Editorial: Educação do Campo: Culturas e Territórios
DOI:
https://doi.org/10.70860/ufnt.rbec.e20307Resumo
O dossiê Educação do Campo: culturas e territórios reúne reflexões, pesquisas e experiências que problematizam as múltiplas dimensões da vida e da formação nos espaços camponeses, em diálogo com as culturas, saberes e práticas que constituem os territórios do campo. Ao evidenciar a riqueza e a diversidade desses contextos, os artigos aqui reunidos contribuem para compreender a Educação do Campo como um projeto político e pedagógico que ultrapassa os limites da escola, que se articula às lutas sociais, às culturas coletivas e à construção de modos de vida específicos considerando a diversidade territorial presente em nosso país.
As populações do campo possuem um modo próprio de vivenciar sua cultura e de organizar o meio social em que estão inseridas. Esses elementos configuram dinâmicas específicas que influenciam tanto a constituição dos sujeitos quanto a formação dos coletivos sociais. As formas pelas quais produzem e reproduzem as condições de sua existência, no cotidiano da vida vivida, incidem diretamente nos modos de ser, agir e pertencer desses sujeitos, expressando marcas socioculturais que caracterizam a diversidade da cultura camponesa (Thum; Foerste, 2020).
As contribuições que compõem este dossiê expressam olhares interdisciplinares e contextualizados, refletindo tanto sobre os desafios enfrentados pelas comunidades do campo diante das desigualdades históricas e das políticas públicas, quanto sobre as resistências, as inovações e as práticas educativas que afirmam a autonomia dos sujeitos e a valorização de suas culturas.
Esta edição especial da Revista foi proposta pelo Grupo de Pesquisa (CNPq) Culturas, Parcerias e Educação do Campo e pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação do Campo, da Cidade e Educação Social (Nepeces), ambos vinculados à Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). O Grupo e o Núcleo, ao longo dos anos, têm se destacado por desenvolver pesquisas, formar pesquisadores e articular parcerias com movimentos sociais, escolas do campo e comunidades tradicionais, consolidando-se como referências nacionais na produção de conhecimento crítico sobre a Educação do Campo.
Diante disso, há a necessidade de enfatizar a relevância dos trabalhos realizados pelo Grupo de Pesquisa que se ancora na valorização das culturas, dos saberes, das identidades campesinas, bem como o desenvolvimento de projetos formativos que reconhecem os sujeitos como agentes históricos, isto é, cuja existência se constitui a partir das lutas históricas empreendidas nos diversos territórios rurais do Estado. Em suma, o grupo objetiva disseminar os conhecimentos científicos/acadêmicos em diálogo com os saberes dos povos tradicionais, respeitando seus territórios, suas culturas, buscando parceiros para lutar pela educação de todos os sujeitos (Souza; Cunha; Müller, 2020).
Nesse horizonte, a Revista Brasileira de Educação do Campo (RBEC) tem se consolidado como um “lócus” de interlocução acadêmica e política, de circulação de pesquisas e experiências comprometidas com a transformação social e a afirmação da Educação do Campo como campo de conhecimento. Desde sua criação, a RBEC tem assumido a tarefa de dar visibilidade a estudos que emergem das universidades, dos movimentos sociais e das comunidades, fortalecendo uma rede de produção científica crítica e engajada.
A publicação deste dossiê reafirma, portanto, a missão das revistas e dos grupos de pesquisa envolvidos de contribuir para a consolidação da Educação do Campo como área de pesquisa, formação e ação política. Mais do que registrar práticas e reflexões, este dossiê se coloca como espaço de resistência, memória e luta, reafirmando a centralidade das culturas e dos territórios camponeses na construção de uma educação democrática, plural e socialmente referenciada.
Assim, este conjunto de textos se constitui como espaço de diálogo entre pesquisadores, educadores, estudantes e movimentos sociais, reafirmando a centralidade da Educação do Campo na luta pela justiça social, pela democratização do conhecimento e pelo reconhecimento das territorialidades e culturas camponesas como patrimônios vivos.
O conjunto de artigos que compõem este Dossiê está organizado em quatro eixos organizados entre si:
- Formação de sujeitos, culturas e modos de vida no campo;
- Pedagogia da Alternância, formação de educadores e práxis pedagógica na Educação do Campo;
- Práticas pedagógicas e mediações digitais na Educação do Campo;
- Direitos, políticas públicas e lutas sociais na Educação do Campo.
