilhados, onde o cotidiano das
famílias quilombolas pode ser discutido,
valorizando as lutas, aspirações, crenças e
costumes.
Com os dados obtidos durante a
entrevista com a professora, percebemos
que ela compreende o que é ludicidade e
como essa ferramenta pode contribuir de
forma significativa para o processo de
ensino e de aprendizagem de alunos da
EJA. No entanto, uma contradição nas
respostas da educadora, pois se levarmos
Souza, S. V., Borghi, I. S. M., & Mendes, M. P. L., & Porto, K. S. (2021). A ludicidade na EJA/Campo no contexto de uma escola da Comunidade de
Matinha dos Pretos, Feira de Santana - BA...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e9700
10.20873/uft.rbec.e9700
2021
ISSN: 2525-4863
21
em consideração o discurso da mesma e o
que foi observado na prática e na resposta
anterior da professora, quando afirma que
usa a ludicidade apenas de vez em quando,
um grande distanciamento entre o que
pensa sobre ludicidade e o que é feito na
prática. Esse entendimento se justifica com
a observação das aulas, visto que a
professora priorizava a explanação dos
assuntos a partir da escrita de algumas
observações no quadro e seguindo
fielmente o livro didático.
A pesquisa revelou que na escola
trabalhos que envolvem atividades lúdicas.
Essas estratégias são adotadas em algumas
ocasiões, como relatado pela professora e
descrito no PPP da instituição. Essas
atividades são realizadas esporadicamente
em datas comemorativas e em eventos
realizados pela escola, sem levar em
consideração que o lúdico precisa ser um
trabalho contínuo durante a mediação dos
conteúdos programáticos, sendo valorizado
o conhecimento prévio do aluno e uma
relação intensa com as práticas
socioculturais presentes no cotidiano dos
estudantes da EJA/Campo e não apenas
trabalhos pontuais em algumas
circunstâncias. Todavia, precisamos
reconhecer o esforço da professora, haja
vista que dentro das condições de
possibilidades que tem, ela se esforça para
fazer o que considera melhor para o grupo.
O que não podemos é fechar os olhos para
a negligência do poder público, sobretudo,
no que se refere à formação continuada na
especificidade da EJA/Campo.
Considerações finais
Considerando o objetivo geral deste
estudo, compreender as concepções de
ludicidade de uma professora de Ciências
que atua na EJA/Campo e a importância
atribuída a essa ferramenta pedagógica no
ensino de Ciências, na comunidade de
Matinha dos Pretos, município de Feira de
Santana/BA, percebe-se que a concepção
da professora participante da pesquisa
sobre ludicidade aproxima-se de uma
ludicidade que utiliza os jogos e
brincadeiras como forma de abordar as
questões do contexto do aluno.
Durante a pesquisa, observamos que
a professora era muito dedicada, mas não
tinha condições objetivas para desenvolver
uma prática lúdica, em conexão com as
dinâmicas de vida dos estudantes, o que
significa trabalhar a ludicidade por meio
dos fenômenos sociais e culturais que
compõem a vida do estudante campesino.
Nossa luta por educação de qualidade para
os sujeitos dessa modalidade educativa
precisa incluir práticas pedagógicas
vinculadas à realidade dos estudantes em
processo de aprendizagem, a fim de
assegurar maiores oportunidades de
Souza, S. V., Borghi, I. S. M., & Mendes, M. P. L., & Porto, K. S. (2021). A ludicidade na EJA/Campo no contexto de uma escola da Comunidade de
Matinha dos Pretos, Feira de Santana - BA...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e9700
10.20873/uft.rbec.e9700
2021
ISSN: 2525-4863
22
desenvolvimento. Os professores também
precisam se engajar em formações
continuadas, voltadas para as
especificidades da EJA e da Educação do
Campo, para aprimorar conhecimentos e
desenvolver novas estratégias de ensino
que respondam efetivamente às demandas
dos sujeitos da EJA. Todavia, a
responsabilidade pela busca do
aperfeiçoamento não pode ser delegada
somente ao(à) professor(a). As secretarias
de educação precisam planejar formação
continuada, especificas para os professores
que trabalham na EJA/Campo, sem
penalizar seus dias de descanso.