O primeiro eixo reúne estudos que discutem sobre os processos formativos e socioculturais que configuram os sujeitos do campo, com foco em suas experiências, culturas, modos de vida e lutas sociais, bem como a construção de sentidos sobre o ser e viver nos diversos territórios. São pesquisas que analisam como esses sujeitos se formam, constroem saberes, resistem e produzem vida em diálogo com suas territorialidades. Com destaque para os artigos: O binômio “no/do campo” e a constituição de sujeitos; Educa Pampa: uma proposta para cuidar da Pampa e dos saberes de suas gentes; A Educação do Campo para além da construção de um Território Educativo: a contribuição da EJA Campo na formação de sujeitos sociais no Quilombo de Uxizal Mocajuba-Pará; Território, Luta e Educação: A Experiência da Escola Agrícola 25 de Maio em Fraiburgo (SC); Mulheres, protagonismo, lutas e resistências no cenário brasileiro: perspectivas sobre a Amazônia; Estagiar em Pedagogias e floresteios com o rio Purus; Concepção de natureza na Educação do Campo: uma investigação a luz do materialismo histórico dialético; A infância do lugar: o território como matriz formativa de educadores da educação infantil do campo; A assim chamada Acumulação Primitiva como chave hermenêutica para Educação do Campo no Brasil; A escola multisseriada como mediadora na valorização da infância e da cultura dos povos tradicionais pomeranos; Educação do Campo em Território Caiçara: Temas Geradores como Prática de (Re)Existência nas Ilhas de Guaraqueçaba-PR; A Educação do Campo nas Comunidades Ribeirinhas de Porto Velho-RO e a necessidade de construção de uma Pedagogia do Rio; Cultura e Identidade Territorial: Uma análise a partir da Organização do Trabalho Pedagógico na Educação do Campo; Entre o rio e a sala de aula: a Educação do Campo como instrumento de inclusão e formação crítica de ribeirinhos na Amazônia; Desafios para diálogos entre currículo escolar e culturas ribeirinhas; Silêncios que ensinam, vozes que resistem: narrativas de violência na formação de sujeitos do campo; Entre o sonho de “ser cowboy” e a formação da identidade de crianças camponesas: uma análise a partir do Grupo Focal; A Educação do Campo no Caparaó Capixaba: Território, Cultura e Silenciamentos; Raízes e Horizontes: Desafios e Potencialidades na Educação do Campo - Um Estudo na Escola Familiar Agrícola Rita Lore Wicklein; Desafios e possibilidades na construção de um currículo intercultural, com foco na comunidade quilombola; Experiências de agroecologia em escolas do campo de territórios da Reforma Agrária.
O segundo eixo engloba trabalhos sobre a formação de educadores e as práticas pedagógicas no campo, incluindo pesquisas sobre a Pedagogia da Alternância, a organização do trabalho pedagógico e experiências que articulam escola, comunidade e realidades camponesas. Os artigos que compõem este eixo são: Relato de experiência no curso de Licenciatura em Educação do Campo na aprendizagem sobre Agroecologia; Educação do Campo, Agroecologia e Letramentos: Escola da Terra e a formação continuada de professores no Sertão de Minas Gerais; Escolas multisseriadas e gestão democrática: possibilidades de resistência na Educação do Campo; Educação em Agroecologia na Pedagogia da Alternância: uma proposta formativa; Professoras alfabetizadoras de escolas multisseriadas: narrativas das práticas docentes; Pedagogia da Alternância (PA): trabalho pedagógico que articula escola e territórios campesinos; Uma formação permanente de educadores(as) da Educação do Campo: reinventando a práxis da Pedagogia da Alternância na perspectiva freireana; Auto-organização dos estudantes na Escola Itinerante Herdeiros do Saber em Rio Bonito do Iguaçu: reflexões a partir da pedagogia socialista; Formação de educadores do campo com ênfase em tecnologias digitais e metodologias Ativas; A alfabetização de jovens e adultos no Brasil: a invisibilidade da realidade dos trabalhadores rurais; Incongruências nas políticas públicas de educação para a formação inicial de professores da escola do campo; Formação de educadores no MST no contexto do estado do Espírito Santo; Formação Continuada de Professores da Educação do Campo: um olhar voltado para as ações de uma secretaria municipal de educação na Mata Norte de Pernambuco; A formação da identidade docente sob a ótica da Educação Contextualizada e da Sustentabilidade, imersão à Escola Família Agrícola Serra da Capivara, no Piauí; Oficina Pedagógica como Instrumento para o Ensino de Geografia na Educação do Campo; O currículo narrativo na Educação do Campo como perspectiva de superação ao currículo prescritivo; A implementação da BNCC nas escolas de Ensino Médio na educação do campo no Acre; A escola como vitrine da agricultura sustentável: experiências de Educação em Agroecologia em uma Escola Família Agrícola em uma comunidade pomerana.