Sobre a concepção e importância da
ludicidade na Educação de Jovens e
Adultos, conforme exposto no referencial
teórico e na entrevista da professora, a
ludicidade inserida no contexto escolar e
cotidiano do aluno supera o caráter de
brincadeira, e precisa ser utilizada como
uma ferramenta para a promoção de
propostas pedagógicas que despertem
prazer, contribuindo para a aprendizagem
do aluno de forma qualitativa,
principalmente nesta modalidade de
ensino, composta por atores sociais que
foram excluídos dos processos
educacionais formais.
As atividades lúdicas na EJA/Campo
em uma escola pública da comunidade
quilombola de Feira de Santana, foco deste
estudo, aponta para o desafio de trabalhar
mais com a realidade vivenciada pelos
alunos, diariamente, em seu cotidiano. É
necessário considerar, ainda, os aspectos
culturais e sociais que envolvem seus
costumes e crenças, de modo a valorizar
essas manifestações e inseri-las em sala de
aula como conteúdos pedagógicos. A
ludicidade nesse contexto é praticada
quando os alunos passam a reconhecer e
experimentar os conhecimentos provindos
de sua realidade como conteúdos
educativos, compartilhando saberes e
obtendo maior potencial crítico e reflexivo,
tornando-se sujeitos ativos de seu próprio
aprendizado.
Evidenciou-se que os alunos são
tímidos e, por esta razão, são praticadas
poucas atividades lúdicas em sala de aula.
Além disso, a escola não apresenta
materiais didáticos adequados e muitos
alunos preferem aulas tradicionais e
expositivas. Com isso, sugere-se a
realização de debates, seminários e rodas
de conversas sobre as experiências vividas
pelos alunos em sua rotina de trabalho, a
fim de compartilhar informações e
possibilitar o alcance de maior
conhecimento a partir da coletividade e
trabalho em grupo. Outras atividades
aliadas ao entretenimento e lazer também
podem ser desenvolvidas, a fim de ampliar
o caráter lúdico e tornar o aprendizado
Souza, S. V., Borghi, I. S. M., & Mendes, M. P. L., & Porto, K. S. (2021). A ludicidade na EJA/Campo no contexto de uma escola da Comunidade de
Matinha dos Pretos, Feira de Santana - BA...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e9700
10.20873/uft.rbec.e9700
2021
ISSN: 2525-4863
23
mais dinâmico e prazeroso. Porém é de
fundamental importância que a escola não
busque a prática de ações simplistas que
trazem apenas diversão, mas sim o
conhecimento com a vivência, que
contribuirá para a formação do potencial
crítico e reflexivo dos discentes.
Com isso, para viabilizar a
aprendizagem na EJA/Campo, propõe-se a
adoção da Pedagogia da Alternância com
atividades lúdicas, onde as propostas
educativas se dividem em tempo-escola e
tempo-comunidade, incentivando a
integração entre a realidade e vivências em
comunidade dos alunos com os conteúdos
curriculares, associando teoria e prática.
Esta pedagogia, quando apoiada pelo
caráter da ludicidade, é capaz de ampliar,
de maneira significativa, o potencial de
aprendizado dos alunos, pois incentiva um
saber criativo, dinâmico e mais prazeroso,
especialmente para os alunos dessa
modalidade educativa que enfrentam
diversas dificuldades para frequentarem as
salas de aula.
Sugere-se, portanto, o
desenvolvimento de uma experiência
piloto para se trabalhar na EJA/Campo
com a Pedagogia da Alternância, de modo
a flexibilizar os horários e conjugar os
conteúdos escolares com as atividades
desenvolvidas nas unidades produtivas dos
estudantes, para contribuir com a
permanência dos estudantes na EJA,
valorizando-os enquanto sujeitos ativos no
processo de aprendizagem e nos seus
espaços de trabalho. Assim, a Pedagogia
da Alternância pode possibilitar a
mediação de práticas educativas que
busquem incentivar a permanência dos
estudantes na escola e fomentar a obtenção
de conhecimentos significativos,
perspectivando a transformação das
condições de produção da vida dos sujeitos
que vivem e trabalham no campo.
Referências
Ajala, M. C. (2011). Aluno EJA: motivos
de abandono e retorno escolar na
modalidade EJA e expectativas pós EJA
em Santa Helena-PR. Medianeira-PR:
Leitura.
Alencar, F. S., Santos, S. M., & Carvalho,
W. L. (2016). Educação de Jovens e
Adultos e Educação do Campo: um
diálogo para o fortalecimento de direitos
do trabalhador/a campesino/a. Recuperado
de: http://www.coloquio.paulofreire.org.br.
Almeida, C. M. M. (2016). O uso do lúdico
no ensino de ciências: jogo didático sobre a
química atmosférica. Revista Góndola:
Enseñanza y Aprendizaje de las Ciências,
11(2), 25-36.
https://doi.org/10.14483/udistrital.jour.gdla
.2016.v11n2.a5
Apaz, M. F. (2012). A relação entre o
aprender e o brincar: uma perspectiva
psicopedagógica. Recuperado de:
http://www.abpp.com.br/artigos/131.pdf.
Araújo, A. S., & Porto, K. S. (2019).
Vivências de estágio supervisionado em
Souza, S. V., Borghi, I. S. M., & Mendes, M. P. L., & Porto, K. S. (2021). A ludicidade na EJA/Campo no contexto de uma escola da Comunidade de
Matinha dos Pretos, Feira de Santana - BA...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e9700
10.20873/uft.rbec.e9700
2021
ISSN: 2525-4863
24
Ciências da Natureza em uma escola do
campo: reflexão das práticas pedagógicas
na formação inicial de professores da
Educação do Campo. Revista Brasileira
De Educação Do Campo, 4, e4132.
https://doi.org/10.20873/uft.rbec.v4e4132
Arroyo, M., Caldart, R. S., & Molina, M.
C. (2011). Por uma Educação do Campo.
Rio de Janeiro: Vozes.
Arroyo, M. (2017). Passageiros da noite:
do trabalho para a EJA, itinerários pelo
direito a uma vida justa. Petrópolis: Vozes.
Borghi, I. S. M., & Porto, K. S. (2019). A
importância dos saberes acadêmicos e dos
saberes populares na formação de
educadores da educação do campo. Acta
Scientiarum. Education, 41(1), e40063.
https://doi.org/10.4025/actascieduc.v41i1.4
0063
Castilho, M. A., & Tonus, L. O. (2008). O
lúdico e sua importância na formação de
jovens e adultos. Synergismus Scyentyfica -
Revista da UTFPR, 3(23), 1-4.
Ferreira, P. N. P., & Porto, K. S. (2020).
Práticas Pedagógicas desenvolvidas com
alunos com deficiência: um estudo de caso
em uma escola do campo de Feira de
Santana - BA. Revista Brasileira De
Educação Do Campo, 5, e7913.
https://doi.org/10.20873/uft.rbec.e7913
Freire, P. (1967). Educação como prática
da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Galdino, A., Galdino, S., & Bastos, M. F.
S. A. (2012). A ludicidade como mediação
pedagógica no contexto da educação de
jovens e adultos na Escola Municipal
Marcionílio Rosa Irecê/BA. Discentis,
1(2), 14-26.
Gerhardt, T. E., & Silveira, D. (2009).
Métodos de Pesquisa. Porto Alegre:
SEAD/UFRGS.
Lakatos, E. M., & Marconi, M. de A.
(2010). Fundamentos de metodologia
científica, (5). São Paulo: Atlas.
Leite, N. C., & Belo, A. L. M. (2016). A
importância da ludicidade na educação de
Jovens e Adultos: um estudo numa escola
pública do município Macapá/AP.
Recuperado de:
http://www.monografias.com/pt/trabalhos3
/importancia-educacao-jovens-
adultos/.shtml.
Lopes, K. R., Mendes, R. P., & Faria V. L.
B. de (2006). Coleção Proinfantil: módulo
IV, Unidade 5. Brasília: MEC. Secretaria
de Educação a Distância, 2.
Luckesi, C. (2014). Ludicidade e formação
do educador. Revista Entre Ideias, 3(2),
13-23. https://doi.org/10.9771/2317-
1219rf.v3i2.9168
Lüdke, M., & André, M. E.D.A. (1986).
Pesquisa em educação: abordagens
qualitativas. São Paulo: EPU.
Moreira, M. A., & Pinto, A. O. (2003).
Dificuldades dos Alunos na Aprendizagem
da Lei de Ampère, à Luz da Teoria dos
Modelos Mentais de Johnson-Laird.
Revista Brasileira de Ensino de Ciências,
25(3), 36-46.
https://doi.org/10.1590/S0102-
47442003000300009
Oliveira, E., Rodrigues, M. S., Souza, R.
S., Souza, R. S., & Guimarães, A. R.
(2016). O lúdico na Educação de Jovens e
Adultos. Recuperado de:
http://alb.org.br/arquivo-
morto/edicoes_anteriores/anais16/sem01pd
f/sm01ss04_08.pdf.