O terceiro eixo contempla estudos que analisam o uso de tecnologias digitais, recursos pedagógicos mediados pelas Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) e suas implicações nos processos de ensino e aprendizagem no campo, destacando desafios de acesso, uso e apropriação crítica das tecnologias pelos sujeitos da Educação do Campo. Esses artigos estão organizados nas seguintes temáticas: Aprendizagem Baseada em Projetos (ABP) e Multiletramentos Digitais na Educação do Campo: relatos de experiência com uma turma do 5º ano; Os impactos da Inteligência Artificial (IA) no ensino de Matemática na Educação do Campo; Ensino de Ciências em uma escola integral e do campo a partir da problematização baseada no Arco de Maguerez; Tecnologias digitais e práticas inventivas na Educação do Campo: vivências com crianças em território de assentamento rural em Montes Claros-MG; Aproximações e distanciamentos entre Educação do Campo e Alfabetização Científica: Uma Comparação Teórica e Pedagógica; Os itinerários formativos para os estudantes do campo na Amazônia Acreana e o currículo transgressor; Intencionalidades e impactos da Reforma do Ensino Médio nas escolas do/no campo no contexto capixaba; Agrotóxicos e Educação no Campo: A pertinência da Formação Continuada de Professores a partir da realidade de vida no campo; Práticas pedagógicas de Educação Física em escolas do campo na perspectiva libertadora.
O quarto eixo integra estudos que analisam políticas educacionais e seus impactos estruturais sobre a Educação do Campo, incluindo reformas do Estado, fechamento de escolas, disputas territoriais e limitações ou avanços na garantia de direitos sociais. São trabalhos que problematizam as tensões entre Estado, território e sujeitos, evidenciando contradições, lutas e possibilidades de transformação social. Esses artigos estão dispostos nas seguintes temáticas: “O Longo Caminho até…” uma pesquisa audiovisual participativa do cotidiano escolar do campo em Barbalha, Ceará; Educação do Campo em Mato Grosso do Sul: um caminho de emancipação, desafios e perspectivas; A retomada pós pandemia: vozes de professoras, alunos e mães sobre o ensino-aprendizagem em contexto urbano; Análise do Estado de conhecimento sobre o termo Educação do Campo nos trabalhos de conclusão de curso na faculdade de Educação do Campo da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (FECAMPO/UNIFESSPA); Contradições do fechamento das escolas do campo: a relevância social da escola para a comunidade; Entre a normatividade e a resistência: Tensões curriculares na implementação da Educação Escolar Quilombola; A resistência comunitária em prol da Escola Municipal do Campo Professora Edith Ebiner Eckert, Paranavaí/PR (1974-2023); Alfabetizar-letrando, multisseriado e formação continuada: indagações e desafios à educação do campo.
Estas publicações têm como objetivo central suscitar reflexões na perspectiva sócio-histórica, a partir de autores(as) cujas produções teórico-práticas oferecem contribuições significativas às pesquisas educacionais em distintos contextos sociais. Nesse bojo, Caliari (2023) compreende a pesquisa como um processo dinâmico, capaz de abrir caminhos diversos, que orienta o pesquisador no alcance dos objetivos propostos e na construção de uma interlocução de significados, partilhas, interpretações e aprendizagens com os coletivos investigados.
Posto isto, este Dossiê busca estabelecer relações e aproximações entre estudos desenvolvidos por pesquisadores(as) de diferentes universidades, configurando uma prática colaborativa que envolve não apenas sujeitos vinculados às instituições de pesquisa, mas também professores(as) da educação básica que atuam em múltiplos espaços educativos. Esse movimento expressa o reconhecimento da centralidade da pesquisa na formação e no trabalho docente, “considerando o papel ativo e crítico do professor como sujeito investigador nesse processo” (Venturim, 2020, p. 180).
Este Dossiê materializa uma trajetória fecunda de diálogos sobre e com a Educação do Campo. Nesse sentido, registramos nossos agradecimentos a todos(as) os autores(as) que submeteram seus trabalhos, aos avaliadores(as) ad hoc com suas valiosas contribuições e aos editores da Revista Brasileira de Educação do Campo pela acolhida e apoio à publicação deste Dossiê.
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Referências
Souza, A. R. de., Cunha, E. C. S., Müller, E. R. (2020). O Grupo de pesquisa “Culturas, parcerias e educação do campo”: Lutas e resistências coletivas. In E. Foerste (Org.), Culturas, parcerias e Educação do Campo (pp. 141–152). Appris.
Caliari, R. (2023). O pesquisador na relação com os espaços e lugares da sua pesquisa. In C. R. Brandão, E. Foerste, & J. Gerke (Orgs.), Metodologia da pesquisa e da formação na Educação do Campo (pp. 49–71). Appris.
Venturim, S. (2020). Formação do professor pela e na pesquisa: Conceitos e experiências em construção. In B. Fichtner et al. (Orgs.), Cultura, dialética e hegemonia: Pesquisas em educação (pp. 179–195). Appris.
Thum, C., & Foerste, E. (2020). Memórias e culturas: Extensão-formação-pesquisa. In E. Foerste (Org.), Culturas, parcerias e Educação do Campo (pp. 141–152). Appris.
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