Porto, K. S., Duboc, M. J. O., & Ribeiro,
S. L. (2021). Educação do campo e
inclusão de alunos com deficiência:
percepções e práticas docentes. Educação
Em Foco, 24(42), 110133.
https://doi.org/10.24934/eef.v24i42.4836
Souza, S. V., Borghi, I. S. M., & Mendes, M. P. L., & Porto, K. S. (2021). A ludicidade na EJA/Campo no contexto de uma escola da Comunidade de
Matinha dos Pretos, Feira de Santana - BA...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e9700
10.20873/uft.rbec.e9700
2021
ISSN: 2525-4863
25
Resolução n. 1, de 3 de abril de 2002,
(2002, 3 de abril). Dispõe sobre as
Diretrizes operacionais para a educação
básica nas escolas do campo. Recuperado
de:
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/C
EB012002.pdf
Santos, J., & Porto, K. (2020). Vivências
de estágio de ciências da natureza no
contexto da educação do campo: uma
análise crítico-reflexiva. Revista Brasileira
De Ensino De Ciências e
Matemática, 3(1).
https://doi.org/10.5335/rbecm.v3i1.10238
Santos, C., de Jesus, J., & Porto, K. (2020).
O ensino e a aprendizagem de Matemática
na perspectiva da Educação do Campo e da
Etnomatemática. Revista de Ensino de
Ciências E Matemática, 11(6), 937-957.
https://doi.org/10.26843/rencima.v11i6.26
88
Silva, L. H. (2003). As experiências de
formação de jovens do campo
Alternância ou Alternâncias? Viçosa:
Editora UFV.
Silva, L. H., & Miranda, E. L. (2012).
Formação por alternância na Educação de
Jovens e Adultos no campo. Recuperado
de:
file:///D:/Downloads/_arquivos_29530de2
1430
Silva. M. S. (2009). As práticas
pedagógicas das escolas do campo: a
escola na vida e a vida como escola. (Tese
de Doutorado). Universidade Federal de
Pernambuco, Recife.
Vasconcellos, C. S. (2000). Planejamento
Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto
Político-Pedagógico. 7. ed. São Paulo:
Ladermos Libertad-1.
Vygotsky, L. S. (1989). A formação social
da mente. São Paulo: Martins Fontes.
i
Entende-se por populações do campo os
agricultores familiares, os extrativistas, os
pescadores artesanais, os ribeirinhos, os assentados
e acampados da reforma agrária, os trabalhadores
assalariados rurais, os quilombolas, os caiçaras, os
povos da floresta, os caboclos e outros que
produzam suas condições materiais de existência a
partir do trabalho no meio rural (Brasil, 2010).
Informações do Artigo / Article Information
Recebido em : 17/06/2020
Aprovado em: 13/03/2021
Publicado em: 30/11/2021
Received on June 17th, 2020
Accepted on March 13th, 2021
Published on November, 30th, 2021
Contribuições no Artigo: Os(as) autores(as) foram
os(as) responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for
the designing, delineating, analyzing and interpreting the
data, production of the manuscript, critical revision of the
content and approval of the final version published.
Conflitos de Interesse: Os(as) autores(as) declararam
não haver nenhum conflito de interesse referente a este
artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Avaliação do artigo
Artigo avaliado por pares.
Article Peer Review
Double review.
Agência de Fomento
Não tem.
Funding
Souza, S. V., Borghi, I. S. M., & Mendes, M. P. L., & Porto, K. S. (2021). A ludicidade na EJA/Campo no contexto de uma escola da Comunidade de
Matinha dos Pretos, Feira de Santana - BA...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e9700
10.20873/uft.rbec.e9700
2021
ISSN: 2525-4863
26
No funding.
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Souza, S. V., Borghi, I. S. M., Mendes, M. P. L. Porto, K.
S. (2021). A ludicidade na EJA/Campo no contexto de
uma escola da Comunidade de Matinha dos Pretos, Feira
de Santana - BA. Rev. Bras. Educ. Camp., 6, e9057.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e9057
ABNT
SOUZA, S. V.; BORGHI, I. S. M.; MENDES, M. P. L.;
PORTO, K. S. A ludicidade na EJA/Campo no contexto de
uma escola da Comunidade de Matinha dos Pretos, Feira
de Santana - BA. Rev. Bras. Educ. Camp.,
Tocantinópolis, v. 6, e9057, 2021.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e9057